Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01582/13
Data do Acordão:12/04/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
MAIS VALIAS
RETROACTIVIDADE
Sumário:I - As alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho aplicam-se apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010 – art. 5.º da Lei n.º 15/2010).
II - Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12.º n.º 1 da LGT e do CC).
III - Sendo o rendimento anual para efeitos de IRS um facto complexo de formação sucessiva, na ausência de norma expressa em sentido diverso, poderá aplicar-se, sem retroactividade própria ou autêntica, a lei nova aos factos que o integram ocorridos a partir da sua entrada em vigor (artigo 12.º n.º 2 da Lei Geral Tributária).
Nº Convencional:JSTA00068493
Nº do Documento:SA22013120401582
Data de Entrada:10/14/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............ E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CONST76 ART103 N3.
LGT98 ART12 ART45 N4 ART48.
L 15/2010 DE 2010/07/26 ART1 ART2 ART5.
CIRS01 ART9 ART10 ART1 ART10 N2 ART72 N4.
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC319/2012.; AC TC PROC128/2009.; AC TC PROC85/2010.; AC TC PROC399/2010.; AC TC PROC310/2012.; AC STA PROC018287 DE 1995/01/18.
Referência a Doutrina:XAVIER DE BASTO - IRS INCIDÊNCIA REAL E DETERMINAÇÃO DOS RENDIMENTOS LIQUIDOS PAG379 PAG397 PAG427.
RUI MORAIS - SOBRE O IRS 2ED PAG171.
CARDOSO DA COSTA - O ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL IN PERSPECTIVAS CONSTITUCIONAIS NOS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO VOLII PAG418.
MANUEL FAUSTINO - RETROACTIVIDADE RETROSPECTIVIDADE E ALGUMA SERENIDADE REVISTA DE FINANÇAS PUBLICAS E DIREITO FISCAL VOLIII N3 PAGS183-208.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 24 de Janeiro de 2013, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………… e mulher, B…………, contra parte da liquidação de IRS n.º 20115004624767 relativa ao ano de 2010, anulando-a na parte impugnada e condenou a Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data em que foi efectuado pelos recorrentes o pagamento do imposto apurado até à data em que for emitida a respectiva nota de crédito.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 24-01-2013, que julgou procedente a impugnação da liquidação n.º 20115004624767, de IRS do ano de 2010, na parte correspondente à tributação do saldo de todas as mais e menos-valias realizadas até 26/07/2010 à taxa de 20%;
B. pretendendo que a Administração Tributária apenas poderia ter tributado o saldo das mais-valias e menos-valias decorrentes da alienação de acções, ocorrida até 26/07/2020 (sic) e desde que à data da alienação tivessem sido detidas há menos de 12 meses, à taxa de 10%.
C. A matéria a dirimir nos autos “traduz-se em determinar se a liquidação impugnada ao tributar as mais-valias obtidas pelos impugnantes com a alienação de acções, detidas há mais de 12 meses, ocorrida antes de 26/07/2010 e ao tributar as mais-valias mobiliárias à taxa especial de 20%, aplicando o disposto no art. 1.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho que revogou o art. 10.º, n.º 2 do CIRS e alterou a redacção do art. 72.º n.º 4 do mesmo Código, viola o princípio da retroactividade da lei fiscal e o princípio da protecção da confiança”.
D. Com a revogação do art. 10.º, n.º 2 do CIRS passaram a estar também abrangidas pela norma de incidência (não excluídas da tributação) as mais-valias obtidas com a alienação onerosa de participações sociais ainda que detidas há mais de doze meses.
E. Por outro lado, aumentou-se o valor da taxa a que está sujeita a tributação das mais valias de 10% para 20% (art. 72.º, n.º 4 do CIRS), também aqui atenuando a protecção aos ganhos de capital em valores mobiliários.
F. Dá-se por reproduzida a matéria de facto, posto que o nosso inconformismo prende-se com a valoração jurídico factual tida pela juíza do Tribunal a quo, que a levou a proferir decisão errada, eivada de “error in iudicando” (já que procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado).
G. Cuidou a Meritíssima Juíza “a quo” de analisar se na situação dos autos ocorreu a aplicação retractiva das alterações ao Código do IRS:
H. considerando que optando pelo englobamento o saldo entre as mais e menos valias será adicionado aos demais rendimentos para que sejam tributados pela globalidade às taxas gerais aplicáveis à situação particular, em função dos rendimentos englobados. Não optando, como ocorre no caso vertente, pelo englobamento a mais-valia apurada é sujeita a taxa especial;
I. e que, no caso das mais-valias de participações sociais sendo o facto gerador de imposto a sua alienação onerosa, não estamos perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas sim perante um facto tributário instantâneo (o facto tributário que dá origem ao imposto esgota-se na realização da mais-valia).
J. Concluindo tratar-se de uma situação semelhante às tributações autónomas em sede de IRC, similitude que é ainda maior dado o contribuinte não ter optado pelo englobamento.
K. Entendemos, em desabono da tese sustentada e na esteira do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/2010, quanto às operações de alienação de valores mobiliários e mais-valias com as mesmas realizadas, efectivadas entre 1 de Janeiro e 26 de Julho de 2010, no que se refere às acções até então detidas pelo alienante há mais de um ano, que não ocorrerá retroactividade da lei fiscal: o facto tributário consubstanciado na alienação não ficou completo no momento da referida venda, na medida em que o que é sujeito a tributação no final do ano fiscal em curso não são as mais-valias realizadas individualmente em cada uma dessas operações, mas o saldo positivo verificado, no final do ano fiscal (2010), entre as mais-valias e as menos-valias realizadas durante esse mesmo ano.
L. Só apurado esse saldo se encontra o rendimento tributável e só então será possível saber se há ou não tributação (recorda-se, aliás, que os primeiros €500,00 de saldo positivo de mais-valias não são tributados em IRS para os residentes. Ou seja, só nessa data se completa ou torna perfeito o facto tributário correspondente.
M. A taxa aplicada ao saldo das operações em causa não tem natureza de uma taxa liberatória, antes constitui uma taxa especial.
N. Quanto à questão da protecção da confiança, o nível de frustração das expectativas dos visados pelas alterações promovidas pela Lei n.º 15/2010 é manifestamente mais grave do que o verificado na situação na situação que envolve a mera compra de valores mobiliários no âmbito da lei antiga; no entanto, tendo o Tribunal Constitucional entendido, no âmbito do Acórdão n.º 399/2010, que o estabelecimento, em Junho de 2010, de um novo escalão de IRS de 45% e o aumento, na mesma data, da taxa de IRS em todos os escalões de imposto, com efeitos reportados ao início do ano em ambas as situações, não colide de forma intolerável com decisões da vida que os contribuintes tenham eventualmente tomado, dificilmente considerará de forma diferente no que às alterações sobre o regime de tributação das mais-valias mobiliárias diz respeito.
O. E, ainda que assim não considerasse o Tribunal Constitucional, sempre seria invocável a circunstância de, também neste caso, à semelhança do Acórdão referenciado supra, ocorrerem razões de interesse público, associadas à situação económico-financeira do país que justificam, após ponderação dos elementos conflituantes em presença, a não continuidade do comportamento do Estado que originou a situação de expectativa dos privados.
P. Face ao que ficou exposto, não poderia a sentença “a quo” ter concluído, como concluiu: estar vedada a eficácia retroactiva das alterações introduzidas pela lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, seja revogando a não sujeição tributária prevista no art. 10.º n.º 2 do CIRS quanto às mais-valias ditas de longo prazo, seja aumentando a taxa de tributação de 10% para 20% (art. 72.º n.º 5 do CIRS), que agravam a situação dos contribuintes abrangidos, com a consequente anulação da liquidação, na parte que vem impugnada.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência da impugnação judicial deduzida contra liquidação de IRS (ano 2010) e juros compensatórios no montante total de €18 804,55
FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: legalidade da incidência de tributação de IRS à taxa especial de 20% sobre as mais-valias resultantes da alienação onerosa de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, obtidas antes do início da vigência da Lei n.º 15/2010, 26 julho
1. Quadro normativo aplicável
O IRS é um imposto periódico incidente sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias legais, obtido após as correspondentes deduções e abatimentos (art. 1.º, n.º 1 do CIRS)
As mais-valias constituem incrementos patrimoniais sujeitos a IRS (rendimentos da categoria G), desde que não considerados rendimentos de outras categorias (arts. 1.º n.º 1 e 9.º, n.º 1 al. a) CIRS)
Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários (art. 10.º n.º 1 al. b) CIRS); excluíam-se da tributação como mais-valias os ganhos resultantes da alienação onerosa de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses (art. 10.º, n.º 2 al. a) CIRS redacção DL n.º 228/2002, 31 Outubro)
O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização (alienação onerosa) e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais (art. 10.º n.º 4 al. a) CIRS)
O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano; o saldo tributável corresponde a 50% do saldo apurado, no caso de transmissões efectuadas por residentes (art. 43.º n.º 1 e 2 CIRS)
A Lei n.º 15/2010, 26 junho, com início de vigência no dia seguinte ao da sua publicação:
a) Revogou a norma excludente constante do art. 10.º n.º 2 CIRS (art. 2.º);
b) Alterou a norma constante do art. 72.º n.º 4 do CIRS, passando o saldo positivo entre mais-valias e menos valias a ser tributado à taxa de 20% (art. 1.º);
O ganho consubstanciante da mais-valia considera-se obtido na data da alienação onerosa das partes sociais ou dos valores mobiliários (art. 10.º, n.º 3 CIRS)
Como corolário do princípio constitucional da irretroactividade dos impostos, as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, em consonância com o princípio geral da aplicação da lei tributária no tempo (art. 103.º, n.º 3 CRP; art. 12.º n.º 1 LGT)
2. Apreciação do caso concreto
A periodicidade anual do imposto não justifica a aplicação retroactiva da Lei n.º 15/2010, 26 julho a factos tributários ocorridos antes do início da sua vigência, sob pena de violação do princípio sobre a aplicação da lei tributária no tempo.
A tese da recorrente Fazenda Pública incorre no erro de confusão conceptual entre facto tributário (ganho resultante da alienação onerosa) e matéria colectável das mais-valias (50% do saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano)
Subscrevemos a apreciação expressa na sentença impugnada, segundo a qual “nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais o tributo incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, surgindo o facto gerador do tributo isolado no tempo. Simplesmente há uma consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeitos de apuramento da matéria colectável, sobre a qual vai incidir a taxa especial ou que vai ser englobada aos rendimentos das demais categorias (fls. 46)
O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, 27 outubro 2010, é inaplicável ao caso concreto na medida em que, após considerações sobre o princípio da irretroactividade das leis fiscais:
- emite pronúncia sobre questão distinta: aplicação do art. 68.º n.º 1 CIRS a todos os rendimentos auferidos no ano de 2010 após alterações introduzidas pela Lei n.º 11/2010, 15 junho (novo escalão para rendimento colectável superior a €150 000, sujeito à taxa de 45%) e pela Lei n.º 12-A/2010 30 junho (aumento do valor da taxa de todos os escalões, incluindo o escalão e a taxa introduzidos pela Lei n.º 11/2010, 15 junho);
- não declara a inconstitucionalidade da norma constante do art. 68.º n.º 1 CIRS, nas sucessivas redacções conferidas pelos diplomas supra identificados
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a impugnação da liquidação de IRS na parte impugnada – respeitante à aplicação da taxa de 20% às mais-valias resultantes da venda de acções realizadas antes de 27 de Julho de 2010, data da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, mesmo que detidas há mais de doze meses -, no entendimento de que a aplicação do disposto naquela Lei a tais rendimentos se configurava como aplicação retroactiva da lei nova, constitucionalmente vedada pelo disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República.

5 – Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu objecto de recurso foram fixados os seguintes factos:
1. No ano de 2010 a Impugnante esposa alienou as seguintes ações por si detidas,






– cfr. doc. de fls 18 e 19 dos autos.
2. No Anexo G à declaração Modelo 3 – IRS, relativa ao ano de 2010, os Impugnantes declararam, entre o mais,
3.



– cfr. docs. de fls. 13 e 14 dos autos.

4. Com base na declaração de rendimentos apresentada foi emitida a liquidação n.º 20115004624767, entre o mais, com o seguinte teor,


- cfr. doc. de fls. 9 dos autos.
5. A liquidação referida no ponto anterior foi paga em 7.9.2011. – cfr. doc. de fls. 9 dos autos.

6 – Apreciando.
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 36 a 51 dos autos, julgou totalmente procedente a impugnação oportunamente deduzida pelos ora recorridos, anulando a liquidação sindicada na parte impugnada - correspondente à tributação do saldo de todas mais-valias e menos-valias realizadas até 26.7.2010 à taxa de 20%, quando apenas poderia ter tributado o saldo das mais-valias e menos-valias decorrentes da alienação de ações, ocorrida até 26.7.2010 e desde que à data da alienação tivessem sido detidas há menos de 12 meses, à taxa de 10% - e condenando a Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde 7.9.2011 (data de pagamento) até à data da emissão da respectiva nota de crédito, no entendimento de que a liquidação sindicada padecia do vício de violação de lei por aplicação retroativa das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição e do disposto no artigo 12.º da Lei Geral Tributária.
Fundamentou-se o decidido nos seguintes termos (fls. 41 a 49 dos autos):
«Entendem os Impugnantes que a liquidação em causa padece de vicio de violação de lei já que às mais valias por si obtidas com a alienação de ações detidas há mais de 12 meses e vendidas antes de 26.7.2010 se aplica o disposto no art. 10.º, n.º 2 do CIRS, na redação anterior à Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, pelo que se encontram excluídas de tributação e as mais-valias mobiliárias (resultantes da alienação de ações não detidas há mais de 12 meses) são tributadas à taxa especial de 10%, ao abrigo do art. 72.º, n.º 4 do CIRS na redação anterior à Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho. Pelo que a AF ao efetuar a liquidação aplicando o disposto no art. 1.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, fê-lo em violação da proibição de aplicação retroativa da lei fiscal prevista no art. 103.º, n.º 3 da CRP.
Dispunha o art. 10.º do CIRS, na redação vigente até à entrada em vigor, em 27 de Julho de 2010, da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, que,
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
[...]
b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia;
[...]
2 - Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de:
a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses;
[...]
3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
[...]
4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;
[...]
11 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2, os sujeitos passivos devem declarar a alienação onerosa das acções, ainda que detidas durante mais de 12 meses, bem como a data da respectiva aquisição.
[...]”.
Por sua vez, o art. 72.º, n.ºs 4 e 7 do CIRS, previa que
“4 - O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 10%.
[...]
7 - Os rendimentos previstos nos n.ºs 4, 5 e 6 podem ser englobados por opção dos respectivos titulares residentes em território português.”
A Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, estabelecendo a sua entrada em vigor no dia seguinte à da sua aplicação (cf. art. 5.º), ou seja, em 27.7.2010, revogou o n.º 2 do art. 10.º do CIRS e alterou a redação quer do n.º 11 do mesmo normativo para “os sujeitos passivos devem declarar a alienaçaÞo onerosa das acçoÞes, bem como a data das respectivas aquisiçoÞes”, quer do n.º 4 do art. 72.º, passando aí a prever-se que “O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operaçoÞes previstas nas aliìneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º é tributado à taxa de 20%”.
O principio da proibição da retroatividade fiscal encontra-se consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição que dispõe que «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».
Escreveu-se a respeito deste normativo no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 319/2012, que “Assim, para que o Estado possa cobrar um imposto ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito.
Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus atores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras.
Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado.
É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no artigo 103.º, n.º 3, a regra da proibição da retroatividade da lei fiscal desfavorável. Com esta alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstrato de grave violação daquela confiança.
O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n.º 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).”
Mais se note que a propósito da aplicação da lei tributária no tempo rege o art. 12.º da Lei Geral Tributária entre o mais que,
“1. As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.
2. Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”
Tecidas estas considerações vejamos se na situação dos autos ocorreu a aplicação do retroativa das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
Para isso importa que, previamente, se analise o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e especificamente a tributação das mais-valias mobiliárias em sede de IRS.
A respeito do IRS, no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 399/10 deu-se conta que “O IRS caracteriza-se, em primeiro lugar, por ser um imposto directo, em que se tributam os rendimentos das pessoas singulares. Este imposto assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que o facto tributário sujeito a imposto só está completo no último dia do período de tributação. O facto tributário que dá origem ao imposto é, pois, complexo.
A configuração do elemento temporal do facto tributário é, no IRS, duradoura, pelo que se trata de um imposto periódico. Ou seja, a relação jurídica fonte da obrigação de imposto tem na sua base situações estáveis que se prolongam no tempo.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do CIRS, “o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos”. Ou seja, trata-se de um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si (embora a retenção na fonte possa, por vezes, obnubilar esta realidade), mas sim o englobamento de todos os rendimentos recebidos num determinado ano. O que significa que só no final do ano de 2010 se pode apurar a taxa do imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere.
Acresce ainda que as normas relativas à caducidade do direito à liquidação e à prescrição apontam igualmente no sentido do carácter anual do imposto. Assim, o artigo 45.º, n.º 4, da LGT estabelece que nos impostos periódicos o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e o artigo 48.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, determina que as dívidas tributárias prescrevem nos impostos periódicos, no prazo de oito anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Quer dizer, para efeitos de caducidade do direito à liquidação e de prescrição cada facto gerador de rendimento individualmente considerado não é por si só considerado um facto tributário autónomo.”
No que se reporta às mais-valias estas constituem aumentos inesperados do valor dos ativos patrimoniais, não sendo por definição um rendimento-produto, por não constituírem a contrapartida da participação na atividade produtiva (cf. neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 379).
Um dos princípios gerais da sua tributação é, desde logo, o princípio da realização, isto é, só há tributação quando a mais-valia é realizada, quando o ativo é transacionado, excluindo-se de tributação os aumentos de valor dos ativos que não tenham sido objeto de alienação onerosa. O que se justifica por razões de dificuldades administrativas, as dificuldades de liquidez e a dificuldade de compreensão da tributação de meros paper gains.
Em sede de IRS, o art. 10.º, n.º 1, al. b) do Código insere no campo de incidência da tributação as mais-valias de partes sociais e valores mobiliários, sendo que esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, a sua alienação onerosa. E é esta alienação onerosa o facto gerador (vd. José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397).
Como escreve José Guilherme Xavier de Basto (in IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397 e 427) “No que respeita ao momento em que o imposto é exigível […] rege o n.º 3 do artigo 10.º, que estabelece, como regra geral, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1”. Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento do ato que “realiza” a mais-valia. Dir-se-á, em termos gerais, que o momento relevante é, pois, o da alienação do activo em que se apuraram mais-valias tributáveis, ou operação a ela equiparada.”. Daqui resulta que, em geral (opostamente ao que sucede na alínea b) deste normativo), a exigibilidade do imposto coincide com o momento em que se verifica o seu facto gerador.
Quanto ao seu regime fiscal, no caso das mais-valias mobiliárias ele passa pela não obrigatoriedade do englobamento das mais-valias tributáveis (72.º, n.º 7 do CIRS) e pela tributação a uma taxa especial (art. 72.º, n.º 4 do CIRS). E nos termos do art. 43.º, n.,º 1 do CIRS o que se tributa nas mais-valias é “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”.
Assim, optando pelo englobamento os rendimentos de mais-valias (ou melhor o saldo entre mais-valias e menos-valias) serão adicionados aos demais rendimentos para que sejam tributados pela globalidade às taxas gerais aplicáveis à situação particular, em função da totalidade dos rendimentos englobados. Não optando pelo englobamento a mais-valia apurada é sujeita a tributação a uma taxa especial.
Ora, é bom de ver que no caso das mais-valias de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa, não estamos perante um facto tributário complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas sim perante um facto tributário instantâneo.
O facto tributário que dá origem ao imposto esgota-se na realização da mais-valia (Atente-se que já o imposto de mais –valias era tido como de obrigação única - cf. Ac. do STA de 18.1.1995, P. 18287).
E a este entendimento não obsta a circunstância de ser tributado “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”, pois que o que está em causa no art. 43.º, n.º 1 do CIRS é, ao lado das normas que regem a determinação do ganho sujeito a imposto, a determinação da matéria coletável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais-valias.
Trata-se, a nosso ver, de uma situação semelhante às tributações autónomas em sede de IRC, onde se concluiu que “o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação [...]” [cf. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 310/2012].
Com efeito, também nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais o tributo incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, surgindo o facto gerador do tributo isolado no tempo. Simplesmente há uma consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeito de apuramento da matéria coletável, sobre a qual vai incidir a taxa especial ou que vai ser englobada aos rendimentos das demais categorias.
A similitude com as situações de tributação autónoma é ainda maior quando, como in casu, o contribuinte não opta pelo englobamento, já que aqui ocorre verdadeiramente uma tributação separada, por aplicação de uma taxa fixa (vd. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS; Almedina, 2.ª edição, p. 171). Ou seja, a taxa vai ser aplicada ao saldo anual, não havendo qualquer influência da grandeza desse saldo na determinação da taxa.
Tendo em conta que a “(…) a linha demarcadora do âmbito da retroatividade fiscal constitucionalmente admissível passará, desde logo, pela distinção entre situações tributárias «permanentes» e «periódicas» e «factos» cuja eficácia fiscal se esgota ou se firma «instantaneamente», para cada um deles «de per si» (maxime, pela distinção entre «impostos periódicos» e «impostos de obrigação única»), e passará provavelmente, depois, no que concerne àquele primeiro tipo de situações, pela distância temporal que já tiver mediado entre o período de produção dos rendimentos e a criação (ou modificação) do correspondente imposto. Isto, de todo o modo, sem prejuízo do relevo de outras circunstâncias, cujo possível peso não poderá ignorar-se.” (Cfr. Cardoso da Costa, "O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal", in Perspetivas Constitucionais nos 20 anos da Constituição, Vol. II, Coimbra, 1997, p. 418).
Entendemos que no caso da tributação das mais-valias estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo de a matéria coletável ser apurada anualmente.
Face ao exposto vejamos, então, se ocorreu a aplicação retroativa das alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
Como se disse supra, a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação, não estabelecendo qualquer norma específica destinada a reger a sua aplicação no tempo.
Com a revogação do art. 10.º, n.º 2 do CIRS passaram, então, a estar também abrangidas pela norma de incidência, portanto não excluídas de tributação, as mais-valias obtidas com a alienação onerosa de participações sociais ainda que detidas há mais de doze meses.
Ou seja, eliminou-se a não sujeição tributária (art. 3.º, n.º 2 do EBF) prevista naquele art. 10.º, n.º 2 do CIRS (na redação anterior à Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho).
Pôs-se, assim, termo às críticas que se levantavam quanto a esta exclusão de incidência, tida como inaceitável à luz dos princípios da igualdade e da neutralidade económica das mais valias materializadas em participações sociais (vd., José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 402 e ss.), fundada apenas em justificações extra-fiscais como seja o objetivo de favorecimento do desenvolvimento do mercado dos valores mobiliários. Motivações essas que, na emergência da crise financeira que o país atravessa, deixaram de subsistir.
Por outro lado, aumentou-se o valor da taxa a que está sujeita a tributação das mais-valias de 10% para 20% (art. 72.º, n.º 4 do CIRS), também aqui atenuando a proteção aos ganhos de capital em valores mobiliários.
Ora, ao tributar a totalidade do saldo anual das mais-valias e mais-valias realizadas pelos Impugnantes à taxa de 20%, não diferenciando aquelas cuja alienação tivesse ocorrido até 26 de Julho de 2010 - excluindo de tributação as mais-valias realizadas relativamente a ações detidas à data da sua alienação há mais de 12 meses e tributando as demais à taxa de 10% -, é manifesto que a AF aplicou retroativamente as alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
Com efeito, considerando que o facto tributário ocorre à data da realização da mais-valia, ou seja, no momento da sua alienação, por aplicação do disposto no art. 12.º, n.º 1 da LGT, as mais-valias tributadas à taxa de 20% eram apenas as que resultassem da alienação – até 26 de Julho de 2010 - de ações detidas há menos de 12 meses e mesmo estas à taxa de 10%.
Dê-se conta que, tendo os Impugnantes optado pelo não englobamento e face aos elementos declarados, não se vislumbra qualquer óbice a que a AF determinasse o saldo das mais-valias e menos-valias até 26.7.2010, sujeitando-o às regras vigentes até essa data, e o saldo entre 27.7.2010 e 31.12.2010 fosse tributado já à luz das alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010.
A aplicação da nova lei a factos tributários de natureza instantânea, já completamente formados, anteriores à sua data de entrada em vigor – o facto gerador da obrigação fiscal, a alienação onerosa, ocorrida no período de 1.1.2010 a 26.6.2010 - é, consequentemente, uma aplicação retroativa da lei. A aplicação da nova lei a este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroatividade autêntica.
Como se disse no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 310/2012, “o que releva, face aos princípios constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto. É esse ato que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo que é nessa altura, em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da proteção da confiança, que se exige, como medida preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento.”.
Assim, está vedada a eficácia retroativa às alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, seja revogando a não sujeição tributária prevista no art. 10.º, n.º 2 do CIRS quanto às mais valias ditas de longo prazo, seja aumentando a taxa de tributação de 10% para 20% (art. 72.º, n.º 4 do CIRS), que agravam a situação dos contribuintes abrangidos.
De resto, é de relevar que esta lei entrou em vigor em 27.7.2010 e não previu qualquer disposição especial quanto à sua aplicação no tempo, donde deveria a AF ao efetuar a liquidação ter atendido às regras gerais previstas no art. 12.º da LGT, já que a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho não se pretendeu aplicar retroativamente, isto é, ela não tem eficácia retroativa.
Na realidade foi a AF que a aplicou retroativamente ao tributar indiferenciadamente – ignorando o seu período de detenção e a sua data de alienação - o saldo anual entre mais-valias e menos-valias realizadas pelos Impugnantes à taxa de 20%.
E note-se que ainda que se aceitasse o entendimento da AF de que estamos perante um facto jurídico-fiscal complexo de natureza sucessiva, a verdade é que também aqui não se poderia concluir de forma diversa quanto a ter ocorrido uma inaceitável aplicação retroativa das alterações introduzidas ao art. 10.º, n.º 2 e 72.º, n.º 4 do CIRS pelo art. 1.º da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
É que o art. 12.º, n.º 2 da LGT dispõe claramente que “se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”. Ou seja, apenas pode ser tributado à taxa de 20% o saldo entre as mais-valias e menos-valias relativo ao período decorrido a partir de 27.7.2010, sendo o saldo relativo ao período anterior a essa data tributado à luz das regras vigentes antes da entrada em vigor da lei nova – isto é, excluindo de tributação a alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses e tributando a alienação de acções detidas pelo seu titular durante menos de 12 meses à taxa de 10%.
Assim, o saldo das mais-valias e menos-valias quanto a ações detidas pelos Impugnantes há menos de 12 meses e alienadas até 26.7.2010 correspondia a € 3.074,08, sendo este tributado à taxa de 10%, ou seja, o imposto ascende nesta parte a apenas € 307,41.
Procede, assim, a presente impugnação». (fim de citação)
Discorda do decidido a recorrente, imputando à sentença recorrida error in iudicando (cfr. conclusão F das suas alegações de recurso), alegando, em desabono da tese sustentada e na esteira do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/2010, quanto às operações de alienação de valores mobiliários e mais-valias com as mesmas realizadas, efectivadas entre 1 de Janeiro e 26 de Julho de 2010, no que se refere às acções até então detidas pelo alienante há mais de um ano, que não ocorrerá retroactividade da lei fiscal: o facto tributário consubstanciado na alienação não ficou completo no momento da referida venda, na medida em que o que é sujeito a tributação no final do ano fiscal em curso não são as mais-valias realizadas individualmente em cada uma dessas operações, mas o saldo positivo verificado, no final do ano fiscal (2010), entre as mais-valias e as menos-valias realizadas durante esse mesmo ano, pois que só apurado esse saldo se encontra o rendimento tributável e só então será possível saber se há ou não tributação (recorda-se, aliás, que os primeiros €500,00 de saldo positivo de mais-valias não são tributados em IRS para os residentes. Ou seja, só nessa data se completa ou torna perfeito o facto tributário correspondente, porque a taxa aplicada ao saldo das operações em causa não tem natureza de uma taxa liberatória, antes constitui uma taxa especial e quanto à questão da protecção da confiança, o nível de frustração das expectativas dos visados pelas alterações promovidas pela Lei n.º 15/2010 é manifestamente mais grave do que o verificado na situação na situação que envolve a mera compra de valores mobiliários no âmbito da lei antiga; no entanto, tendo o Tribunal Constitucional entendido, no âmbito do Acórdão n.º 399/2010, que o estabelecimento, em Junho de 2010, de um novo escalão de IRS de 45% e o aumento, na mesma data, da taxa de IRS em todos os escalões de imposto, com efeitos reportados ao início do ano em ambas as situações, não colide de forma intolerável com decisões da vida que os contribuintes tenham eventualmente tomado, dificilmente considerará de forma diferente no que às alterações sobre o regime de tributação das mais-valias mobiliárias diz respeito, para além de que sempre seria invocável a circunstância de, também neste caso, à semelhança do Acórdão referenciado supra, ocorrerem razões de interesse público, associadas à situação económico-financeira do país que justificam, após ponderação dos elementos conflituantes em presença, a não continuidade do comportamento do Estado que originou a situação de expectativa dos privados. Termina a recorrente alegando que não poderia a sentença “a quo” ter concluído, como concluiu: estar vedada a eficácia retroactiva das alterações introduzidas pela lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, seja revogando a não sujeição tributária prevista no art. 10.º n.º 2 do CIRS quanto às mais-valias ditas de longo prazo, seja aumentando a taxa de tributação de 10% para 20% (art. 72.º n.º 5 do CIRS), que agravam a situação dos contribuintes abrangidos, com a consequente anulação da liquidação, na parte que vem impugnada.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal no seu parecer junto aos autos e supra transcrito sustenta o não provimento do recurso, salientando que a tese da recorrente Fazenda Pública incorre no erro de confusão conceptual entre facto tributário (ganho resultante da alienação onerosa) e matéria colectável das mais-valias (50% do saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano) e que o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, 27 outubro 2010 invocado pela recorrente é inaplicável ao caso concreto porquanto emite pronúncia sobre questão distinta.
Vejamos.
Procedemos à transcrição quase integral da fundamentação jurídica da sentença recorrida porquanto nela se procede a uma análise rigorosa e bem fundamentada (doutrinal e jurisprudencialmente) da questão decidenda na qual, no essencial, nos revemos.
Não se desconhece a ampla e ruidosa controvérsia que a questão suscitou aquando da aprovação da Lei n.º 15/2010, como não se desconhece que a tese aqui sustentada pela recorrente tem na doutrina um apoio de peso (cfr. MANUEL FAUSTINO, «Retroactividade, Retrospectividade e alguma serenidade», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano III, n.º 3, Outono, pp. 183/208) que, sustentando embora com o brilho que lhe é habitual a sua tese, não logra convencer este Supremo Tribunal de que as alterações ao Código do IRS introduzidas pelos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 15/2010 de 26 de Julho possam ser aplicáveis a mais-valias resultantes da alienação de acções ocorridas antes da data da entrada em vigor daquela lei sem que tal aplicação envolva retroatividade autêntica, constitucionalmente vedada pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República, porquanto nos termos do n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRS os ganhos, qualificados como mais-valias, resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários, consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação destes, sendo esse, pois, o da alienação (e não o do apuramento da matéria colectável, da declaração, da liquidação, ou outro) o momento relevante para efeitos de determinação da aplicação no tempo da lei nova quando esta não disponha em sentido diverso.
A Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, nada estabeleceu quanto à sua aplicação no tempo senão que entraria em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (cfr. o seu artigo 5.º), razão pela qual se deve entender, em conformidade com o disposto no n.º 1 dos artigos 12.º da Lei Geral Tributária e do Código Civil, que as alterações por ela introduzidas ao regime tributário em IRS das mais-valias mobiliárias se aplicam apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor.
É certo que o IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos das várias categorias legalmente previstas (artigo 1.º do Código do IRS), incluindo-se as mais-valias na categorias dos incrementos patrimoniais (artigos 9.º e 10.º do Código do IRS), havendo que, para determinação do rendimento colectável das mais valias, apurar o saldo entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (artigo 43.º n.º 1 do Código do IRS).
Daí que, tendo os recorridos obtido também mais-valias tributáveis resultantes da alienação de ações ocorridas em data posterior à da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, a tais ganhos será já plenamente aplicável o regime tributário instituído pela Lei n.º 15/2010, pois que sendo o rendimento anual para efeitos de IRS um facto complexo de formação sucessiva, na ausência de norma expressa em sentido diverso, poderá aplicar- -se, sem retroactividade própria ou autêntica, a lei nova aos factos que o integram ocorridos a partir da sua entrada em vigor (artigo 12.º n.º 2 da Lei Geral Tributária).
Entendemos, pois, que nenhuma censura merece a sentença recorrida, que bem decidiu.
E assim sendo, não há mais que apurar se o entendimento sufragado pela Administração tributária quanto à aplicação no tempo da Lei n.º 15/2010 importa ou não violação do princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da Constituição da República), se viola de forma inadmissível os direitos fundamentais, pois que tal julgamento apenas devia ter lugar se se concluísse estar-se perante retroactividade imprópria ou inautêntica, o que não sucedeu.
Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - Ascensão Lopes.