Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:018/10.5BELRS 095/18
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRC
TRIBUTAÇÃO
DIVIDENDOS
SUJEITO PASSIVO NÃO RESIDENTE
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - Perante o artigo 24.º da CEDT Portugal/Holanda - no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente na Holanda - é necessário apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa -maxime a sua isenção de tributação - para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, para aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos e fazer respeitar a imposição comunitária da livre de circulação de capitais (art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE).
II - É ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação do direito de livre circulação de capitais, consagrado no art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE, face à isenção de tributação no País de residência (Holanda).
III - Do disposto nos nºs. 1 a 3 do art. 43º da LGT resulta que, em caso de revisão, a diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento de juros indemnizatórios (não serão devidos juros indemnizatórios entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços) decorre do entendimento legislativo no sentido da culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor.
Nº Convencional:JSTA000P25987
Nº do Documento:SA220200603018/10
Data de Entrada:01/31/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:Z.......... BV
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.– Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a revogação da sentença de 27-09-2017, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação intentada por Z………… BV (anteriormente X………… BV), no âmbito do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, com vista à devolução de montantes retidos a título de retenção na fonte, sobre rendimentos de IRC obtidos em Portugal no ano de 2005.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões:

“I – Em apreço está o regime legal interno relativo à retenção na fonte à taxa liberatória dos dividendos distribuídos por sociedades residentes a sociedades não residentes e a pressuposta violação do Direito Comunitário.
II – Nesse sentido, o Tribunal a quo concluiu que os atos tributários impugnados nos presentes autos padecem de vício de violação de lei, por considerar que a retenção na fonte em IRC dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal à recorrida impugnante enquanto não residente, viola o princípio da livre circulação de capitais previsto no art.º 56.º do TCE e, consequentemente, o art.º 8.º, n.º 4 da CRP.
III – Contudo não o fez sem previamente se ter pronunciado sobre a tempestividade do meio procedimental/processual utilizado pela impugnante.
Refere a sentença recorrida que o objeto imediato dos autos é o do indeferimento tácito do pedido de revisão, sendo por referência ao mesmo que deve ser aferida a tempestividade dos presentes autos.
IV - Por outro lado, refere ainda a douta sentença que o invocado pela AT, acerca da intempestividade da presente impugnação, improcede.
V - Todavia, a AT considera a impugnação intempestiva, além do mais porque sendo conforme determinado, de direito a matéria em apreço, qualquer outro meio processual seria facultativo; logo, por ter sido apresentada impugnação para além do prazo de 2 anos após a retenção na fonte ocorrida a 6 de Abril de 2005, de acordo com o previsto no art.º 132º do CPPT verifica-se a extemporaneidade.
VI - São pois duas questões colocadas no âmbito dos presentes autos recursais, tal como as define a sentença proferida pelo tribunal ad quo: saber se a impugnação é intempestiva e, saber se o ato de indeferimento tácito é ilegal tendo em conta que os atos de retenção sobre os dividendos distribuídos são atentatórios do direito comunitário.
Precise-se contudo ainda acerca da tempestividade que nos termos do n.º 1 do art.º 78.º da LGT a revisão oficiosa a pedido do sujeito passivo apenas pode ser efetuada desde que seja por este no prazo de reclamação administrativa e, se feita para além desse prazo, o deve ser com fundamento em erro imputável aos serviços e nunca com fundamento em qualquer ilegalidade.
VII – Referindo Jorge Lopes de Sousa “…É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de sua iniciativa, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).
No entanto, não será indiferente para o contribuinte impugnar ou não o ato de liquidação dentro do prazo da «reclamação administrativa», referido no n.º 1 do art.º 78.º da L.G.T. (Não interessa, para apreciação do caso dos autos, esclarecer o sentido da referência feita no n.º 1 do art.º 78.º da L.G.T. à «reclamação administrativa», designadamente se quer significar «reclamação graciosa» ou a reclamação administrativa prevista nos art.ºs 161.º e seguintes do C.P.A..
Na verdade, no caso em apreço, o pedido formulado pelo contribuinte foi apresentado para além do prazo máximo de qualquer desses tipos de reclamações), pois, enquanto o pedido de revisão formulado naquele prazo pode ter por fundamento qualquer ilegalidade, o pedido formulado para além daquele prazo apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços ou duplicação de coleta, para além de serem diferentes as consequências a nível do direito a juros indemnizatórios.” (negrito nosso).
VIII - Nas presentes circunstâncias a recorrida evoca a ilegalidade das retenções de IRC efectuadas em 2005, clamando que deveria ter ficado isenta à semelhança das sociedades constituídas e a operar de acordo com a legislação portuguesa, por força do princípio da liberdade de circulação de capitais consagrada no art.º 63.º e seguintes do TUE.
IX - É inequívoco que não está em causa duplicação de coleta. E salvo melhor entendimento, conforme supra-exposto em sede de alegações recursais, também não estamos perante um erro imputável aos serviços - não está em causa autoliquidação senão em sentido impróprio porque as retenções na fonte foram efetivadas a título definitivo e, não pela própria impugnante, mas pelo substituto tributário.
Ou seja, como a sentença recorrida dá por provado, o pedido de “reclamação” relativo a 2005 foi interposto dentro do prazo legal. Desse modo, o pedido de revisão mesmo com fundamento em erro imputável aos serviços, não sendo necessário, leva à intempestividade do direito impugnatório por caducidade do direito de ação.
X – Por outro lado, considera ainda a AT que, no caso em apreciação, o diferente regime fiscal aplicável às sociedades não residentes não lesa os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais ínsito no Direito Comunitário (arts. 12.º e 56.º do TCE e actuais arts. 18.º e 63.º do TFUE), pelo que, a retenção em sede de IRC, em discussão nos autos, não enferma de qualquer ilegalidade.
Destaque-se como tal que os princípios da tributação Internacional visam essencialmente: a minimização da concorrência fiscal prejudicial e, a aplicação do princípio do preço de plena concorrência em todas as transacções. Mesmo que assim não se considere, para concluir pela legalidade dos atos impugnados face às disposições do direito comunitário supra-mencionadas importa atender, igualmente, às normas vigentes do direito interno em vigor na data dos factos tributários.
XI – A nível comunitário relevam, além dos arts 12.º e 56.º do TCE já acima mencionados, o art. 58.º do mesmo Tratado, na parte que ora se transcreve:
“1. O disposto no artigo 56.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
(…)
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.º. (…)”.
Refere o citado art.º 58.º do TCE que a proibição de restrições aos movimentos de capitais não constitui um impedimento a que um EM consagre um regime diferente para os contribuintes que não se encontrem em idêntica situação.
XII - Portanto, nesse sentido, será de atender à Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT).
XIII - Posto o que, antes de concluir pelo carácter discriminatório de uma determinada norma nacional (no caso está em discussão a admissibilidade à luz do direito) e da existência ou não de causas de justificação que legitimem o carácter discriminatório da mesma, importa determinar, em primeiro lugar, se estamos perante situações comparáveis. Isto porque, só existe discriminação quando o direito interno de um EM aplica regras diferentes a situações comparáveis ou sujeita situações diferentes a um regime idêntico.
XIV - Assim, é necessário proceder à comparação concreta dos casos em litígio a fim de saber se uma situação caracterizada por um tratamento diferente é ou não constitutiva de discriminação proibida pelo Tratado, colocando os não residentes de outros Estados Membros em desvantagem face aos residentes. Ora, tal apreciação não foi considerada na sentença do Tribunal de 1.ª Instância.
XV - A sentença em crise limita-se a remeter, neste ponto, para os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais previstos, respetivamente, nos arts.ºs 12.º e 56.º do TCE (atuais arts. 18.º e 63.º do TFUE) e para acórdãos do TJUE, nos quais são manipulados esses mesmos princípios, sem apurar se o imposto retido à recorrida é recuperado no imposto devido no país do seu domicílio fiscal ou, se se encontra sujeita a um nível de tributação idêntico aos das sociedades residentes em Portugal, limitando-se a uma apreciação teórica.
XVI - Não tendo ficado demonstrado que, em concreto, se verifica a violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais não se pode concluir tout court pelo carácter discriminatório da norma interna em discussão.
XVII - Acresce que, a este respeito, importa ter em conta o firmado na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e Holanda qual visa evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital – argumentos que constituem fundamentos igualmente tidos em conta a nível comunitário, motivo pelo qual o TJUE revela uma maior abertura na aceitação das disposições das convenções de dupla tributação celebradas pelos EM´s.
Por outro lado, como nos parece, a eliminação da dupla tributação encontra-se assegurada pela convenção como se verifica através da leitura do art.º 22.º da mesma.
XVIII – Assim sendo, não se pode concluir que a impugnante se encontra numa situação objetiva diferenciável à das Sociedades constituídas e a operar de acordo com a legislação portuguesa no sentido de que a presente situação controvertida envolva um tratamento discriminatório da impugnante face às sociedades residentes em Portugal.
XIX – E, por outro lado, a sentença recorrida não se refere à origem da globalidade dos rendimentos da impugnante nem ao regime de tributação a que se encontra sujeita no Estado de residência, não tendo, em suma, em consideração o mecanismo da eliminação da dupla tributação consagrado na CDT.
XX – Ora, no plano fiscal, um tratamento diferenciado, de residentes não constitui, em si mesmo, uma discriminação proibida pelo Tratado, uma vez que não existe obrigação de tratamento nacional para os não residentes. Como é reconhecido pelo TJUE, a situação destas duas categorias de sujeitos passivos apresenta diferenças objetivas, quer do ponto de vista da origem dos rendimentos, quer da possibilidade de ter em conta a capacidade contributiva dos contribuintes (v. Acórdão de 14/02/1995, Schumacker, processo C-279/93, Acórdão de 11/08/1995, Wielokx, processo C-80/94, Acórdão de 14/09/199, Gschwind, processo C-391/97).
XXI – A impugnante só se encontraria em situação comparável às sociedades residentes em Portugal se o Estado Holandês consagrasse, em sede de imposto sobre as sociedades, regras de tributação, incluindo taxa aplicável, regras de determinação do lucro tributável e demais obrigações fiscais iguais às vigentes em Portugal, o que se desconhece.
XXII - Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, vide o Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C-234/01).
XXIII - É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, cabia à impugnante ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feito, não é possível invocar de modo assertivo o carácter discriminatório da norma em discussão.
Assim, ao contrário do firmado na sentença em crise, não é inequívoco que as entidades financeiras portuguesas que pagam dividendos a entidades, também elas nacionais, estejam numa situação de vantagem relativamente às entidades residentes noutros EM´s da UE que efetuem operações semelhantes.
XXIV - Segundo a análise crítica de Casalta Nabais, in Introdução ao Direito Fiscal das Empresas, pp. 81 e ss., constata-se que a jurisprudência que vem sendo proferida pelo TJUE, a propósito da fiscalidade dos EM´s e da sua compatibilidade com a fiscalidade da União não é isenta de críticas, devido ao seu carácter casuístico e à sua indiferença face aos valores cimeiros que devem presidir às constituições fiscais, como a capacidade contributiva enquanto critério de distribuição dos encargos fiscais e a realização do interesse fiscal do Estado enquanto comunidade política organizacional.
XXV – Contudo, a Administração Tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada. Efetivamente, a Administração Tributária, como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias, ex vi alínea c) do art.º 2.º da LGT. Desta forma, a Autoridade Tributária tem que utilizar os Códigos Fiscais que se encontram em vigor e as disposições deles constantes que regulam determinada relação jurídico-tributária, de acordo com a citada al. b) do art. 2.º da LGT, in casu, as normas constantes do CIRC já citadas.
XXVI - Na verdade, tem a Administração Fiscal que considerar que no processo de elaboração das normas em questão o legislador terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional, quer comunitário, pelo que essas normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à Administração Tributária a sindicância das normas no que concerne à sua adequação relativamente ao Direito Comunitário.
Quanto à condenação pelo Tribunal a quo no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da LGT é de referir que tal dever só impende sobre a Administração Tributária se se verificar uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços.
Ora, no caso em apreço a Administração Fiscal limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas do CIRC e, CDT, pelo que deverá igualmente ser revogada a decisão do Tribunal de 1.ª Instância que julgou procedente o peticionado quanto aos juros indemnizatórios.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”

Houve contra-alegações em que a recorrida Z………… BV conclui da seguinte forma:

“A) O objeto do recurso é a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 27.09.2017, que julgou procedente impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida,
B) tendo determinado: (i) a anulação da retenção na fonte efetuada sobre os dividendos que lhe foram distribuídos em 06.04.2005; (ii) a condenação da AT à restituição do imposto indevidamente retido; e (iii) a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.
C) A sentença proferida pelo Tribunal a quo determinou a ilegalidade da retenção na fonte, por considerar que a discriminação imposta pela legislação portuguesa às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos de fonte portuguesa viola o princípio da liberdade de circulação de capitais na União Europeia, consagrado nos artigos 56.° e 58.° do TCE a que atualmente correspondem os artigos 63.° e 65.°, do TFUE.
D) É convicção da Recorrida que a decisão proferida pelo Tribunal a quo revela uma correta valoração da matéria de facto dada como provada e a correspondente subsunção às normas aplicáveis, não violando qualquer disposição legal, pelo que deverá ser a mesma mantida na íntegra.
E) Contudo, discorda a Fazenda Pública — se bem entendemos as conclusões do recurso apresentado — da Sentença proferida, pois considera que: (i) se verifica a caducidade do direito de ação; (ii) a tributação dos dividendos auferidos pela Recorrida está conforme com o Direito da União Europeia; e que consequentemente; (iii) não são devidos juros indemnizatórios por não se verificar qualquer das situações previstas no artigo 43.° da LGT.
F) O recurso interposto pela Fazenda Pública não pode colher, por diversas ordens de razões.
G) Em primeiro lugar, o recurso foi indevidamente dirigido ao STA, porquanto a Fazenda Pública coloca em causa as conclusões retiradas pelo Tribunal a quo relativamente aos factos dados como assentes, quer no que respeita à tempestividade do pedido de revisão do ato tributário, quer quanto ‘a violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais.
H) O STA é, salvo o devido respeito, incompetente em razão da hierarquia, nos termos do disposto no n.° 1, do artigo 280.° do CPPT, por não ter, nos termos do artigo 26.°, alínea b) do ETAF competência para conhecer de recursos da matéria de facto.
I) Relativamente à exceção da caducidade do direito de ação invocada pela AT, a mesma não se verifica, porquanto in casu se discute a (i)legalidade da retenção na fonte efetuada pelo Banco BCP, com base numa violação do Direito da União Europeia, sendo que o meio procedimental utilizado (pedido de revisão oficiosa do ato tributário) é, não só adequado, como o único meio à disposição da Recorrida para contestar aquele ato.
J) Sendo o meio usado o adequado e tendo sido a impugnação judicial apresentada em tempo (dentro do prazo de 90 dias após o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do ato), não pode proceder a alegação da Fazenda Pública quanto à sua intempestividade,
K) Bem andou o Tribunal a quo ao ter declarado improcedente a exceção perentória da caducidade do direito alegada pela Fazenda Pública, porquanto é a impugnação judicial tempestiva considerando os factos dados como provados e a subsunção dos mesmos ao direito aplicável.
L) Quanto à alegada conformidade da tributação dos dividendos auferidos pela Recorrida com o Direito da União Europeia, a Fazenda Pública apenas em sede de recurso vem arguir questões relativas à ilegalidade do ato de retenção na fonte que até então nunca tinha referido em sede de processo de impugnação,
M) nomeadamente vem afirmar que o Tribunal a quo declarou que a impugnação judicial é tempestiva por partir do pressuposto que o que a precedeu foi um pedido de revisão e não uma reclamação do ato de retenção — como entende a Fazenda Pública; e
N) que o Tribunal a quo decidiu pela desconformidade do direito Português com o da União Europeia sem que tenha ficado demonstrada a violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais, além de não ter apurado se o imposto retido em Portugal era recuperado no país de residência e, ainda, se a Recorrida se se encontra sujeita a um nível de tributação idêntico ao das sociedades residentes em Portugal.
O) Não tendo a Recorrente, em momento anterior, trazido à colação tais questões, as mesmas não podem ser apreciadas pelo Tribunal, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 180.º do CPPT e do artigo 26.°, alínea b) do ETAF.
P) Quanto à questão da legalidade do ato de retenção na fonte, bem andou o Tribunal a quo ao ter decidido no sentido de considerar — conforme, aliás, parece hoje ser jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores — que “(...) não se encontrando razões válidas para as diferenciações de regime mencionadas, entre residentes e não residentes, conclui-se que o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na versão aplicanda, de 2005 (...) obstava à livre circulação de capitais no espaço comunitário (...)“.
Q) Inexiste qualquer erro de julgamento que possa ser imputado à sentença proferida.
R) Considera a Fazenda Pública, de acordo com o que se retira das conclusões desta, que Tribunal a quo: (i) declarou que a impugnação judicial era tempestiva por partir do pressuposto que o que a precedeu foi um pedido de revisão, quando na opinião da Fazenda Pública o que a precedeu foi a reclamação graciosa necessária do ato de retenção; e que (ii) decidiu pela desconformidade do direito Português com o da União Europeia sem que tenha ficado demonstrada a violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais, além de não ter apurado se o imposto retido em Portugal era recuperado no país de residência e, ainda, se a Recorrida se se encontra sujeita a um nível de tributação idêntico ao das sociedades residentes em Portugal.
S) Estas considerações da Fazenda Pública estão diretamente relacionadas com matéria de facto.
T) Contudo, as alegações da Recorrida não cumprem o ónus da impugnação da matéria de facto prevista artigo 640.° do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, porquanto a impugnação da matéria de facto não se satisfaz com a contradição ou, neste caso, com a demonstração (mais ou menos conseguida) de um ponto de vista contrário ao do juiz a quo.
U) A inobservância da imposição prevista no artigo 640.° do CPC determina a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da matéria de facto, o que se alega para todos os efeitos legais.
V) Por último, declarada a ilegalidade do ato tributário de retenção na fonte, por desconformidade do direito Português com o direito da União Europeia, resulta erro imputável aos serviços, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, nos termos do disposto no artigo 43.° da LGT, pelo que a sentença não merece qualquer censura.

TERMOS EM QUE, EM FACE DA FUNDAMENTAÇÃO EXPOSTA E PORQUE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA BEM DECIDIU, DEVE ESTA SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA E, POR CONSEGUINTE, NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO PELA FAZENDA PÚBLICA.”

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento, de acordo com a fundamentação a que infra se fará alusão.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:
Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. A Impugnante, X…………, N. V., sociedade de direito holandês e residente nos Países Baixos, cuja designação seria alterada para Z…………, B. V. [besloten vennootschap met beperkte aansprakelijkheidt], com sede em ………, em Zeist, nos Países Baixos, sujeita ao equivalente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [vennootschasbelasting], com o número de identificação de pessoa coletiva português ………, adquiriu e subscreveu em 28 e 31 de março de 2003, além do mais, um total de €83.163.6000,53, em 65.151.938 ações do Banco Comercial Português, S. A. [PTBCPOAM0007].

2. Em abril de 2005 o mencionado Banco distribuiu aos seus acionistas dividendos sobre o capital investido e, relativamente à Impugnante e àquelas ações, fê-lo no dia 6 desse mês.

3. Assim, sobre os dividendos, que para a Impugnante ascendiam a €2.280.317,83, do mesmo passo que lhos disponibilizava, o Banco reteve deles €570.079,46, para os entregar ao Fisco, tal como entregou a 20 de maio de 2005 e a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [português] da Impugnante, em liquidação por retenção na fonte, e aplicando-lhes a taxa de 25%, nos termos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na versão então em vigor.

4. Paralelamente, o Banco, munidos dos devidos poderes, pediu à Administração Tributária, em nome da Impugnante e ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, a quantia de imposto que excedia 10% daqueles dividendos, limite aí estabelecido para a sua tributação por Portugal – em vez dos referidos 25% –, o que em concreto se cifrava em menos €342.047,67 de imposto a reter na fonte.

5. Tendo sido atendida aquela reclamação, nos termos daquela Convenção, a Administração Tributária restituiu à Impugnante aquela importância de €342.047,67.

6. Entendendo não ser devido nem mesmo o imposto remanescente que lhe fora retido, no dia 6 de abril de 2009 a Impugnante pediu à Administração Tributária a revisão do ato de retenção que lhe havia sido elaborado pelo Banco, por entendê-lo contrário ao Direito Comunitário e, bem assim, na sua relação com o tratamento que o direito interno português reservava àquela tipologia de rendimentos, segundo a localização da residência do seu beneficiário.

7. Como tal pedido de revisão não foi decidido, nomeadamente nos seis meses seguintes à sua formulação, no dia 5 de janeiro de 2010 a Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos.

Não há outros factos provados relevantes para a decisão da causa. Com essa pertinência, não há factos não provados a considerar.

A formação da convicção positiva sobre os factos julgados provados assentou-a o Tribunal na análise da documentação a eles relativa, inserta nos documentos juntos com a apresentação da petição, tendo presente, paralelamente, a consensualidade que sobre eles regista, integrada ainda pelo teor do pedido de revisão e do processo administrativo tributário adjuntos. Assim, o teor do consignado nos pontos 1.-4. extraiu-se da certidão e da declaração da Administração Tributária holandesa, respetivamente, de fls.164-170 e de fls.71 e 70, quanto natureza, denominação e residência da Impugnante, das declarações bancárias de fls.36-37, 40-43, quanto ao capital investido e dividendos distribuídos e o mais operado aquando dessa distribuição, igualmente constantes do procedimento de revisão adjunto. O consignado no ponto 5., por sua vez, resulta da consensualidade sobre esses factos. Por último, o consignado nos pontos 6.-7. resulta do próprio pedido de revisão e respetivo processo e da petição inicial dos presentes autos. Com base em tudo isso mereceram os factos documentados comprovação judicial com suporte nos documentos que os demonstram, nos termos que lhes reconhece tal força probatória, arts.369º nº1, 370º nº1 e 371º nº1 quanto aos documentos públicos e 373º nº1, 374º e 376º nº1, quanto aos articulares, todos do Código Civil, cfr. ainda o art.34º nº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho), correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se:
i) se verifica a caducidade do direito de acção;
ii) se a tributação dos dividendos auferidos pela recorrida está conforme com o Direito Europeu; e
iii) se, nessa conformidade, não seriam devidos juros indemnizatórios por não se verificar qualquer das situações previstas no artigo 43.º da LGT.

Vejamos.

Na primeira vertente recursória, a recorrente AT a entende que (i) a impugnação é intempestiva, por ter sido apresentada para além do prazo de 2 anos após a retenção na fonte ocorrida a 6 de Abril de 2005, de acordo com o previsto no art.º 132º do CPPT e (ii) nos termos do n.º 1 do art.º 78.º da LGT a revisão oficiosa a pedido do sujeito passivo apenas pode ser efectuada desde que seja por este no prazo de reclamação administrativa e, se feita para além desse prazo, o deve ser com fundamento em erro imputável aos serviços e nunca com fundamento em qualquer ilegalidade.
Ainda segundo a recorrente, não será indiferente para o contribuinte impugnar ou não o ato de liquidação dentro do prazo da «reclamação administrativa», referido no n.º 1 do art.º 78.º da L.G.T., irrelevando, para a apreciação do caso dos autos, esclarecer o sentido da referência feita no n.º 1 do art.º 78.º da L.G.T. à «reclamação administrativa», designadamente se quer significar «reclamação graciosa» ou a reclamação administrativa prevista nos art.ºs 161.º e seguintes do C.P.A..
Conclui a recorrente, por todo esse argumentário, que no caso em consideração, o pedido formulado pelo contribuinte foi apresentado para além do prazo máximo de qualquer desses tipos de reclamações, pois, enquanto o pedido de revisão formulado naquele prazo pode ter por fundamento qualquer ilegalidade, o pedido formulado para além daquele prazo apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços ou duplicação de colecta, para além de serem diferentes as consequências a nível do direito a juros indemnizatórios.
Adversamente, a recorrida ampara o entendimento de que se inverifica a excepção da caducidade do direito de acção invocada pela AT, pois o que se controverte nos autos é a (i)legalidade da retenção na fonte efectuada pelo Banco BCP, com base numa violação do Direito da União Europeia, sendo que o meio procedimental utilizado (pedido de revisão oficiosa do ato tributário) é, não só adequado, como o único meio à disposição da Recorrida para contestar aquele ato.
Assim, sendo o meio usado o adequado e tendo sido a impugnação judicial apresentada em tempo (dentro do prazo de 90 dias após o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do ato), não pode proceder a alegação da Fazenda Pública quanto à sua intempestividade, sendo irrepreensível a sentença recorrida ao ter julgado improcedente a excepção peremptória da caducidade do direito alegada pela Fazenda Pública.
Quid juris?
Enfrentando a questão (excepção) da caducidade a sentença recorrida afirma, a nosso ver assertivamente, que a sua arguição pela AT assenta num equívoco, ao atingir a conclusão da extemporaneidade por referência, expressa, ao prazo de reclamação de actos de retenção na fonte, estabelecido no art.132° n° 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o qual é, para o substituído tributário, a aqui Impugnante, de dois anos (a contar do termo do ano em que a retenção ocorreu e não do ato de retenção, como parece vir subentendido).
Se assim fosse, como bem denota o julgador, tendo a retenção sido feita em 6 de Abril de 2005 e o pedido de revisão sido suscitado em 6 de Abril de 2009, tal pedido seria extemporâneo segundo aquele prazo de dois anos, iniciado no dia 1 de Janeiro de 2007.
Mas, tal se demonstra na sentença, esse raciocínio incorre num equívoco na medida em que o procedimento que precedeu a presente impugnação não foi o de reclamação graciosa da retenção na fonte ali previsto, mas sim um de revisão desse mesmo ato de retenção, sendo por referência a este e não àquele que a tempestividade ou intempestividade da presente impugnação tem de ser avaliada.
Na verdade e como bem se discorre na sentença por evocação do ensinamento de Carlos Paiva in Da Tributação à Revisão dos Atos Tributários, Almedina, 2a edição 2008, pág.280-281, o procedimento de revisão dos actos tributários, previsto no art.78° da Lei Geral Tributária, é específico da Administração Tributária e de natureza oficiosa, independentemente de ter lugar por sua iniciativa ou a pedido do interessado, bem como do resultado da revisão, constituindo-se simultaneamente numa garantia e num direito, relativamente os actos tributários finais ou intermédios, negativos ou positivos, neste sentido.
Fundamentou-se o decidido ainda em que o pedido de revisão “Destina-se à correção da definição da posição dos particulares e do Fisco, tal como havia sido expressa por atos de liquidação em sentido estrito, ou de fixação da matéria tributável, fundando-se na invocação e/ou no conhecimento supervenientes de fundamentos de correção desses atos, cingindo-se claramente, até pela sua natureza oficiosa, a princípios de legalidade e de justiça, compreendido o da igualdade, que assim operam mesmo além dos prazos de reação pelas vias, digamos, comuns ou normais, ou seja, em compressão do princípio do caso resolvido em homenagem, precisamente, àqueles operatividade daqueles princípios. Embora a lei por regra estabeleça a exigência de prévia reclamação graciosa no âmbito da reação a atos de retenção e autoliquidação, arts.131°-133° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, essa necessidade restringe-se a uma eventual subsequente impugnação da respetiva decisão, para além de que a sua impugnabilidade direta é paralelamente admitida, aliás, quando o motivo de reação seja de direito e o ato haja sido elaborado com base em orientações genéricas da própria Administração Tributária. Cumpre por isso dizer que nada impedia, no caso, a aplicação direta do pedido de revisão, dada a sua função de última possibilidade para a correção do ato de retenção, uma vez que este procedimento tem oportunidade de aplicação ulteriormente à normal possibilidade de recurso às vias de reação comuns ou ordinárias, justamente porque se funda na superveniência ou no conhecimento superveniente dos respetivos fundamentos, caso em que sentido algum faria fosse exigido o prévio percurso ordinário de reação aos atos.
Dito isto, há que ver então se a presente impugnação foi ou não tempestivamente apresentada. O ato objeto do pedido de revisão teve lugar a 6 de abril de 2005, data em que o banco simultaneamente entrega os dividendos à Impugnante e a informa de que, nisso, procedeu também à retenção na fonte de imposto sobre eles, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas da Impugnante. Por outra parte, a Impugnante pediu a revisão a 6 de abril de 2009 e fê-lo com fundamento em erro imputável aos serviços - em suma, por ter havido, em seu entender, aplicação de regime nacional em detrimento do regime comunitário. Nos termos do já citado art.78°n°1, II parte, da Lei Geral Tributária, o prazo para suscitação da revisão oficiosa a pedido do contribuinte, estando satisfeita a obrigação pecuniária a que o ato deu azo, pode ter lugar no prazo de quatro anos, quando o fundamento for o tal erro, ou a duplicação de coleta independentemente da sua causa - neste segundo caso, segundo o n°6 do mesmo articulado.
Ora, tendo a revisão sido suscitada no termo dos quatro anos contados do ato a rever, evidente se mostra que o foi tempestivamente. Por outra parte, esse procedimento deveria ter sido decidido no prazo de seis meses, art.57° n° 1 da Lei Geral Tributária, na versão coeva, ou seja, até 6 de outubro seguinte, o que não veio a acontecer. Nesse contexto, estava a Impugnante em condições de presumir o indeferimento tácito do pedido de revisão, nos termos desse art.57° n° 5, faculdade legal de que se socorreu para ultrapassar aquele impasse procedimental e decisório, em 5 de janeiro de 2010, data em que apresentou a petição imediatamente impugnatória dessa decisão ficta, na origem dos presentes autos.
Ora, nos termos do art.102° n° 1 corpo e alínea d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na versão de então, era de 90 dias o prazo para exercer o direito de tanto impugnar, o qual in casu terminava, portanto, a 6 de janeiro de 2010. Donde que a impugnação seja tempestiva e improcedente, por não provada, a arguida exceção perentória de caducidade do direito de impugnar.”
E o assim fundamentado e decidido merece a nossa inteira concordância até porque está em linha quanto aos fundamentos, ao tempo e ao modo considerados há muito na Jurisprudência deste STA-SCT para proceder à revisão do acto tributário da qual são representativos os Acórdãos de 20.03.2002, Processo nº 026580, de 29.10.2003, Processo nº 0462/03, de 11.05.2005, Processo nº 0319/05 e de 22.03.2011, Processo nº 01009/10, todos publicados em www.dgsi.pt.
Este último é paradigmático e confirmativo do bem fundamentado e julgado na sentença recorrida até por nele ser feita uma mais vasta e inclusiva alusão a arestos que praticamente esgotam o tema adrede da caducidade do direito de acção (revisão) colocado nos presentes autos.
Se não vejamos, mediante a transcrição do seguinte bloco fundamentador:
“(…)
Como bem salienta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, a interpretação do n.º 1 do artigo 78.º da LGT defendida pela recorrente nos presentes autos e na qual pretende sustentar a extemporaneidade da impugnação deduzida pela ora recorrida já foi apreciada, e rejeitada, em numerosos arestos deste Supremo Tribunal, designadamente no Acórdão proferido em 11 de Maio de 2005, rec. n.º 319/05, onde se consignou:
«(…) QUANTO À TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO:
O art. 78° da LGT prevê a revisão do acto tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».

Todavia, tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão.
Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade - art. 266°, n.° 2 da CRP.
Como se refere no Ac. do STA de 20/03/2002, rec 26.5 80:
Face a tais princípios, não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do acto quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no art. 2° do mesmo código». E, mais adiante: «é claro que a revisão do acto tributário, na sua dimensão de acto a favor do contribuinte, que é a dimensão que aqui importa ter em conta, acaba por implicar um alargamento do prazo de estabilidade da situação tributária a que se refere. Mas uma tal consequência não é uma objecção que o intérprete possa colocar...pois a adopção, pelo legislador, da possibilidade de revisão do acto pressupõe exactamente o equacionamento dessa questão e a sua resolução no sentido de fazer, dentro de certos condicionalismos...outros valores para além da segurança jurídica a prazo certo».
E de lei escrita.
Na verdade, o próprio art. 78°, n.° 6 (actual n.º 7, acrescentamos nós) refere o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.
E o art. 86°, n.° 4, al. a) do CPPT menciona o «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo».
É, aliás, no sentido exposto, a jurisprudência, que se crê uniforme, do STA.
Cfr., por todos, os Acds. de 20/03/2002 citado, 19/11/2003 rec. 1181/03, 17/12/2002 rec. 1182/03, 29/10/2003 rec. 462/03, 02/04/2003 rec. 1771/02, 20/07/2003 rec. 945/03, 30/01/2002 rec. 26.231.
QUANTO AO «ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS»:
O referido art. 78°, n.° 1 da LGT prevê a revisão oficiosa «com fundamento em erro imputável aos serviços».
Que, no entender da Fazenda, excluiria o controlo da legalidade do acto, erro de direito, abarcando somente o «erro de facto, operacional ou material».
Mas a asserção não é correcta.
É que este pode ser corrigido ou rectificado a todo o tempo.
Desde logo, se for praticado pelo contribuinte - art. 79º, n.° 2 da LGT.
Mas também pela Administração - art. 148° do CPA.
Ora, o «erro» referido na parte final do n.° 1 do dito art. 78° só é relevante no prazo ali referido.
O «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie - art. 78°, n.° 2 in fine.
É o que este STA tem uniforme e reiteradamente afirmado, a propósito do art. 43° da LGT.
Como se refere no Ac. de 12/12/2001, rec. 26.233: «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços».
Cfr., no mesmo sentido e por todos, os Acds. de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668.
Nem contrariam o exposto os n.°s 3 e 4 daquele art. 78°, uma vez que ressalva «o disposto nos números anteriores».
Ou seja: pode ser efectuada essa revisão, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo que não exista erro imputável aos serviços.
Cfr. Leite de Campos e outros, LGT Anotada, 2 edição, pág. 346, nota 7 e Lima Guerreiro, ibidem, pág. 346, nota 7» (fim de citação).
É esta jurisprudência consolidada e pacífica que também aqui se acolhe, pois que nenhuma razão se descortina para dela divergir. Acrescentar-se-á, tão só, que entende a melhor doutrina que o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 40.º da Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro, reforça o entendimento jurisprudencial de que o «erro imputável aos serviços» a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º da LGT compreende o erro de direito, pois que de outro modo se não entenderia a referência ao erro de direito constante daquele n.º 3 do artigo 78.º da LGT (cfr. CASALTA NABAIS, A Revisão dos Actos Tributários, in Por um Estado Fiscal Suportável: Estudos de Direito Fiscal, Volume III, Coimbra, Almedina, 2010, p. 236).”
Também o EPGA junto deste STA alinha pelo mesmo diapasão ao discretear sobre a questão prévia da admissibilidade da impugnação judicial deduzida contra o pedido de revisão do acto de retenção na fonte, expendendo o seguinte:
“Podendo a administração tributária proceder à revisão do acto tributário por iniciativa própria, no prazo que lhe é conferido (4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago) com fundamento em erro imputável aos serviços, pode igualmente fazê-lo a pedido do sujeito passivo, ainda que após o termo do prazo que a este é concedido para formular o pedido por iniciativa própria (arts.49° n°1 e 78° n°s 1 e 7 LGT/art. 86° n° 4 al. a) CPPT; na doutrina Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária comentada e anotada 4ª edição 2012 pp. 705/706).
Esta interpretação, embora permitindo um alargamento do período de instabilidade da situação tributária, com preterição do valor da segurança jurídica, resulta da aplicação dos princípios da decisão, legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade (art. 266° n° 2 CRP; art. 56° n°1 LGT) (cf. designadamente, acórdãos STA-SCT 20.03.2002 processo n° 26580; 29.10.2003 processo n° 462/03; 11.05.2005 processo n° 319/05; 22.03.2011 processo n° 1009/10).
Constitui erro imputável aos serviços, determinante da admissibilidade da impugnação judicial deduzida, o indeferimento (expresso ou tácito) do pedido de revisão oficiosa formulado peio contribuinte, com fundamento em norma de direito nacional que viola norma de direito comunitário, integrante de ordenamento de hierarquia superior.
A vinculação da administração tributária ao cumprimento das normas de direito comunitário ou convencional radica na circunstância de, por imperativo de disposição constitucional, elas integrarem o ordenamento jurídico nacional e vigorarem na ordem interna, estando os órgãos e agentes administrativos subordinados à Constituição e à lei (arts. 8° nºs 2 e 3 e 266° n° 2 CRP).”
Concluímos, pois, que a sentença recorrida julgou com acerto ao não dar como verificada a alegada excepção de caducidade do direito de acção, o que implica que não esteja em causa qualquer controvérsia factual quanto a esta matéria que importe a incompetência hierárquica suscitada pela recorrida nas conclusões G) e H).
Na verdade, a questão da competência hierárquica é uma questão que tem de ser decidida abstraindo da solução de direito que o tribunal ad quem tomaria se fosse competente o que implica que, visto que foi alegada matéria de facto irrelevante para a decisão, o recurso tem de entender-se como versando exclusivamente matéria de direito, sendo competente para dele conhecer o Supremo Tribunal Administrativo.
E assim sendo, resta, pelo exposto, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida na vertente em análise.
*
Vejamos, de seguida, se a sentença incorreu em erro de julgamento quanto a saber se a tributação dos dividendos auferidos pela recorrida está conforme com o Direito Europeu.
Concretamente, está em causa nos autos a (i)legalidade da retenção na fonte de imposto sobre dividendos distribuídos por entidade residente em Portugal a entidade residente em outro Estado-Membro da União Europeia (arts. 90° n° 1 al. a) e 80° n° 2 al. c) CIRC numeração e redacção vigentes em 2005).
Perscrutando as posições das partes e sendo certo que, como bem se assinala na sentença, o litígio não se situa, desde o início, ao nível dos factos mas ao nível da solução justributária que deles entendem dever ser extraída, posições que se reiteram, em substância, no presente recurso, as mesmas podem expressar-se assim:
Para a impugnante a tributação a operar sobre os dividendos não pode ser diversa daquela que caberia se ela fosse residente, sob pena de violação do Tratado que Institui a União.
Para a Administração Tributária essa tributação opera segundo o estabelecido na Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos.
Procurando solver tal controvérsia, na essência, o julgador partiu – e bem – do princípio de que seria com base na hierarquia das normas que o dissídio teria de ser dirimido.
Nesse sentido, apontou – e bem - para que o direito convencional recebido directamente no Ordenamento português rege como direito interno, ao abrigo do disposto no art.8º nº 4 da Constituição da República, como sucede com as normas do Tratado que institui a União Europeia, ou ao abrigo do seu art.8º nº 2, como sucede com a Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, que prevalecem ambos face ao direito interno, seja pela precedência hierárquica determinada pela aplicação directa das normas e princípios no caso do Tratado, seja porque em ambos os casos aos dois instrumentos de direito internacional cabe precedência sobre a lei formal e ainda, e desde logo, pelos princípios de interpretação e aplicação internos de normas, pois que no que aqui interessa ambos instrumentos regem como um regime específico, em relação ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas português, para os casos plurilocalizados para os quais provêem, sendo que a lei especial derroga a geral, arts.8º nº 1 e 11º nº 1 da Lei Geral Tributária e art.7º n.ºs 2, II e II partes, e 3 do Código Civil.
Com base nessas premissas resolveu o pleito dando razão às pretensões da impugnante adoptando o seguinte discurso fundamentador:
“(…)
Nos termos do art.56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, na versão coeva dos factos/art.63º do Tratado redenominado, de instituição da União Europeia, estabelece-se uma proibição de restrição ao movimento de capitais na, ora, União Europeia, seja ela transferência no sentido chão do termo, seja no sentido da criação de óbices, alcavalas, ou mecanismos que dissuadam a sua movimentação no interior do espaço europeu, nomeadamente enquanto instrumento de investimento económico, ou até da livre circulação e estabelecimento de pessoas. É certo que nos termos do mesmo instrumento, seu art.58º nº 1 corpo e alínea a) – hoje art.65º – essa proibição não contende com distinções de regime, mesmo se baseadas no local do estabelecimento do beneficiário ou investidor, diversos do da origem do capital, desde que para essa distinção haja um fundamento atendível em razão da própria especificidade da situação em causa, citado art.58º nº 3.
Ora, como escalpelizado pela Impugnante, fosse ela residente em Portugal, tanto pelo lapso de tempo durante o qual vinha detendo as participações sociais cujos frutos foram objeto da tributação impugnada, como pelo montante desse seu investimento, nos termos do art.90º nº 1 corpo e alínea c) [e 46º nº 1 corpo e alíneas] do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na versão coeva, ela seria pura e simplesmente, e ex lege, isentada de tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas sobre os dividendos aqui em causa.
Sucede porém que ao invés desse regime para as situações localizadas unicamente no território nacional, não só o direito interno paralelamente previa a tributação desses mesmos rendimentos, se auferidos por entidades não residentes, como a Impugnante, como o fator de distinção entre os dois regimes não era outro senão o facto de o beneficiário do rendimento não ser residente. Em clara oposição, portanto, àquele regime previsto para as situações localizadas só em Portugal, o daquele art.90º nº 1 corpo e alínea c). Acresce que, como se tal diferenciação não bastasse, o art.14º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, pelo seu nº 3 estabelecia um regime de isenção para situações plurilocalizadas como a que aqui subjaz, contudo dependente da verificação de requisitos mais exigentes que aqueles necessários para as situações do art.90 nº 1 corpo e alínea c), para os respetivos casos de isenção, quer quanto à proporção no capital social detido na entidade situada em Portugal, geradora dos dividendos, quer quanto ao tempo de permanência na detenção dessa participação social.
Pensamos não ser necessária grande elucubração mental para aceder à conclusão de que os três regimes de tributação coexistentes no Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, coevo da tributação dos autos, se referiam sempre à tributação de rendimentos de capitais perfeitamente análogos na sua génese e frutificação – regime de isenção no plano interno, de não isenção no plano plurilocalizado e de isenção no plano plurilocalizado – e que estabeleciam as suas diferenças assentes apenas na localização em Portugal ou no estrangeiro da residência do investidor/beneficiário do rendimento, sendo que a entidade geradora, a sua fonte, era sempre residente em território nacional. E, isso, independentemente de a posteriori, no segundo e terceiro regimes, essa tributação poder vir a ser a final minorada pela operatividade própria de mecanismos para evitar a dupla tributação, ou por intervenção de instrumentos convencionais que a reduziam, como aliás ocorreu in casu.
Como se disse já, em abstrato e in linime as diferenciações não são contrárias nem ao direito interno, nem ao Direito Comunitário, desde que haja uma justificação razoável e atendível para ela. Contudo, visivelmente, esse suporte normativo não existia, pois não se enxerga, designadamente tendo presente a intervenção de mecanismos para evitar uma dupla tributação, fosse qual fosse a sua origem, qual a razão para a tributação diferenciada dos rendimentos em causa. E o fundamento que surge, rectius: a causa da diferenciação de regimes não é, senão, ser a localização do beneficiário em Portugal ou no estrangeiro, o que nos remete para um fundamento de diferenciação de regimes que não é, de todo, aceitável, desde logo pelo Direito Comunitário quanto ao respetivo espaço de vigência, em que Portugal se insere. E não só pelo entrave e dissuasão significativos em que se constitui e que cria à livre circulação de capitais no espaço da União, como sobretudo pela arbitrariedade com que a diferenciação é criada. E não se invoque que essa diferenciação de regimes é justificada porque opera sobre tributação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas que não é igual na sua natureza, já que no caso da retenção dos autos, ela opera a título definitivo, e o regime diverso invocado opera por retenção por conta, nos casos localizados só em Portugal. Assim é, efetivamente. Mas essa diferenciação não impede a comparabilidade de regimes, porque não só ocorre sobre rendimentos com uma génese e natureza inteiramente iguais, como sobretudo porque a diferença em apreço tem que ver não com a natureza do rendimento, ou com a sua tributação, mas apenas e só com o modo da efetivação desta. Com efeito, a retenção a título definitivo justifica-se não porque o rendimento ou o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas no caso do não residente sejam diversos do rendimento igual e do correspetivo imposto devido pelo residente, mas porque nos casos das entidades não residentes sem estabelecimento estável a tributação, em Portugal, se restringe a rendimentos obtidos no território nacional e opera tendencialmente de forma cedular, como se do único rendimento da entidade não residente se tratasse, como aliás sói ocorrer com a tributação de rendimentos de não residentes, em sede de Impostos sobre o Rendimento, arts.4º nº 1 versus nº 2 e 51º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Daí que a retenção possa e normalmente opere a título definitivo e não meramente como pagamento por conta de uma tributação final, global, ou sujeitos a englobamento, de todos os rendimentos sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, pois essa tributação global, et pour cause, não é levada a cabo por Portugal… mas pelo Estado da residência!, segundo um correspondente Imposto sobre o Rendimento desse Estado. Não há, pois, qualquer diferença objetiva na tributação da tipologia de rendimentos em causa, quando obtidos por uma entidade residente e outra não residente, que suporte a diferenciação.
Por outra parte, ao nível interno, a isenção das situações só em Portugal localizadas não se contrapõe a outra imposição de que os não residentes estejam libertos, reequacionando assim os termos de um equilíbrio aparentemente ausente. E acresce que no caso presente a intervenção do instrumento para evitar a dupla tributação introduz inclusive um desequilíbrio adicional, ou não permite repor um equilíbrio ou equivalência finais entre a tributação em Portugal e no Estado da residência, porque ao proceder a uma imputação normal do crédito de imposto que for reconhecido, e não global ou por inteiro, esbarra no direito holandês com uma isenção (simétrica aliás da existente no direito interno português, uma participation exemption, portanto) em que aquele crédito não poderá, pois, ser deduzido. E tudo isto quando, in limine, aliás, esse mesmo instrumento delega no Estado da residência a eventual tributação do rendimento, art.10º da Convenção. Deste modo, nem mesmo pela intervenção deste instrumento bilateral se acede a uma tributação equivalente àquela que logo em Portugal teria lugar se a entidade que aufere os rendimentos aqui residisse. Pelo que definitivamente se fixa uma situação de desigualdade de tratamento do prisma do regime português, que não poderá ser sanada com a intervenção da Convenção, desigualdade essa que, como já acima dito, não se suporta senão uma diferenciação segundo a residência e, precisamente em concreto, no caso específico da Impugnante, residente nos Países Baixos, não pode ela aceder a final ao reembolso que a poria em situação equivalente à isenção portuguesa para residentes, ou àquela da lei holandesa.
Em face do todo exposto, não se encontrando razões válidas para as diferenciações de regime mencionadas, entre residentes e não residentes, conclui-se que o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na versão aplicanda, de 2005, nomeadamente pelas disposições citadas, mesmo em conjugação com a Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, obstava à livre circulação de capitais no espaço comunitário, compreendendo-se nela a aplicação e investimento por entidade de um Estado membro numa entidade radicada em Portugal e, subsequentemente, a tributação dos frutos daí advindos. E isso sucedia porque a tributação dos respetivos rendimentos era feita de modo diverso e mais gravoso que a respeito dos residentes em igual situação, os quais simultaneamente isentava de tributação sobre esses rendimentos. Donde que opunha entrave sem justificação à liberdade de circulação de capitais, em violação do disposto no art.56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, hoje 63º do Tratado que Institui a União Europeia, como em termos análogos foi decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia nos seus acórdãos tirados nos casos Denkavit II, processo nº C-170/05, Amurta, processo nº C-379/05, Secilpar, processo nº C-199/10, inter alia, bem como decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 9VII2014, tirado no processo nº 1435/12 (Pleno), ou por acórdão de 12XI2014, no processo nº 461/14, ou de 7X2015, tirado no processo nº 768/13, in www.dgsi.pt.
Dito isto, conclui-se então que, pelo exposto, tanto a decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão da tributação dos rendimentos de capitais em causa nos autos, como esta, efetuada por retenção na fonte por parte da entidade residente que distribuiu esses rendimentos à Impugnante, violaram aquela disposição de aplicação direta do Tratado, determinando com isso a ilegalidade desses atos, visto o primado do direito dos tratados sobre o direito interno português, conforme o que dispõe o art.8º nº 4 da Constituição da República.
Pelo que por desaplicação das normas de direito interno do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ínsitas àqueles atos, colidentes que são com o Tratado, sob a primazia deste, anulamo-los por ilegais, nos termos do art.135º do Código de Procedimento Administrativo, na versão coeva, hoje art.163º n.ºs 1 e 3.”
É, pois, manifesto, tal como também anuncia o EPGA no seu douto Parecer, que a questão controvertida foi objecto de apreciação e pronúncia pelo TJUE designadamente nos despachos de 22.11.2010 (processo C-199/10 processo Secilpar) e de 18.06.2012 (processo C-38/11 processo Amorim Energia BV), justificando-se a transcrição do dispositivo do último despacho:
“I) Os artigos 63.º TFUE e 65.º TFUE opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite a uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 10%, mas inferior a 20%, obter a isenção do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal e sujeita assim esses dividendos à dupla tributação económica, ao passo que, quando os dividendos são distribuídos às sociedades acionistas residentes em Portugal e que detêm o mesmo tipo de participação, essa dupla tributação económica dos dividendos é evitada. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais.
2).Os artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que permite que uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 20% obtenha o reembolso do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal unicamente se tiver detido essa participação de modo ininterrupto durante dois anos, tornando assim mais morosa a eliminação da dupla tributação económica relativamente às sociedades acionistas residentes em Portugal que detêm o mesmo tipo de participação. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento.”
Abrigando esta jurisprudência do TJUE o STA-SCT tem estabelecido jurisprudência consolidada sobre a questão, designadamente com manifestação nos acórdãos 29.02.2012 processo n° 1017/11; 28.11.2012 processo n° 482/10; 29.05.2013 processo n° 322/13; 27.11.2013 processo nº 654/13; 18.12.2013 processo nº 568/13; 9.04.2014 processo nº 1318/13; 21.05.2014 processo n° 1192/13; 12.11.2014 processo nº 461/14; 7.10.2015 processo n° 768/13; 31.05.2017 processo n° 738/16 todos publicados em www.dgsi.pt.
Por identidade de razões, faz-se o traslado do atinente bloco fundamentador do acórdão pronunciado em 7.10.2015 no processo n° 768/13 em que identicamente se apreciou a legalidade da retenção na fonte de imposto sobre dividendos distribuídos a sociedade com residência fiscal na Holanda e que remete para inúmeros arestos representativos da assinalada jurisprudência, mormente a fixada no Pleno:
“(…)
A questão assim suscitada refere-se, pois, à tributação de dividendos distribuídos por sociedade residente em território nacional a sociedade não residente, com sede nos Países Baixos, e é idêntica à que foi objecto da jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente no Acórdão do Pleno de 09/07/2014, recurso n.º 01435/12, por nós relatado, e no Acórdão de 12.11.2014, recurso 461/14, ambos publicados in www.dgsi.pt.
Sendo que neste último processo estavam em causa os dividendos também distribuídos pelo Banco B…….., SA, à sociedade C…….. BV, a qual deduziu reclamação graciosa em coligação com a ora recorrida, tendo posteriormente deduzido impugnação em separado - vide fls. 87 dos presentes autos (1º vol.) e processo instrutor em apenso.
Assim, e porque a concreta situação dos autos não diverge de modo substancial daquelas situações já tratadas por este Supremo Tribunal nos referidos Acórdãos 1435/12 e 461/14, iremos seguir de perto a respectiva argumentação jurídica.
Como se disse naquele primeiro acórdão (do Pleno):
(….) a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado, por diversas vezes, em sentido claramente divergente à tese acolhida no acórdão recorrido, ou seja, no sentido de que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29.02.2012, recurso 1017/11, de 28.11.2012, recurso 482/10, de 29.05.2013, recurso 322/13, de 27.11.2013, recurso 654/13, de 18.12.2013, recurso 568/13, de 09.04.2014, recurso 1318/13 e de 21.05.2014, recurso 1192/13, todos in www.dgsi.pt.
(….)
7. Deste modo, verificada a oposição, cumpre decidir a questão objecto do recurso que, tal como a recorrente a configura nas suas alegações, é a de saber se o regime decorrente do artigo 24º, nºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos encerra a concessão de um crédito de imposto no Reino dos Países Baixos, equivalente ao imposto suportado em Portugal, e permite neutralizar os efeitos lesivos, assentes na incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE (ex-artigo 56.º do TCE), do tratamento diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes.
(….) entendemos, de acordo com o que vem sendo dito, de forma clara, pela jurisprudência do TJUE, que “quando um Estado-Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado-Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais” (Ac.do TJUE proferido no processo C-379/05, Amurta SP contra Inspecteur van de belastingdienst/Amsterdam)
Como sublinha, João Félix Pinto Nogueira (Neutralização na distribuição de dividendos a sociedades não residentes, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano VI, tomo 3, pag.313) o TJUE não se prende com a forma jurídica que assuma o crédito, e tem aceitado que a neutralização possa ocorrer tanto como consequência de um crédito integral, como por força de um crédito ordinário.
Porém, não basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção sendo necessária uma neutralização efectiva, isto é, que o sujeito passivo seja efectivamente capaz de imputar toda a retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência.
Como ficou expresso no despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2012, proferido no processo C-38/11, na sequência de pedido de decisão prejudicial suscitado no âmbito do acórdão fundamento, “ o Tribunal de Justiça já declarou, relativamente ao método de imputação para a prevenção da dupla tributação, que a aplicação desse método deve permitir que o imposto sobre os dividendos cobrado no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição desses dividendos seja totalmente imputado ao imposto devido no Estado de residência da sociedade beneficiária, de modo a que, se sobre os dividendos recebidos por essa sociedade incidir, no final, uma tributação superior à que incide sobre os dividendos pagos a sociedades residentes no primeiro Estado-Membro, essa carga fiscal superior já não seja imputável ao Estado de residência da sociedade distribuidora, mas ao Estado de residência da sociedade beneficiária, que exerceu o seu poder tributário (….).
Por conseguinte, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele» (v. acórdãos de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, e de 20 de Outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-0000, n.º 63).).
Quer isto dizer, tal como concluiu o TJUE, que para se alcançar a neutralização é necessário que os dividendos distribuídos sejam efectivamente tributados no Estado da residência. Se o não forem, ou não o forem a um nível suficiente, então não se produz a total anulação dos efeitos discriminatórios provocados pela originária retenção na fonte e não há neutralização ( Vide neste sentido, João Félix Pinto Nogueira, ob. citada, pag.313.).
Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado por diversas vezes que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. acórdãos supracitados em 6.3.
Ora no caso em apreço, tal como no caso sobre que versou o acórdão fundamento estava em causa a CEDT Portugal/Países Baixos a qual, juntamente com as normas internas de tributação em IRC e as normas legais vigentes nos países baixos, faz parte do quadro jurídico aplicável com vista a aferir da possibilidade de neutralização dos efeitos de restrição à livre circulação de capitais provocados pela originária retenção na fonte.
O método de prevenção da dupla tributação está previsto no artigo 24.º daquela Convenção, que dispõe no seu nº 2:
«Os Países Baixos, ao tributarem os seus residentes, podem incluir na base sobre a qual esses impostos incidem os elementos do rendimento do capital que, de acordo com o disposto nesta convenção, podem ser tributados em Portugal”.
E, no nº 4, acrescenta-se: “(…) os Países Baixos concedem uma dedução do imposto dos Países Baixos assim calculado relativamente aos elementos do rendimento e do capital que, nos termos do nº 2 do artigo 10º, do nº 2 do artigo 11º, do nº 2 do artigo 12º, do nº 5 do artigo 13º, do nº 1, alínea b), do artigo 14º, do artigo 16º, do artigo 17º, do nº 3 do artigo 18º e dos nºs 1 e 2 do artigo 23º desta Convenção, podem ser tributados em Portugal na medida em que tais elementos estejam incluídos na base referida no nº 2. O montante desta dedução será equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital, mas não excederá o montante da redução que seria concedida se os elementos do rendimento ou do capital assim incluídos fossem os únicos elementos do rendimento ou do capital isentos de imposto dos Países Baixos de acordo com as disposições da legislação dos Países Baixos relativa à eliminação de dupla tributação”.
A convenção adoptou assim um método de crédito ordinário de imposto em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado.»
No caso sub judice, tal como na situação concreta relatada no acórdão 461/14 e no Acórdão do pleno acabado de citar, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte efectuada a título definitivo e à taxa de 10%, sobre os dividendos distribuídos à impugnante, aquando da distribuição de dividendos pelo Banco B……, SA, só pode ser neutralizada, nos termos da legislação nacional e da CDT, se tais dividendos forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro (Holanda).
Sucede que, como atrás se referiu, um dos fundamentos para a procedência da impugnação foi precisamente o facto de na sentença recorrida se ter tido em consideração que a legislação holandesa consagra a “participation exemption”, que isenta de tributação os dividendos auferidos, designadamente pelas besloten vennootschap como é a impugnante, desde que haja uma participação superior a 5%, o que também sucede no caso em apreço, não sendo considerados custos nem podendo ser deduzidos os valores suportados no estado fonte, a título de retenção na fonte, exceptuando alguns casos de países em vias de desenvolvimento (cf. arts. 10.º e 13.º, do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31.º, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001).”
Sendo que este é um argumento preponderante para a procedência da impugnação já que a recuperação do imposto cobrado em Portugal por via de crédito de imposto, nos termos da CEDT Portugal/Países Baixos (artº 24º, nº 2), se encontra limitada ao imposto devido no Estado da residência (Holanda) sobre a mesma parcela de rendimento, ou seja, no caso, nenhum.
Ora a Fazenda Pública não põe em causa no seu recurso que assim seja, isto é, que a recorrida beneficie de um regime de isenção no tocante a estes rendimentos e que tal regime de isenção resulte dos preceitos legais invocados na sentença recorrida.
Assim no caso subjudice, estando, como está, suficientemente adquirido nos autos o regime de tributação de tais dividendos nos Países Baixos (isenção), forçoso é concluir que se trata de um regime que não permite a neutralização da tributação, ainda que por via da aplicação da CEDT, impondo-se, por conseguinte, a anulação das liquidações, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56º do TCE (63º do actual TFUE).”
Do tudo quanto fica dito, resulta o bem fundamentado e decidido da sentença recorrida que deve ser confirmada também na parte em exame com a inerente improcedência do recurso.
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Resta aquilatar se, na conformidade do agora determinado, não seriam devidos juros indemnizatórios por não se verificar qualquer das situações previstas no artigo 43.º da LGT.

No ponto, insurge-se a recorrente AT contra a sua condenação pelo Tribunal a quo no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da LGT já que, segundo ela, tal dever só impende sobre si caso se verificasse uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços, sendo que no caso em apreço a Administração Fiscal se limitou a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas do CIRC e, CDT.
Entende, por isso, que deverá ser revogada a decisão do Tribunal de 1.ª Instância que julgou procedente o peticionado quanto aos juros indemnizatórios.
Esta perspectiva é refutada pela recorrida na ponderação de que, declarada a ilegalidade do ato tributário de retenção na fonte, por desconformidade do direito Português com o direito da União Europeia, resulta erro imputável aos serviços, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, nos termos do disposto no artigo 43.° da LGT, pelo que a sentença não merece qualquer censura.
O EPGA no seu douto Parecer comunga da opinião da recorrida ao expender que a ilegalidade do acto de retenção na fonte, por erro imputável aos serviços, constitui fundamento para legal para a atribuição ao contribuinte de juros indemnizatórios, calculados a partir do termo do período de um ano após a formulação do pedido de revisão (art. 43° n°s 1 e 3 al. c) LGT).
E essa é, insofismavelmente, a posição sedimentada na jurisprudência deste STA-SCT no tocante a tal matéria conforme doutrina que dimana dos acórdãos STA-SCT 18.01.2017 processo nº 890/16; 6.12.2017 processo n° 926/17.
Assim, do disposto nos nºs. 1 a 3 do art. 43º da LGT resulta que, em caso de revisão, a diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento de juros indemnizatórios (não serão devidos juros indemnizatórios entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços) decorre do entendimento legislativo no sentido da culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor.
Termos em que igualmente improcedem as conclusões recursórias em apreciação.
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3. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.
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Lisboa, 3 de Junho de 2020. – José Gomes Correia (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.