Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0642/16.2BEPRT 0372/18
Data do Acordão:11/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Resultando expressamente do art. 298º nº4 do Código do Trabalho que nas situações de Lay Off a empresa tem de ter a sua situação contributiva regularizada perante a administração fiscal e a segurança social, quando recorre a este regime de redução ou suspensão, é no momento em que recorre a este regime que tem de ser aferido este pressuposto.
II - O princípio “tempus regit actum” não põe em causa as situações em que a lei expressamente vem regular o momento da aferição de pressupostos exigíveis na prática de um ato.
Nº Convencional:JSTA000P23857
Nº do Documento:SA1201811150642/16
Data de Entrada:05/18/2018
Recorrente:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
RELATÓRIO

1. O INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL interpõe recurso de revista para este STA do acórdão do TCAN, de 2/2/2018, que concedeu provimento ao recurso interposto da sentença do TAF do Porto que julgara improcedente a ação administrativa intentada por A………………., LDA, de condenação daquele Instituto ao pagamento de €4.783,80, acrescido de juros à taxa legal, a título de reembolso dos pagamentos que teve de adiantar aos trabalhadores, no âmbito de processo de “layoff” ao abrigo do Código do Trabalho.

2. O Recorrente conclui as suas alegações da seguinte forma:

“DA QUESTÃO PRÉVIA DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

1- A ação administrativa em causa, o recurso e a presente revista tem como objeto a apreciação de uma única questão, que é absolutamente inédita no panorama jurídico português, a de saber se o momento para aferir dos pressupostos de facto de determinado ato administrativo vinculado é a data da sua prática ou, como era até aqui entendido, e sempre foi feito, a data em que alegadamente terá nascido o direito invocado que lhe dá origem, bem como de saber se nesse caso a sentença, uma vez transitada, regula definitivamente a questão.

2- Trata-se de uma questão absolutamente essencial no panorama jurídico português e absolutamente necessária para uma correta aplicação do Direito, pelo que o recurso deverá ser admitido.

3- O acórdão recorrido violou também o nº 2 do art 38º, que refere que não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável, o que foi precisamente o que aconteceu, já que o A. obteve exatamente o mesmo efeito patrimonial que obteria se tivesse anulado o ato que já não podia ser impugnado, ou seja, o valor que receberia pelo lay-off.

4- Ao condenar a administração, como o fez, no pagamento de uma quantia a título de indemnização por facto ilícito, pelo facto desta analisar os pressupostos do ato no momento do requerimento, como aliás sempre foi feito até agora, e não no momento da prática do ato decisório como pretenderia o Tribunal, o acórdão violou de forma flagrante os princípios que regem o procedimento administrativo, bem como os art° 298, 300, 301 e 305 do Código de Trabalho.

5- Ao condenar a administração, como o fez, no pagamento do subsídio, o acórdão violou de forma grosseira o princípio da estabilidade e incindibilidade do procedimento administrativo, já que vai buscar os pressupostos do ato a diferentes momentos temporais, imiscuindo-se numa atividade puramente executiva e administrativa sem qualquer legitimação e sem qualquer justificação para tal, não respeitou os limites da vinculação que podia dar ao acórdão, violando assim o art° 2 da C.R.P.

Assim,

- Deverá ser admitido o presente recurso de revista após apreciação preliminar sumária do mesmo, por se encontrarem preenchidos os pressupostos do art. 150 do CPTA;

- Julgando-se procedente o recurso e revogando-se o Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que condena a administração ao pagamento do subsídio, devendo o R. ser absolvido do pedido porque à data do requerimento e à data do suposto início da vigência do LAY-OFF não estavam, (ainda) verificados os pressupostos de facto e de direito do ato, e, portanto, o indeferimento era a única opção legalmente possível, não tendo, havido qualquer ilicitude e sendo irrelevante o acordo prestacional superveniente.”

3. A Recorrida, A……………….., conclui as contra-alegações da seguinte forma:

“1.O presente recurso extraordinário de revista não deve ser admitido, porquanto a questão apresentada pelo recorrente como fundamento deste NÃO SE VERIFICA, considerando que, a questão essencial contida na douta decisão do TCAN foi, e é a verificação cumulativa de todos os pressupostos típicos da responsabilidade civil, previstos no artigo 483° do Código Civil.

2.O recorrente inverte e manipula o sentido e o fundamento pacífico deste Venerando Tribunal ao alegar que tal recurso se torna absolutamente necessário para uma correta aplicação do direito, uma vez que, se limita a fazer um juízo de valor, afirmando, sem demonstrar, que as questões que colocou, assumem uma particular relevância jurídica.

3.Sem prescindir, o recorrente não alega nem conclui que a douta decisão recorrida seja “ostensivamente errada ou juridicamente insustentável”, que mereça a presente Revista, limitando a discordar do decidido.

4.O douto Acórdão recorrido analisou e fundamentou minuciosamente a sua decisão sobre a questão de saber se com a sua atuação a recorrente agiu ou não de forma ilícita, ao não proceder ao pagamento dos valores relativos aos processos de layoff.

5.O recorrente apresentou a questão da convolação de uma forma “a latere”, de forma mínima (meia dúzia de linhas) e não a apresentando como questão fundamentadora deste recurso extraordinário de revista.

6.Acresce que, conforme decorre da douta decisão proferida, a ora Recorrente nem sequer colocou em causa a não existência de motivo para que não procedesse ao pagamento dos valores relativos aos processos de “lay off”, uma vez que nem sequer contra-alegou.

7.Por todas estas razões o douto Acórdão recorrido não merece qualquer crítica ou mero reparo.

NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que V. Exas suprirão,

a) Não deve o presente Recurso de Revista ser admitido;

b) Mas se, assim, não for doutamente entendido deve o mesmo ser julgado improcedente e o Douto Acórdão recorrido mantido “in totum”, fazendo assim V. Exas. INTEIRA JUSTIÇA!”

4. A revista foi admitida por acórdão de 26.04.2018 da formação deste STA a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA.

5. Notificado o EMMP, ao abrigo do art. 146º, nº 1, CPTA, não foi emitido parecer.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

II- FUNDAMENTOS

Na decisão recorrida não foi separada a matéria de facto da matéria de direito.

*

O DIREITO

A Autora intentou contra o Réu uma ação administrativa de responsabilidade civil extracontratual com vista a obter o pagamento das quantias por si suportadas com os seus trabalhadores em “regime da lay off”, nos termos do art. 305º nº 4 do Código do Trabalho.

A primeira instância entendeu que não se verificava o requisito da ilicitude já que a Autora não tinha provado que tinha a sua situação contributiva regularizada e julgou a ação improcedente.

O TCA entendeu que a Autora tinha a sua situação contributiva regularizada por constar dos autos o deferimento em 16/8/2013 de um plano prestacional.

O recorrente vem invocar contra a decisão recorrida dois fundamentos:

1º- Violação do nº 2 do art 38º já que não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável, e a A. obteve exatamente o mesmo efeito patrimonial que obteria se tivesse anulado o ato que já não podia ser impugnado, ou seja, o valor que receberia pelo «lay off».

Ora, esta questão nunca foi suscitada pelo aqui recorrente em sede de contestação, momento em que devem ser invocadas as exceções, pelo que não podemos dela conhecer.

2º- A segunda questão é a de saber o momento em que a Autora deveria ter a situação contributiva regularizada, se na data do requerimento em que solicitou o “subsídio” ou se na data em que foi proferido o ato que indefere o mesmo pedido.

Então vejamos.

Resulta da decisão recorrida e não está aqui questionado que:

“(...) Ora, embora o despacho saneador recorrido não tenha separado a fundamentação de facto da fundamentação de direito, decorre dos autos que a Autora, aqui Recorrente, em 2012, comunicou ao Réu a suspensão de contratos de trabalho por um período de seis meses, devido a condicionalismos económico-financeiros, para que fosse aplicado o regime da layoff, nos termos do art° 305°/4 do Código do Trabalho, isto é, para este efetuar o pagamento da compensação retributiva relativamente aos contratos de trabalho suspensos, sendo que nunca foi proferido qualquer despacho, solicitando a Autora informações que só foram dadas na reunião ocorrida em 24/02/2015, justificando que a razão principal se devia ao facto de não terem sido enviadas as folhas de remuneração dos trabalhadores com descriminação dos seus salários, sendo que o procedimento foi instruído conforme as indicações do Réu.

A Autora, tal como alega e contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, deu conhecimento ao aqui Recorrido da sua situação contributiva, conforme resulta, aliás, da certidão junta pelo Réu/Recorrido em sede de contestação; assim, este sabia da situação contributiva da Recorrente, uma vez que celebrou com a sociedade Autora um plano prestacional, que foi deferido em 16/08/2013.(...)”

Resulta dos autos que em 6/06/2012 (entrada nos serviços do Réu em 08/06/2012), 28/08/2012 (entrada nos serviços do Réu em 29/08/2012), 13/12/2012 (sem comprovativo da data de entrada nos serviços do Réu, mas alegadamente entregue em mão) a Autora deu entrada nos serviços do Réu de requerimentos para que fosse aplicado o regime de «lay off», nos termos do art° 305°/4 do Código do Trabalho.

O regime de «lay off» consiste numa redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho por iniciativa das empresas, durante um determinado tempo, desde que tais medidas sejam indispensáveis para assegurar a viabilidade da empresa e para a manutenção dos postos de trabalho (art. 294º do CT).

A propósito da regulamentação deste regime o art. 299º nº1 do mesmo CT dispõe que o empregador comunica, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger, a intenção de reduzir ou suspender a prestação do trabalho, informando-as dos elementos aí referidos.

E, nos cinco dias posteriores a esta comunicação o empregador promove uma fase de informações e negociação com a estrutura representativa dos trabalhadores, com vista a um acordo sobre a modalidade, âmbito e duração das medidas a adotar (art. 300º nº1 do CT).

Sendo que, e como dispõe nos n.ºs 3 a 5 do mesmo art. 300º:

“(...) 3 - Celebrado o acordo ou, na falta deste, após terem decorrido cinco dias sobre o envio da informação prevista nos nºs 1 ou 4 do artigo anterior ou, na falta desta, da comunicação referida no n.º 3 do mesmo artigo, o empregador comunica por escrito, a cada trabalhador, a medida que decidiu aplicar, com menção expressa do fundamento e das datas de início e termo da medida.

4 - Na data das comunicações referidas no número anterior, o empregador remete à estrutura representativa dos trabalhadores e ao serviço competente do ministério responsável pela área da segurança social a ata a que se refere o n.º 2, bem como relação de que conste o nome dos trabalhadores, morada, datas de nascimento e de admissão na empresa, situação perante a segurança social, profissão, categoria e retribuição e, ainda, a medida individualmente adotada, com indicação das datas de início e termo da aplicação.

5 - Na falta de ata da negociação, o empregador envia às entidades referidas no número anterior um documento em que o justifique e descreva o acordo, ou as razões que obstaram ao mesmo e as posições finais das partes.(...)”

O que significa que o prazo para fazer o requerimento aqui em causa à Segurança Social são os cinco dias após a celebração do acordo ou, na falta deste, o envio da informação prevista nos nºs 1 ou 4 do artigo 299º ou, na falta desta, da comunicação por escrito, a cada trabalhador, referida no n.º 3 do mesmo artigo.

E, nos termos do art. 298º nº4 do Código de Trabalho (Lei 23/2012) a Autora tinha, nessa altura, que demonstrar ter a sua situação contributiva regularizada perante a administração fiscal.

Como resulta do mesmo:

“A empresa que recorra ao regime de redução ou suspensão deve ter a sua situação contributiva regularizada perante a administração fiscal e a segurança social, nos termos da legislação aplicável, salvo quando se encontre numa das situações previstas no número anterior.”

Ou seja, na situação dos autos, resulta expressamente da lei vigente que a empresa tem de ter a sua situação contributiva regularizada perante a administração fiscal e a segurança social, quando recorre a este regime de redução ou suspensão, pelo que é no momento em que recorre a este regime que tem de ser aferido este pressuposto.

Pode-se questionar se esse momento é aquele em que formula o requerimento perante a Segurança Social, ou em que o podia formular ou ainda o momento anterior em que decide nos termos do art. 299º nº1 do CT comunicar à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores, a intenção de reduzir ou suspender a prestação do trabalho.

Mas, na situação dos autos tal questão é irrelevante porque sempre na data posterior que se pudesse considerar, e que seriam os cinco dias em que tinha que fazer o requerimento à Segurança Social nos termos supra expostos, a aqui recorrida não tinha a sua situação regularizada.

Conforme resulta da certidão de dívida junta aos autos de fls 101 a 104, em 2012 a recorrida tinha dívidas à Segurança Social, e apenas com o plano prestacional deferido em 16/08/2013, como resulta de fls 104 verso e 105, veio a sua situação a ser regularizada.

Assim, na data em que a recorrida recorreu ao regime de redução ou suspensão não tinha a sua situação contributiva regularizada perante a Administração Fiscal e a Segurança Social, nos termos da legislação aplicável, e não se encontrava em nenhuma das situações previstas no nº3 do artigo 298º do CT, já que apenas em 16-8-2013 se pode considerar que a sua situação contributiva estava regularizada.

É certo que o princípio “ tempus regit actum” significa que os atos administrativos se regem pela realidade fáctica e normas em vigor no momento em que são praticados, tendo como seu pressuposto o princípio da não retroatividade.

Contudo, este princípio não põe em causa as situações em que a lei expressamente vem regular o momento da aferição de pressupostos exigíveis na prática de um ato.

Não se podendo considerar a regularização da situação contributiva verificada em 2013 para poder aceder ao regime de redução ou suspensão em situação de crise empresarial, face ao art. 298º nº4 do Código do Trabalho, ocorrido em 2012, não praticou o aqui recorrente qualquer facto ilícito ao não deferir as pretensões da Autora, pelo que não incorre em qualquer responsabilidade civil extracontratual.

Pelo que bem andou a decisão de 1ª instância ao assim entender.

É, pois, de revogar a decisão recorrida, devendo a ação ser julgada improcedente.

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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em:

a) conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida;

b) manter pelas razões supra referidas a decisão proferida na 1.ª instância.

Custas pela A., ora recorrida, neste Supremo e nas instâncias.

Lisboa, 15 de Novembro de 2018. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.