Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01335/17
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23364
Nº do Documento:SA22018053001335
Data de Entrada:11/23/2017
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo nº 1335/17 (reclamação prevista no art.º 643º do CPC)


Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

A sociedade executada "A…………, S.A." apresentou reclamação, ao abrigo do disposto no art.º 643.º do CPC, do despacho proferido pelo Mmº Juiz do TAF de Aveiro, de não admissão do recurso jurisdicional que interpôs da sentença de improcedência da reclamação judicial que instaurara com vista à anulação do acto do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu pedido de extinção das execuções fiscais contra si instauradas.

É o seguinte o teor do despacho de não admissão do recurso, exarado pelo Mmº Juiz do TAF de Aveiro:

«A reclamante, em 16/10/2017, veio apresentar requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida nos presentes autos, em 29/09/2017 e notificada em 02/10/2017, sem que, contudo, tenha feito acompanhar esse requerimento das respetivas alegações de recurso com a enunciação dos vícios que imputa à decisão recorrida.
De acordo com o preceituado no artigo 283º do CPPT "os recursos jurisdicionais dos processos urgentes serão apresentados por meio de requerimento juntamente com as alegações no prazo de 10 dias".

Por sua vez, segundo o disposto no artigo 278º, nº 5, do CPPT, a reclamação das decisões do órgão da execução fiscal segue as regras dos processos urgentes.

Ora, apesar de a recorrente ter apresentado o requerimento de interposição de recurso supra aludido em tempo, a verdade é que não cuidou de o fazer acompanhar das respetivas alegações de recurso, nem procedeu à sua junção até ao termo do prazo de interposição.

Pelo exposto, não se admite o recurso jurisdicional interposto da sentença proferida nos presentes autos»

Na reclamação apresentada, ao abrigo do disposto no art.º 643º do CPC, contra este despacho de não admissão do recurso, a Reclamante defende que o Mmº Juiz incorreu em erro de julgamento, porquanto, ao contrário do decidido, a reclamação que deduziu contra o acto do órgão de execução não tem carácter urgente, por não se tratar de reclamação com um dos fundamentos previstos no art.º 278 nº 3 do CPPT, não lhe sendo, por isso, aplicável o disposto no art.º 283º do mesmo diploma legal.

Subidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, foi a Fazenda Pública notificada para responder, tendo vindo, nessa sequência, sustentar o despacho reclamado.

Por despacho da Juíza Conselheira Relatora, proferido ao abrigo do disposto no nº 4 do art.º 643º do CPC, foi a reclamação indeferida através de decisão com o seguinte teor:

«A norma contida no n.º 1 do art.º 278º do CPPT estabelece a regra geral da subida diferida a tribunal da reclamação deduzida contra o acto do órgão da execução, caso em que o tribunal só conhecerá da reclamação a final quando, depois de realizada a penhora e a venda, o processo lhe for remetido.

Todavia, a norma contida no n.º 3 identifica excepções a essa regra, determinando a subida imediata nas situações aí tipificadas, caso em que a reclamação subirá imediatamente a tribunal se o reclamante invocar prejuízo irreparável causado por algumas das seguintes ilegalidades:

a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;

b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda;

c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;

d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida.

Contudo, a jurisprudência firmou-se no sentido de que esta norma não é taxativa, e que a subida imediata da reclamação - e que envolve, necessariamente, uma tramitação urgente no tribunal - deve ser estendida a todos os casos em que a regra geral da subida diferida faz perder toda e qualquer utilidade à reclamação, assim se salvaguardando a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados prevista no nº 4 do art.º 268º da CRP.

Pelo que, sempre que o reclamante invoque prejuízo irreparável deve o órgão de execução remeter de imediato a reclamação para o tribunal, em derrogação da regra geral da subida diferida. E caso o tribunal admita, ainda que de forma implícita, que o prejuízo se verifica, tem de aceitá-la com esse regime de subida, o que significa tramitá-la e dar prioridade/urgência ao seu conhecimento, em conformidade com o disposto no nº 6 do art.º 278º do CPPT, já que a reclamação com subida imediata segue as regras dos processos urgentes, tem prioridade sobre os demais processos (não urgentes), corre termos durante as férias judiciais, e o requerimento de interposição de recurso tem de ser apresentado no prazo de dez dias acompanhado de alegações (art.º 283º do CPPT).

No caso vertente, o prejuízo irreparável foi expressamente invocado pelo reclamante, que igualmente requereu a atribuição de efeito suspensivo à reclamação. Razão por que o órgão da execução fiscal a remeteu de imediato para o tribunal de 1ª instância, onde o Mmº Juiz nada opôs a esse regime de subida, antes ordenando a sua imediata e legal tramitação, conhecendo, de seguida, do mérito da reclamação.

De onde resulta, de forma inequívoca, a aceitação e a tramitação processual da reclamação com este regime de subida imediata e, por consequência, com carácter urgente.

Termos em que nenhuma censura merece o despacho reclamado.

Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.».


É desta decisão que a Recorrente vem interpor RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA e que rematou com as seguintes conclusões:


1. Vem o Recorrente apresentar reclamação para a Conferência deste Venerando Tribunal nos termos das disposições conjugadas dos artigos 643º, nº 1 e 652º, nº 3 todos do CPC.

2. O Reclamante foi notificado da decisão proferida pelo Venerando Juiz Relator o qual determinou que "(...) nenhuma censura merece o despacho reclamado (...)".

3. Porquanto, entendeu que "(...) a jurisprudência firmou-se no sentido de que esta norma não é taxativa - artigo 278º, nº 3, do CPPT - e que a subida imediata da reclamação - e que envolve necessariamente, uma tramitação urgente no tribunal - deve ser estendida a todos os casos em que a regra geral da subida indeferida faz perder toda e qualquer utilidade à reclamação (...)".

4. Ora, não pode o Recorrente conformar-se com tal entendimento, pois que, neste caso e sem qualquer notificação para o efeito, vê o Recorrente ser aplicado um regime de exceção - com tramitação urgente - sem o ter requerido.

5. Por outro lado, conforme esclarece a nossa jurisprudência "(…) A tramitação da reclamação prevista no art.º 276º e segs. do C.P.P.Tributário, apenas prevê a subida diferida ao Tribunal do processo após a realização da penhora e da venda (cfr. art.º 278º, nº 1, do C.P.P.Tributário). Tal regra justifica-se, dado que a reclamação se deve processar nos próprios autos de execução (cfr. art.º 97, nº 1, al. n), do C.P.P.Tributário). Só assim não será, admitindo a lei a subida imediata da reclamação a Tribunal, quando esta se fundar em prejuízo irreparável causado pelas ilegalidades taxativamente enumeradas no art.º 278, nº 3, do C.P.P.Tributário, as quais se reconduzem à existência de uma penhora indevida e/ou à determinação de uma garantia superior à devida, tudo no âmbito de processo de execução fiscal a correr termos (as aIs. a), b) e c), do art.º 278º, nº 3, do C.P.P.T., correspondem aos fundamentos do incidente da oposição à penhora no processo civil de execução previstos no art.º 863º-A, nº 1, do C.P.Civil). (...)" - (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31-03-2016).

6. Acresce ainda que a reclamação apresentada pelo Recorrente nem tão pouco se refere a um ato processual praticado no âmbito de um processo executivo fiscal, pois que teve origem numa interpelação - anómala - efetuada à gerente da Recorrente no sentido de proceder ao pagamento da dívida fiscal e parafiscal da Recorrente.

7. Ora, tais factos, afastam a aplicabilidade do disposto no nº 3 do artigo 278º do CPPT quer pela sua interpretação taxativa quer pela sua interpretação extensiva.

8. Desta forma, e conforme alegado pelo Recorrente, o Tribunal a quo mal andou quanto à norma aplicável, pois que, in casu, aplica-se o disposto no artigo 282º e não o disposto no artigo 283º do CPPT.

9. Motivo pelo qual, o recurso apresentado pelo Recorrente é legalmente admissível, o que se requer seja determinado por este Venerando Tribunal.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis que V/Exas. mui doutamente suprirão, deverá a presente reclamação ser recebida e, em consequência, ser revogado o despacho que não admite o recurso e substituído por outro que admita, por tempestivo e legalmente admissível, o recurso apresentado a este Venerando Tribunal, assim se fazendo JUSTIÇA!

Notificada a parte contrária, nada disse.

Cumpre apreciar e decidir em conferência, face às disposições conjugadas dos artigos 643.º, nº 4, e 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi art.º 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Como resulta dos autos e se deixou afirmado não só na sentença recorrida, como, também, na decisão da Relatora que constitui o objecto desta reclamação para a conferência, foi a própria executada que, na reclamação que apresentou contra o acto do órgão de execução fiscal de indeferimento do seu pedido de extinção das execuções fiscais, requereu a atribuição de efeito suspensivo à reclamação face aos prejuízos irreparáveis que, alegadamente, o acto causaria.

Perante tal invocação, o órgão de execução fez subir de imediato a reclamação a Tribunal e suspendeu a tramitação da execução fiscal, tal como requerido.

No Tribunal, a reclamação foi admitida com esse regime de subida imediata e efeito suspensivo, na medida em que o Mmº Juiz, podendo e devendo modificar o regime e o efeito da reclamação caso não se mostrassem conformes com a lei, não o fez, assim decidindo, de forma implícita mas patente, pela admissão da reclamação com subida imediata e efeito suspensivo, o que, face aos termos do disposto no nº 6 do art.º 278º do CPPT, determina que a reclamação siga as regras dos processos urgentes.

E se dúvida alguma subsistisse sobre a decisão de sujeitar esta reclamação à norma contida no art.º 278º do CPPT (subida imediata e efeito suspensivo), tal dúvida sempre teria ficado sanada à luz das circunstâncias processuais da sua imediata admissão, tramitação e sequente decisão de mérito, o que evidencia ter sido judicialmente rejeitada a regra da subida diferida e aceite a requerida subida imediata, a qual se encontra sujeita às regras previstas no referido art.º 278º do CPPT, mormente à regra da sujeição aos ditames dos processos urgentes (nº 6).

Na verdade, o art.º 278º do CPPT estabelece como regra geral a subida diferida da reclamação a tribunal. Porém, o seu nº 3 prevê excepções a esta regra, impondo a sua subida imediata e sujeitando-a às regras dos processos urgentes (nº 6) quando a reclamação se fundar em prejuízo irreparável causado pelas ilegalidades aí indicadas. Todavia, como a doutrina e a jurisprudência têm reiteradamente frisado, não basta, para que seja aplicado o regime de subida imediata e a consequente tramitação como processo urgente, que se esteja perante uma das situações aí tipificadas, já que deve ter subida imediata, sob pena de inconstitucionalidade do preceito (princípio da tutela judicial efectiva – artº 268º da CRP) a reclamação de qualquer acto do órgão da execução fiscal que cause prejuízo irreparável ao executado ou em que, com a subida diferida, a reclamação perca toda a utilidade.

Deste modo, e como o Supremo Tribunal Administrativo tem repetidamente afirmado, o reclamante que pretenda a subida imediata deverá invocar a existência de prejuízo irreparável; se o fizer, a reclamação terá de subir imediatamente e ser tramitada como processo urgente, sem prejuízo da possibilidade de o tribunal poder modificar o regime se entender que não se verifica uma situação em que essa subida deva ocorrer (cfr., neste sentido, entre tantos outros, os acórdãos de 7/09/2005, no proc. nº 0949/05, de 8/11/2006, no proc. nº 967/06, de 14/07/2010, no proc. nº 0548/10, de 18/08/2010, no proc. 0639/10, de 19/04/2012, no proc. nº 0293/12, de 20/12/2011, no proc. nº 01048/11, de 10/01/2018, no proc. nº 01454/17).

Por outro lado, e como também se deixou já frisado noutros arestos, designadamente, no acórdão do STA de 29/09/2016, no proc. nº 0978/16, o recurso de decisão proferida em reclamação de acto do órgão de execução fiscal que foi considerado urgente por força do disposto no art.º 278º do CPPT mantém a natureza de processo urgente em todas as fases processuais, designadamente para efeitos de recurso da decisão nele proferida, desde que expressa e fundadamente se não decida em sentido contrário.

Nada há, pois, a censurar ao despacho sob reclamação.

Termos em que, sem necessidade de outras considerações, acordam os juízes do Supremo Tribunal Administrativo em desatender a reclamação e confirmar a decisão reclamada.

Sem custas, dado que a Reclamante foi declarada isenta de custas na sentença recorrida.

Lisboa, 30 de Maio de 2018. - Dulce Neto (relatora) - Pedro Delgado - Isabel Marques da Silva.