Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01189/08.6BEVIS
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
TRIBUTAÇÃO
AUTORIZAÇÃO
UTILIZAÇÃO
IMÓVEL
ALVARÁ
Sumário:I - A emissão de alvará de autorização de utilização dos edifícios não é condição da eficácia da autorização, contrariamente ao alvará de licenciamento de operação urbanística (art.74º nºs 1 e 3 Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL nº 555/99,16 dezembro).
II - A tributação em IMI de prédio urbano inicia-se no ano do despacho de autorização de utilização do prédio, o qual torna possível a sua normal utilização para os fins a que se destina; e não no ano da emissão do respectivo alvará de autorização de utilização (arts.9º nº1 al.c) e 10º nº1 al.d) CIMI).
Nº Convencional:JSTA000P25856
Nº do Documento:SA22020050601189/08
Data de Entrada:09/28/2018
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.............., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida em 8 fevereiro 2018 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa apresentada por A…………., Lda contra liquidação de IMI e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 8 342,34

1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
1) O Tribunal a quo considerou que para efeitos de tributação do prédio em IMI, é de presumir que a data da conclusão das obras é a data em que foi emitido o Alvará de Utilização do prédio aqui em questão.
2) O tribunal a quo considerou que a questão que se discute nos presentes autos é a de saber qual a data que se presume como data de conclusão das obras para efeitos de tributação em IMI do prédio aqui em discussão, se a data em que foi emitido o Alvará de Utilização do prédio em causa, como defende a impugnante, ou a data de utilização desse prédio tal como decorre da posição assumida pela Administração Tributária.
3) E em resposta à referida questão o tribunal entendeu de que a Administração Tributária labora em erro, porque considera que a data que dimana da presunção vertida na alínea d) do artº 10º nº 1 do CIMI, (a data em que se torna possível a sua normal utilização para os fins a que se destina) é data da emissão do Alvará de Utilização, e não a data do despacho camarário a autorizar a utilização desse prédio para determinados fins.
4) E na medida em que defende que a utilização do prédio para os fins que foram aprovados está dependente da emissão de Alvará de Utilização, a data em que se tornou possível a sua normal utilização para os fins a que se destina é aquela em que foi emitido o Alvará de Utilização, e como tal é ilegal a liquidação por não se basear nestes pressupostos.
5) A sentença recorrida errou ao decidir com base na presunção do artº 10º nº 1 alínea d) do IMI, concluindo que a data da conclusão das obras é a data da emissão da licença de utilização, em detrimento da data da autorização de utilização, uma vez que não resulta dos factos provados que seja a mais antiga das datas, pois a mais antiga é a data da autorização de utilização.
6) De acordo com o artº 10º nº 1 do CIMI, considera-se que os prédios se encontram concluídos ou modificados, para efeitos de inscrição na matriz, na data mais antiga entre a data de utilização do imóvel (de forma não precária) a data que for concedida licença camarária (quando exigível) ou a data da apresentação da declaração para inscrição do prédio na matriz com indicação da data de conclusão das obras.
7) A interpretação do artº 10º do CIMI que considera como critério que o prédio se encontra concluído ou modificado para efeitos de inscrição na matriz, o critério da data de emissão da licença de utilização em detrimento do critério da data do despacho camarário a autorizar a utilização desse prédio para determinados fins, não está correta uma vez que tal critério poderá não ser garante de uma correta aferição da data em que um prédio urbano é considerado uma realidade possível de tributação em IMI, uma vez que a licença de utilização poderá ser emitida em data significativamente distante ou posterior daquela em que foi autorizada a utilização desse prédio para determinados fins.
8) A interpretação que o tribunal recorrido adota do artº 10º do CIMI, a qual elege como critério principal para determinar a data de conclusão ou de alteração de um prédio urbano a data da emissão da licença de utilização do mesmo, não se afigura conforme o prescrito no artº 10º nº 1 do CIMI e dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade.
9) Da conjugação do corpo do nº 1 do artº 10º do CIMI com a alínea a) a d) resulta a consagração do princípio da prevalência da substância sobre a forma, em matéria do nascimento da realidade tributária “prédio urbano”, na medida em que faz prevalecer a data mais antiga entre a data de emissão da licença de utilização (alínea a), a da utilização efetiva do prédio (alínea b) ou do momento em que o prédio puder ser afeto à utilização normal para que foi construído (alínea d), o que, em termos práticos, quanto a esta última situação, significa que o prédio está apto a ser utilizado.
10) A leitura correta do artº 10º do CIMI e compatível com a CRP e que respeita os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva constante nos artigos 13º, 103º e 104º da CRP, quanto ao apuramento do ano da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou de outras alterações que hajam determinado a variação do valor patrimonial tributário do prédio deve contar-se da data do despacho camarário a autorizar a utilização do prédio em causa para a indústria do tipo 2- Fabricação de Tijolos, Telhas e Abobadilha Cerâmica, ou da data de emissão da licença de utilização, consoante a que ocorrer em primeiro lugar.
11) Tal critério é o único que permite um tratamento igualitário e proporcional das situações em que seja requerida licença de utilização e aquelas em que a mesma não é requerida (por omissão de conduta do operador económico ou porque tal licença não é exigida por lei) e é o único critério que permite aferir com maior rigor o valor concreto de determinado prédio urbano e por conseguinte a força económica de determinado contribuinte, isto é, a capacidade contributiva.
12) A matéria coletável do imposto municipal sobre imóveis é constituída pelo prédio. (Artº 1º do CIMI)
13) Para efeitos fiscais, o nº 1 do artº 2º prevê a existência de 3 requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade, e o valor económico.
14) O elemento físico vem definido pela referência a “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações e construções de caráter permanente.”
15) O elemento patrimonialidade, está definido como o bem no sentido físico, ser passível de integração no património de uma pessoa singular ou coletiva.
16) O elemento valor económico, significa que o bem tem que ser suscetível de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular.
17) A incidência temporal do IMI verifica-se a partir do ano, inclusive, em que ficam preenchidos os requisitos do conceito fiscal de prédio, em que os edifícios sejam concluídos, em que ocorram alterações de composição e de valor que impliquem uma nova avaliação. (Artº 9º do CIMI)
18) No presente caso estamos perante um prédio urbano, uma unidade fabril que foi construída e que teve por base a emissão de um Alvará de Obras de Construção que data de 25/03/2003, um despacho camarário a conceder a utilização do aludido prédio para a indústria de tipo 2- Fabricação de Tijolos, Telhas e Abobadilha Cerâmica de 10/10/2006, e um alvará de utilização de 10/08/2007.
19) Os requisitos do conceito fiscal de prédio verificam-se, quanto á estrutura física que é constituída pelos terrenos e construções a que alude o ponto 14 do probatório da douta sentença. Quanto ao elemento patrimonialidade ele decorre do facto de os mesmos se integrarem no património de uma determinada pessoa jurídica e quanto ao requisito valor económico decorre do facto da componente edificada constituir uma unidade susceptível de ser utilizada na indústria do Tipo 2- Fabricação de Tijolos, Telhas e Abobadilha Cerâmica, o que ocorre na data em que é emitido o despacho camarário a conceder a referida utilização.
20) Ora na data em que é emitido o referido despacho a conceder a utilização do prédio para os aludidos fins, ficam preenchidos os requisitos do conceito fiscal de prédio, na medida em que se verifica que o edifício se encontra construído e autorizada a utilização para os fins a que se destina, podendo a partir desta data o proprietário usá-lo para esses fins.
21) No presente caso, andou mal o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao considerar que a incidência temporal do IMI só se verifica a partir do ano em que é emitida a licença de utilização.
22) O Meritíssimo Juiz a quo refere na douta sentença sob recurso que a “utilização do prédio para os fins a que foram aprovados está dependente da emissão do Alvará de Utilização”
23) Ora na verdade parece-nos que a conclusão é apressada, e que a realidade não apoia tal conclusão.
24) A licença de utilização/alvará de utilização permite comprovar, a conformidade da obra concluída com o projeto aprovado; e atesta que determinado imóvel ou fração cumpre todos os requisitos legais (segurança contra riscos de incêndio, salubridade, habitabilidade, por exemplo), para ser utilizado, tanto para fins habitacionais como para outros fins, ligados a qualquer ramo de atividade.
25) A licença de utilização/alvará de utilização são elementos exigidos para entre outros, fazer a constituição de propriedade horizontal, realizar as escrituras de compra e venda, licenciar atividades económicas, etc…
26) Mas não é necessário que exista uma licença de utilização, para que se inscreva um prédio na matriz, pois a par deste elemento que está consagrado na aliena a) do nº 1 do artigo 10º do CIMI, relevam outros tais como a “declaração da conclusão das obras” (alínea b)), a “verificação de uma qualquer utilização, desde que a titulo não precário” (alínea c)), a “possibilidade de uma utilização para os fins a que se destina” (alínea d))
27) No presente caso, na data em que é emitido o despacho camarário a permitir a utilização do prédio para os fins requeridos, (10/10/2006), o edifício passa a estar apto a ser utilizado normalmente para os fins a que se destina, não é a licença de utilização um requisito necessário e indispensável para esse efeito, razão pela qual se deve manter a liquidação de IMI referente ao ano de 2006.
28) A douta sentença recorrida violou os artigos 13º, 103º e 104º da CRP e os artigos 1º, 2º nº 1, 10º nº 1 al. a) e d) do CIMI.

TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença recorrida, como é de LEI E JUSTIÇA

1.3 A recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso (processo electrónico fls.145)

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência


2.FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1) A ora impugnante apresentou em 31-05-2007, declaração de IMI modelo 1, destinado à inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz, identificando o seguinte motivo: “1 – Prédio Novo”, respeitante ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia ………., concelho de Anadia, sob o artigo P-1588 – apenso; cfr. fls. 9 a 10 do processo administrativo (doravante PA)
2) Na sequência da inscrição matricial do prédio urbano mencionado no ponto anterior, foi emitida a liquidação de IMI n.º 2006 418239703, datada de 03-10-2007, respeitante ao ano de 2006 e notificada por ofício expedido sob o registo postal RY081840878PT para a ora impugnante, durante o mês de Novembro de 2007, proceder ao pagamento da quantia global de € 8.530,66, sendo € 8.342,34 resultantes do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia ………., concelho de Anadia sob o artigo 1588 – cfr. fls. 6 e 7 do PA apenso;
3) Em 07-01-2008, foi apresentado, pela ora impugnante, no Serviço de Finanças de Anadia, a reclamação graciosa que consta de fls. 3 a 4 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, contra a liquidação de IMI/2006, incidente sobre o prédio urbano identificado em 1);
4) Em 15-01-2008, foi elaborada, pelo SF de Anadia, a seguinte “Proposta Fundamentada de Decisão”:
«Verificados os elementos constantes dos autos, sou de parecer que a presente reclamação deve ser indeferida, porquanto:
1º - O reclamante apresentou em 2007-05-31, via Internet, declaração modelo 1 de IMI para inscrever um prédio novo, com a afectação de “Armazéns e actividade industrial”. Nessa declaração indicou, erradamente, que a data da
Licença de Utilização era 2003-01-15, quando esta data correspondia à data do despacho camarário que autorizou as obras (Licença de construção);
2º - Foi com esta data, constante do mod. 1 de IMI, que o prédio, após avaliação, foi inscrito na matriz, tendo recebido o reclamante nota de liquidação para cobrança do respectivo imposto dos anos 2003, 2004, 2005 e 2006.
3º- Compareceu no Serviço de finanças em 2007-12-19, apresentando o Alvará de utilização emitido pela C. M. de Anadia, solicitando a correcção da data de inscrição do prédio na matriz por a mesma ser incorrecta;
4º - Reconhecido oficiosamente assistir razão ao contribuinte, foram efectuadas as correcções na matriz por forma a anular o imposto dos anos 2003, 2004 e 2005, mantendo-se contudo o imposto referente ao ano 2006, considerando-se 2006-10-10 a data de inscrição do prédio na matriz. Este facto é agora contestado pelo reclamante considerando que a data correcta para inscrição do prédio na matriz seria 2007-08-10, data em que foi emitido o respectivo alvará de utilização, não sendo por isso devido o imposto referente ao ano 2006;
5º - Dispõe a alínea c) do n.º do artigo 9º do Código do IMI o seguinte: “1 – O imposto é devido a partir: … c) Do ano, inclusive, da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou de outras alterações que hajam determinado a variação do valor patrimonial tributário de um prédio;”.
Embora o Alvará de Utilização tenha sido emitido em 2007-08-10, verifica-se que no mesmo é mencionado que foi autorizada a utilização “por despacho de 2006-10-10”. Assim é óbvio que nessa data (do despacho), a obra se encontrava concluída, verificando-se inclusivamente que foram pagas as taxas devidas em 2006-10-13.» - cfr. fls. 38 do PA apenso;
5) Sobre a informação antecedente recaiu, em 15-01-2008, o seguinte Despacho:
«Concordo.
Remetam-se os autos à D.F. Aveiro.» - cfr. fls. 37 do PA apenso;
6) Em 04-06-2008, pela Direcção de Finanças de Aveiro, foi elaborado Projecto de Decisão, no sentido do indeferimento da reclamação graciosa mencionada em 3) – cfr. fls. 24 e 25 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
7) Sobre a proposta de decisão mencionada no ponto anterior recaiu o seguinte Despacho:
«Concordo com o projecto de decisão infra.
Comunique-se ao reclamante para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias exercer, por escrito, o direito de audição.» - cfr. fls. 23 do PA apenso;
8) A ora impugnante foi notificada da proposta de indeferimento da reclamação graciosa através do ofício n.º 201472, datado de 17-06-2008 e expedido sob registo postal ao ilustre advogado da impugnante em 18-06-2008 – cfr. fls. 28 e 29 do PA apenso;
9) Em 03-07-2008, a ora impugnante apresentou pronúncia sobre a proposta de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls.30 a 32 do PA apenso;
10) Em 09-07-2008, foi elaborada a Informação constante de fls. 72 e 73 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual se conclui pelo indeferimento da reclamação graciosa;
11) Em 17-07-2008, foi proferido o seguinte Despacho:
«Concordo. Converto em definitivo o projecto de decisão e com os fundamentos constantes do mesmo e da presente informação, indefiro o pedido nos termos propostos.
Notifique-se.» - cfr. fls. 71 do PA apenso;
12) Pelo ofício n.º 201851, datado de 23-07-2008, expedido sob registo postal com aviso de recepção recebido em 25-07-2008, foi a ora impugnante, na pessoa do seu advogado, notificada do indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada – cfr. fls. 74 e 75 do PA apenso;
13) Em 08-08-2008 foi apresentada, via fax, a presente impugnação judicial
– cfr. fls. 18 dos autos.
MAIS SE PROVOU QUE:
14) Em 25-03-2003 foi emitido o Alvará de Obras de Construção n.º 56/03, incidente sobre o prédio sito em A……….., freguesia ……., descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob os números 02547, 02548, 03368, 03756, 03757, 03758, 03759, 03760, 03761, 03762 e 76281 e inscritos nas matrizes rústicas sob os artigos 7415, 7414, 7261, 7266, 7280, 7281, 7407, 7413, 7416, 7418 e matriz predial urbana sob o artigo 957, todos da freguesia ……….., concelho de Anadia – cfr. fls.16 do PA apenso;
15) Tal Alvará de Construção era válido até 24-03-2004 mas, por despacho de 19-04-2004, viria a ser prorrogada a sua validade até 24-09-2004 – cfr. fls. 16 do PA apenso;
16) Os prédios rústicos e urbano identificados em 14) viriam a ser objecto de emparcelamento, dando origem ao prédio urbano inscrito na matriz predial de Avelãs de Cima, concelho de Anadia sob o artigo P-1558 dos autos, – cfr. resulta dos autos, designadamente de fls. 9 e 10 do PA apenso;
17) Em 10-10-2006 foi proferido despacho a autorizar a utilização do aludido prédio para a seguinte utilização:
TIJOLOS, TELHAS E ABOBADILHA CERÂMICA.» - cfr. fls. 15 do PA apenso;
18) Em 10-08-2007 foi emitido, pela Câmara Municipal de Anadia, o Alvará de Utilização n.º 171/07, referente ao prédio urbano identificado nos pontos anteriores, para utilização para os fins que tinham sido aprovados por despacho de 10-10-2006 - cfr. fls. 15 do PA apenso.

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: interpretação da norma constante do art. 10º nº1 CIMI, por forma a determinar quando se devem presumir concluídas as obras de edificação de prédio urbano, para início do período de tributação do imóvel

2.2.2. Apreciação jurídica
Para a solução da questão enunciada interessa a transcrição do quadro jurídico aplicável:
Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)
O imposto é devido a partir do ano, inclusive, da conclusão das obras de edificação, de melhoramento ou de outras alterações que hajam determinado a variação do valor patrimonial tributário de um prédio (art.9º nº1 al.c))
Os prédios urbanos presumem-se concluídos ou modificados na mais antiga das seguintes datas:
a) Em que foi concedida licença camarária, quando exigível;
b) Em que for apresentada a declaração para inscrição de prédio na matriz com indicação da data da conclusão da obra;
c) Em que se verificar uma qualquer utilização, desde que a título não precário;
d) Em que se tornar possível a sua normal utilização para os fins a que se destina (art.10º nº1)

Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL nº 555/99,16 dezembro (RJUE)
Está sujeita a autorização a utilização dos edifícios ou suas frações, bem como as alterações da utilização dos mesmos (art.5º nº4);
A autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística (…) assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, podendo contemplar utilizações mistas (art.62º nº1).
No caso dos pedidos de autorização de utilização (…) que não sejam precedidos de operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio, a autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas destina-se a verificar a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis ,bem como a idoneidade do edifício ou da sua fração autónoma para o fim pretendido, podendo contemplar utilizações mistas (art.62º nº2)
As operações urbanísticas objecto de licenciamento são tituladas por alvará cuja emissão é condição de eficácia da licença (art.74º nº1)
A autorização de utilização dos edifícios é titulada por alvará (art.74º nº3)

Doutrina qualificada tem salientado a distinção dogmática entre as figuras da licença e da autorização, por aplicação do critério da natureza da actividade objecto do acto administrativo
Para Marcello Caetano a licença é o acto administrativo que permite a alguém a prática de um acto ou o exercício de uma actividade relativamente proibidos, enquanto a autorização é o acto administrativo que permite a alguém o exercício de um seu direito ou de poderes legais (Manual de Direito Administrativo 10ª edição 1º Volume p.459)
Aderindo a este critério afirma Freitas do Amaral:
A licença distingue-se da autorização na medida em que, no caso da autorização, o particular já é titular do direito e apenas o exercício desse direito está dependente da autorização administrativa.
Na licença o particular não é titular de nenhum direito face à Administração: a actividade que ele se propõe desenvolver é até, em princípio, proibida pela lei; mas a própria lei admite que, em certos casos, e a título excepcional, a Administração possa permitir o exercício dessa actividade; o acto que a título excepcional permite o exercício de uma actividade em princípio proibida (por exemplo o porte de arma de fogo, ou a exploração de um canal privado de televisão) chama-se licença (Curso de Direito Administrativo, Volume II pp.257/258)
Distinguindo a natureza do alvará de licença de operação urbanística do alvará de utilização de edifícios doutrina especializada pronuncia-se, sobre o transcrito art.74º RJUE:
Ao contrário do nº1, o nº3 do artigo em anotação não prevê de forma expressa
que o alvará seja condição da eficácia das operações de autorização de utilização (…) terá de se concluir ter sido intenção do legislador que o alvará enquanto título das autorizações tem uma função distinta do alvará enquanto título das licenças
Se, (…) o alvará não for, neste caso, condição de eficácia, não se altera (…) a posição jurídica do interessado já que poderá utilizar de imediato o edifício ou fração (…) a leitura mais consentânea do disposto no nº3 do artigo 74º foi a de intencionalmente não atribuir ao alvará de utilização a sua tradicional função integrativa de eficácia.
Na prática, a entender-se o contrário, tal implicaria uma mora forçada aos interessados, que apenas poderiam iniciar ou prosseguir os trabalhos ou utilizar a obra no fim de uma ação judicial a que forçosamente teriam de lançar mão para obter o título que permitiria a efetiva produção dos efeitos do ato silente em causa (Fernanda Paula Oliveira e outros Regime Jurídico da Urbanização e Edificação comentado 2ª edição 2009 pp.475/476)

Este quadro jurídico e dogmático permite afirmar com segurança que o alvará não constitui condição de eficácia da autorização, assumindo a natureza de acto certificativo mediante o qual a administração verifica o cumprimento pelo destinatário do título das normas legais e regulamentares aplicáveis à utilização pretendida do edifício.
A interpretação segundo a qual a normal utilização do edifício apenas seria possível na data da emissão do alvará de utilização (10 agosto 2007) é refutada como os seguintes argumentos:
O legislador não considera como presunção de conclusão do prédio urbano a emissão de alvará de autorização de utilização, diferentemente do que estabelece para a licença camarária (art.10 nº 1 als.a) e d) CIMI);
Para o legislador releva decisivamente como ano do início da tributação aquele em que se verificar uma qualquer utilização, desde que não precária, ainda que sem título jurídico correspondente; ou a mera possibilidade da normal utilização do prédio para os fins que se destina, conferida pelo proferimento de despacho de autorização (art.10º nº1 als.c) e d) CIMI)
A formulação das citadas presunções legais de conclusão dos prédios urbanos aponta inequivocamente no sentido de se privilegiar a substância económica da situação do sujeito passivo, em detrimento da forma jurídica pela qual se inscreve no mundo jurídico, impondo a tributação sempre que a utilização efectiva do prédio constituir manifestação do aproveitamento da utilidade de um imóvel de que seja proprietário, pelo qual revela a sua capacidade contributiva.
O elenco de presunções de conclusão dos prédios urbanos (estabelecido no art.10º nº1 CIMI) não distingue utilizações tituladas e não tituladas; pretende contemplar qualquer situação fáctica ou jurídica que revele estar integrada na esfera jurídica do sujeito passivo uma nova realidade física com expressão económica (com a designação de prédio urbano), traduzindo um acréscimo patrimonial que legitima a sujeição a tributação
Neste contexto não enferma de ilegalidade a liquidação impugnada de IMI (ano 2006),ancorada no entendimento de que a data relevante para o início da tributação é a correspondente ao proferimento do despacho a autorizar a utilização do prédio (10 outubro 2006), e não a data da emissão do alvará de utilização (10 agosto 2007) (factos provados nº 4; arts.9º nº1 al. c) e 10 º nº1 al.d) CIMI)

3.DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e, em consequência:
- revogar a sentença impugnada;
- confirmar na ordem jurídica o acto de liquidação de IMI impugnado
Custas pela recorrida (art.527º nºs 1/2 CPC/ art.2º al.e) CPPT)

Lisboa, 6 de maio de 2020. – Neves Leitão (relator) – Nuno Bastos – Francisco Rothes.