Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0416/11
Data do Acordão:09/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
II – A anulação de um acto de liquidação baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.
Nº Convencional:JSTA000P13189
Nº do Documento:SA2201109070416
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, de procedência da impugnação judicial que A… deduziu contra o acto de liquidação de IRC referente ao exercício de 1998 (na parte tocante aos Juros Compensatórios), restringindo o recurso ao segmento decisório que reconheceu a esta sociedade o direito a juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, a liquidar pela Administração Tributária sobre o montante anulado e que fora pago.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela A… contra a liquidação de IRC n.º 19992310192002, do exercício de 1998, respeitante a juros compensatórios no montante de 1.691.806$00 (sendo o montante total da liquidação de 1.728.673$00), no segmento que condena a Fazenda Nacional no pagamento de juros indemnizatórios à impugnante.
II. Conclui a douta sentença que a liquidação dos juros compensatórios enferma de vício de falta de fundamentação, decidindo, em consequência, que haveria lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43° da LGT.
III. O direito a juros indemnizatórios depende da verificação de que existiu um erro, que esse erro é imputável aos serviços, e que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
IV. Assim, o direito a juros indemnizatórios, que resulte da anulação dum acto tributário de liquidação, depende de ter ficado demonstrado, nos autos, que o referido acto se encontra inquinado de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal.
V. Tendo a sentença decidido pela anulação do acto, em virtude da procedência do citado vício formal, ficou prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas, não tendo sido proferido qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação patrimonial cobrada pela administração tributária.
VI. A anulação do acto não determinou que tivesse existido uma lesão ou prejuízo merecedor de reparação, nada revelando sobre a relação jurídica fiscal.
VII. Na situação "sub judice" não ocorreu qualquer erro, de facto ou de direito, não tendo ficado demonstrada a antijuricidade da relação tributária substantiva.
VIII. A jurisprudência desse Supremo Tribunal tem vindo a entender, de modo uniforme e reiterado, que os juros indemnizatórios não são devidos quando a impugnação do acto de liquidação procede com fundamento em vício de forma.
IX. Inexiste pois fundamento legal para a atribuição de juros indemnizatórios à impugnante.
X. A sentença recorrida, ao conter uma orientação diversa da hoje consolidada na jurisprudência desse Tribunal Superior, não poderá manter-se na parte em que condenou a Fazenda Pública ao pagamento de tais juros.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, apoiando-se, para tanto, na orientação jurisprudencial firmada pelo STA sobre a matéria, nomeadamente nos Acórdãos de 20.01.2010, no recurso 942/09, de 04.11.2009, no recurso 665/09, de 09.09.2009, no recurso 369/09, de 27.06.2007, no recurso 80/07, de 21.01.2009, no recurso 945/08, e de 1.10.2008, no recurso 244/08, e, ainda, na posição expressa pelo Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, no Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4ª edição, pág. 293.
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.
2. Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte matéria de facto:
A- A impugnante é uma sociedade comercial, cujo objecto social é a exploração de hotéis.
B- Em 31/05/1999 a impugnante apresentou a declaração de IRC (modelo 22), relativamente ao exercício de 1998, acompanhada dos anexos 22-A e 22-D, tendo autoliquidado imposto no montante de Esc. 192.242.549$00.
C- O imposto mencionado na alínea anterior foi pago em 02/06/1999, através da guia 42801021180.
D- Foi emitida e remetida à impugnante a liquidação n.º 2310192002, referente a IRC do exercício de 1998, no montante de Esc. 1.728.673$00, sendo o montante de Esc. 1.691.806$00 respeitantes a juros compensatórios liquidados ao abrigo do art.° 84.° do CIRC e o montante de Esc. 36.868$00 referentes a juros liquidados ao abrigo do art.° 86.° do CIRC.
E- A impugnante procedeu ao pagamento dos juros mencionados na alínea anterior em 03/12/1999.
A sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela sociedade A…, contra o acto de liquidação de IRC referente ao exercício de 1998 (na parte tocante a Juros Compensatórios, no valor de Esc. 1.691.806$00), tendo anulado esse acto por vício de falta de fundamentação e reconhecido à Impugnante o direito a juros indemnizatórios sobre esse montante, entretanto pago.
Porque o presente recurso jurisdicional se restringe ao segmento decisório que reconheceu à Impugnante o direito a juros indemnizatórios, a única questão que se coloca consiste em saber se no caso de anulação de acto tributário com fundamento em vício formal decorrente de falta de fundamentação deve ou não haver lugar a pagamento de juros indemnizatórios por parte da Administração Tributária.
Vejamos.
Segundo o disposto no nº 1 do artigo 43º da LGT, «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
O que significa que o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Ou seja, a lei quis somente relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a Administração Tributária a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não relevando, assim, os vícios que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não impliquem uma errónea definição daquela relação, não impliquem a existência de uma liquidação superior à legalmente devida (como acontece com os vícios formais ou procedimentais).
Na verdade, o reconhecimento judicial de um vício formal nada diz ou revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação tributária face às normas substantivas, pois que se limita a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar, não implicando, pois, a existência de um vício na relação jurídica tributária, nem a existência de um juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração.
Sobre esta questão, o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Na anotação 5ª ao artigo 61.º do “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado” a fls. 472.) pronuncia-se em termos impressivos e que, por isso, não resistimos a citar: «A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” tem um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”.
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão “vícios” quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101º (arguição subsidiária de vícios) e 124º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos deste Código. Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão “erro”, tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios.
Esta é, aliás, uma restrição que se compreende. Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais dos administrados e por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade.
Mas o reconhecimento judicial de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela administração tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência de esse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, justifica-se que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.
Porém, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas.
Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.
Por isso se justifica que, nestas situações, não se comprovando a existência de um prejuízo, não se presuma o seu valor, fixando juros indemnizatórios, mas apenas se deva restituir aquilo que foi recebido, o que poderá constituir já um benefício para o contribuinte, perante a realidade da sua situação tributária.
Trata-se de uma solução equilibrada, inclusivamente no domínio processual.
Na verdade, perante o simples reconhecimento judicial de um vício de forma ou de incompetência fica-se na dúvida sobre se estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito de que a lei faz depender o pagamento de uma prestação tributária; se essa dúvida é um motivo suficiente para não exigir uma deslocação patrimonial do contribuinte para a Fazenda Pública (justificando a restituição da quantia paga) também, por identidade de razão, será suporte bastante para não impor uma deslocação patrimonial efectiva em sentido inverso (pagamento de uma indemnização); verdadeiramente, a regra aplicável, a mesma em ambos os casos, é a de não impor deslocações patrimoniais sem uma prova positiva da existência de uma situação, ao nível da relação tributária, em que elas devem ocorrer.
Assim, compreende-se que, nos casos em que há uma anulação de um acto administrativo ou de liquidação por não se verificarem os pressupostos de facto ou de direito em que devia assentar, casos em que há a certeza de que a prestação patrimonial foi indevidamente exigida, seja atribuída uma indemnização (no caso sob a forma de juros), e não seja feita idêntica atribuição nos casos em que a decisão judicial não implica a antijuricidade material da exigência daquela prestação.».
Neste enquadramento, se o acto de liquidação é anulado por força de uma ilegalidade que não implica uma errada definição da situação tributária, isto é, de uma ilegalidade que não implica forçosamente que a prestação tributária seja legalmente indevida, não pode falar-se em direito a juros indemnizatórios à luz do artigo 43.º da LGT.
Esta já era, aliás, a leitura que a jurisprudência vinha fazendo do preceituado no artigo 24.º do Código de Processo Tributário, pese embora o preceito fosse bem mais equívoco, dispondo, tão somente, que havia direito a juros indemnizatórios «quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços» - cfr. os Acórdãos do STA proferidos em 17/11/04, no Rec. nº 772/04, em 27/06/07, no Rec. nº 080/07 e em 5/05/99, no Rec. nº 05557A.
No caso vertente, a anulação dos juros compensatórios liquidados à Impugnante resultou de vício formal de falta de fundamentação, e não de qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido dessa prestação tributária à luz das normas substantivas.
Consequentemente, face às considerações que antecedem e dado que a Administração Tributária pode, perante o julgado, e desde que elimine o referido vício formal do acto de liquidação, praticar novo acto de igual conteúdo e proceder à liquidação do mesmo montante de juros compensatórios por ser esse montante legalmente devido em face das normas substantivas, não pode concluir-se, à luz do artigo 43.º da LGT, que se encontram reunidos os requisitos para a Impugnante poder ser indemnizada por ter ficado desprovida da quantia paga em resultado da liquidação anulada.
É esta, aliás, a posição dominante da jurisprudência desta Secção do STA, como se pode ver pela leitura dos seguintes acórdãos: de 20.01.2010, no recurso n.º 942/09, de 04.11.2009, no recurso n.º 665/09, de 09.09.2009, no recurso n.º 369/09, de 27.06.2007, no recurso n.º 80/07, de 21.01.2009 no recurso n.º 945/08, e de 1.10.2008, no recurso n.º 244/08.
Procedem, pelo exposto, todas as conclusões do recurso.
4. Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que reconheceu à Impugnante direito a juros indemnizatórios, em tal medida se julgando improcedente a impugnação.
Sem custas neste STA, por a Recorrida não ter contra-alegado, ficando as custas na 1.ª instância a cargo da Impugnante na proporção do seu decaimento.
Lisboa, 7 de Setembro de 2011. – Dulce Manuel Neto (relatora) – António Calhau – Casimiro Gonçalves.