Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01526/13
Data do Acordão:11/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P18165
Nº do Documento:SA22014110501526
Data de Entrada:10/03/2013
Recorrente:A... SA E FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Sul que concedeu parcial provimento ao recurso jurisdicional que interpusera da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, por sua vez, julgara procedente a impugnação judicial que a A……………, S.A. deduzira com vista a obter a restituição de IRC retido na fonte e respectivos juros indemnizatórios.

1.1. Concluiu as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

A) Quanto à questão de saber se, de acordo com o direito comunitário, houve, ou não, discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes quanto à tributação dos lucros distribuídos por uma sociedade residente a accionista não residente, verificam-se os requisitos que permitem a interposição de recurso de revista para o STA, nos termos do art. 150º do CPTA.

B) Uma vez que tal questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos de utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo da interposição do presente recurso a possibilidade de uma melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do direito, dado que tal questão tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros.

C) Assim, tal questão assume particular relevância jurídica ou social, atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito neste e em outros casos futuros, isto tendo em conta não só a pertinência da questão jurídica em causa que se pode considerar como questão “tipo”, contendo uma situação bem caracterizada susceptível de se repetir em casos futuros, mas também, no facto de estar em causa uma interpretação feita pelo Tribunal que pode ser contrária ao direito comunitário.

D) Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria complexa acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação do quadro comunitário, relativo à não discriminação em razão da nacionalidade, da proibição de restrição à liberdade de estabelecimento e de livre circulação de capitais, sendo certo que tal questão pode interessar a um leque alargado de interessados e eventuais casos futuros, bem como que, dados os montantes envolvidos e estando em causa uma hipotética interpretação contrária ao direito comunitário por parte do Tribunal recorrido, esse STA, em recurso de revista, pode suscitar questão prejudicial junto do TJUE.

E) Assim como se mostra necessária a intervenção do órgão de cúpula nacional da justiça administrativa tributária atendendo, até, à interpretação e aplicação divergente que o STA manifestou, recentemente, sobre esta matéria no seu Acórdão de 20/02/213, proferido no Processo nº 1435/12 e que deixa antever que, nesta matéria a interpretação dos Tribunais não é unânime e que há a necessidade de uniformização dessa mesma interpretação.

F) Quanto ao mérito do presente recurso, o Acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação dos artigos 90º nº 1, al. c), 46º nº 1, 80º nº 2, al. c), 14º nº 3 e 89º nº 1, todos do CIRC, bem como da Directiva nº 90/435/CEE, do Conselho e dos artigos 12º, 46º, 48º e 56º do Tratado CE, pelo que não se deve manter.

G) Na verdade, considerou o Acórdão recorrido que havia distinção de tratamento entre entidades residentes e não residentes, ao ter sido efectuada retenção na fonte de dividendos distribuídos à ora recorrida pelo B………….. e na parte não reembolsada, correspondente a 15% do dividendo pago, consubstanciada num tratamento discriminatório, contrário aos princípios comunitários, por não ser neutralizada.

H) Ora, antes de mais, se foi efectuada essa retenção foi porque, à data da distribuição dos lucros, a entidade não residente não reunia os requisitos que, nos termos do nº 3 do art. 14º do CIRC, lhe permitia obter a isenção sobre os lucros que uma entidade residente em território português coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia.

I) O problema em causa nos autos reporta-se, pois, não à sujeição, ou não, dos dividendos a imposto, a retenção na fonte, mas sim, à forma de recuperação do imposto que foi, efectivamente, retido na fonte. Mais propriamente, ao regime da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, constante do direito fiscal português.

J) Ora, a Directiva 90/435/CEE que introduziu um regime fiscal comum aplicável às sociedades mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes, visando garantir a criação de condições análogas às de um mercado interno e o bom funcionamento do mercado comum, evitando dificuldades resultantes de restrições, desvantagens ou distorções especiais inerentes às disposições específicas de cada Estado membro, encontra-se transposta no direito fiscal português, à data, nos artigos 14º e 89º do CIRC.

K) Havendo lugar à obrigação de retenção na fonte, nos termos do anterior art. 89º nº 1 do CIRC, isto é, relativamente aos lucros que uma entidade residente em território português, nas condições estabelecidas no artigo 2º da Directiva nº 90/435/CEE, de 23 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia ou de um estabelecimento estável, situado noutro Estado membro, de uma entidade residente num Estado membro que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente, ou por intermédio de um estabelecimento estável situado no território de um Estado membro, uma participação no capital da primeira não inferior a 25% ou 20%, como se viu e quando esta participação não tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante os dois anos anteriores à data da sua colocação à disposição, a mesma é feita, a titulo definitivo, como não podia deixar de ser, atenta a natureza de não residente da entidade beneficiária dos dividendos.

L) Pelo contrário, no que toca a entidades residentes, a norma de dispensa de retenção na fonte, constante do art. 90º do CIRC, é uma norma excepcional, a regra é haver lugar a retenção na fonte, uma vez que os lucros distribuídos a residentes são considerados pelo direito fiscal português como proveitos ou ganhos, logo, a mesma tem sempre a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

M) Nestes termos, também a norma constante do anterior art. 46º nº 1 do CIRC, é uma norma que respeita à tributação final desses lucros ou ganhos que estão sujeitos a imposto no território português e, assim, para evitar que eles sejam, aqui, duplamente tributados, permite-se a sua dedução ao lucro tributável, desde que estejam reunidas determinadas condições, veja-se a al. c) do referido n° 1.

N) Contudo, tais diferentes condições reportadas a um momento posterior, quando ainda seria permitido o reembolso do imposto retido aos não residentes e quando é permitida, em certas condições, aos residentes, a dedução à matéria colectável dos lucros distribuídos, são justificadas por situações diferentes.

O) O regime constante do art. 46º nº 1 do CIRC não configura uma qualquer isenção atribuída a entidades residentes, em detrimento de não residentes, apenas se reporta a uma forma de determinação do rendimento colectável, que visa eliminar a dupla tributação económica dos lucros em duas pessoas jurídicas distintas, a sociedade que distribui os lucros e os sócios que os recebem e que pretende prevenir a ocorrência de situações de reembolso sistemático de IRC.

P) Trata-se de situação não equiparável, uma vez que tem em conta a tributação, a final, em Portugal, permitindo-se só a dedução de lucros distribuídos, efectivamente tributados.

Q) De qualquer modo, o mecanismo da eliminação da dupla tributação económica, que se faz no país da residência, não constitui uma isenção de imposto de sociedade residente, face a uma sociedade não residente.

R) As alegadas diferenças de tratamento estão objectivamente justificadas e resultam directamente da aplicação do mecanismo de eliminação de dupla tributação económica em Portugal, que podiam caso não fossem eliminadas, conduzir a situações de reembolsos sistemáticos e, assim, encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.

S) Assim, da mesma forma que o Estado Português estabeleceu uma norma para eliminar a dupla tributação, nas situações em que a base tributável consiste no lucro da sociedade, também o Estado da residência da recorrida pode optar pela consagração de normas que eliminem a dupla tributação.

T) Pelo que, não há qualquer violação do direito ou princípios do direito comunitário.

U) Por outro lado, a aferição da legalidade das liquidações também não depende do facto de a recorrida não poder beneficiar no País da residência do crédito de imposto por os dividendos auferidos se encontrarem aí isentos de tributação. Trata-se de um argumento que não tem que ver com a legislação portuguesa de eliminação da dupla tributação, uma vez que caberia ao País de residência diligenciar igualmente no sentido de eliminar essa tributação.


1.3. Apenas a Recorrida A…………….., S.A. apresentou contra-alegações, que conclui do seguinte modo:

A) A Recorrida discorda totalmente da posição adoptada Recorrente no âmbito do presente recurso, pela seguinte ordem de razões:

i.) Considera ser intempestivo o recurso de revista interposto a 14 de Junho de 2013, atento o regime ínsito nos artigos 144º, nº 1, do CPTA, e 670º do CPC, este último ex vi artigo 140º do CPTA;

ii.) Entende não se encontrarem preenchidos os requisitos, previstos no artigo 150º do CPTA, que permitiriam a interposição daquele recurso.

Da intempestividade do recurso

B) Mostrando-se aplicável o regime resultante do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, por a impugnação judicial ter sido proposta a 30 de Abril de 2010, o impulso processual subjacente à arguição de nulidade e ao pedido de reforma, e, bem assim, à interposição do recurso de revista, deveria ter tido lugar na sequência da notificação do acórdão proferido pelo Douto Tribunal a quo a 19 de Fevereiro de 2013;

C) Tendo o referido acórdão sido notificado às partes a 25 de Fevereiro de 2013, o recurso de revista — propulsor da apresentação das presentes alegações — deveria ter sido interposto até à data-limite de 5 de Abril de 2013, por força da aplicação conjugada dos artigos 144º, nº 1, do CPTA, e 670º do CPC, este último ex vi artigo 140º do CPTA;

D) A Recorrente interpôs recurso de revista a 14 de Junho de 2013, na sequência do indeferimento pelo Douto Tribunal a quo dos pedidos de declaração de nulidade e reforma que deduziu, e, por conseguinte, uma vez ultrapassado o respectivo prazo legal;

E) Perante o exposto, o recurso de revista interposto pela Recorrente é intempestivo, consubstanciando uma preterição do regime ínsito nos artigos 144º, nº 1, do CPTA, e 670º do CPC, este último ex vi artigo 140º do CPTA, devendo, por via disso, ser rejeitado pelo Douto Tribunal ad quem, o que se requer para os devidos efeitos legais.

Da falta de preenchimento dos pressupostos do recurso de revista previstos no artigo 150º do CPTA

F) A Recorrente pretende ver apreciada pelo Douto Tribunal ad quem questão atinente à incompatibilidade da retenção impugnada com o Direito Comunitário, atenta a posição perfilhada pelo Douto Tribunal a quo no sentido daquela encerrar uma discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal, em violação da liberdade de circulação de capitais então prevista no artigo 56º do TCE (actual artigo 63º do TFUE);

G) Face às posições sucessivamente adoptadas pelo Tribunal Tributário de Lisboa e pelo Douto Tribunal a quo, no sentido da verificação daquela incompatibilidade, a Recorrente, pugnando pelo alegado preenchimento dos requisitos previstos no artigo 150º nº 1 do CPTA, pretende ver reapreciada pelo Douto Tribunal ad quem a referida questão;

H) A reiterada discordância manifestada pela Recorrente relativamente aos sentidos decisórios perfilhados por aqueles órgãos jurisdicionais não torna, por si só, legítimo o recurso ao presente meio processual;

I) Não se verificando quaisquer dos requisitos elencados no artigo 150º nº 1 do CPTA - o recurso pressupor a apreciação de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ser necessário para uma melhor aplicação do direito - o presente recurso claudicará;

J) No presente caso mostra-se relevante a circunstância de o Tribunal Tributário de Lisboa e o Douto Tribunal a quo terem dado acolhimento expresso e inequívoco à jurisprudência dominante dos tribunais superiores e, bem assim, do Tribunal de Justiça da União Europeia, nomeadamente à reflectida nos Acórdãos Denkavit II (Processo C-170/05), Amurta (Processo C-379/05), Comissão/Itália (Processo C-540/07), Comissão/Espanha (Processo C-478/08) e, sobretudo, Secilpar (Processo C-199/10), a qual, evidenciando a incompatibilidade com o Direito Comunitário do regime português destinado a evitar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos, revela-se conforme à lei;

K) E, bem assim, o facto da pretensa necessidade de reenvio prejudicial não ser real face à já referida e abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia;

L) Os motivos invocados pela Recorrente com vista a justificar a admissibilidade do recurso de revista, fundamentalmente assentes na existência de «dúvidas interpretativas na aplicação do quadro comunitário», nos «montantes envolvidos» e na possibilidade de reenvio prejudicial, não são aptos a concorrer para o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 150º nº 1 do CPTA;

M) Acresce não se revelar o presente meio processual idóneo à uniformização da jurisprudência, nomeadamente face ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 1435/12, de 20 de Fevereiro de 2013, uma vez que não só este aresto ainda não transitou em julgado como tal desiderato de uniformização deve ser antes atingido através do recurso por oposição de acórdãos previsto no artigo 284º do CPPT, do qual a Recorrente não lançou mão, inevitavelmente por inexistir jurisprudência, transitada em julgado, dos tribunais superiores em sentido consonante com o por si perfilhado e, desse modo, contrário ao plasmado no acórdão recorrido;

N) Por outro lado, igualmente atenta a abundante jurisprudência nacional e comunitária existente sobre a matéria em presença, não se afigura correcto qualificá-la de complexa com o intuito de despoletar a admissibilidade do presente meio processual, uma vez que a mesma tem sido ostensivamente debatida e clarificada no âmbito de tais arestos;

O) Por tudo quanto ficou exposto, entende a Recorrida não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 150º, nº 1, do CPTA — o recurso pressupor a apreciação de questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental ou ser necessário para uma melhor aplicação do direito —, pelo que, no momento da apreciação sumária de tais pressupostos nos termos do artigo 150º, nº 5, do CPTA, o Douto Tribunal ad quem deverá pugnar pela não admissão do presente recurso, o que desde já se requer para os devidos efeitos legais;

P) Não obstante o exposto, caso o Douto Tribunal ad quem considere preenchidos os requisitos previstos no artigo 150º, nº 1, do CPTA, o que apenas se admite por dever de patrocínio sem, no entanto, conceder, constitui entendimento da Recorrida ser a solução adoptada pelo Tribunal Tributário de Lisboa e mantida pelo Douto Tribunal a quo a que melhor se adequa à situação dos autos por se revelar totalmente conforme à lei, nomeadamente ao Direito Comunitário;

Q) Com efeito, na esteira da jurisprudência comunitária acima identificada, o Douto Tribunal ad quem deverá julgar o acto de retenção na fonte impugnado ilegal, por reflectir, no âmbito do regime português destinado a evitar a dupla tributação económica dos lucros distribuídos, uma discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes e concomitante violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56º do TCE, o que desde já se requer para os devidos efeitos legais, reiterando a Recorrida nesta sede os argumentos que já teve oportunidade de expor no âmbito dos presentes autos.

1.4. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não devia ser admitido por não se verificarem os respectivos pressupostos, além de suscitar, expressamente, a questão da intempestividade do recurso interposto pela Fazenda Pública, nos seguintes termos: «Salvo melhor juízo, o recurso da Fazenda Pública mostra-se intempestivo. De facto, é certo que nos temos do disposto no artigo 140º do CPTA os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos (tributários) regem-se pelo disposto na lei processual civil.
Uma vez que a acção foi proposta em 2010, há que aplicar o CPC, na redacção do DL 303/2007, de 24 de Agosto.
Ora, a recorrente Fazenda Pública interpôs o presente recurso excepcional de revista em 12 de Junho de 2013 (fls. 682), na sequência da notificação da decisão que conheceu das arguidas nulidades, por ofício de 8 de Maio de 2013 (fls. 657).
Sucede que, a nosso ver, o prazo de 30 dias (artigo 144º/1 do CPTA) para interpor o recurso de revista, por força do disposto nos artigos 668º/4, 669º e 670º/3 do CPC se conta da notificação do acórdão que conheceu do recurso interposto da decisão de 1ª instância, o qual foi feita por oficio de 20 de Fevereiro de 2013 (fls. 592).
Assim sendo, como nos parece ser, o recurso interposto pela fazenda Pública é, manifestamente, intempestivo.».

1.5. Por acórdão de 12/02/2014, prolatado pela formação de Juízes Conselheiros prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA, foi julgada procedente a excepção arguida pela Recorrida e subscrita pelo Ministério Público e, em consequência, foi rejeitado, por extemporaneidade, o recurso.

1.6. Notifica a Recorrente desse acórdão, veio arguir uma nulidade processual, por inobservância do princípio do contraditório e violação do preceituado no art. 655º do CPC, invocando não ter sido notificada das contra-alegações da Recorrida e do parecer do MP que secundou a posição desta no sentido de não se dever tomar conhecimento do recurso por o mesmo ser intempestivo.

1.7. Por acórdão proferido em 18/06/2014, foi julgada procedente a arguição da referida nulidade, tendo-se anulado o processado relativo ao recurso interposto pela Fazenda Pública a partir do parecer emitido pelo MP, e ordenada a sua notificação para, em dez dias, se pronunciar sobre a questão da intempestividade suscitada nas contra-alegações da Recorrida e no parecer do Ministério Público.

1.8. Nessa sequência, a Recorrente veio apresentar o articulado de resposta que consta de fls. 816/818, onde invoca, em suma, que uma vez que as nulidades dos acórdãos proferidos em 2ª instância devem ser arguidas directamente no TCA, não sendo o recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA meio adequado para as arguir, deve entender-se que este recurso só podia ter sido interposto, como foi, após o acórdão que apreciou as nulidades que imputou ao acórdão do TCA.

1.8. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Impõe-se apreciar, desde já, a questão da tempestividade do recurso excepcional de revista interposto pela Fazenda Pública, por se tratar de questão prévia ao conhecimento dos requisitos de admissibilidade do recurso.

Como se viu, tanto a Recorrida como o Ministério Público sustentam que o recurso, interposto em 12 de Junho de 2013, é intempestivo à luz dos arts. 144º, nº 1, do CPTA, 668º, nº4, 669º e 670º do CPC, tendo em conta que o respectivo prazo de interposição é de 30 dias a contar da data da notificação do acórdão recorrido, notificação que ocorreu por ofício datado de 20 de Fevereiro de 2013 que teve lugar, segundo a Recorrida, em 25 de Fevereiro de 2013.

E, na verdade, assiste-lhes total razão.

Com efeito, é entendimento pacífico desta Secção do STA que a admissibilidade do recurso de revista excepcional no contencioso tributário assenta no que dispõe o artº nº 26º, alínea h), do ETAF, e, atenta a remissão do art. 2º do CPPT, este recurso é regido pelas normas do CPTA. Ora, quanto ao prazo de interposição do recurso, o art. 144º, nº 1, do CPTA estabelece que «O prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida».

Aliás, a Recorrente não contesta, no seu articulado de resposta, que o prazo de interposição deste recurso seja, tal como defendido pela Recorrida e pelo MP, o prazo previsto no art. 144º, nº 1, do CPTA, isto é, o prazo de 30 dias contado da notificação do acórdão recorrido prolatado pelo TCA.

Efectivamente, a Recorrente limita o seu esforço argumentativo quanto ao momento do início desse prazo, advogando que ele não se conta a partir da data da notificação do acórdão que constitui o objecto do recurso de revista excepcional, mas, tão só, a partir da data da notificação do posterior acórdão que apreciou e indeferiu as nulidades que imputara a esse acórdão. Na sua óptica, devendo as nulidades dos acórdãos proferidos em 2ª instância ser arguidas directamente no TCA (não sendo o recurso previsto no art. 150º do CPTA meio processualmente idóneo para as arguir), este recurso de revista só podia ter sido interposto, como foi, após a prolação do acórdão que apreciou as nulidades imputadas ao acórdão do TCA.

Todavia, a Recorrente esquece que o recurso de revista excepcional é um recurso ordinário (e não um recurso extraordinário), ainda que só admissível quando o Colectivo de Juízes Conselheiros referido no nº 1 do art. 150º do CPTA julgue preenchidos os requisitos previstos para a admissibilidade desse recurso. Ora, o art. 140º do CPTA determina que «Os recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações, e são processados como os recursos de agravo, sem prejuízo do estabelecido na presente lei e no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.».

Razão por que importa trazer à colação as normas do Código de Processo Civil, na redacção vigente após a revisão operada pelo Decreto Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (aplicável ao caso) e das quais decorre que a arguição de nulidades ou o pedido de esclarecimento ou reforma da decisão em nada altera o que na lei se dispõe sobre o início do prazo para interpor recurso ordinário, como claramente resulta da disciplina contida no art. 670º do CPC (aplicável nos termos do art. 140º do CPTA).

No caso vertente, ainda que não se ponha em causa que o recurso excepcional de revista não pode ser utilizado para a imputação de nulidades ao acórdão recorrido, e que, por isso, a parte interessada devia ter arguido, como efectivamente arguiu, a nulidade do acórdão recorrido perante o TCA, em conformidade com o disposto no art. 668º, nº 4, do CPC, o certo é que, como inequivocamente resulta da norma contida art. 670º do CPC, a decisão do TCA sobre a arguida nulidade constitui um complemento ou parte integrante do seu acórdão (nº 1), pelo que «O recurso que tenha sido interposto fica a ter por objecto a nova decisão, podendo o recorrente, no prazo de 10 dias, dele desistir, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida, e o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo» (nº 3).

Ou seja, o facto de a Fazenda Pública arguir a nulidade do acórdão perante o próprio TCA não afecta o início do prazo para dele interpor recurso ordinário para o STA, recurso que, no caso de vir a ser proferido acórdão diverso pelo TCA na sequência dessa arguição de nulidades, ficará a ter por objecto o novo acórdão, podendo o recorrente, no prazo de 10 dias, dele desistir, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida, e o recorrido responder a tal alteração no mesmo prazo.

Por conseguinte, no caso vertente, o prazo para a interposição do recurso era de 30 dias contado da notificação do acórdão recorrido. E, como se pode constatar a fls. 592 dos autos, tendo sido comunicado à Recorrente por ofício postal emitido em 20/02/2013, a sua notificação presume-se efectuada, face ao disposto no art. 254º, nº 3, do CPC, no primeiro dia útil seguinte ao terceiro dia posterior ao registo, isto é, em 25/02/2013 (segunda feira).

Neste contexto, o recurso instaurado pela Fazenda Pública em 12/06/2013 (cfr. fax a fls. 682 e segs. dos autos) é intempestivo, razão por que se impõe a sua rejeição, dele não se tomando conhecimento.

4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em rejeitar, por extemporaneidade, o recurso interposto pela Fazenda Pública.

Custas deste recurso pela Fazenda Pública.


Lisboa, 5 de Novembro de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Casimiro GonçalvesIsabel Marques da Silva.

Segue acórdão de 5 de Fevereiro de 2015:

Pedido de reforma. Dispensa de remanescente.

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA, notificada do acórdão proferido no STA pelos Juízes Conselheiros que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, de rejeição (por intempestividade) do recurso de revista excepcional que interpôs, e que a condenou nas respectivas custas processuais, veio pedir a sua reforma quanto a custas, invocando o disposto nos artigos 616.º, nº 1, e 666.º, do Código de Processo Civil (CPC).

Alicerça o pedido na alegação de que, em face do valor da causa (superior a € 275.000,00), deve o Supremo Tribunal Administrativo usar da faculdade prevista na segunda parte do artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), de modo a dispensá-la do pagamento do remanescente da taxa de justiça em todas as instâncias, pois o processo não tem especial e elevada complexidade e a recorrente adoptou um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os tribunais, sendo que o pagamento de uma taxa de justiça no montante global de € 600,000,00 (por cada uma das partes) viola os princípios do acesso ao direito e aos tribunais, da proporcionalidade e da correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos.

1.2 Notificada do requerimento, a Requerida nada disse.

1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público teve vista dos autos e pronunciou-se no sentido do deferimento do pedido por se verificarem os pressupostos para a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

1.4. Com dispensa de vistos dos Exmºs Conselheiros Adjuntos, dada a simplicidade da questão, cumpre decidir.

2. No acórdão que nestes autos foi prolatado pelo STA em termos de apreciação liminar sumária pela formação prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA, foi deliberado rejeitar o recurso excepcional de revista interposto pela Fazenda Pública, com a sua consequente condenação nas custas devidas por esse recurso.

A Fazenda Pública pretende agora, por via do presente pedido, que face ao valor da causa (superior a 275.000,00 €) este Tribunal proceda à reforma das custas por forma a dispensá-la do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em conformidade com o disposto no nº 7 do art. 6º do RCP.

Vejamos.

Segundo o referido preceito legal, nas causas de valor superior 275.000,00 € o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Trata-se, pois, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art. 7º, depende de uma concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão – cfr., neste sentido, o acórdão de 15/10/2014, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA, no proc. nº 01435/12.
E como também aí se deixou explicado, «tem-se entendido que cabe a este STA apreciá-lo tão só no que respeita ao recurso (processo autónomo, na acepção do nº 2 do art. 1º do RCP) que a ele foi dirigido (…).
Por outro lado, e quanto à complexidade da causa haverá que ter em conta os parâmetros estabelecidos pelo disposto no nº 7 do art. 537º do actual CPC (art. 447º-A do CPC 1961).
De acordo com este normativo, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que: (a) contenham articulados ou alegações prolixas; (b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou (c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica serão, por regra, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (neste sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª edição, 2012, pág.85).
Em síntese poderemos dizer que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.»
No caso vertente, consideramos que se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 7 do art. 6º do RCP para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.

De facto, a Fazenda Pública interpôs recurso excepcional de revista para o STA, recurso que foi rejeitado e que levou à sua condenação nas respectivas custas. E embora tenha vindo posteriormente arguir uma nulidade processual (por inobservância do princípio do contraditório e violação do preceituado no art. 655º do CPC), que obteve procedência por acórdão que determinou a anulação do processado a partir do parecer emitido pelo Ministério Público e a notificação desse parecer à Fazenda Pública para que pudesse pronunciar-se sobre a questão da intempestividade suscitada, o certo é que a decisão de rejeição do recurso, por extemporaneidade, veio a ser reiterada por acórdão proferido pela formação a que alude o nº 5 do art. 150º do CPTA.

Ou seja, o recurso foi rejeitado por questões meramente processuais, não tendo o tribunal chegado, sequer, a apreciar a verificação (ou não) dos pressupostos de admissibilidade do recurso.

Assim sendo, parece-nos certo que o presente recurso se deve considerar como de menor complexidade, nos termos e para os efeitos do estatuído no nº 7 do art. 6º do RCP. E, por outro lado, as partes limitaram-se a sustentar as suas posições nos articulados permitidos por lei, sem criar entraves anormais ao desenrolar do processo, pelo que não podemos deixar de concluir que tiveram uma atitude positiva de cooperação.

Neste contexto, acompanhamos a posição sufragada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, no sentido de que a não dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida por um recurso que findou na sua fase liminar e por decisão sumária, sem decisão de mérito (taxa que, salvo erro de cálculo, rondaria os € 145.432,00), poderia até ofender os princípios constitucionais do direito de acesso aos tribunais e da proporcionalidade decorrentes do estatuído nos artigos 20º nº 2º e 18º nº 2 da CRP.

Face ao exposto, julgamos que, neste concreto caso, se justifica a pretendida dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida neste Supremo Tribunal.

Razão por que se impõe deferir o pedido, consignando-se que apenas é dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso de revista excepcional (processo autónomo, na acepção do nº 2 do art. 1º do RCP) e não o pagamento de taxas de justiça devidas noutras instâncias.

3. Face ao exposto, acorda-se em deferir o pedido e dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso de revista excepcional interposto pela Fazenda Pública.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Casimiro Gonçalves – Isabel Marques da Silva.