Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0584/16
Data do Acordão:07/13/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:Não se preenchem os requisitos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no nº 7 do art. 6º do RCP, se o montante da taxa de justiça devida não se afigurar desproporcionado em face do concreto serviço prestado, a questão decidenda no recurso não se afigurar de complexidade inferior à comum e a conduta processual das partes se limitar ao que lhes é exigível e legalmente devido.
Nº Convencional:JSTA000P20836
Nº do Documento:SA2201607130584
Data de Entrada:05/10/2016
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Fazenda Pública, notificada do acórdão proferido nos autos em 24/5/2016 (fls. 406-422) que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença que julgara procedente a reclamação (nos termos do art. 276º do CPPT) que a sociedade A………., Lda., deduziu contra o acto de constituição de penhor legal nº 20150000005456461 praticado no âmbito do processo de execução fiscal nº 3107201501148990 contra esta instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 8, para cobrança coerciva de dívidas respeitantes a IVA do ano de 2011, vem agora pedir a reforma quanto a custas, invocando o disposto nos arts. 616º, nº 1 e 666º do CPC.
Fundamenta o seu pedido na alegação seguinte:
a) Tendo em conta o valor da causa (€ 672.192,28) impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respectivo remanescente - nº 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais (RCP):
— Mas, no caso, o Juiz nunca se pronunciou sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça [nos termos da 2ª parte daquele normativo], quando, claramente - atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes -, a especificidade da situação o justificava, sendo que, quanto à complexidade da causa, é necessário analisar os pressupostos previstos no n° 7 do art. 530° do CPC, para averiguação da existência de questões de elevada especialização ou especialidade técnica, ou, ainda, de questões jurídicas de âmbito muito diverso, e quanto à conduta processual das partes, ter-se-á em consideração se esta respeita o dever de boa-fé processual estatuído no art. 8° do CPC
— A Fazenda Pública entende que adoptou, neste processo, um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando actos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa fé: apenas apresentou as peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material (aliás não foi realizada prova testemunhal), nem, tão pouco, usou de quaisquer articulados ou alegações prolixas.
— E relativamente à especificidade técnica da causa e ao assunto em discussão, entende que a questão da causa não é de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, não sendo, igualmente, as questões aqui em crise, de âmbito muito diverso.
— Pelo que requer que o Tribunal faça uso da faculdade prevista na referida segunda parte do n° 7 do art. 6° do RCP, por forma a dispensar a Fazenda Pública do pagamento do remanescente das taxas de justiça, reformando-se, nessa parte, o acórdão quanto a custas, ao abrigo do n° 1 do art. 616° do CPC. Até porque, pagar, neste processo, taxas de justiça de montante superior a € 3.264,00 (por cada uma das partes), equivale por dizer que, a parte vencida, será responsável pelo pagamento, não só dessa quantia [a título de taxas de justiça + remanescentes pela sua intervenção no processo] mas, também, de mais € 3.264,00 [correspondente às taxas de justiça pagas pela parte vencedora], bem como de mais € 3.264,00 [a título de despesas com honorários do mandatário], tudo perfazendo um montante superior a 9.792,00 (nove mil e setecentos e noventa e dois euro) que a parte vencida teria de suportar.
b) Mais alega, em síntese, que fixar as custas no referido valor (9.792,00 Euros), viola princípios constitucionais, sendo que o apontado nº 7 do art. 6º do RCP não deve ser interpretado como permitindo o cálculo das custas judiciais tendo em conta o valor do processo, sem atender ao limite máximo de 275.000,00 Euro, por violar o direito de acesso aos tribunais, bem como por violar o princípio da proporcionalidade, devendo, assim, ser julgada inconstitucional qualquer interpretação dos nºs. 1 e 2 do art. 6º do RCP que leve à aplicação do cálculo das custas judiciais sem tomar em consideração o limite máximo estipulado no mesmo RCP (275.000,00 Euros), por violação dos arts. 20º, 2º e 18º nº 2, todos da CRP, pois que o preço do serviço de justiça não aumenta proporcionalmente ao valor da causa, nem ilimitadamente em função desta, sendo por isso clara a desproporção entra o serviço público envolvido e o valor total cobrado.
Daí que deva ser julgada inconstitucional — por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º da CRP, conjugado com o princípio da proibição do excesso e o princípio da proporcionalidade — as normas constantes do art. 6º, nºs. 1, 2 e 7, bem como da al. c) do nº 3 do art. 26º e da al. d) do nº 2 do art. 25º, todos do RCP, na parte em que, em conjugação com o disposto na Tabela I A e B anexa ao RCP, delas resulta que as taxas de justiça devidas sejam determinadas exclusivamente em função do valor da acção, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, bem como quando prevêem, sem mais, o pagamento de honorários sem que esse valor tenha que ser justificado.

2. Dado que o assunto não afecta a parte contrária, pode e deve decidir-se sem precedência de contraditório.

3. Com dispensa de vistos dos Exmºs Conselheiros Adjuntos, dada a simplicidade da questão, e a natureza urgente do processo, cabe decidir.

4. Como se viu, a Fazenda Pública pretende que, face ao valor da causa e ao montante de taxa de justiça que se mostra devida à luz do RCP e da respectiva Tabela I-B anexa, o Tribunal proceda à reforma do acórdão quanto a custas, por forma a dispensá-la do pagamento do remanescente daquela taxa de justiça, em conformidade com o disposto no nº 7 do art. 6º do RCP.
Ora, tratando-se de questão que tem vindo a ser apreciada em inúmeras decisões desta Secção do STA, limitar-nos-emos agora a seguir a fundamentação ali também expendida.
Vejamos.
Exara-se no acórdão de 1/6/2016, no proc. nº 0763/15:
«No citado nº 7 do art. 6º do RCP, dispõe-se: «Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.»
Trata-se, portanto, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art. 7º, depende de concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cfr., neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15/10/2014, no processo nº 01435/12, no qual, relativamente a este pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, se exarou o seguinte:
«[T]em-se entendido que cabe a este STA apreciá-lo tão só no que respeita ao recurso (processo autónomo, na acepção do nº 2 do art. 1º do RCP) que a ele foi dirigido (...).
Por outro lado, e quanto à complexidade da causa haverá que ter em conta os parâmetros estabelecidos pelo disposto no nº 7 do art. 537º do actual CPC (art. 447º-A do CPC 1961).
De acordo com este normativo, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que: (a) contenham articulados ou alegações prolixas; (b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou (c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica serão, por regra, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (neste sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª edição, 2012, pág.85).
Em síntese poderemos dizer que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.».
Ou seja, como a jurisprudência desta Secção do STA tem vindo posteriormente a reafirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça «tem natureza excepcional e pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.» (fim de citação)

5. Acolhendo esta fundamentação, entende-se, no caso presente, que não estão preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 7 do artigo 6º do RCP para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.
Por um lado, a questão decidida (relacionada quer com a fundamentação e justificação, nos termos do art. 50º da LGT e 195º do CPPT, do acto de constituição de penhor, quer com a tempestividade ou intempestividade desse acto – se foi praticado antes de decorridos os prazos de defesa da executada) não se afigurou de complexidade inferior à comum - designadamente por se tratar de questão já antes decidida por este STA ou por o processo ter terminado sem decisão de mérito -, tratando-se, ao invés, de questão que demandou, quer adequada ponderação do respectivo quadro legal de referência, quer criteriosa análise da factualidade provada e do argumentário das partes, não se vislumbrando, nesta vertente, motivo para a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
E no que respeita à conduta processual das partes, igualmente não se descortina que tenha ocorrido excepcionalidade determinante da pretendida dispensa da taxa de justiça: como também se exara no supra pontado acórdão de 1/6/2016, no proc. nº 0763/15, «... a alegada conduta colaborante (por não terem sido promovidos expedientes de natureza dilatória, terem apenas sido apresentadas peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material e não ter havido lugar a produção de prova testemunhal ou não terem sido apresentados articulados ou alegações prolixas) é a conduta que a lei postula como regra, não se revelando, aí, qualquer excepcionalidade relevante para efeitos da dispensa de pagamento prevista no nº 7 do art. 6º do RCP.
Finalmente, relativamente às alegadas inconstitucionalidades, por violação dos princípios constitucionais invocados, também não se nos afigura que, no caso concreto, o montante da taxa de justiça devido (...) seja manifestamente desproporcionado relativamente ao serviço público prestado e por isso violador dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade, da necessidade e da proibição do excesso, bem como do princípio da igualdade. Matéria cuja apreciação final sempre caberá, aliás, ao Tribunal Constitucional, caso as partes assim o entendam.
Acresce que esta alegação também não poderia proceder face às razões antes explanadas: na verdade, com o aditamento (operado pelo art. 2º da Lei nº 7/2012, de 13/2) deste nº 7 ao art. 6º do RCP, passa precisamente a poder (e a dever) atender-se ao falado limite máximo de 275.000,00 Euros e a poder dispensar-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, não se vendo, portanto, que ocorra, nesta vertente, violação dos apontados princípios constitucionais. (No acórdão nº 421/2013, de 15/7/2013, processo nº 907/2012, in DR, 2ª série - Nº 200, de 16/10/2013, pp. 31096 a 31098, o Tribunal Constitucional havia julgado inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos arts. 2º e 18º, nº 2, segunda parte, da CRP, as normas contidas nos arts. 6º e 11º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL nº 52/2011, de 13/4, (anteriormente, portanto, à alteração introduzida pela Lei nº 7/2012, de 13/2) quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Neste mesmo sentido se decidira já nos acs. desta Secção do STA, de 31/10/12 e de 26/4/2012, nos procs. nºs. 0819/12 e 0768/11, respectivamente.)
Ponto é que se verifiquem os também apontados requisitos para tal dispensa: (i) especificidade da situação que justifique a dispensa; (ii) valoração e ponderação (por parte do juiz, e de forma fundamentada) no sentido de que, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, é de dispensar o pagamento do dito remanescente.» (fim de citação)
Ora, como acima se disse, conclui-se que estes requisitos não se verificam no presente caso e que, consequentemente, afastada fica também a alegada violação das normas e princípios constitucionais invocados.
Improcedendo, portanto, in totum, o presente pedido de reforma, quanto a custas, do acórdão reclamado, com o consequente indeferimento do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, formulado pela recorrente Fazenda Pública.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em indeferir a requerida reforma do acórdão substanciada no pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, formulado pela Fazenda Pública.
Custas pela requerente.

Lisboa, 13 de Julho de 2016. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.