Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01346/12
Data do Acordão:01/09/2013
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
PLURALIDADE DE FUNDAMENTOS
ISENÇÃO DE CUSTAS
Sumário:I - A pluralidade de fundamentos autónomos de uma decisão equivale a uma pluralidade de proposições decisórias convergentes para o mesmo resultado.
II - Em princípio, qualquer recurso só poderá ter sucesso se atacar, com êxito, todos os fundamentos jurídicos que imediata e autonomamente sustentem a decisão criticada, constituindo um seu antecedente lógico necessário.
III - As Juntas de Freguesia que lutam nos tribunais administrativos contra a sua extinção beneficiam da isenção de custas face ao disposto na 1.ª parte da alínea g) do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais (defesa de direitos fundamentais dos cidadãos) conjugado com o direito de participação na vida pública concedido aos cidadãos pelo art. 48º, n.º 1, da CRP.
Nº Convencional:JSTA000P15084
Nº do Documento:SA12013010901346
Data de Entrada:12/03/2012
Recorrente:JF DE PÓVOA DE RIO DE MOINHOS
Recorrido 1:AR
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I
A requerente, invocando o disposto na lei, veio deduzir reclamação para a conferência do despacho de fls., referindo o seguinte:

1) Não se questiona, por consabido, que, nos termos do art. 164° al. n) da CRP é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a criação, extinção e modificação de autarquias locais;
2) Nem muito menos se contesta, por primariamente evidente, que aos tribunais administrativos não compete apreciar litígios tendo por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa;
3) Mas se assim é, e toda a gente sabe que assim é, não é menos certo que compete à secção de contencioso administrativo do STA conhecer dos processos em matéria administrativa relativos a actos ou omissões da Assembleia da república (art. 24° n° 1 do ETAF);
4) Ora, no âmbito da Lei 22/2012 de 30/05 foi criada uma Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território (UTRAT) que funciona junto da Assembleia da República;
5) UTRAT que, desprovida de personalidade jurídica e judiciária tem a competência de apresentar à Assembleia da República propostas concretas de reorganização administrativa do território das freguesias em caso de ausência de pronúncia das Assembleias Municipais (ou de pronúncia que não promova a agregação de quaisquer freguesias como foi o caso);
6) A ora reclamante considera, pelos fundamentos aduzidos no requerimento apresentado que tais propostas da UTRAT consubstanciam verdadeiros actos administrativos contenciosamente impugnáveis e como tal passíveis de pedidos de providências cautelares de suspensão de eficácia;
7) Salvo o devido respeito, que é muito, com a providência cautelar instaurada não está em causa nem podia estar interferir no procedimento conducente à produção de actos legislativos;
8) Este não é o caso dos autos;
9) O que está em causa nos presentes autos é impugnar um acto administrativo de uma Unidade Técnica que, por desprovida de personalidade jurídica e judiciária mas funcionando junto da Assembleia da República terá de ter por consequência a demanda da própria Assembleia da República;
10) Demanda para a qual é competente a Secção de Contencioso Administrativo do STA nos termos do art. 24° do ETAF;
11) E o acto administrativo a impugnar da UTRAT e de que foi requerida a providência cautelar foi praticado no âmbito da competência conferida à referida UTRAT pela Lei 22/2012;
12) Não estando em causa na apreciação suscitada a esse Venerando Tribunal nos presentes autos a produção de novas leis, mas sim a análise jurídica e contenciosa da actuação da UTRAT que actuou em matéria administrativa, no exercício da competência que lhe foi conferida pela referida Lei 22/2012;
13) Tendo assim os actos administrativos por si praticados no exercício da sua competência de ser sindicáveis contenciosamente pela jurisdição administrativa;
14) Acresce referir não se poder compreender o aliás douto despacho de Exmo. Juiz Conselheiro relator na parte em que refere “fora as possibilidades de intervenção do Tribunal Constitucional, a apreciação dos actos materialmente legislativos só é possível por via da sua aplicação a casos concretos submetidos a julgamento judicial”;
15) É que a “proposta” da UTRAT de que foi requerida a providência cautelar, não configura um acto materialmente legislativo mas sim um acto materialmente administrativo;
16) Acto este praticado no exercício da competência que lhe foi conferida pela Lei 22/2012;
17) Acresce referir que a Assembleia da República tem, em conformidade com a CRP o poder de aprovar leis, mas não pode fazê-lo tendo por base uma proposta da UTRAT que possa estar inquinada de vícios de inconstitucionalidade e da ilegalidade, como foi requerido;
18) E uma coisa é o processo de produção legislativa da Assembleia da República, relativamente ao qual a jurisdição administrativa nada tem a ver, outra bem diferente é a análise da actuação da UTRAT no exercício da competência (materialmente administrativa) que lhe é conferida pela Lei 22/2012;
19) E esta actuação é - repita-se - matéria que pode e deve ser sindicada pela jurisdição administrativa;
Requer isenção de custas, nos termos e para os efeitos do art. 4º n° 1 alínea g) do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL n° 34/2008 de 26 de Fevereiro.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V.Excias Venerandos Juízes Conselheiros, deve o despacho do Exmo. Juiz Conselheiro Relator ser revogado, devendo sobre o requerimento apresentado recair despacho de admissão com as legais consequências.

Cumpre decidir.
II
O despacho reclamado é do seguinte teor:

“A requerente pretende obter a suspensão da eficácia da «proposta» da Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território (UTRAT), que previu a «fusão» dela com outras freguesias.
Mas a pretensão é ilegal, desde logo a dois títulos.
«Primo», porque o acto suspendendo é meramente interno, não produzindo os efeitos «ad extra» de que dependeria a sua impugnabilidade contenciosa (art. 51º, n.º 1, do CPTA). Na verdade, tanto a denominação do acto como o seu tipo legal - que consta do art. 14º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 22/2012, de 30/5 - mostram logo que ele nada resolveu e que apenas preparou, em termos não vinculativos, o que a Assembleia da República haveria de livremente decidir.
«Secundo», porque essa pronúncia a emitir pela Assembleia da República corresponde ao exercício da função político-legislativa. É que a reconfiguração territorial das autarquias traduz uma actividade política «par excellence»; e tal actuação inscreve-se na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República (art. 164º, al. n), da CRP). Ora, os «actos praticados no exercício da função política e legislativa» estão excluídos «do âmbito da jurisdição administrativa» (art. 4º, n.º 2, al. a), do ETAF). E tal exclusão tem de abranger o acto suspendendo, pois a natureza política e legislativa desses actos da Assembleia impregna os procedimentos que lhes estejam exclusiva e funcionalmente ordenados.
Assim, é já manifesta a ilegalidade da pretensão formulada pela requerente. Motivo por que, nos termos do art. 116º, n.º 2, al. d), do CPTA, rejeito «in limine» o presente pedido de suspensão de eficácia.”

O despacho, como se vê, rejeitou o pedido com fundamento na natureza do acto, sob dois pontos de vista, como acto interno e como acto incluído na função político-legislativa, qualquer deles com virtualidades para conduzir à rejeição. Perante a argumentação apresentada pela requerente conclui-se que apenas ataca a segunda perspectiva, nada dizendo sobre a sua qualificação como acto interno. É quanto basta para que se tenha por consolidado o indeferimento e, consequentemente, indeferida a reclamação. Mesmo em relação ao outro aspecto a requerente nada adianta de novo que abale os fundamentos do decidido.
III
O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio pedir a reforma do despacho reclamado, quanto a custas, por achar que, contrariamente ao ali decidido, elas são devidas. Por uma questão de economia e de oportunidade aprecia-se a questão neste momento. Entende-se que tal pedido é de indeferir. Com efeito, a isenção concedida resulta do disposto na 1.ª parte da alínea g) do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais (defesa de direitos fundamentais dos cidadãos) conjugado com o direito de participação na vida pública concedido aos cidadãos pelo art. 48º, n.º 1, da CRP.
IV Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos acordam em indeferir a reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 9 de Janeiro de 2013. – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) – Luís Pais Borges – Jorge Artur Madeira dos Santos.