Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02712/16.8BELSB 0648/17
Data do Acordão:03/04/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25698
Nº do Documento:SA12020030402712/16
Data de Entrada:09/17/2019
Recorrente:IMT - INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, IP
Recorrido 1:A...................., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A………………….., L.dª intentou, no TAC de Lisboa, contra o IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P., a presente providência cautelar pedindo a condenação do Requerido a:
1) reconhecer a continuidade do contrato de gestão do centro de inspecção, cód. ………. (………..);
2) não executar, seja de que forma for, a decisão de encerrar esse centro de inspecção;
3) não executar a garantia bancária correspondente a esse centro;
4) efectuar a vistoria que lhes foi solicitada para avaliar o cumprimento dos requisitos técnicos supervenientes à entrada em vigor do contrato de gestão, ou bastar-se com os termos de responsabilidade que, nos termos da lei, a suprem.”

O TAC julgou procedente o pedido cautelar e, em consequência, decretou a suspensão de eficácia da deliberação de, 02/11/2016, do Conselho Directivo do Requerido.

Decisão que o TCA Sul manteve.

É desse acórdão que o IMT vem recorrer justificando a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão e com a necessária intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. A Requerente, que é uma sociedade comercial cujo objecto social é o serviço de inspecções técnicas a veículos ligeiros e pesados, candidatou-se à administração e gestão do centro de inspecções na …………, candidatura que, tendo sido aprovada, conduziu a celebração de "Contrato de Gestão Acesso e Permanência da Actividade de Inspecção Técnica a Veículos". Todavia, este não chegou a ser executado por o Requerido considerar que se tinha verificado a caducidade dos contratos de gestão dos centros de inspecções do Requerente, entre os quais se encontrava o aqui em causa, por esta não “cumprir todas as disposições legais, contratuais, regulamentares e técnicas relativas ao exercício da atividade de inspeção de veículos”, e, em consequência, ter ordenado, 2/11/2016, a cessação da sua actividade inspectiva sob pena de instauração de procedimento contraordenacional.
É a potencialidade executiva desse acto que a Requerente pretende ver suspensa.

O TAC julgoupreenchidos os requisitos necessários para o decretamento da providência de suspensão da eficácia do ato suspendendo”, pelo decretou essa medida cautelar. Decisão que justificou do seguinte modo:
Sobre o fumus boni iuris
“Como vimos, foi por entender que ..... a requerente solicitara ao IMT a vistoria depois do decurso do aludido prazo de 2 anos que a deliberação suspendenda .... declarou a caducidade desse contrato e determinou a cessação do exercício da actividade.
Tendo presente que está em causa a formulação de um mero juízo de probabilidade sobre o êxito da acção principal, a questão que se coloca é a de saber se é gerador da caducidade do contrato de gestão celebrado entre a requerente da providência e o IMT, a circunstância de aquela, só depois do decurso do mencionado prazo de 2 anos ter pedido a vistoria destinada a apreciar se o centro de inspecções de se conformava com os requisitos técnicos previstos na Portaria n.º 221/2012.
Assim, não estando, para a situação em apreço, expressamente prevista na lei nem no contrato, a sanção da caducidade do contrato de gestão, é de considerar demonstrada a verificação do requisito do “fumus boni iuris".

Do periculum in mora
“In casu, resultou indiciariamente provado que, o encerramento do centro de inspeção da ………….. levará à cessação de toda a atividade aí desenvolvida pela Requerente e à cessação dos contratos de trabalho, perda de negócios e clientela, com eventuais pagamentos indemnizatórios quer a trabalhadores quer a clientes.
Assim, como referido no Acórdão do TCA Sul, de 30/08/2017, processo n.° 2711/16.0BELSB, «é de meridiana evidência que o encerramento de uma unidade comercial tem como consequência a cessação da fonte de produção e rendimento da actividade económica, sendo que tal cessação se reflecte negativamente na esfera jurídica dos seus titulares, os sócios ou accionistas da sociedade titular do estabelecimento, na exacta medida em que a clientela deixa de se poder abastecer dos bens e serviços ali colocados à disposição do mercado e, portanto, se não entram réditos é óbvio que se acumulam prejuízos.»
Conclui-se, assim, estar verificado o requisito de "periculum in mora" previsto no artigo 120.°, n.º 1, 1.ª parte do CPTA.”

Sobre a ponderação dos interesses públicos e privados em presença
“Atenta a matéria de facto indiciariamente provada, não decorre dos autos nenhum interesse público qualificado, específico e concreto, que justifique o não decretamento da providência.
Na verdade, apenas é alegado um interesse genérico de defesa da lei em prol da segurança rodoviária e proteção do ambiente.
Por outro lado, não resulta da matéria de facto indiciariamente provada, que, em concreto, a manutenção da atividade de inspeção automóvel no centro da ………. coloque em causa a segurança rodoviária e a proteção do ambiente.
Com pertinência para a decisão a proferir, em sede de ponderação de interesses, o Requerido nada referiu, pelo que, não resultando dos autos factualidade que permita concluir que é manifesta ou ostensiva a lesão que o decretamento da providência causará ao interesse público, atento o disposto nos n. °s 2 e 5, do artigo 120.° do CPTA, julga-se verificada a inexistência de lesão do interesse público com o decretamento da providência requerida.”

Decisão que o TCA confirmou integralmente sem acrescentar qualquer novidade à sua fundamentação.

3. O IMT discorda desta decisão pelo que requer a admissão desta revista para que este Supremo reaprecie as seguintes questões:
“a) Erro de julgamento na aplicação do direito, na interpretação dada ao regime jurídico relativo ao funcionamento dos centros de inspeção técnica de veículos (cfr. Lei n.° 11/2011, de 26/04, na sua versão atual, conjugada com a Portaria n.° 221/2012, de 20/07, na sua versão atual), na aplicação ao elenco dos factos dados como provados do Acórdão do douto Tribunal Central Administrativo Sul, de 18/07/2019, designado Acórdão recorrido;
b) Erro de julgamento na aplicação do direito, relativamente à falta de preenchimento dos pressupostos necessários à adoção das providências cautelares, nos termos e para os efeitos do art.º 120.° do CPTA.”

4. Como se acaba de ver a única questão suscitada nesta revista é a de saber se o Acórdão recorrido fez correcto julgamento quando, sufragando decisão do TAC, declarou que se verificavam os pressupostos de que dependia a concessão da requerida medida cautelar e, com esse fundamento, a decretou.

A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas pelo Recorrente e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a sua admissão. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique a alteração desse entendimento.
Desde logo, porque as afirmações de que “o encerramento do centro de inspeção da ………… levará à cessação de toda a atividade aí desenvolvida pela Requerente e à cessação dos contratos de trabalho, perda de negócios e clientela, com eventuais pagamentos indemnizatórios quer a trabalhadores quer a clientes” e de que inexistia qualquer interesse público qualificado, específico e concreto que justificasse o não decretamento da providência uma vez que “não resulta da matéria de facto indiciariamente provada, que, em concreto, a manutenção da atividade de inspeção automóvel no centro da ……… coloque em causa a segurança rodoviária e a proteção do ambiente” constituem juízos de facto que não susceptíveis de ser reapreciados em recurso de revista, visto esta só conhecer de direito, pelo que não podem ser sindicados neste Tribunal (art.º 150.º/4 do CPTA). Deste modo, encontram-se definitivamente resolvidas as questões referentes ao periculum in mora e à ponderação dos interesses públicos e privados em presença.
Depois, porque tudo indica que a decisão sobre o fumus é correcta uma vez que a mesma está fundada num discurso jurídico plausível e bem fundamentado.
DECISÃO

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 4 de Março de 2020. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.