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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0466/19.5BEPNF
Data do Acordão:02/29/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PEDRO MACHETE
Descritores:RECURSO DE APELAÇÃO
EFEITO SUSPENSIVO
FACTO SUPERVENIENTE
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
INTERESSE EM AGIR
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
PLANO DIRECTOR MUNICIPAL
PROJECTO DE ARQUITECTURA
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO
REVOGAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO
REVOGAÇÃO MODIFICATÓRIA
REVOGAÇÃO DE ACTO INVÁLIDO
REVOGAÇÃO DE ACTO NULO
EFEITOS ULTRACONSTITUTIVOS
EFEITO CONFORMATIVO
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
INUTILIDADE DO RECURSO JURISDICIONAL
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I - No caso de uma parte invocar, em sede de recurso de apelação, já depois de apresentadas as alegações e contra-alegações e os autos terem subido ao tribunal ad quem, factos objetivamente supervenientes justificativos da extinção da instância por inutilidade superveniente, nomeadamente devido à perda do interesse em agir ou ao desaparecimento superveniente de outro pressuposto processual, e juntar documentos comprovativos de tais factos, deve o tribunal central administrativo admitir os documentos em causa e decidir sobre os efeitos dos factos invocados.
II - Na fase de aprovação do projeto de arquitetura são apreciados de forma definitiva os aspetos urbanísticos, nomeadamente a conformidade do projeto nas suas várias vertentes com os planos urbanísticos aplicáveis, incluindo o aspeto exterior e a inserção urbana e paisagística da construção a licenciar, assim como o uso proposto, ficando para a fase de aprovação do licenciamento a apreciação dos aspetos referentes aos chamados projetos de especialidades, relativamente aos quais as normas de cariz urbanístico constantes dos instrumentos de planeamento nada regulam.
III - A incompatibilidade do uso proposto da construção com o PDM aplicável verificada na fase de aprovação do projeto de arquitetura determina não só a nulidade deste, como a nulidade da licença de obras de construção.
IV - Embora a alteração à licença de obras de construção obedeça, por força de disposição especial, ao procedimento estabelecido para a aprovação da própria licença de construção, com nova apreciação do projeto de arquitetura e eventual apresentação de novos projetos de especialidades (cfr. os artigos 20.º e 27.º, n.º 4, ambos do RJUE), a mesma não deixa de revestir a natureza de ato secundário – a alteração ou revogação modificatória de um ato administrativo –, sendo, por isso, aplicável aos aspetos não especialmente regulados o regime geral da alteração (e substituição) de atos administrativos previsto no artigo 173.º, n.º 1, do CPA, o qual remete para as normas reguladoras da revogação.
V - Um desses aspetos é o da insusceptibilidade de revogação dos atos nulos (artigo 166.º, n.º 1, alínea a), do CPA), pois a alteração (ou revogação modificatória) incide sobre uma parte dos efeitos de um ato administrativo anterior, eliminando-os e substituindo-os por outros, pressupondo, nessa medida, a existência de efeitos do ato anterior sobre os quais projeta a sua eficácia específica.
VI - Inexistindo efeitos produzidos pelo ato alterado, o objeto da alteração é juridicamente impossível – pois não se pode substituir o que não existe –, tornando nula a própria alteração (cfr. o artigo 161.º, n.º 2, alínea c), do CPA).
VII - Daí que a eventual nulidade do ato primário seja uma questão prévia relativamente à validade da alteração ou revogação modificatória de tal ato.
VIII - Tendo sido interposto recurso de apelação de sentença declarativa da nulidade de uma licença de construção – ato primário –, a recusa pelo tribunal central administrativo de apreciar tal nulidade com fundamento na superveniência de uma alteração ou revogação modificatória daquela licença – ato secundário – e consequente inutilidade do recurso, além de incorreta por não ter ocorrido uma revogação substitutiva, desrespeita o direito a uma tutela jurisdicional efetiva da parte que obteve vencimento na primeira instância.
IX - Ademais o interesse processual de tal parte mantém-se quanto à decisão do recurso de apelação, prevenindo quer a necessidade de iniciar novo processo de impugnação do ato secundário, quer a necessidade de nesse processo ter de repetir, novamente perante um tribunal de primeira instância, a alegação e prova das ilegalidades já identificadas e reconhecidas na sentença que declarou a nulidade do ato primário.
X - Acresce que a continuação do mesmo recurso até à decisão final assegurará, no caso de a mesma confirmar a decisão de primeira instância, por via do efeito conformativo desta última, que o órgão autor dos atos em causa fica vinculado à definição, com autoridade de caso julgado, da relação jurídico-administrativa entre tal órgão e a parte que obteve ganho de causa na primeira instância.
XI - O efeito conformativo também permite prevenir que, em situações como a dos autos, o órgão que aprovou a licença de construção e a alteração da mesma possa, perante futuros decaimentos em impugnações de atos relativos ao mesmo projeto, obstar à definição do quadro legal aplicável, por via de sucessivas apelações com efeito suspensivo, seguidas de aprovações de alterações às licenças anuladas ou declaradas nulas por sentenças de primeira instância.
XII - Uma perspetiva sistémica, afigura-se disfuncional que, em alternativa à decisão definitiva de uma ação administrativa de impugnação em que foi proferida uma sentença anulatória ou de declaração de nulidade, se opte, em sede de recurso e perante a notícia de que o ato impugnado foi objeto de alteração, pela extinção da instância com fundamento em inutilidade superveniente da lide, diferindo aquela decisão definitiva para eventuais futuras impugnações em que a mesma situação poderá voltar a ocorrer.
XIII - Com efeito, trata-se de uma solução não só objetivamente injustificada – porque o ato impugnado subsiste – e subjetivamente desvantajosa para o autor – que é remetido para iniciar um novo processo de impugnação contra o novo ato –, como, sobretudo, desfavorável para a efetividade da garantia da tutela jurisdicional, pois adia a clarificação do litígio e inutiliza a atividade processual já desenvolvida.
Nº Convencional:JSTA00071827
Nº do Documento:SA1202402290466/19
Recorrente:UNIÃO DE MORADORES DO LUGAR DE ...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VALONGO
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CPC ART260 ART611 N1
CPTA ART86
RJUE ART68 AL.A)
Aditamento: