Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0175/19.5BEMDL
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
RECTIFICAÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28562
Nº do Documento:SA2202111240175/19
Data de Entrada:06/22/2021
Recorrente:A..............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………………, contribuinte nº …………, com domicílio na Avenida ……………., …, ….., 5000-…. Vila Real, reclamante e recorrente, nos autos acima identificados, vem requerer a Retificação de erros e Reforma do Acórdão proferido nos autos em 09-09-2021, Referência: 002607391, nos termos dos art. 643.º do CPC, aplicável por força do art. 2.º CPPT e art. nº 1 do CPTA, com os seguintes fundamentos:

1.º No Acórdão aqui em crise, pelos Venerandos Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, foi decidida a não admissão do recurso, por não se mostrarem preenchidos os respetivos pressupostos legais do recurso de revista.
2.º Ora como resulta do requerimento de recurso, apresentado em 13-05-2021, Referência: 144749, o reclamante/recorrente, recorre do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, com base, nos arts. 280º e 283º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), nos arts. 173º, 174º e 175º do CPTA e nos termos conjugados do disposto nos artigos, 629º nº 2 al. a), 615º nº 1 al. c) e d), 671º nº 1 e 2 al. a), 674º do CPC, bem como dos arts. 16º, 17º, 18º, 20 e 202º da Constituição da República Portuguesa.
3.º Como resulta também do articulado de Alegações e Conclusões de recurso, apresentado em 13-05-2021, Referência: 144749, nas páginas 9 e 10, das Alegações e nas Conclusões 8ª, 9ª, 11ª, 12ª, 13ª a 19ª, páginas 24, 25, 26, o recorrente alega que o novo Despacho proferido pelo chefe do serviço de finanças, constante do Ofício Nº 1649 2019-04-09 (conforme Doc. nº 1 junto com a PI), está ferido de caducidade e viola o princípio do caso julgado.
4.º Alega também, na página 10 das Alegações e nas Conclusões, 20ª, 21ª, páginas 26, que são nulos os atos que ofendam o caso julgado, e que a exceção de caso julgado é de conhecimento oficioso.
5.º No Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 30-04-2021, Referência: 007349637, os Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, não se pronunciaram, omitiram, sobre as questões da Caducidade e da Violação da Ofensa ao Caso Julgado.
6.º O recorrente apresentou Recurso de Revista, essencialmente com o fundamento da Ofensa ao Princípio do Caso Julgado, nos termos do disposto nos arts. 629.º, nº 2, al. a), do Código Processo Civil.
7.º Ora a al. a), do nº 2, do art. 629.º, dispõe que é sempre admissível recurso, com o fundamento na ofensa de caso julgado.
8.º Com o devido respeito, entendemos que ocorreu, erro ou lapso manifesto, dos Venerandos Senhores Juízes Conselheiros.
9.º O artigo 2.º do CPPT na sua alínea e) consagra, em suma, a supletividade da aplicação das normas do Código de Processo Civil ao Procedimento e Processo Judicial Tributário de acordo com a natureza dos casos omissos.
10.º No acórdão aqui em crise, na 3.ª página, 3.º parágrafo, os venerandos Juízes Conselheiros, relativamente à norma contida no artigo 629.º, n.2, al. a), do CPC dizem não ser “aplicável no caso concreto uma vez que se trata de norma que regula a admissibilidade do recurso ordinário em função do valor da causa e da respectiva sucumbência”, enquanto argumento determinante para o indeferimento do provimento do recurso da recorrente, argumento esse, na nossa perspetiva, erróneo.
11.º Vejamos a letra da lei do artigo 629.º, nº2, al. a), do CPC: “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso (…) com fundamento (…) na ofensa do caso julgado” (realce nosso).
12.º Como resulta do referido artigo, o recurso alicerçado na ofensa do caso julgado é independente do valor da causa e da respetiva sucumbência.
13.º Conforme Abílio Neto, em “Novo Código de Processo Civil, Anotado”, 3.ª Edição Revista e Ampliada, pag. 796: “É de admitir a revista, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, se for invocada a ofensa de caso julgado (art. 629.º, nº2, al. a), in fine, NCPC)”.
14.º Tal artigo muito menos vai contra a natureza do processo tributário, pelo que, nos termos do artigo 2.º do CPTT, é uma disposição que se aplica supletivamente nesta contenda, aceitando-se o contrário, estaríamos a romper com uma das garantias constitucionais mais importantes dos particulares no que toca nas relações estabelecidas com a Administração Pública (neste caso a Fazenda Pública), no âmbito de uma contenda judicial.
15.º O caso julgado visa essencialmente a imodificabilidade de uma decisão judicial transitada, gerando o dever para os Tribunais de respeitarem ou acatarem a decisão, não julgando a questão de novo.
16.º Portanto, além de este instituto processual visar a eficiência judicial, no sentido de não se reapreciarem decisões/casos já apreciadas, fundamentalmente tem um fim de salvaguarda das expectativas dos sujeitos de direito (com personalidade judiciária), pois estes, ao recorrerem a um Tribunal para a resolução da litígios, têm a fundada expectativa que aquando o trânsito em julgado de uma decisão judicial, essa goza de uma especial e tendencial estabilidade perpetuada no tempo, caso contrário não haveria um verdadeiro estimulo para a resolução judicial dos litígios que se geram no dia a dia., derivado o risco de o Tribunal poder contradizer uma decisão já tomada anteriormente.
17.º A ofensa do caso julgado postula, pois, um categórico princípio constitucional: o da segurança ou da certeza jurídica, pelo que é daí que advém a sua aplicabilidade e relevância em qualquer tipo processual, nomeadamente o tributário (através das regras supletivas do CPC), pois como Manuel de Andrade afirma, em “Noções Fundamentais de Direito Civil”, pag. 506, “seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu: que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, neta base organizando os seus planos de vida: que tivesse constantemente que defende-los em juízo contra reiteradas investidas de outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles serem negados pela respetiva sentença”.
18.º Desta forma os venerandos juízes ao não darem provimento ao recurso estão a colocar a recorrente numa posição em que terá a sua garantia constitucional do caso julgado gerado pela sentença anulatória junta aos atos em sério risco de violação, assim como estão a desrespeitar a lei, a quem devem obediência.
19.º Acrescenta-se, que este indeferimento de recurso tem uma manifesta falta de fundamentação, para uma premissa que, em nossa perspetiva, está errada devido ao referido supra, o caso julgado terá sempre aplicação num caso concreto, sempre que seja suscitado uma controvérsia acerca do mesmo, sendo que tal controvérsia será sempre independente do valor da causa ou da respetiva sucumbência, como indica a letra do artigo 629.º, nº2, al. a), do CPC, que tem aplicação supletiva no domínio tributário.
20.º Como afirma Cristina Flora, em “O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributário”, dentro da Coleção de Formação Contínua do CEJ relativo ao Contencioso Administrativo (Plano de Formação Contínua 2013-2014), pag.188 (cfr. http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/Contencioso_Tributario.pdf): “A recorribilidade da decisão independentemente do valor ou da sucumbência, e que também são aplicáveis ao processo tributário, são as previstas na lei processual civil (CPC), como por exemplo, as que se referem (…) à (…) ofensa do caso julgado (…) (629.º, nº 2, al. a) e b))”.
21.º Assim, salvo melhor opinião, ao contrário do decidido no Douto Acórdão, entendemos que estão reunidos os pressupostos legais do recurso de revista, por ofensa ao caso julgado, sob pena de violação das garantias constitucionais da aqui reclamante, esta tem direito a uma decisão de fundo sobre a questão suscitada que é de máxima importância: aferir a existência de um caso julgado a fim de salvaguardar os seus legítimos interesses e direitos constitucionalmente salvaguardados, direito esse omitido pela 1ª, 2ª instância e agora pelo Supremo Tribunal Administrativo.
22.º Pelo que se requer a reforma do Douto Acórdão, no sentido de ser admitido o recurso de Revista, com o fundamento no disposto no art. 629º nº 2 al. a) do CPC, ofensa ao caso julgado, em que o recurso é sempre admissível, sob pena de serem também violados os direitos do reclamante à tutela jurisdicional efetiva, designadamente o direito ao recurso, consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP).
Da Inconstitucionalidade
Requer-se assim, ao Douto Supremo Tribunal Administrativo, que aprecie a Constitucionalidade ou Inconstitucionalidade das questões suscitadas pelo aqui reclamante, nos termos referidos supra, designadamente a violação das expectativas jurídicas do reclamante, no que toca à ofensa do caso julgado, da limitação excessiva do direito ao recurso e do direito a obter decisão de mérito sobre questões suscitadas pelo reclamante, nos termos dos artigos 2.º, 16º, 17º, 18º, 20.º, 202.º, 204º e 205º da CRP.

Decidindo, dir-se-á:
Vem o recorrente requerer a Retificação de erros e Reforma do Acórdão proferido nos autos, que conheceu do pedido de rectificação e reforma do acórdão que não admitiu a presente revista, ao abrigo do disposto no artigo 643º do CPC.
Dispõe o n.º 1 deste preceito legal que, do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 6 do CPPT a decisão que admite ou não o recurso de revista excepcional não é semelhante àquele despacho a que alude o referido artigo 643º, n.º 1 do CPC.
Do acórdão proferido ao abrigo do disposto no artigo 285º, n.º do CPPT não é possível reclamar nos termos do disposto no artigo 643º, n.º 1 do CPC e, por maioria de razão, também não é possível apresentar tal tipo de reclamação do acórdão que decidiu o pedido de rectificação e reforma formulado por referência ao acórdão proferido ao abrigo do disposto no artigo 285º, n.º 6 do CPPT.
No acórdão que não admitiu a presente revista já se decidiu que o recurso não era admissível, primeiro porque não vinha suscitada uma questão, ou questões, que pela sua relevância jurídica ou social se revestisse de importância fundamental, em segundo lugar, porque não se descortinou no acórdão do TCA recorrido um erro jurídico clamoroso evidente e manifesto.
Ou seja, os fundamentos da não admissão do recurso, que se mantêm agora válidos, não contendem com a violação de normas processuais próprias que determinem ou não a admissão dos recursos, versaram, ao contrário do afirmado pelo recorrente, uma análise do objecto do recurso e o seu enquadramento com os pressupostos substantivos de admissibilidade do recurso que se encontram legalmente previstos.
Assim, reafirmando-se o já anteriormente decidido, o presente requerimento não pode proceder.

Pelo exposto acordam os juízes em indeferir a reforma/rectificação que nos vinha dirigida.
Custas pelo requerente com t.j. em 3 Ucs.
D.n.

Lisboa, 24 de Novembro de 2021. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.