Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01306/06.0BEPRT
Data do Acordão:11/07/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ILICITUDE
SINALIZAÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25135
Nº do Documento:SA12019110701306/06
Data de Entrada:09/03/2019
Recorrente:A........ E MARIDO
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO ........... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. RELATÓRIO

A………….. e marido B……………, residentes no …………, ……., …….., Casa ……….., Porto, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF), a presente acção administrativa comum de responsabilidade civil contra o MUNICÍPIO DO ……….., C…………COMPANHIA DE SEGURANÇA, LDA., D…………., E……………. e F………… todos devidamente identificados nos autos, pedindo “a condenação destes no pagamento da quantia de 160.000,00€, a título de responsabilidade civil extracontratual, sendo 30.000,00€ pela perda do direito à vida do seu filho G……….., 10.000,00€ pelos danos morais por ele sofridos, e 100.000,00€ pelo danos patrimoniais por ele sofridos, e 10.000,00€ pelos danos morais sofridos por cada um dos autores”.
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Nestes autos, foram admitidas as intervenções, a título acessório, de H……………– COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e I……………- COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., (……………, sucursal em Portugal)
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Por sentença do TAF do Porto, proferida em 25 de Maio de 2018 foi julgada a acção improcedente, e, em consequência, absolvendo-se os demandados dos pedidos.
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Os Autores apelaram para o TCA Norte e este, por decisão datada de 15 de Fevereiro de 2019, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
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Os AUTORES, inconformados, vieram interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
1. Como se diz no Acórdão recorrido, a responsabilidade civil do Estado e das demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública rege-se pelo disposto no DL nº 48.051, de 21/11/1967, e os seus pressupostos são: o facto, comportamento activo ou omissivo voluntário; a ilicitude; a culpa; a existência de um dano; e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada.
2. Como se diz no Acórdão recorrido, este tipo de responsabilidade corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no art. 483º do CC.
3. Como se diz no Acórdão recorrido, não obstante, aqui, o conceito de ilicitude é mais amplo, pois abrange, nos termos do art. 6º do DL nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, a violação das regras de ordem técnica e de prudência comum.
4. O que tudo é adequado, no caso, pois o que está em causa é, exactamente, a responsabilidade civil de um Município e da empresa a quem esse entregou a vigilância de um imóvel de sua propriedade, a quem os Recorrentes imputam, exactamente, a violação das regras de prudência comum.
5. Como se diz no Acórdão recorrido, agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou a censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.
6. O que é adequado, pois, o que afirmaram os Recorrentes nos autos foi que a conduta dos Recorridos é censurável e que estes podiam e deviam ter agido de outro modo.
7. Como se diz no Acórdão recorrido, é jurisprudência firme e reiterada que à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos é aplicável a presunção de culpa prevista no art. 493º, nº 1, do CC, decorrente da propriedade de coisas.
8. Também como aí se diz, este regime radica nas seguintes razões: 1ª – nas regras de experiência comum, segundo as quais normalmente os danos provocados por coisas procedem de falta de adequada vigilância; 2ª – na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra a extrema dificuldade de provar, neste tipo de casos, os factos negativos que consubstanciam a violação do dever objectivo de cuidado; 3ª na conveniência de estimular o cumprimento dos deveres de vigilância que recaem sobre o detentor da coisa.
9. Ainda como aí se diz, é pacífico o entendimento de que, por beneficiar dessa presunção, o autor só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que servem de base àquela para que se dê como provada a culpa do réu, cabendo a este ilidir a presunção (artigos 349º e 350º, nºs 1 e 2 do Código Civil).
10. E, também como aí se diz, a ilisão de uma presunção (iuris tantum) só é feita com a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova.
11. O que, tudo, é adequado pois, exactamente, o fundamento legal para a responsabilização dos Recorridos não é outro senão o do art. 493º, nº 1 do CC.
12. Agora ao contrário do que se diz no Acórdão recorrido, e como é jurisprudência unânime, a presunção de culpa do art. 493º, nº 1 do CC, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude.
13. Sendo que essa ilicitude consiste na violação do dever de vigilância da coisa de que se é proprietário, possuidor ou detentor, que não de qualquer dever de auxílio.
14. E a omissão do dever de auxílio constituiu causa de pedir na presente acção, sim, mas quanto aos RR., D…………, E…………….. e F…………., os quais foram absolvidos pela sentença de 1ª Instância, sendo que, nessa parte, a mesma não foi objecto de recurso e, portanto, transitou em julgado, por entenderem os Recorrentes, que, efectivamente, se não provaram os inerentes factos.
15. Quanto aos Recorridos, a causa de pedir é constituída pela violação ou cumprimento defeituoso do dever de vigilância da coisa imóvel – lago do parque da cidade – propriedade do Recorrido Município e que, por contrato com este, estava cometido à Recorrida C……………, e, bem assim, pela violação, por ambos, das regras de prudência comum.
16. Se é certo que, como se diz no Acórdão recorrido, a causa da morte do G………….. não resulta de nenhuma omissão do dever de auxílio por parte dos comissários da C…………….., empresa que assegurava a segurança do Parque da Cidade, no contexto referido, a questão é absolutamente irrelevante.
17. Mas, no rigor, o que quanto a esses comissários aceitaram os Recorrentes foi o que se escreveu na sentença de 1ª Instância a propósito dos RR. D………….., E……….. e F……………, isto é, que não se provou a omissão do dever de auxílio por banda destes, ou seja, que não se provou a ilicitude da sua actuação.
18. Nos termos do art. 491º, do CC, invocados e transcritos no Acórdão recorrido, “as pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido”.
19. Se os danos são sofridos pelo próprio menor a vigiar, evidentemente, não são sofridos por terceiro e, logo, inelutavelmente, é flagrantemente inaplicável, por falta de verificação da respectiva previsão, o normativo legal invocado no Acórdão recorrido.
20. Quanto à questão da imputabilidade, aceita-se que o menor falecido não seja presumido inimputável nos termos do art. 488º, nº 2 do CC, e aceita-se igualmente que nada se alegou nem demonstrou no sentido da sua concreta inimputabilidade, o que o mesmo é dizer que se aceita a imputabilidade.
21. Diz-se no Acórdão recorrido que “a morte do menor deveu-se a um comportamento ilícito e culposo do próprio menor, que foi causa adequada da sua morte”, mas aí não se diz que a morte do menor se tenha devido exclusivamente ao comportamento do menor e nem que esse comportamento foi a única causa adequada dessa morte.
22. Aceitando a imputabilidade há que aceitar que o comportamento do menor concorreu para a sua morte.
23. Mas a verdade, por um lado, é que não se pode dizer que esse comportamento tenha sido ilícito e culposo.
24. A conclusão do Acórdão recorrido de que o lago existe há muito tempo com as características que apresentava à data da morte do menor não tem apoio na matéria de facto tal como aí elencada.
25. Mas, se isso se pretende reportar à existência de lodo e consequente falta de visibilidade, isso não é característica, mas, antes, deficiente manutenção, sendo que características são as suas dimensões – cfr. ponto 4. do elenco factual – a sua profundidade e a existência de uma plataforma de “segurança” – cfr. ponto 36. do elenco factual.
26. De todo o modo, sabe-se que o nível de lodo e de ausência de visibilidade só é realmente perceptível já dentro do próprio lago, como resulta do que se verificou com a única pessoa que tentou salvar o G…………. – cfr. ponto 14. do elenco factual.
27. De acordo com o Acórdão recorrido, o facto ilícito do falecido menor terá consistido na violação da proibição de nadar contida na placa colocada na margem do lago.
28. E, efectivamente, como se vê dos articulados, em nenhuma outra circunstância alguma vez se fundou a proibição de nadar no lago em que o G………….. se afogou.
29. Só que diz o Acórdão que essa placa poderia não estar visível.
30. E, efectivamente, como resulta do ponto 40. do elenco factual do Acórdão recorrido, a placa é aquela que se mostra nas fotografias que constituem os docs. nºs 2 a 4 juntos com a p. i..
31. Destas se vê que a dimensão da placa é extremamente reduzida para a dimensão do lago e destas se vê, também, que, para além dessa circunstância, está a mesma placa quase totalmente coberta por vegetação, pelo que só por mero acaso poderia vê-la alguém que – como o falecido G………….. - estivesse a jogar à bola ao pé do lago.
32. As dúvidas do Tribunal a quo não são de todo irrelevantes.
33. Se a ilicitude do comportamento do menor consiste na desobediência da proibição de nadar, se esta proibição apenas decorre da existência de uma placa em que essa proibição se encontra inscrita, se esta placa é muito dificilmente visível, e se, em concreto, nada no elenco factual do Acórdão recorrido existe – como não existe – que permita concluir que o falecido viu essa placa, então, pura e simplesmente, não há violação de qualquer proibição de nadar.
34. Logo, não há ilicitude.
35. Ou, no limite, não há qualquer consciência da ilicitude.
36. O que é causa de exclusão da culpa, nos termos do art. 17º do CP, que tem que servir de elemento interpretativo, nos termos do art. 9º, nº 1 do CC, da norma do art. 483º do CC, que seria – parece – aquela a que se quereria reportar o Acórdão recorrido – como da norma do art. 570º do CC, que é a norma em que os Recorridos se baseiam para – por força da concorrência da culpa do lesado – excluírem a sua própria responsabilidade.
37. Sendo que, para uma e outra dessas normas só releva o comportamento ilícito e culposo.
38. E sendo que o ónus da prova da culpa do lesado é, evidentemente, dos RR./Recorridos, nos termos do art. 342º, nº 2 do CC.
39. Não fique por notar que é completamente contraditório dizer-se como o Acórdão recorrido que a ilicitude consiste na violação da proibição de nadar, inscrita em determinada placa, e, depois, que é indiferente que essa placa seja ou não visível.
40. E não fique por dizer que já se referiu que, se existia lodo, a sua verdadeira dimensão e falta de visibilidade que provocava, só já dentro do lago poderiam ser efectivamente percepcionadas, pelo que o que a este respeito se diz no Acórdão recorrido nada demonstra quanto à ilicitude do comportamento e culpa com que terá agido o menor.
41. E, também, que o não ter feito a digestão ou ter ingerido algum álcool, para além de não ser ilícito, não foi a causa de morte do G…………., como decorre do ponto 27. do elenco factual do Acórdão recorrido e do relatório de autópsia que aí se refere e constitui o doc. nº 8 junto com a p. i.. pelo que também isso nada demonstra quanto à ilicitude do comportamento e culpa com que terá agido o menor.
42. Não pode, pois, de todo, dizer-se – como o Acórdão recorrido – que foi um facto ilícito e culposo do menor falecido que causou a sua morte.
43. Mas a verdade, por outro lado, é que, se o comportamento do menor – que não pode dizer-se que seja ilícito e culposo - pode ter concorrido para a sua morte, não foi a sua causa adequada.
44. A causa adequada é aquela que, sendo condição sine qua non da produção do evento, é adequada, por si, a essa produção.
45. A morte do G……….. nunca teria ocorrido se não fossem as atitudes, designadamente omissivas, dos Recorridos.
46. Isto é, não obstante o G………… se ter lançado ao lago, ele não se afogaria se o lago não tivesse a profundidade que tinha – cfr. ponto 36. do elenco factual do Acórdão recorrido – ou se existissem no local bóias, canas de salvamento ou outros meios de socorro – cfr. ponto 38. do elenco factual do Acórdão recorrido.
47. Tanto que em vão os procuraram com a intenção de deles lançar mão as pessoas que assistiram a tudo – cfr. pontos 8-A. do elenco factual do Acórdão recorrido.
48. Não obstante o G…….. se ter lançado ao lago, ele não se afogaria se o lago não estivesse cheio de lodo e sem visibilidade - cfr. ponto 39. do elenco factual do Acórdão recorrido.
49. Tanto que foi essa única circunstância que impediu o G………. de ser salvo por um utente do parque que apenas por isso não mergulhou à sua procura – cfr. ponto 14. do elenco factual do Acórdão recorrido.
50. E não obstante o G……….. se ter lançado ao lago, ele não se afogaria se os vigilantes do parque – 4 para 4 lagos, cfr. ponto 42-A do elenco factual do Acórdão recorrido - tivessem formação de socorrismo ou soubessem nadar.
51. Tanto que foi isso – e a circunstância da existência de lodo e consequente falta de visibilidade - que os impediu de tentar salvar o G………., apesar de terem acorrido muito prontamente ao local, como se conclui – como, aliás, o fez o Acórdão recorrido – dos pontos 9., 10., 11., 12., 13., 15., 16., 17., 18., 19., 21. e 44. do elenco factual do Acórdão recorrido.
52. E tanto que os dois mergulhadores que finalmente chegaram ao local levaram 2 a 3 minutos a resgatar o G………… do lago e ainda o resgataram com vida – cfr. ponto 24. do elenco factual do Acórdão recorrido.
53. Logo, não pode dizer-se que o comportamento do G………… foi causa adequada da sua morte.
54. Mas, ainda que o tivesse sido, o facto é que nunca se poderia dizer que as circunstâncias, decorrentes de omissões dos Recorridos hajam sido irrelevantes a essa morte.
55. E o que exige a presunção de culpa e de ilicitude do art. 492º, nº 1 do CC, para se poder considerar ilidida, é que se demonstre que nenhuma culpa tiveram os obrigados à vigilância da coisa apta a provocar os danos e presumidos responsáveis na produção do dano ou que este se teria sempre produzido, mesmo que não houvesse culpa.
56. É por isso, que não pode haver concorrência de culpas no caso do art. 493º, nº 1 do CC.
57. No caso, o lago 1 do parque da cidade em que se deu o afogamento tem cerca de 150 m de comprimento e 50 m de largura e 3,5 m de profundidade – cfr. pontos 4. e 36. do elenco factual do Acórdão recorrido.
58. Logo, é apto a provocar danos por afogamento. Como provocou.
59. No caso, o parque urbano em que se insere o lago nº 1 é propriedade do Recorrido Município do …………. – cfr. pontos 2., 3. e 35. do elenco factual do Acórdão recorrido.
60. No caso, a vigilância do Parque da Cidade do ……… estava cometida pelo Recorrido Município do …………… à Recorrida C…………– cfr. pontos 41., 42. e 42-A do elenco factual do Acórdão recorrido.
61. Logo, um e outro dos Recorridos estão obrigados à vigilância do lago.
62. No caso, tudo o que os Recorridos providenciaram para evitar os riscos próprios do lago foi a existência de uma plataforma em redor do lago com 4 m de extensão e 0,6 m de profundidade e a existência de uma placa com a proibição de nadar e a informação da profundidade do lago – cfr. pontos 36. e 39. do elenco factual do Acórdão recorrido em confronto com os demais.
63. No caso, o lago não tem vedação exterior, não existem no local bóias, canas de salvamento, ou outros meios de socorro, existe muito lodo no lago e, por isso, o mesmo não tem visibilidade, a placa acima referida não se mostra visível, e os vigilantes incumbidos da vigilância do parque e lago não sabem nadar e não têm formação específica na área de socorrismo – cfr. pontos 37., 38., 39., 40., 10., 11., 13., 18. e 44. do elenco factual do Acórdão recorrido.
64. Logo, um e outro dos Recorridos não ilidiram a presunção – simultânea de culpa e ilicitude, consistindo esta na omissão ou cumprimento defeituoso do dever de vigilância - que o art. 493º, nº 1, do CC faz recair sobre si.
65. Ao que acresce que, convenhamos, manter num parque municipal um lago com 150 m por 50 m, com 3,5 m de profundidade, sem vedação de nenhuma espécie, cheio de lodo, sem bóias, canas de salvamento ou outros meios de socorro, sem que as pessoas incumbidas de o vigiar saibam nadar ou tenham formação em socorrismo, tendo como absolutamente únicas medidas de salvaguarda uma plataforma de segurança com 4 m de extensão e 0,6 m de profundidade e uma única e invisível placa informativa da profundidade do lago que, só por si, estabelece a proibição de nadar, é, flagrante e efectivamente, afrontar as mais elementares regras de prudência comum.
66. Além do que, sendo a Recorrida C…………….. uma comissária do Recorrido Município do …………, a responsabilidade deste último existiria sempre, mesmo que não existisse culpa da sua parte, nos termos do art. 500º do CC – e é esta, e nenhuma outra, a responsabilidade comitente/comissário a que se referem as alegações de recurso perante o TCAN.
67. Por tudo o que, como sempre defendido, são os Recorridos civilmente responsáveis pela morte do G…………..
68. Sendo que, como um e outra têm a sua responsabilidade civil transferida para seguradoras – a Chamada H…………, no caso do Recorrido Município do ………… e a Chamada I……….., no caso da Recorrida C………….., cfr. pontos 48. e 50. do elenco factual do Acórdão recorrido - é sobre estas que recai em primeira linha a obrigação de indemnizar, deduzida da franquia de ambos e cada um dos seguros que, quanto ao respectivo montante, recai directamente sobre ambos e cada um dos Recorridos.
69. Não fique por dizer que, ao contrário do que refere o Acórdão recorrido: o art. 500º do CC não estabelece qualquer presunção de culpa, antes, uma responsabilidade objectiva, ou seja, independente de culpa; a presunção aplicável aos Recorridos é a do art. 493º, nº 1 do CC, que é simultaneamente, presunção de culpa e de ilicitude, sendo essa consistente na omissão do dever de vigilância, e que não foi afastada pelos Recorridos; com essa, rigorosamente nada tem a ver a omissão do dever de auxílio que foi imputada aos RR. absolvidos e cuja absolvição os Recorrentes aceitaram; e a única relação comitente/comissário que subsiste em causa é a existente entre o Recorrido Município e a Recorrida C…………….
70. Que, assim e também ao contrário do que refere o Acórdão recorrido, sendo a presunção do art. 493º, nº 1 do CC, aplicável aos Recorridos, sempre haveria ilicitude, além do que se verifica, pelos factos provados e por banda dos Recorridos, uma efectiva violação das regras de prudência comum.
71. E que, ainda ao contrário do que refere o Acórdão recorrido, já não está em causa a omissão de auxílio que se imputou aos vigilantes da Recorrida C………., o que está em causa é a violação dos deveres de vigilância e de prudência comum por banda dos Recorridos que, além do mais, conduziram directamente a que esses vigilantes não tenham tentado o salvamento do G……….., receando pela própria vida - porque – por culpa presumida e efectiva dos Recorridos – não sabiam nadar – e porque - por culpa presumida e efectiva dos Recorridos – o lago estava cheio de lodo e sem qualquer visibilidade.
72. Ou seja, são flagrante e totalmente desacertadas as conclusões do Acórdão recorrido.
73. Pelo que e por tudo o que se disse, designadamente, por tudo quanto o Acórdão recorrido, contraditória e francamente bem, escreve em sede de enquadramento da questão, não poderá o mesmo, na procedência do presente recurso de revista, deixar de ser revogado.
74. Sendo que, por tudo o que se disse e por tudo o que se referiu nas alegações apresentadas perante o TCAN, deverão ser condenadas as Chamadas solidariamente em todos e cada um dos pedidos formulados na p. i., e, bem assim, os Recorridos, também solidariamente, nos montantes correspondentes às franquias dos contratos de seguro.
75. E sendo, ainda, que, sendo a responsabilidade extracontratual por actos de gestão pública das autarquias locais um imperativo constitucional, nos termos do art. 22º da CRP, a interpretação que o Acórdão recorrido fez, como já antes a fizera a 1ª instância, do art. 2º do DL nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, como do art. 493º, nº 1 do CC, no sentido de considerar, no caso, excluída a responsabilidade é, naturalmente inconstitucional por violação desse art. 22º da Lei Fundamental.
76. Diga-se, ainda, a terminar, que, em tudo que aqui se não abordou – o que se deve a não ter sido abordado no Acórdão recorrido - se mantém, inteiramente, o que se disse nas alegações de recurso perante o TCAN, que aqui deve ser dado como reproduzido e integrado para todos os efeitos.
77. Assim, nos termos do art. 497º do CC, havendo vários responsáveis pelo acidente, é solidária a sua responsabilidade.
78. Pelo que as Chamadas e os Recorridos, umas e outros solidariamente, devem ressarcir todos os danos resultantes do acidente em causa.
79. E esses danos são os danos da perda do direito à vida do G……….., que computaram em 30.000,00€ e a pagar a ambos os Recorrentes, conjuntamente, os danos morais sofridos pelo G……….., que computaram em 10.000,00€, os danos patrimoniais do G…………….., que computaram em 100.000,00€ e os danos morais próprios por cada um sofridos, que computaram em 10.000,00€ para cada, tudo totalizando a quantia de 160.000,00€ e tudo acrescido de juros moratórios legais contadas desde a citação até efectivo e integral pagamento.
80. Sendo que os danos patrimoniais sofridos pela vítima do acidente se transmitem aos seus herdeiros, como decorre do art. 2024º do CC – como decidiu o STJ, no Ac. de 02-07-2003, in www.dgsi.pt, proc. nº 03B4120 e no Ac. de 05-05-2005, in www.dgsi.pt, proc. nº 05B521.
81. E os únicos herdeiros do G………… são os seus Pais, aqui Recorrentes - cfr. ponto 1. do elenco factual do Acórdão recorrido - nos termos do art. 2133º, nº 1, al. b) do CC.
82. Não exige a lei que quem pede a indemnização estivesse efectivamente a receber alimentos, mas apenas que a eles tivesse direito, nos termos do art. 495, nº 3, do CC, sendo certo que os Pais direito a receber alimentos do filho nos termos do art. 2009º, nº 1, al. b), do CC.
83. Mas a verdade é que teriam direito a receber a indemnização por danos patrimoniais sofridos pela vítima que haja sobrevivido ainda que por pouco tempo ao evento lesivo – como é o caso do G………, que foi retirado do lago em que se afogou ainda com vida, vindo a falecer a caminho do hospital, cfr. pontos 24., 25. e 26. do elenco factual do Acórdão recorrido - os seus herdeiros, porque esse direito se consolidou na sua esfera jurídica, sendo, como os demais, transmissível sucessoriamente, nos termos do art. 2024º do CC.
84. Agora e finalmente, quanto ao cômputo da indemnização, a verdade é que, na p.i., e detalhadamente, se explicaram os critérios que presidiram ao cálculo da indemnização e que se pretenderam corresponder – como se crê corresponderam efectivamente - aos explicitados pelo Senhor Juiz Conselheiro Sousa Dinis, in CJ, Acórdãos do STJ, ano IX – 2001, Tomo I, p. 5 e ss – que se têm pelos mais adequados.
85. Donde, são ajustados os valores de indemnização peticionados.
86. Ao contrário do que uma e outra das Chamadas defenderam, a responsabilidade pelo sinistro em causa não está excluída das respectivas apólices quer num caso, quer no outro.
87. Pelo que devem as Chamadas H……………. e I……….. ser solidariamente condenadas a pagar aos AA./Recorrentes a importância pedida e global de 160.000,00€, acrescida de juros moratórios desde a citação e deduzida das respectivas franquias do contrato de seguro, no pagamento de cujos montantes aos Recorrentes devem ser solidariamente condenados os Recorridos Município e C…………….
88. Violou o Acórdão recorrido o disposto nos arts. 2º, nº 1, e 6º do DL nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, nos arts. 483º, 493º, nº 1, e 500º, nº 1, do CC, e no art. 22º da Lei Fundamental».
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O recorrido, Município do …………, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
«A. A douta sentença proferida pelo tribunal a quo e ora colocado em crise pela Recorrente é justa, bem fundamentada e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas aos factos dados como provados.
DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA
B. O artigo 150º do CPTA prevê a regra do duplo grau de jurisdição para as contendas judiciais administrativas, reservando os recursos de revista para o STA a situações excepcionais, quando “pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
C. Para além da letra da lei ser clara, a própria doutrina administrativista reforça esta ideia, ao defender que “em princípio, das decisões que, no novo modelo, o TCA passa a proferir em sede de recurso de apelação não cabe recurso para o STA”.
D. O recurso de revista apresentado pelos Recorrentes não preenche os pressupostos previstos na aludida disposição legal, uma vez que não se trata de julgar uma situação cuja excepcionalidade justifique o recurso para o STA, porquanto se trata de colocar em crise uma decisão judicial atinente à responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos, cujas normas jurídicas são diariamente aplicadas na jurisdição administrativa. E, salvo o devido respeito pela memória do falecido filho dos Recorrentes, o presente caso não assume de todo a “enorme relevância social” e a “importância absolutamente fundamental” com que se tenta, de forma hábil, dar sustento ao presente recurso.
E. Com efeito, como se encontra massivamente provado nos autos e como resulta claro das duas anteriores decisões judicias, a fatal ocorrência ficou a dever-se – infelizmente - a uma conduta imprópria e desadequada da vítima e não a qualquer omissão dos deveres acometidos ao Recorrido.
F. Acresce ainda que, a matéria de facto provada encontra-se já estabilizada, pelo que perante a mesma, não se vislumbra como poderá um Acórdão do STA alterar a douta decisão do TCAN.
G. Ora, o caso em apreço não se subsume à densificação dos conceitos de “enorme relevância social” e da “importância absolutamente fundamental” enunciada, inter alia, no Acórdão do STA de 21 de Junho de 2017, relativo ao processo nº 0355/17, e que servem de suporte para requerer a admissibilidade do presente recurso de revista.
H. Pelo exposto, não deverá o presente recurso de revista ser admitido no momento em que for objecto da apreciação preliminar sumária prevista no nº 5 do artigo 150º do CPTA.
I. Com o presente recurso pretende a Recorrente colocar em crise a sentença proferida pelo tribunal a quo que julga totalmente improcedente o pedido de condenação do Réu ora Recorrido no pagamento da quantia total de 160.000,00€ dos quais: i) 30.000,00€ a título de perda do direito à vida do seu filho; ii) 10.000,00€ de danos morais por ele sofridos antes da morte; iii) 100.000,00€ de danos patrimoniais (futuros); e iv) 10.000,00€ a cada um dos Autores, por danos morais próprios.
J. O Parque da Cidade está situado entre o troço final da Avenida da …….., o passeio marítimo que liga a Foz a Matosinhos, a Circunvalação, a Rua ........ e a Avenida …………., estende-se ao longo de mais de 84 hectares de áreas verdes naturalizadas, que se prolongam até ao Oceano Atlântico, incluindo relvados, caminhos, áreas arborizadas, charcos, canaviais, lagos, matas, fontes, muros, tanques, abrigos, no qual se contam cerca de 74 espécies arbóreas, 42 espécies arbustivas, 15 espécies de árvores de fruto e 10 espécies aquáticas, num total de várias dezenas de milhares de exemplares.
K. Além da flora, e na medida em que subjacente ao Parque da Cidade está toda uma ideia de recriação, o máximo e mais fielmente possível, de um habitat totalmente natural.
L. Tal explica que não esteja provido de quaisquer elementos ou artefactos humanos ou artificiais, senão dos mais rudimentares. Daí que não tivesse, nem tinha que ter bóia, pau ou outro utensílio que auxiliasse quem estivesse dentro de água em dificuldade, desde logo porque não é permitido nadar nos lagos do Parque da Cidade.
M. E, por isso, só por isso, propício à coexistência e habitação, incluindo reprodução, de diversas espécies animais (patos bravos, cisnes, gansos, galinhas de água, garças, peixes, sapos, rãs, coelhos, lebres e vários tipos de repteis), sendo palco de vários percursos migratórios de aves.
N. O Parque da Cidade do ………. é o maior parque natural (urbano) do País, procurando ser conceptualmente, em plena cidade, um espaço onde os munícipes e restantes utilizadores podem relacionar-se com a natureza no seu estado bruto e, assim, mais puro.
O. Não se trata, por isso, naturalmente de uma zona balnear, nem um parque de diversões (apesar de em zonas delimitadas (e devidamente identificadas) dispor de espaços próprios para a prática de desportos de várias modalidades), não sendo esse evidentemente o caso dos lagos.
P. De acordo com o Código de Posturas do Município do ………. então vigente (cfr. artigo 12º, nº 1, alínea g)) era expressamente proibido “entregar-se a jogos ou divertimentos fora das condições e locais fixados pela Câmara”.
Q. No dia de 11 de Junho de 2003, pelas 14 horas, o G………., então com 13 anos e 9 meses de idade, dirigiu-se ao Parque da Cidade do ………, na companhia de outros menores, tendo sido acompanhados de uma adulta, a Sr.ª D. J……………. (tinha levado consigo a sua filha de dois anos).
R. O G…………… e os demais menores estavam a jogar à bola, permanecendo aquela, juntamente com a sua filha, junto deles.
S. Às 15 horas, a bola com que os menores jogavam foi parar ao dito lago 1.
T. Importa sublinhar que, em vários pontos do referido lago 1 - e, especificamente, junto local onde o grupo se encontrava - existem placas com a indicação de que é “proibido nadar”17 e com a menção de que o lago detém “3,5 metros” de profundidade.
U. Essas advertências apontam, de forma clara e inequívoca, no sentido de que os lagos, os canaviais e os charcos existentes no Parque da Cidade não constituem zona de banhos, nem sequer ou tampouco de diversão ou de recreio para os utilizadores do Parque.
V. Não obstante estes avisos, o G………., que tinha quase 14 anos e andava na escola (sabia ler e escrever), ignorando as ordens da mulher adulta que o acompanhava e os avisos, entrou vestido e de forma temerária no interior do lago, com vista a recuperar a bola.
W. Dada a hora, com elevadíssima probabilidade, se encontrar em processo de digestão, o que de todo desaconselhava que entrasse na água (cfr. relatório da autópsia – documento nº 8 junto com a petição inicial).
X. Não estivesse a bola a mais de 4 metros da margem do lago, o G……..não teria tido nenhum problema com a profundidade do lago, pois que, justamente por motivos de segurança e sem qualquer prejuízo da aludida proibição de nadar - que é absoluta - os lagos estão apetrechados, ao longo de todo o respectivo perímetro, de uma plataforma de segurança que se prolonga ao longo dos primeiros 4 (quatro) metros de água a partir da margem.
Y. Avisado pelo vigilante ………, o vigilante ………. acorreu de imediato ao local, mas o G……….. já estava fatalmente submerso (como o próprio ………… confirmou no seu depoimento),
Z. Motivo pelo qual se não fosse explicado ao vigilante chegado ao local em primeiro lugar, o que há escassos instantes tinha ocorrido, nada o faria suspeitar de que algo de errado e muito grave se passava ali, uma vez que as águas estavam calmas.
AA. Com equipamento de mergulho, três mergulhadores, depois de mergulharem durante vários minutos, terem retirado do lago o corpo do G…………
BB. No que ao Recorrido Município do ……… respeita, os Recorrentes fundamentaram a sua pretensão indemnizatória no facto da edilidade ter projectado o lago com grande profundidade, não ter previsto “qualquer vedação, e como nem sequer previu a existência de quaisquer meios acessórios de salvamento”, bem como que não terá exigido da C…………. que a vigilância da zona dos lagos fosse realizada por “indivíduos com formação em socorrismo ou, sequer, que ao menos soubessem nadar”.
CC. Como era previsível e ficou limpidamente demonstrado na produção de prova testemunhal, não estão, in casu, preenchidos os requisitos que a legalmente exigidos para que sobre o Recorrido recaia qualquer responsabilidade de indemnizar os aqui Recorrentes, a saber: o facto voluntário ilícito o nexo de causalidade com o dano, e a culpa. Desde logo porque não existe qualquer facto ilícito imputável ao aqui Recorrido ou a qualquer dos seus órgãos ou agentes.
DD. Não foi violado qualquer dever de vigilância por parte do Recorrido relativamente à normal utilização das instalações do Parque da Cidade, em especial tendo em conta a existência do lago em apreço.
EE. No exacto local em que ocorreram os factos em apreço, existia uma placa com a expressa proibição de nadar e com a indicação da profundidade de 3,5 metros.
FF. O mesmo é dizer que, não sendo permitido utilizar o lago em questão para nadar – pelo contrário, era expressamente proibido fazê-lo – forçoso é concluir que não impendia sobre o Recorrido, ou seus agentes, qualquer dever de protecção de perigos associados a essa actividade.
GG. Com todo o respeito pela tragédia ocorrida, que naturalmente se lamenta profundamente, a entrada pelo G………….. no lago não constituiu um acidente, nem resultou das concretas condicionantes do lago. Note-se que o G………… entrou no lago intencional e deliberadamente, à revelia da expressa proibição nesse sentido, com o propósito de ir buscar uma bola.
HH. Ora, o dever de vigilância ou de eventuais perigos decorrentes da existência do lago em questão que recaiam sobre o Recorrido têm de ser aferidos à luz da utilização e destino que é dado àquele lago.
II. A existência de uma plataforma de segurança com a profundidade de 60 centímetros que se prolonga numa extensão de 4 metros seria suficiente para que, em caso de queda acidental no lago, qualquer criança ou adulto pudesse ser retirada com toda a facilidade e segurança.
JJ. É esta, e não outra, a extensão do dever de vigilância que se impunha ao Recorrido Município do …………, sendo que a exigência que os Recorrentes invocam de que deveriam existir meios técnicos de salvamento e que o lago deveria ser vigiado por pessoas com formação em operações de socorro a náufragos, para além de não resultar de qualquer normativo legal, é manifestamente contraditória com o uso normal daquele lago – habitat natural de animais – e com o aviso aí colocado de que é proibido nadar.
KK. Acresce que, tendo em conta que o G………., ignorando o aviso que impunha a proibição de nadar, entrou no lago por sua própria iniciativa e vontade, nada permite concluir que encontrando-se aquele lago vedado – cuja exigência não se concede – a sua conduta não seria exactamente a mesma.
LL. Do que vem dito resulta pois que não há qualquer facto ilícito imputável ao Recorrido, designadamente sob a forma de omissão do dever de vigilância do lago, que tenha dado causa a violação do direito à vida do G…………
MM. Em todo caso e sem prescindir, ficou demonstrado que o Recorrido empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, à luz do critério do bonus pater familiae, para assegurar a vigilância e o regular funcionamento do Parque da Cidade, tendo inclusivamente contratado, para o efeito, a empresa C……………..
NN. A causa da trágica ocorrência aqui em causa resulta, directa e imediatamente do facto do filho dos Recorrentes ter ignorado a placa de aviso de proibição de nadar e indicativa da profundidade do lago e de, por imprudência, nele ter entrado.
OO. Pelo exposto, estão reunidas todas as condições para o Digníssimo tribunal ad quem decida manter o sentido da sentença proferida pelo tribunal a quo, improcedendo assim o recurso».
*
A recorrida C……….., contra-alegou, concluindo como segue:
«I) Quanto à admissibilidade da Revista.
1 - Alegam os recorrentes como argumento para a admissão da revista o facto da questão subjacente ser de “enorme relevância social e de importância absolutamente fundamental”, uma vez que o que está em causa na ação releva para a análise das condições de segurança dos lagos existentes em todos os parques urbanos municipais do país;
II) Quanto à procedência e mérito da Revista.
2 - Para esta vertente de fundo do recurso, em resumo, estribam-se no seguinte argumentário:
a) A presunção de culpa do proprietário do Parque (Município do ………..) prevista no artº 493º, nº 1 do CC, e na violação ou cumprimento defeituoso do dever de vigilância da coisa imóvel (lago do Parque da Cidade …………..) que, segundo os mesmos, estava contratualmente cometida à recorrida C…………., Lda.;
b) Que sobre os recorrentes recaía uma presunção de culpa e ilicitude que só podia ser ilidida nos termos do artº 492º, nº 1 do CC);
c) Que a mesma não poder ser dar por ilidida, por via das ilações que retiram da prova produzida e da matéria de facto fixada nos autos, e que são contrárias às expendidas ou retiradas sucessiva e repetidamente pelas anteriores instâncias, designadamente no que versa à relevância jurídico-legal que deve ser dada à dimensão, profundidade, visibilidade e condições de segurança do lago do Parque da Cidade;
d) Sendo solidariamente responsáveis o Município (proprietário) e a C…………… (empresa de segurança privada, colocada na posição de comissária daquele), nos termos do artº 497º, 483º, 495º e 500º todos do CC.
3 - Como é consabido, o Recurso de Revista para o STA não foi concebido como mais um recurso ordinário a acrescer ao previsto para a instância intermédia criada para o efeito – os TCA´S –, mas como uma via de cariz excecional em função dos requisitos especiais do artº 150º do CPTA (que estão para além dos tradicionais critérios da alçada, e do valor da ação e do decaimento);
4 - No âmbito dos critérios do artº 150º do CPTA, “questão jurídica de importância fundamental” é aquela que reveste especial complexidade por via da respetiva solução envolver a aplicação e concatenação de diversos regime legais e institutos jurídicos, ou o tratamento da mesma ter suscitado dúvidas sérias ao nível da Jurisprudência e da Doutrina.
5 – Diríamos que aquela que envolve os interesses alargados de todos os profissionais do foro - magistrados e advogados -, por ser recorrente, e alvo de interpretação e aplicação de regime divergentes e polémicas.
6 - No que versa ao critério da “relevância social fundamental”, a questão deve apresentar contornos indiciadores de uma solução que possa contribuir, paradigmaticamente, para um padrão de análise de casos similares, ou que tenha repercussão na comunidade em geral face à utilidade da sua resolução extravasar o caso concreto das partes em litígio.
7 - No que versa à relevância jurídica da questão absolutamente nada é alegado, nem levado às conclusões, que manifeste a existência de qualquer antecedente de polémica ou de dúvidas na Jurisprudência e na Doutrina sobre a questão em causa;
8 - O mesmo se dirá da complexidade jurídica (intrínseca) da questão vista à luz dos dados do caso, porquanto o regime legal convocado para solução do mesmo se reconduz ao regime geral da responsabilidade civil extracontratual da parte geral do nosso Código Civil e ao previsto nesta matéria em análogo regime da responsabilidade civil das entidades públicas (por atos de gestão pública);
9 - E cuja aplicação não revestiu no caso, tal como não reveste em tese geral, foros de especial ou extraordinária complexidade, traduzindo-se na prática, numa questão de Direito das Obrigações, e inerente verificação casuística dos tradicionais requisitos do facto ilícito, dano, nexo causal entre estes, e culpabilidade do agente (RR) no facto.
10 - A natureza meramente casuística da questão que os recorrentes advogam é manifesta também por depender a sua apreciação das ilações de facto que ambas as instâncias antecedentes retiraram dos elementos materiais constantes dos autos para efeitos de conclusão jurídica, e não tanto da exegese jurídica sobre o sentido e alcance de alguma das normas do regime (civil os legal) em causa.
11 - E esta irrelevância fundamental é tanto ou mais notória do ponto de vista social, uma vez que nada é trazido aos autos que demonstre a importância da solução a dar ao caso para efeito das condições de segurança de lagos em parques (sejam eles quais forem) a nível nacional (como de forma panegirica alegam os recorrentes).
12 - Tendo chamado tal argumento à colação, os recorrentes nada invocam, nem demonstram, como é seu ónus processual, quanto ao número de lagos existentes em parques (municipais) a nível nacional, as correspetivas dimensões ou características (por comparação com as do lago do Parque da Cidade), e muito menos ainda – algo que é fundamental e preclusivo –, dados que indiciem a recorrência de semelhante tipo de acidentes e respetivas consequências em lagos ou parques;
13 - Tudo se resume, para efeito de admissibilidade da revista, a uma alegação meramente adjetiva e adverbial, despida de substância material e fáctica, que indicie minimamente a relevância social fundamental da questão do ponto de vista comunitário;
14 - Pelo que, face ao exposto, não estão reunidas as condições de admissibilidade da Revista, analisada à luz dos requisitos do artº 150º do CPTA, e não do simples erro ou divergência sobre julgamento da questão;
III) Da falta mérito e improcedência do recurso.
14 – Na vertente de fundo da questão no que tange á ora recorrida, dois pontos prévios devem ser salientados, quais sejam:
a) O facto de os recorrentes partirem da petição de princípio de que a C…………. tinha a obrigação de providenciar pelas condições de segurança do lago, ou da sua utilização, bem como de prestar socorro a náufragos, sem que ao longo das suas alegações, concretizem em lado algum, qual a origem de tal obrigação;
b) E o paradoxo, de pretenderem condenar agora esta Ré independentemente de qualquer atuação culposa ou meramente negligente dos seus subordinado (comissários) – os vigilantes -; Ou seja, independentemente de haver qualquer responsabilidade obrigacional destes no (s) facto (s).
15 - Toda a alegação e pretensão dos recorrentes ao partir daquele pressuposto, vicia o silogismo que está na base da conclusão a que pretendem chegar. E isto porque como partem de uma premissa errada todo o demais raciocínio e conclusão jurídicas estão viciados e errados. Na verdade,
16 - A recorrida é uma empresa de prestação de serviços de segurança privada, cujo objeto (exclusivo) é totalmente diferente das empresas de empreitadas, manutenção ou construção de lagos, e também não tem quaisquer atribuições e competências legais equiparáveis à dos Municípios, como o do ………., aferidas à luz da LAL - Lei das Autarquias Locais.
17 - Também, ao contrário do Município do ………, não é proprietária, nem possuidora, nem a gestora daquele espaço público municipal.
18 - Apenas presta e só pode prestar, face ao princípio legal da exclusividade do objeto das empresas de segurança privada, serviços de segurança privada, isto é, de vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entrada, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção da entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou susceptíveis de provocar actos de violência no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público, designadamente estabelecimentos, certames, espectáculos e convenções” (vide artigo 2º do Decreto-Lei 35/2004, de 21 de fevereiro).
19 - Por sua vez, a formação profissional do pessoal de vigilância privada rege-se pelo artigo 9º do Decreto- Lei 35/2004 de 21 de Fevereiro e pela Portaria 1325/2001 de 4 de Dezembro do Ministério da Administração Interna, não compreendendo a formação própria dos socorros a náufragos;
20 - Tais serviços contratados, não incluíam, nem podiam incluir, medidas no sentido de promover ou acautelar condições de segurança dos lagos do Parque da Cidade nos termos em que os AA as concebem (i), tal como não lhe era exigível à mesma, ou aos seus trabalhadores vigilantes, ter conhecimentos em semelhante matéria (ii).
21 - E isto por duas ordens de razão muito singelas e objetivas, decorrentes do seguinte:
A - A recorrida não presta, nem pode prestar, serviços de socorro a náufragos em quaisquer zonas de banho (marítimas, ou interiores, sejam elas fluviais ou lacustres), porque actividades legalmente tipificadas e sujeitas a regime jurídico de acesso e licenciamento, bem como a requisitos e perfis profissionais, próprios e distintos do regime da segurança privada (ver Portarias nº 1055/2006 de 25/9 e nº 336/87 de 24/4, e Dec. Regulamentar n° 16/2008 de 26/8),
B - E porque não foi contratada pelo Município do ………. para tais funções e missão, nem disso sequer se fez prova nos autos.
22 - Não cabem nas atribuições de uma empresa de segurança privada, nem nas funções profissionais dos seus trabalhadores com a categoria profissional de Vigilante, saber nadar, ou ter de saber nadar, para socorrer a náufragos;
23 - Tal como, no plano das competências, não lhe compete ter especiais conhecimentos daquilo que são, ou devem, do ponto de vista técnico e construtivo, as condições específicas de quaisquer lagos;
24 - Pelo que não podia, nem devia, tal como não pode, nem consegue, dar “conta dessas deficiências” ou “promover a sua resolução”, nem tal estava ao seu alcance técnico e material, nem cabia, nem cabe, no seu âmbito de atribuições e competências jurídico-legais ou funções contratuais;
25 - E é apenas neste âmbito material (fixado nos autos), que se tem de apreciar quais as obrigações que integram, em concreto, tal dever geral de vigilância (civil) de coisa, e, com base nisso, quais as obrigações eventualmente infringidas;
26 – Assim se conclui que a recorrida não é proprietária, nem gestora ou possuidora do Parque da Cidade, nem da correspetiva infra-estrutura, cuja propriedade pertence ao Município (i), e não decorrem para esta R quaisquer deveres de conservação e vigilância do lago em si mesmo, seja por via legal, seja por via contratual (ii);
27 - Não se encontra por isso demonstrado qualquer vínculo que obrigava a ora recorrida – à luz do referido artº 493º, nº 1 do C Civil -, a pugnar pela conservação e manutenção das condições de segurança daquele lago do Parque da Cidade.
28 - Por outro lado, e sem prescindir, a Recorrida, cumpre os serviços contratados com o Município, através dos seus trabalhadores (inicialmente RR nos autos), os quais foram absolvidos pela 1ª instância, e desta parte da sentença as Recorrentes não requerem Apelação (antes pelo contrário, até admitem que os mesmos não são responsáveis pela morte do menor);
29 - A responsabilidade civil extracontratual, assenta em factos positivos (ação) ou negativos (omissão), emanados de condutas humanas e não de ficções jurídicas, como são as pessoas jurídicas sociedades comerciais, as quais apenas podem ser responsabilizadas por via da responsabilidade inicialmente imputável aos (s) seus comitentes (s) (artº 500º CC);
30 - Pelo que, sem prejuízo do exposto supra, para esta recorrida ser responsabilizada, obrigatoriamente também teriam de o ser, anterior, ou prévia e inicialmente, os seus vigilantes, por alguma ação ou omissão aos mesmos imputável.
31 – Ao não serem aqueles trabalhadores responsabilizados, ou responsáveis, por qualquer ação ou omissão causais do dano, não pode a Recorrida, enquanto entidade empregadora para a qual aqueles prestam serviço, ser isolada e autonomamente responsabilizada (não existe nesta nova construção dos recorrentes, qualquer nexo, nem lógica jurídica que o suporte);
IV) Da indemnização por danos patrimoniais e morais.
32 - No caso de morte, o ressarcimento da perda do direito à vida (o dano morte), tal como os demais danos (do menor e dos recorrentes), estão sujeitos ao previsto nos art° 494° e 495°, n° 3 do CC.
33 - No que respeita aos danos morais e patrimoniais, tal como supra alegado no corpo das presentes, parecem-nos os montantes peticionados pelos recorridos exagerados à luz destas normas. Mas, há mais;
34 - No que respeita especificamente aos danos patrimoniais avaliados em 100.000,00€ e numa alegada perspectiva de perca de rendimentos/remunerações futuras do menor, o mesmo nunca poderá proceder de direito;
35 - Desde logo, não consta alegado, nem provado nos autos, que os parentes (progenitor) do menor, ora Recorrentes, fossem titulares de um qualquer direito de crédito por alimentos devidos por este, e que resultassem frustrados pela morte do mesmo (artº 395º, nº 3 do CC).
36 – Os próprios Acórdãos citados pelos Recorrentes assentam em circunstancialismos distintos porque em ambos os casos, ao invés do presente, os falecidos contribuíam, em maior ou menor medida, para os encargos da vida familiar, o que é o caso dos autos;
37 - Para além disso, e determinantemente, temos que a personalidade jurídica, pressuposto da capacidade jurídica e da possibilidade de ser titular de relações jurídicas, - as quais, por sua vez, poderiam ser fonte hipotética de rendimentos (art° 67° do CC) - cessa com a morte (art° 68° do mesmo Código).
38 - Em termos prático-jurídicos, e como melhor dilucidado no corpo das presentes, cessando a personalidade jurídica, cessa a capacidade para ser sujeito de relações jurídicas, pelo que nenhum direito pode nascer de uma personalidade extinta;
39 - A possibilidade de ressarcimento de danos patrimoniais e extrapatrimoniais (morais) por virtude do evento morte, é a que resulta do regime excepcional dos art° 495° e 496° do Cód. Civil., e não se estriba no regime geral do art° 483° do mesmo Código, que diz respeito à obrigação de indemnização ao próprio titular do direito (do lesado);
40 - Assim sendo, como de facto e de direito é, e uma vez que os danos patrimoniais especificamente em causa extravasam o contemplado e permitido pelo art°. 495° do CC, semelhante pedido está forçosamente condenado ao fracasso».
*
A recorrida H…………… contra-alegou, sem contudo ter apresentado conclusões, no sentido da não admissão do recurso e, a final, no sentido da improcedência do mesmo.
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A I………. , Sucursal em Portugal, na qualidade de interveniente acessória, veio declarar a sua adesão às contra-alegações da Ré C…………–, LDª – artº 634º, nº 3 do CPC.
*
O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA], proferido em 27 de Setembro de 2019.
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, nº 1 do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Notificadas as partes do parecer supra referido, apenas os autores se pronunciaram no sentido já pugnado nos autos, da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:
1. Os Autores são pais de G……………, nascido em 05.09.1988 – cópia de bilhete de identidade, documento nº 1, junto com a petição inicial.
2. No dia 11.06.2003, pelas 14 horas, o G…………..dirigiu-se ao parque da cidade do ……….., sito na Estrada Interior da Circunvalação – ……., na companhia de mais quatro crianças com idades compreendidas entre os 11 e os 14 anos de idade, de J…………… e da filha desta, …………., na altura com dois anos de idade.
3. O G…………. e mais quatro crianças começaram a jogar à bola junto da margem do lago aí existente, denominado de lago 1.
4. O lago referido no ponto anterior tem cerca de 150 metros de comprimento e 50 metros de largura – cfr. fotografias, documentos nºs 2 a 4, juntos com a petição inicial.
5. Cerca das 15 horas, a bola acabou por ir parar à água do lago.
6. O G………….. imediatamente, e sem se despir, lançou-se à água e nadou em direção à bola, acabando por a agarrar com a mão direita e a lançar para a berma.
7. Nesse momento, gritou para a margem que não conseguia nadar, submergiu no lago, tendo regressado à superfície por duas vezes, até que submergiu definitivamente no lago, sendo notória a existência de bolhas na superfície da água no sítio onde o G………. submergiu.
8. J………….., mal se apercebeu da situação, com a sua filha ao colo, gritou por socorro.
8º-A. J………. e K……….. procuraram no local, em vão, qualquer coisa que pudessem atirar ou aproximar do G………… para o ajudar.
9. …………., vigilante da C……….., em serviço no parque da cidade, acorreu ao local, após ter sido chamado pelo intercomunicador por ………………
10. ………………. não sabia nadar nem tinha qualquer formação específica na área de socorrismo.
11. ……….. não sabia nadar e não tinha qualquer formação em socorrismo.
12. ……… e …………. relataram a situação via rádio a E…………… e a ………………., pedindo a estes que chamassem os bombeiros.
13. E…………….. exercia as funções de chefe de grupo e não teve formação nas áreas da natação e de socorrismo.
14. Um utente do parque com cerca de vinte anos de idade, incitado pela namorada, entrou no lago, mas não mergulhou por a água se encontrar suja e sem visibilidade.
15. E…………… acorreu ao local acompanhado por D…………….
16. D…………. exercia, à data, as funções de inspector na C…………
17. Nem E…………., nem D…………… fizeram menção de se atirar para o lago para socorrer o G……………– cfr. participação, documento nº 5, junto com a petição inicial.
18. E……………… e D……….. não receberam formação ministrada pela C…………. para saberem nadar;
19. Cerca de quinze minutos após o acidente, apareceu no local F……………, vigilante da ……………. que fazia vigilância na orla marítima.
20. F…………… foi militar durante dez anos.
21. F………. mostrou vontade de mergulhar no lago, a fim de socorrer o G……………, tendo começado a despir a roupa, mas não entrou no lago.
22. Os superiores de F………….. sabiam que ele tinha sido militar.
23. Acorreram ao local profissionais de saúde do INEM, nomeadamente o Dr. ………… e o Enfermeiro Sr. ………., acompanhados por dois mergulhadores dos Bombeiros Sapadores do ……., chefiados pelo Subchefe ………….. – cfr. relatório de sinistro, documento nº 5, junto com petição inicial.
24. Dois mergulhadores devidamente equipados com fato térmico, máscara e botija mergulharam no lago na zona onde o G…….. submergiu, tendo, após dois a três minutos, resgatado o G……….. com vida do fundo do lago e de uma profundidade de 3 metros.
25. O G………… foi submetido no local aos primeiros socorros pelo médico e enfermeiro do INEM que lhe administraram respiração artificial e injeções, tendo, posteriormente, o G………. sido transportado para o Hospital Pedro Hispano em Matosinhos.
26. O G………. deu entrada no Hospital já cadáver – cfr. certificado de óbito, documento nº 7, junto com a petição inicial.
27. Em consequência da submersão no lago o G…… sofreu as lesões no aparelho respiratório – cfr. relatório de autópsia, documento n.º 8, junto com a petição inicial.
28. Quando submergido, o G………..apercebeu-se que nada podia fazer para sair do lago, tendo sofrido enorme aflição quando deixou de ser capaz de inspirar oxigénio e o seu aparelho respiratório se foi inundando de água.
29. O G…………. nesses instantes sentiu profunda angústia, terror e medo pela morte que pressentiu.
30. À data, o G………… tinha 14 anos e frequentava a Escola Básica E.B.2,3 de ………………
31. O G……….. era um adolescente saudável, forte e alegre, vivendo com os seus pais e irmãos.
32. Entre os Autores e o seu filho G…………. havia muita união, amor e carinho;
33. Os Autores sofreram uma grande dor e profundo desgosto com a morte do G…………….
34. Os Autores continuam a chorar a perda do G………., a lamentar o sucedido e a recordá-lo com saudade.
35. O Parque da Cidade é um parque urbano, de propriedade municipal.
36. O lago nº 1 do parque da cidade tem de profundidade máxima 3,5 metros sendo constituído por uma pequena plataforma de segurança com uma profundidade de 0,6 metros e uma extensão de 4 metros, após a qual se inicia o desnivelamento das águas até se atingir aquela profundidade máxima – cfr. planta, documento nº 9, junto com a petição inicial.
37. O lago nº 1 do parque da cidade não tem vedação exterior;
38. Não existiam no local meios auxiliares de salvamento como bóias e canas de salvamento.
39. No lago nº 1 do parque da cidade existe lodo e o mesmo não tem visibilidade.
40. No local existe uma tabuleta de madeira com a indicação de proibido nadar e da profundidade de 3,5m – cfr. fotografias, documentos nºs 2 a 4, junto com a petição inicial.
41. A C……………, Lda., dedica-se à prestação de serviços de segurança privada – cfr. documentos do procedimento adjudicatório, documento nº 4, junto com a contestação do réu Município do ……………..
42. No ano de 2003, a C……………. prestou serviços de segurança privada no parque da cidade do ……….., por contrato celebrado com o Município do ……….. – cfr. documentos do procedimento adjudicatório, documento nº 4, junto com a contestação do réu Município do ………..
42º - A. A vigilância do Parque da Cidade era assegurada por 4 vigilantes e um chefe de grupo e o Parque tem quatro lagos.
43. Às quinze horas do dia em questão, o E…………. e o D…………… encontravam-se na portaria do parque da cidade, que dista 2,5 km do lago nº 1.
44. O E……….. e o D………….. não sabiam nadar.
45. Quando o E…………, o D…………. e o F……….. chegaram ao lago nº 1 não viram ninguém no interior do lago.
46. No momento do ocorrido, o G…………. apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0,35 g/l – cfr. relatório de autópsia, documento nº 8, junto com a petição inicial.
47. O G…………..apresentava no momento do ocorrido restos alimentares, parcialmente digeridos – cfr. relatório de autópsia, documento nº 8, junto com a petição inicial.
48. Entre o Município do …………. e a H…………, Companhia de Seguros, SA, foi celebrado contrato de seguro – cfr. documento junto com a contestação da H………….., Companhia de Seguros, S.A., cujo teor se dá aqui integralmente reproduzido.
49. O Município do …………. não participou sinistro relativo ao ocorrido no dia em questão no parque da cidade.
50. A responsabilidade civil da C………….. encontrava-se, à data do acidente, transferida para a I……….. – Companhia de Seguros, S.A., através da apólice nº …………………».
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2.2. O DIREITO.

A decisão de 1ª instância, depois de fazer, de forma correcta, o enquadramento jurídico da situação fáctica dos autos - DL nº 48051 de 21.11.1967 que define o regime jurídico da responsabilidade civil extra contratual no domínio dos actos de gestão pública, à data em vigor, chamando ainda à colação o disposto no artº 483º do Código Civil, que consagra os pressupostos da responsabilidade civil, chegou à conclusão que se verificava o facto, enquanto comportamento ou conduta humana; mas ao analisar a ilicitude relativamente a cada um dos réus, entendeu que ao Município não pode ser assacada qualquer responsabilidade, pelo facto do mesmo não haver praticado qualquer ilícito, não só porque o lago em questão não se destinava a banhos, não lhe sendo por isso exigível que existissem meios auxiliares de salvamento, nem de vedações, que aliás foram em termos de segurança substituídos pela plataforma de segurança de 4 metros de extensão, na qual a profundidade do lago é de apenas 60 cm de profundidade e só depois vai acentuado a profundidade progressivamente até aos 3,5metros; igualmente entendeu que os réus D…………., E…………… e F………., não violaram qualquer dever de auxílio, ao não terem mergulhado no lago para resgatar o menor G……….., os primeiros dois por não saberem nadar e o terceiro porque sempre incorreria em grave risco de vida pelas condições de sujidade e de lodo existente no lago, com pouca visibilidade; por fim e quanto à C………….. entendeu que não existiu nenhuma violação do dever de vigilância do lago, não só porque o lago não se destinava a tomar banho, como, por outro lado, o dever de vigilância cede sempre perante uma violação consciente da proibição de nadar em que o menor G………. incorreu; por outro lado, nem tão pouco pode a mesma ser responsabilizada ao abrigo do disposto no artº 500º, nº 1, do Código Civil, dado os seus funcionários não poderem ser responsabilizados, por não terem agido de forma ilícita.
Conclui assim pela inexistência de ilicitude na conduta de todos os réus; ao invés, assaca a responsabilidade, na sua totalidade, ao menor G………… que entrou deliberadamente no lago, afastando-se da berma, não obstante a sinalização ali existente que proibia nadar.
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Por sua vez, o Acórdão recorrido para negar provimento ao recurso interposto pelos AUTORES e manter a Sentença do TAF, ponderou, fazendo o devido enquadramento jurídico, citando doutrina e jurisprudência adequada, o seguinte:
“(…).
Descendo ao caso concreto, antes de se analisar o requisito culpa ou tão-somente presunção de culpa de um ou ambos os Réus, cumpre determinar se se verifica o elemento ilicitude.
Contrariamente ao que sustentam os Recorrentes sobre os Réus não recai nenhuma presunção de culpa, porque dos factos provados não se extrai que os mesmos tenham omitido um dever de auxílio legalmente imposto a ambos ou a um deles.
Com efeito, o lago com as características que apresentava na data da morte do menor, existe há muito tempo.
Esse lago estava sinalizado com uma tabuleta com os dizeres “proibido nadar” e profundidade máxima de 3,5 metros e dispunha de uma plataforma com 4 metros de comprimento e 60 centímetros de profundidade.
Tanto basta para impedir temeridades.
Seria, de resto, incongruente com a proibição de ali nadar (fosse ou não visível a tabuleta informativa) existirem meios humanos e instrumentos de salvamento como sejam bóias e canas de salvamento e nadadores salvadores.
O falecido menor sabia ler e já tinha 14 anos de idade. Assim mesmo, violando tal proibição lançou-se à água para ir buscar uma bola que caiu no lago.
Neste contexto de um menor ir a correr atrás da bola mostra-se indiferente que o referido sinal estivesse visível ou não. O mais plausível seria ignorar o aviso.
O lago tinha muito lodo e nenhuma visibilidade. Assim mesmo, o menor não se coibiu de se lançar à água e de tentar nadar.
O menor estava em período de digestão, tendo do relatório da autópsia resultado que tinha bebido álcool e tinha alimentos mal digeridos no estômago. Também isto não o dissuadiu de cometer o descrito ilícito que lhe provocou a morte.
Assim, a causa da sua morte não resulta de nenhuma omissão do dever de auxílio por parte dos comissários da ……… empresa que assegurava a segurança do Parque da Cidade.
Conclusão que também acabou por ser partilhada pelos Recorrentes, que aceitam a ausência de culpa dos referidos comissários, nessa parte tendo transitado em julgado a sentença recorrida.
A morte do menor deveu-se a um comportamento ilícito e culposo do próprio menor, que foi causa adequada da sua morte.
(...)
Estamos, por isso, perante menor imputável, que praticou um acto ilícito e culposo, do qual só resultaram danos para si mesmo.
Tal lesão deve ficar sem reparação, por falta de quem responda por ela, pois que responsável é o próprio menor.
Mas mesmo que assim não se entendesse e se concluísse pela inimputabilidade do menor teríamos que concluir que os Recorrentes, pais do menor estavam obrigados a vigiar o seu filho, atenta a sua inimputabilidade, e a responsabilidade lhes caberia, em todo o caso, pelo evento dramático e danoso.
Determina o artigo 491º, nº 1 Código Civil:
“As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras por motivo de incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.”
Estamos perante uma presunção de culpa, in vigilando, porque tendo o menor, vítima do afogamento no Lago do Parque da Cidade, 14 anos de idade, se fosse considerado inimputável, deveria ser vigiado pelos pais – aqui Recorrentes.
O acto do menor de lançamento no lago, com uma placa a dizer que era proibido nadar e que o lago tinha uma profundidade de 3,5 metros, o lodo que cobria o lago, a água do lago muito turva, e o percurso pelo menor lago adentro por mais de 4 metros com a profundidade de apenas 60 centímetros, em período de digestão e depois de ter ingerido álcool, revela que o menor, que já tinha 14 anos e sabia ler, não tinha uma personalidade formada no respeito pelas proibições impostas em cada local, pelo que nisso falhou a educação que os Recorrentes deram ao seu filho, revelando nessa falha de educação, acompanhada da ausência de um dos progenitores no local onde os factos ocorreram, uma “culpa in vigilando” dos próprios Recorrentes.
Assim sendo, os pais tinham a obrigação de zelar pela segurança do menor G……….,
Não há factos alegados que permitam excluir a falta, objectiva, do dever de vigilância dos pais do menor – aqui Recorrentes – pelo que dos factos provados não resulta ilidida tal presunção de culpa in vigilando.
Afastada que foi a presunção de culpa prevista no artigo 500º do Código Civil na decisão proferida em 1ª instância, que, nessa parte, transitou em julgado, podemos concluir que os Réus não cometeram qualquer ilícito, nem praticaram qualquer omissão ilícita do dever de auxílio, dever que nas circunstâncias descritas não existia, como bem desenvolve a sentença da primeira instância, que, nessa parte mereceu a concordância dos Réus.
Sem ilícito, não há culpa, seja ela presumida ou efectiva, pelo que desnecessário se torna entrar na análise deste terceiro requisito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas.
Com efeito, não há qualquer omissão que viole normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, ou que viole as regras de ordem técnica e de prudência comum.
A omissão de salvamento do menor G………… não violou normas legais ou regulamentares, nem regras de ordem técnica e de prudência comum, antes foi justificada pelo imperativo natural de os comissários não colocarem a sua própria vida em risco.
Conclui-se que, com acerto, decidiu a sentença proferida em 1ª instância pela inexistência de ilicitude da omissão verificada pelos Réus, impondo-se manter a decisão recorrida nos seus precisos termos, negando provimento ao presente recurso.
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Vejamos do acerto da decisão recorrida, tendo para tanto, em conta, os fundamentos de discordância manifestados nas alegações apresentadas pelos autores/recorrente:
Alegam os recorrentes que os RR incumpriram regras de prudência comum que contribuíram para a morte do menor G………. designadamente violando o dever de vigilância de coisa imóvel [Lago do Parque da Cidade] a que estavam obrigados.
E que, no caso, a presunção de culpa prevista no artº 493º do CC é igualmente uma presunção de ilicitude, ou seja, uma presunção de violação dos deveres de vigilância que a lei atribui ao proprietário, possuidor ou detentor da coisa; por outro lado, a tabuleta avisadora da proibição de nadar era tão pequena que anula a ilicitude que foi atribuída pelo acórdão recorrido ao menor, pelo que terá de ser afastada.
Prosseguem nesta alegação, invocando que a existência do lodo no lago, a dimensão deste e a consequente falta de visibilidade só eram perceptíveis dentro do lago e o facto do menor G………… estar em processo de digestão e ter ingerido álcool, tal não foi a causa da sua morte, pelo que, deve ser, no seu todo, desconsiderado.
Ou seja, a conduta do menor não pode ser considerada ilícita e culposa e não foi a causa adequada à sua morte, pois o menor não se afogaria se o lago não tivesse a profundidade nem o lodo que tinha, nem se existissem no local bóias ou canas de salvamento e se os vigilantes do parque soubessem nadar ou tivessem formação em salvamento/socorrismo.
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Cumpre decidir:
E para tanto, importa ter em consideração apenas a matéria de facto que foi dada como assente nos presentes autos, pois só essa pode ser considerada na presente revista.
E da análise da mesma resulta que o menor G………… foi o único responsável pelo desfecho da sua conduta.
Com efeito, a responsabilidade que as instâncias lhe assacaram não resulta apenas, como pretendem fazer crer os recorrentes, da ilicitude da sua conduta (do menor) no que toca à proibição de nadar no lago - pois segundo alegam a tabuleta proibitiva era tão pequena e tão pouco visível, que deverá por isso ser desconsiderado esse aviso.
É que percorrendo a matéria de facto dada como provada, não vislumbramos nenhum facto de onde se possa retirar que a tabuleta que proibia nadar no lago, fosse pouco visível, mas apenas que no local existia uma tabuleta de madeira com a indicação não só de que era proibido nadar, como da profundidade (máxima) do lago, que é de 3,5 metros.
Ou seja, não foi só a desobediência a esta proibição que levou à tragédia que culminou com a morte do menor; a referida tabuleta também indicava um perigo - a profundidade do lago, como vimos de 3,5 metros; daí que, existiam dois sinais/advertências sérios que não podiam ser olvidados por parte de quem se atirasse deliberadamente ao lado: a proibição de o fazer e a perigosidade resultante da profundidade do lago.
Porém, o menor G………….., na ânsia de ir buscar a bola que caiu à água, olvidou estes dois sinais que poderiam fazer perigar a sua vida, como fizeram, praticando assim dois actos: um acto desobediente e um outro temerário e arrojado para as condições existentes no local. E este comportamento só ao menor pode ser assacado e só este pode ser responsabilizado.
Acresce que, sendo menor, não se mostra alegada a sua inimputabilidade, nessa dimensão, nem nada indicia nesse sentido; o menor frequentava a E.B.2,3 de ……………., sabia ler e tinha 14 anos de idade, tudo indicando, em sede de normalidade que já sabia perspectivar determinados perigos, designadamente, quando está perante um lago, com água não límpida, porque o lodo a tornava turva.
Contudo, desconsiderando a proibição de nadar e a profundidade do lago, o menor lançou-se à água em busca de uma bola, a uma longa distância da margem, pois o corpo foi encontrado a 3 metros de profundidade (quase na parte mais profunda do lago); e afirma-se isto, porque uma das formas encontradas para segurança, em termos de quedas acidentais que pudessem suceder, foi a forma como a configuração do lago foi efectuada; o lago foi configurado a partir da margem, com uma plataforma de segurança com a distância de 4 metros de extensão e 0,6m de profundidade só depois começando gradualmente a descer até atingir o máximo de 3,5 metros de profundidade; daqui se conclui que o perigo resultante das quedas acidentais, que pudessem suceder no lago, estava, à partida, salvaguardo por esta plataforma de segurança.
Porém, nenhuma destas medidas de segurança e de avisos de perigo, foram suficientes para inverter a determinação tomada pelo G…………, de mesmo vestido, se ter atirado ao lago e nadado nele até quase ao local de maior profundidade, denotando a impetuosidade e imprudência própria da adolescência que fizeram com que não representasse o perigo que estava presente e não logrou evitar.
Acresce que, apesar de não se ter dado como provado, em termos e para os efeitos de nexo de causalidade entre o facto e o dano, [uma vez que se considerou a inexistência da ilicitude dos RR e julgou-se prejudicado o conhecimento dos demais pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual] a verdade é que também se mostra provado que o menor G………… se lançou à água em processo de digestão e com álcool (0,35g/l) no sangue; e se é verdade que este último não configura prática de qualquer crime, porque nadar depois de ter ingerido álcool não é crime, também não é menos verdade que tal não teria sido o mais aconselhável em termos de determinação da sua conduta e atitude ariscada e temerária no caso concreto; igualmente não terá sido o apropriado, por imprudente, nadar em circunstâncias menos favoráveis (por causa do lodo).
Acresce que o álcool não terá constituído um elemento de somenos importância, pelo menos, no que respeita à atitude inopinada e irreflectida do menor quando se atirou ao lago, em busca da bola com que jogava com os amigos, uma vez que a taxa de álcool no sangue, que apresentava, de 0,35g/l, constitui uma taxa superior a 0,2g/L, que em determinadas circunstâncias é sancionada por lei - constitui infracção à condução de veículos a adultos durante os primeiros 3 meses de validade da carta de condução, a condutores de veículos de socorro, ou de serviço urgente, de transporte colectivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxis, de automóveis pesados de passageiros ou mercadorias ou de transporte de materiais perigosos.
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Quanto às omissões apontadas pelos recorrentes aos réus [que segundo aqueles teriam sido causadoras da morte do menor G…………] dir-se-à que aos mesmos não assiste razão.
Com efeito, nada nos autos nos indicia que se o lago não tivesse a profundidade que tem, o menor não teria tido o mesmo comportamento e este não originaria o mesmo desfecho; e isto porque, para chegar onde chegou, ou seja a 3 metros a partir da berma, o menor teve de nadar desobedecendo ao aviso que proibia que o fizesse; ultrapassou desta forma, os 4 metros de extensão da plataforma de segurança e quase atingiu a parte mais profunda do lago, que tem 3,5 metros de profundidade máxima; Igualmente teve de ultrapassar a falta de visibilidade da água, pois se no mesmo existia lodo, o natural era que a água estivesse suja/turva; porém tal facto também não funcionou como dissuasor de se lançar à água e percorrer 3 metros a nado para ir buscar uma bola.
Por outro lado, alegam os recorrentes que o menor não se teria afogado se no local existissem bóias, canas ou outros meios de salvamento.
Também aqui, não cremos que lhes assista razão, pois dada a finalidade do parque, que era um parque urbano, de lazer, não vislumbramos que fosse exigível a quem o tem a seu cargo, que tivesse de existir no local, onde é proibido tomar banho, objectos e meios cuja existência, só fazem sentido existir, onde é permitida a entrada na água e banhos; aliás, a sua existência neste local, poderia, inclusive, conduzir a que os mais desatentos, pensassem que poderiam entrar na água e tomar banho, pois as bóias e canas de salvamento e nadadores salvadores só existem onde é permitido tomar banho, mesmo que com limitações, sejam de que índole forem; e assim poderiam vir a criar um maior perigo para qualquer transeunte frequentador do parque.
E para os casos de quedas inadvertidas, situações que em nada se comparam com a verificada com o menor G……….., as medidas de segurança existentes, são em nosso entender as adequadas, para evitar afogamentos, pois a plataforma de segurança, a contar da berma, com a extensão de 4 metros e com 0,6 metros de altura, é suficiente para ajudar alguém que caia ao lago de forma não deliberada; e só depois destes 4 metros, o aprofundamento do lago se vai fazendo de forma gradual até atingir a profundidade máxima.
Alegam, ainda os recorrentes que se os vigilantes do parque, tivessem formação de socorrismo ou soubessem nadar, o menor G…………… não teria morrido, pretendendo desta forma assacar responsabilidade à Ré C…………., empresa que assegurava a segurança do Parque da cidade [artºs 491º, 492º, 493º, 497º, 483º, 495º e 500º do CC].
Só que, como decidido pelas instâncias, no dever de vigilância do Parque e dos lagos ali existentes, por parte da C………………, não se encontrava o dever de ter ao seu serviço funcionários que soubessem nadar ou que tivessem formação em socorrismo, uma vez que era terminantemente proibido aos utentes do parque, tomar banho nos lagos, maxime no lago onde ocorreu a fatídica tragédia.
A segurança do Parque em relação à ré C……., enquadra-se na vigilância de bens móveis ou imóveis, controlos de entrada, presença e saída de pessoas, prevenção de entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou susceptíveis de provocar actos de violência [cfr. artº 2º do DL nº 35/2004 de 21.02] e quanto à formação profissional do pessoal de vigilância a mesma encontra-se prevista, não só no DL citado como na Portaria nº 1325/2001 de 04.12, não constando de nenhum destes diplomas que existisse a obrigação de ter funcionários com a formação profissional pretendida pelos recorrentes, uma vez que não estamos no âmbito de prestação de serviços de socorro a náufragos em quaisquer zonas de banhos (marítimas ou fluviais).
Logo, não cabem nas atribuições de uma empresa de segurança privada, nem nas funções profissionais dos seus trabalhadores com a categoria de vigilantes, saber nadar ou ter de saber nadar para socorrer náufragos, nem tão pouco no plano das suas competências ter especiais conhecimentos do ponto de vista técnico, construtivo ou de limpeza em relação aos lagos existentes no Parque da Cidade.
Por outro lado, tendo-se decidido na 1ª instância que os funcionários da ré C…………… não haviam cometido nenhum acto ilícito, facto aceite pelos recorrentes, nunca esta ré poderia ser responsabilizada nos termos do disposto no artº 500º, nº 1, do CC uma vez que não sendo os seus funcionários responsabilizados, também esta não o pode ser a título de comitente.
Atento o exposto, é de concluir que a nenhum dos RR se pode acometer a ilicitude que os recorrentes pretendiam fosse declarada, impondo-se, ao invés, determinar que o fatídico acidente se deveu a um infeliz comportamento consciente e ilícito por parte do menor ao atirar-se ao lago, nas condições em que o fez.
E deste modo, impõe-se determinar a improcedência do recurso.
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DECISÃO
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 7 de Novembro de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Ana Paula da Fonseca Lobo – José Augusto Araújo Veloso.