Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0287/05
Data do Acordão:09/27/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:ACTO DE LIQUIDAÇÃO.
ACTO DIVISÍVEL.
Sumário:A liquidação do imposto constitui um acto divisível, tanto por natureza, como na própria expressão legal, pelo que é susceptível de anulação parcial.
Nº Convencional:JSTA0005764
Nº do Documento:SA2200509270287
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:*
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, identificada nos autos, impugnou judicialmente, junto do então Tribunal Tributário de 1ª Instância de Vila Real, a liquidação de imposto sucessório, efectuada pela Repartição de Finanças do Peso da Régua.
O Mm. Juiz daquele Tribunal julgou a impugnação procedente.
Inconformada, a Fazenda Pública interpôs recurso para o TCA – Norte.
Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:
1. A liquidação do imposto, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de mera anulação parcial.
2. A douta sentença recorrida, manda anular na sua totalidade uma liquidação de imposto sucessório apenas parcialmente atingida por vício de violação de lei.
3. Verificado o erro na determinação da matéria colectável sobre a qual recaiu o acto de liquidação "sticto sensu ", importa apenas anular parcialmente a liquidação, retirando dela a parcela de imposto indevido, correspondente à matéria colectável erradamente apurada.
4. O pedido que a impugnante formulou ao Tribunal foi o da anulação parcial da liquidação, o que significa que se conformou com a legalidade da parte remanescente da liquidação.
Por tudo isto deverá a douta sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que declare a anulação parcial da liquidação de imposto sucessório impugnada.
Contra-alegou a impugnante, que finalizou as suas contra-alegações no seguinte quadro conclusivo:
1. O acto de liquidação de imposto sucessório devido na sequência da sucessão aberta por óbito de …, violou os artigos 20º e 30º do CIMSISSD.
2. Com efeito, foi levado em consideração na determinação do valor tributável, o valor de rendas novas resultantes de novos contratos de arrendamento do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art. 330º da freguesia de S. João do Souto, em Braga.
3. Valor esse que não faz parte da riqueza transmitida por sucessão, já que se trata de contratos celebrados em momento posterior ao da transmissão.
4. O acto de liquidação supra mencionado padece assim do vício de violação de lei, pelo que implica a sua anulação.
5. O acto de liquidação de imposto sucessório é um acto único.
6. Pelo que a anulação da liquidação terá naturalmente de o ser na sua totalidade, isto independentemente de relativamente aos restantes bens transmitidos se manter o mesmo valor que tinha sido considerado pela AT.
O TCA julgou-se hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso.
Subiram os autos a este STA.
Aqui, o EPGA emitiu douto parecer, defendendo que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. É a seguinte a matéria de facto fixada na instância:
1. No dia 1 de Fevereiro de 1980 faleceu na cidade do Peso da Régua, onde residia, na Avenida …, a ….
2. Nessa data foi instaurado na Repartição de Finanças do concelho de Peso da Régua o processo de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações n. 6567 – 12-2-80.
3. A falecida, de 77 anos de Idade, era viúva de … e morreu sem ter deixado testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.
4. Sucederam-lhe duas filhas: a Impugnante, A… e ….
5. Foi apresentada relação de bens no dito processo de imposto sucessório, na qual consta bens móveis no valor atribuído total de 104.000$00, bens imóveis e dinheiro.
6. Dos imóveis consta, entre outras, a verba n. 62: «6/8 de uma casa de um andar e rés­-do-chão, com quintal, poço, sita no Largo … com os números … a …, confrontando do Norte com …, Nascente com herdeiros de …, Sul com herdeiros de … e Poente com …, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … e … – anteriormente esteve inscrita no artigo 3300 que foi eliminado.
7. No dia 30-03-1992 a Impugnante foi notificada de que lhe foi liquidado imposto sobre as sucessões e doações na quantia de 2.885.974$00 e o adicional na importância de 432.897$00, no total de 3.318.871$00.
8. A liquidação foi efectuada em 12-02-1992.
9. A Impugnação foi apresentada em 26-06-1992.
10. Da liquidação do imposto sucessório na quantia de 2.885.974$00, 137.520$00 corresponde a móveis, e 2.748.454$00 respeita a bens imóveis.
11. A liquidação foi operada na base do valor líquido tributável de 11.675.771$10, sendo 556.363$43 de "mobiliários" e 11.119.407$67 de "imobiliários".
12. O prédio referido em 6), em Fevereiro de 1980, correspondia ao artigo urbano da freguesia de S. João do Souto n. 330 e tinha o rendimento colectável de 52.186$00 e o valor matricial de 1.043.720$00 (artigo 30° do CIMSISSD).
13. Pelo processo de discriminação n. 33/81 o referido artigo 330 foi eliminado dando lugar aos actuais 844 e 845.
14. O pedido de discriminação foi efectuado em Fevereiro de 1981 pela Impugnante e sua irmã …, na qualidade de proprietárias em comum e na proporção de 1/4 do prédio, para efeitos de partilhas.
15. Por escritura de partilha de 31-07-81, o artigo 844° passou a pertencer à irmã da Impugnante, …, e o artigo 845° à Impugnante.
16. Em 11. 01-1982 a … deu de arrendamento a loja do rés-do-chão, com entrada pela porta com o número 128 de polícia do prédio inscrito na matriz sob o artigo 844°, pelo valor anual de 480.000$00.
17. Em 13-11-1981 a Impugnante deu de arrendamento a loja do rés-do-chão com entrada pela porta com o número 129-A de polícia, do prédio inscrito na matriz sob o artigo 845°, pela renda anual de 240.000$00.
18. Em 25-05-1985 a Impugnante deu de arrendamento o rés-do-chão com o número 130 de polícia do mesmo prédio urbano referido em 17), pelo valor anual de 150.000$00, respectivamente.
19. Os artigos urbanos da freguesia de São João do Souto nºs 844 e 845, resultantes da discriminação do artigo 330, foram inscritos na matriz com o mesmo valor do artigo originários.
20. Os referidos valores foram objecto de alteração, dado estarem arrendados e de acordo com as rendas recebidas.
21. Os artigos 844° e 845, e correspondente à fracção de 6/8, à data da liquidação, tinham o valor matricial de 9.462.090$00 e 6.254.670$00.
22. O valor tributável que foi considerado na liquidação e referente aos 6/8 indivisos do imóvel foi o seguinte: Artigo 844 (6/8) - 9.462.090$00 Artigo 845 (6/8) - 6.254.670$00 15.716.760$00 15.716 tendo sido mencionado passivo e depois de calculado a parte correspondente aos imóveis, fica o valor de 7.719.989$50, como valor tributável considerado na liquidação.
23. À Impugnante foi liquidado pela transmissão dos bens da herança imposto sucessório no montante de 3.268.088$00.
24. Este imposto foi pago ao abrigo do Decreto-Lei n. ° 124/96.
3. Sendo estes os factos, vejamos agora o direito.
A impugnante assaca à liquidação impugnada um vício de violação de lei.
Concretamente defende que foram violados os artºs. 20º e 30º do CIMSISSD.
Na sua tese, foi considerado, no tocante a um dos prédios que constitui o acervo da herança, um valor dos bens imóveis, para efeito do imposto sobre sucessões e doações, que não o valor matricial desses bens à data da transmissão.
Na verdade, foi indevidamente tido em conta, na determinação do valor tributável, o valor de rendas novas resultantes de novos contratos de arrendamento do prédio urbano. Só que tal valor resulta de benfeitorias feitas após o óbito do de cujus.
Ora, não poderá ser considerado o aumento convencional da renda, já que este traduz uma actividade pessoal desenvolvida pelo sucessor, posterior à transmissão, e que com esta directamente nada tem a ver.
O Mm. Juiz a quo deu razão à pretensão da impugnante, mas anulou integralmente o acto de liquidação.
É contra este segmento da decisão que se insurge a Fazenda Pública que, concordando embora com a decisão na parte substantiva, discorda que haja anulação total da liquidação, defendendo antes que essa anulação deve ser parcial, limitada à parcela em disputa.
Ou seja: o que está em causa é saber se o acto tributário é ou não divisível.
O EPGA defende que, no caso, e sendo que se torna apenas necessária uma operação aritmética para repor a legalidade, o acto tributário é divisível.
E tem razão.
Na verdade, a liquidação do imposto constitui um acto divisível, tanto por natureza, como na própria expressão legal, sendo assim susceptível de anulação parcial.
Nesse sentido apontam o art. 145º do CPT e art. 100º da LGT
Vide, a propósito, os acórdãos deste STA de 22/9/99 (rec. 24.101) e de 26/3/2003 (rec. n. 1973/02).
Sendo assim, o recurso da Fazenda Pública logra provimento. A liquidação deve pois ser anulada, não na sua totalidade, mas tão só parcialmente. Concretamente, na parte impugnada.
4. Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, mas só na parte em que anulou, na totalidade, a liquidação impugnada.
Custas pela impugnante, ora recorrida, apenas neste STA, fixando-se a procuradoria em 40%.
Lisboa, 27 de Setembro de 2005. – Lúcio Barbosa (relator) – Vítor MeiraBaeta de Queiroz.