Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0278/17
Data do Acordão:07/05/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:OPOSIÇÃO
RECURSO
Sumário:Não se verifica oposição de julgados no caso de a diversidade das soluções jurídicas encontrada nos arestos em confronto não resultar de entendimento inconciliável quanto à mesma questão fundamental de direito.
Nº Convencional:JSTA000P22115
Nº do Documento:SAP201707050278
Data de Entrada:03/15/2017
Recorrente:Z.............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


Z……………….., vem, nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 284.º nº 5 do CPPT interpor recurso por oposição de julgados, para este Supremo Tribunal, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 15 de Setembro de 2016, proferido no processo nº 09832/16, por alegada contradição com o decidido no acórdão do STA de 2 de Abril de 2014, proferido no processo nº 217/14, recurso n.º 06567/02.

O recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
21. Conforme resulta da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, que concede provimento à reclamação apresentada, “(...) a citação que não cumpre as formalidades da lei é nula e de nenhum efeito: tem razão o Reclamante e terá de ser repetida com os elementos documentais supra ditos”.
22. Posto isto decidiu a douta decisão a quo pela anulação do despacho reclamado com as legais consequências de repetição da citação do revertido e de anulação dos actos praticados que dela dependam.
23. Interposto recurso pela Fazenda Pública, foi por acórdão do TCA Sul concedido provimento ao recurso, por no entendimento da douta decisão do Tribunal ad quem, a reclamação da decisão do órgão da execução fiscal que tenha por objecto a arguição de nulidade da citação do executado para a execução fiscal, não ter subida imediata, porquanto, no caso de deferimento da reclamação aquela citação será anulada, ficando sem efeito todos os actos processuais subsequentes, designadamente o acto de penhora.
24. Pese embora todo o respeito pela douta decisão não pode o recorrente conformar-se com a mesma, considerando que, no caso concreto, a apreciação da dita reclamação a final, perderia todo o efeito útil que se pretende, uma vez que tratando-se de penhora incidente sobre pensão de reforma inferior ao salário mínimo nacional, a mesma só terá o seu termo com a morte física deste, visto o valor substancial da dívida alegadamente citada.
25. Entendeu o Acórdão do STA n.° 0217/14 de 02.04.2014 da 2.ª Secção em que foi Relator a Juiz Conselheira Isabel Marques da Silva, indicado como acórdão fundamento, que, para que ocorra a nulidade por falta de citação basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência de efectivo prejuízo.
26. In casu, há um efectivo e real prejuízo para o executado ora recorrente, caso se mantenha a decisão vertida no douto Acórdão do TCA Sul, baixando os autos à 1.ª Instância para posterior baixa ao Serviço de Finanças onde corre a execução fiscal, não apenas, porque a subida diferida, isto é, após a venda de bens, não é viável que aconteça, uma vez não existir qualquer penhoras de bens mas de rendimentos, no caso, pensão de reforma.
27. Mas também, porque a penhora levada a efeito, incidente sobre a pensão de reforma, é ilegal, visto terem sido coarctados os direitos de defesa do executado.
28. Sendo certo ainda, que a mesma só terminará com a morte física do ora recorrente vista a dimensão do valor da dívida.
29. Reitera o ora recorrente, a penhora levada a efeito nos autos de execução sobre a sua pensão de reforma é ilegal, justamente porque não foi citado o que ficou demonstrado por prova documental.
30. Por força da ilegalidade cometida não teve direito a defesa sendo certo ainda que,
31. Referindo-se o douto Acórdão do TCA Sul à subida diferida da reclamação, após a venda de bens, ou seja a final, não há in casu penhora de bens que possam ser vendidos mas penhora de rendimentos, que a continuarem resultam na degradação já de si deplorável da vida do executado até ao seu falecimento.
32. A decisão vertida no douto Acórdão padece de erro, porque fez errada interpretação dos factos, não levou em consideração o facto do ora recorrente não ter sido citado e incidir a penhora, ilegalmente efectuada, sobre pensão de reforma, resultando demonstrado qual a consequência concreta desse acto, contrariamente ao motivado na decisão do TCA Sul.
Termos em que requer a V. Ex.ª sejam as presentes alegações recebidas por estarem em tempo, concedendo-se provimento ao recurso por provado, determinando a douta decisão do STA a revogação do Acórdão proferido pelo TCA Sul, substituindo-o por outro, que mantenha o decidido pelo Tribunal a quo, sob pena de perder a reclamação o efeito útil que se pretende, vista a dimensão da dívida e o parco rendimento que aufere o recorrente de pensão de reforma, sendo que a subida a final, que é o mesmo que depois da morte do recorrente prejudicaria qualquer efeito jurídico que ora se pretende alcançar.

Não houve contra-alegações.

O Sr. Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal, emitiu o seguinte parecer:
Considera o Recorrente que a doutrina firmada no acórdão recorrido está em oposição com a do acórdão do STA de 02/04/2014, proferido no processo nº 0217/14.
Como se infere do acórdão recorrido, o TCA Sul elegeu como questões decidendas saber se a reclamação interposta do ato do órgão de execução fiscal devia ter subida imediata ou diferida, e no caso de se concluir pela subida imediata saber se a falta de comunicação dos elementos essenciais da liquidação consubstanciava nulidade da citação.
E conhecendo da primeira questão considerou o TCA Sul, chamando à colação o acórdão do STA de 19/04/2012, proc. nº 293/12, que estando em causa a reclamação de decisão de indeferimento de pedido de arguição de nulidade da citação, a mesma não perde o seu efeito útil pelo facto de ter subida diferida, isto é, após a venda de bens. E nessa medida revogou a sentença de 1ª instância e determinou a baixa dos autos ao serviço de finanças para efeitos de prosseguimento da execução fiscal.
Já no acórdão do STA de 02/04/2014, proc. nº 0217/14, que serve de acórdão fundamento, estava em causa saber se a invocação da nulidade por falta de citação prevista no artigo 165º, nº 1, alínea a), do CPPT, podia ser conhecida pelo tribunal como causa invalidante de outro ato praticado pelo órgão de execução fiscal, sem que antes tivesse sido suscitada junto do órgão de execução fiscal, e se para a verificação de tal nulidade basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência de efetivo prejuízo. Tendo o STA concluído que a falta de citação configura nulidade insanável do processo de execução fiscal, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 165º, cujo vício é de conhecimento oficioso, e para cuja verificação basta a possibilidade de prejuízo para a defesa do executado.

Da confrontação da doutrina vertida nos dois acórdãos mostra-se evidente que a questão de direito apreciada nos dois arestos não é a mesma. Pese embora nos dois arestos tenha sido invocado pelos reclamantes a nulidade da citação, no acórdão recorrido essa nulidade prende-se com preterição de formalidades legais, subsumível no artigo 198º do Código de Processo Civil, enquanto no acórdão fundamento a nulidade decorria da falta de citação e subsumível na alínea a) do nº 1 do artigo 165º do CPPT.
Todavia o que sobretudo diferencia as soluções adotadas em cada um dos arestos é o facto de no acórdão recorrido esse vício não ter sequer sido objeto de apreciação. Com efeito, a questão que foi conhecida no acórdão recorrido prende-se com os efeitos da reclamação do ato do órgão de execução fiscal ou mais precisamente se os fundamentos da mesma implicava a sua subida imediata ao tribunal tributário para apreciação, nos termos do nº3 do artigo 278º do CPPT, ou se devia aguardar a venda dos bens, nos termos do nº 1 do mesmo preceito legal. E é contra o entendimento adotado no acórdão recorrido quanto a esta questão que o Recorrente se insurge.
Ora, tal questão não é sequer abordada no acórdão que serve de fundamento.
Ora, é pacífica a jurisprudência da secção de contencioso tributário do STA que a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
E no que ao primeiro requisito respeita, tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da secção, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, a necessidade de se verificarem os seguintes requisitos:
-identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
-que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
-que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta:
-a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, P: 424, e acórdãos do Pleno da seção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009, e de 26/09/2007, 14/07/2008 e de 6/05/2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
E como vimos, tais requisitos não estão presentes no caso concreto.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 2006.12.24, no Serviço de Finanças de Sintra-2, foi autuado o processo de execução fiscal (PEF) n° 3549200601180010, contra X…………., Lda., com sede na Rua ……………, ………………, Montelavar;
B) Tem por base:
a. Certidão de dívida n° 2006/5005569, emitida em 2006.12.23, que atesta que X…………, Lda., com sede na Rua ……….., …………., Montelavar, é devedora de € 1 917,28, dos quais € 1 872,78 de coima e € 44,50 de encargos, com pagamento voluntário até 2006.11.23;
mais atesta que são devidos juros de mora contados de 2006.11.24 sobre a quantia de € 44,50;
C) Em 2008.05.12, foi emitido mandato de citação;
D) E, em 2008.05.12, a Executada foi citada na pessoa de V……………….;
E) Por despacho do Chefe de Finanças de 2009.05.27, foi ordenada a preparação do processo para reversão contra o reclamante Z………………., na qualidade de responsável subsidiário;
F) Por despacho do Chefe de Finanças de 2009.09.08, a execução fiscal foi revertida contra o Reclamante;
G) Por carta registada com aviso de receção, assinado em 2009.09.16, por U……………….., foi enviado ao Reclamante ofício normalizado Citação (Reversão), contante de fls. 127 a 128 do PEF e que aqui se dá como integralmente reproduzido, acompanhado de print informático elaborado pela Justiça Tributária / Quantia Exequenda, constante de fls. 129 a 130 dos autos e que aqui como integralmente reproduzido;
H) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2010.10.19, por U………………, foi comunicado ao Reclamante a penhora de bens imóveis e de ter sido nomeado fiel depositário;
I) Em 2015.05.08 foi enviado ao Serviço de Finanças de Sintra-2, requerimento do Reclamante, constante de fls. 227 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando não ter sido citado para os termos da execução, ou caso assim não seja entendido a declaração de nulidade da mesma; mais requer a emissão de certidão de onde constem todos os elementos que deviam integrar o ato de citação;
J) Em 2015.06.02, o Reclamante enviou ao Serviço de Finanças requerimento a solicitar informação sobre o procedimento relativo ao pedido apresentado em 2015.05.08;
K) Em 2015.06.19, o Reclamante reiterou o pedido;
L) Por despacho do Chefe de Finanças sem data, exarado na informação dos Serviços de 2015.09.16, constante de fls. 238 do PEF e que aqui se dá como integralmente reproduzido, o pedido do reclamante foi indeferido; deste despacho transcreve-se:
a. Em face da informação prestada, com a qual concordo, indefiro o pedido, nos termos e com os fundamentos propostos;
b. (…)
M) Por cada registada com aviso de receção assinado em 2015.09.24, enviada para o MI Advogado do Reclamante, o despacho identificado na alínea anterior foi comunicado ao Reclamante o despacho de indeferimento identificado na alínea anterior;
N) Em 2015.10.05, a presente reclamação foi enviada ao Serviço de Finanças de Sintra-2.

No acórdão fundamento, proc. 0217/14, deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 28/8/2012 o Serviço de Finanças de Valongo-1 instaurou contra a reclamante o PEF n.º 1899201201035720 por dívidas de IVA de janeiro a outubro de 2009, constantes das certidões de dívidas de fls. 61 a 75 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, no montante total de €78.177,17, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 31/7/2012.
B) O órgão de execução fiscal enviou a nota de citação de fls. 300, cujo teor aqui se dá por reproduzido, endereçada a “A… SA --- na pessoa do seu administrador Sr. B… --- Rua … --- 4445 – … Ermesinde “.
C) Essa nota de citação foi enviada por carta registada em 12/9/2012.
D) Essa nota de citação foi entregue ao destinatário em 13/9/2012.
E) Em 23/11/2012 a reclamante apresentou no PEF o requerimento de fls. 303 e 303 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
F) A reclamante realizou em 14-25-27 de Setembro de 2012 pagamentos por conta no valor de €5.325,88, €10.000,00 e €5.162,90, no total de €20.488,78.
G) A reclamante foi julgada insolvente por sentença de 28/11/2011.
H) Em assembleia de credores realizada em 1/10/2012 foi aprovado, com o voto contra da Fazenda Nacional, o plano de insolvência da reclamante, que foi homologado por sentença de 29/4/2013.
I) A reclamante tem um administrador único e vincula-se com a sua assinatura.
J) B… foi administrador único da reclamante entre 30/10/2007 e 29/1/2008, data em que cessou funções por renúncia.
K) A partir de 29/1/2008 é administrador único da reclamante C.., contribuinte fiscal n.º … .
L) Em 7/1/2013 a reclamante apresentou ao órgão de execução fiscal o requerimento constante de fls. 70 a 82, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
M) Este requerimento foi completado pelo requerimento de fls. 86 e 87, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
N) Os requerimentos referidos em L) e M) deram origem ao despacho de fls. 122 e 123, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que constitui o despacho reclamado.
Nada mais há com interesse.

Cumpre decidir.
A admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade das questões suscitadas e resolvidas, perante quadro legal substancialmente idêntico e substancial identidade das situações fácticas.

Vejamos então o caso concreto.
No acórdão recorrido decidiu-se:
A primeira questão que se coloca, tal como ficou delineada no ponto II, é a de saber se a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal apresentada, ao abrigo do disposto no artigo 276º e segs do CPPT, deve ter subida imediata ou diferida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância (artigo 276.° do CPPT).
A reclamação, embora apresentada no órgão da execução fiscal (n.º 2 do artigo 277.° do CPPT), é dirigida ao juiz do tribunal tributário da área onde correr a execução (artigo 151.°, n.º 1 do CPPT).
Na sequência da apresentação da reclamação e da sua junção ao processo de execução fiscal, o órgão de execução pode revogar o acto reclamado, nos termos do n.º 2 do artigo 277.° do CPPT, com o que ficará sem objecto a reclamação, extinguindo-se, por isso, o respectivo incidente.
Todavia, se não o revogar, toda a tramitação posterior da reclamação só terá lugar após a subida do processo ao tribunal tributário competente para a apreciar.
No caso trazido a juízo, como já afirmámos, estamos perante uma reclamação tendo por objecto o indeferimento de arguição de nulidade da citação do executado para a execução fiscal, como aliás, entendeu a Mmª Juíza «a quo», porém, contrariamente ao decidido, nesta circunstância não perde o seu efeito útil pelo facto de ter subida diferida, isto é, após a venda de bens, pois no caso de deferimento da reclamação aquela citação será anulada, ficando sem efeito todos os actos processuais subsequentes, designadamente o acto de penhora.
E nem se contraponha, que na petição inicial de reclamação é invocada pelo recorrido a existência de prejuízo irreparável pelo facto de receber uma pensão de reforma no montante de € 499,80, suportar um crédito a habitação de € 304,45 e três prestações de € 74,00, € 50,00 e € 64,00 (cfr. artigos 55 e 56 da p.i.), mas sem que daí retira qualquer consequência concreta. De todo o modo, ainda a existir esse prejuízo, tal não poderia deixar de se traduzir nos danos inerentes à instauração de qualquer processo judicial executivo.
Desde modo, a sentença recorrida ao decidir pela imediata subida da presente reclamação padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputado no que concerne à interpretação do artigo 278.° do CPPT, devendo por isso ser revogada, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

No acórdão fundamento decidiu-se:
Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do art. 165.º n.º 1 do CPPT, ao julgar procedente a reclamação judicial deduzida contra o acto do órgão de execução fiscal que ordenou o prosseguimento da execução fiscal em razão da verificação de nulidade insanável do processo executivo por falta de citação do executado, tendo por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo, incluindo o despacho reclamado.
A sentença recorrida, a fls. 316 a 322 dos autos, julgou procedente a reclamação judicial deduzida pela ora recorrida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo-1 que determinou o prosseguimento da execução fiscal não obstante a declaração de insolvência da executada (porquanto o vencimento dos créditos exequendos ocorreu após a declaração de insolvência), no entendimento de que tendo a reclamante invocado como fundamento de anulação do despacho reclamado, a par das ilegalidades invocadas relativas à instauração do PEF depois da declaração de insolvência, a falta de citação da executada, não estava o Tribunal impossibilitado de a conhecer não obstante não ter sido tal falta de citação previamente arguida perante o órgão de execução fiscal e conhecendo-a, julgou-a verificada, porquanto esta além de não ter sido realizada por carta registada com aviso de receção foi realizada em pessoa que não é o legal representante da reclamante, o que, podendo prejudicar a sua defesa, determina a anulação dos termos subsequentes do processo, designadamente do despacho reclamado, o que determinou (cfr. sentença recorrida, a fls. 319 a 322 dos autos).
Fundamentou-se o decidido, quanto à possibilidade de conhecimento da nulidade do processo de execução por falta de citação em reclamação judicial quando esta tenha sido invocada como fundamento de ilegalidade do acto reclamado, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13 de Setembro de 2013, proc. n.º 2508/12.6BEPRT, e quanto à verificação da falta de citação, nas anotações de JORGE LOPES DE SOUSA aos artigos165.º e 190.º do CPPT.
A recorrente Fazenda Pública, não pondo em causa directamente a falta de citação da executada, insurge-se, porém, contra o conhecimento desta pelo Tribunal sem que a executada nunca antes a tenha arguido perante o órgão de execução fiscal, pois que desta forma se “enviesaria” o entendimento proferido pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nos termos da qual tal nulidade deve primariamente ser arguida perante o órgão de execução fiscal. Mais alega a recorrente que a falta de citação do executado se deve ter por sanada ou suprida, porquanto encontra-se igualmente assente na Jurisprudência dos Tribunais superiores, (…), que o executado deverá arguir tal vício na sua primeira intervenção no processo, demonstrando que a falta de citação prejudicou a sua defesa, não tendo tal sucedido no caso dos autos.
A recorrida defende o não provimento do recurso, sendo igualmente essa a posição do Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA, no seu bem fundamentado parecer junto aos autos e supra transcrito.
Vejamos.
Constitui jurisprudência consolidada deste STA (cfr. os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 24 de Fevereiro de 2010, rec. n.º 923/08 e de 5 de Julho de 2012, rec. n.º 873/11) que a nulidade por falta de citação tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal, intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento administrativo dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos arts. 276.º e seguintes do CPPT. Tem-se, porém, entendido que assim já não será quando tal nulidade seja invocada como vício invalidante do próprio acto reclamado ao abrigo do artigo 276.º do CPPT (cfr. o Acórdão deste STA de 24 de Julho de 2013, rec. n.º 1211/13, por nós relatado), como sucede no caso dos autos, em que, como bem se consignou na sentença recorrida (a fls. 319 dos autos), a reclamante pede a anulação do despacho reclamado, entre outros motivos, por ser um acto processual nulo por resultar da prática dum ato processual dum PEF que padece de nulidade insanável, pelo que a nulidade insanável da sua falta de citação tem de ser analisada enquanto fundamento da ilegalidade do despacho reclamado, independentemente de ter sido invocado antes pela reclamante e de ter sido apreciado e decidido anteriormente pelo órgão de execução fiscal.
Neste contexto, nenhuma censura merece a apreciação pelo tribunal “a quo” na reclamação judicial deduzida contra o acto que ordenou a prossecução da execução fiscal da falta de citação do executado como fundamento da invalidade do acto reclamado, não estando o tribunal impedido de apreciar tal fundamento, porquanto o meio próprio para sindicar os actos lesivos praticados na execução fiscal pelo órgão de execução fiscal é a reclamação judicial prevista nos artigos 276.º e seguintes do CPPT e não há restrição legal às ilegalidades que nesta reclamação podem ser conhecidas, sendo que, in casu, a nulidade invocada como determinante da ilegalidade do acto sindicado é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. o n.º 4 do artigo 165.º do CPPT).
Sem pôr em causa a ocorrência, no caso dos autos, da falta de citação da executada, alega a recorrente que esta nulidade se encontra sanada, pelo facto de a executada ter tido intervenção no processo executivo (efectuando pagamentos por conta em Setembro de 2012, consultando o sistema informático em Dezembro de 2012 e dirigindo requerimento ao órgão de execução fiscal em Janeiro de 2013 – cfr. as conclusões N a P das alegações de recurso) sem que alguma vez tenha arguido a nulidade deste por falta de citação, alegando ainda que tal falta de citação não prejudicou em nada a defesa da reclamante, daí que deva considerar-se suprida.
No que à alegada sanação em virtude da intervenção no processo respeita, basta lembrar para afastar a alegação da recorrente que, como se sumariou no Acórdão deste STA de 7 de Julho de 2010, rec. n.º 0214/10, o regime da sanação da falta de citação previsto no Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de execução fiscal, pois o art. 165.º n.º 1, alínea a), do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação nestes processos executivos, de que resulta que, se for de concluir que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa de quem deveria ser citado, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que nunca poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que essa pessoa tenha concretizado, a não ser que a citação antes em falta seja realizada, deste modo improcedendo a alegação da recorrente.
Já no que tange ao alegado “suprimento” da nulidade, pelo facto de alegadamente a falta de citação em nada ter prejudicado a defesa da reclamante, está por demonstrar que assim seja, pois o facto de a executada ter realizado pagamentos por conta, consultado o sistema informático ou ter dirigido requerimento ao órgão de execução fiscal que está na origem do despacho reclamado não demonstram a inexistência de prejuízo para a sua defesa, porquanto, como a reclamante invocou na sua petição de reclamação, a falta de citação poderá tê-la impedido de deduzir oposição à execução fiscal e de, na pendência desta, prestar garantia para suspender o processo executivo, argumentos estes que a recorrente não contraria.
Ora, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos, apoiando-se na lição de JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume III, 6.ª edição, pp. 138/139), para que ocorra a nulidade por falta de citação basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência de efectivo prejuízo, sendo que no caso dos autos não há quaisquer elementos que permitam concluir no sentido de que o alegado prejuízo para a defesa da executada decorrente da impossibilidade de dedução de oposição à execução fiscal e suspensão do processo executivo mediante prestação de garantia não se verificou.

Da leitura atenta que se faz dos segmentos sublinhados das decisões em confronto resulta evidente que nas mesmas não se decidiram questões idênticas ou conflituantes.
Tal como refere o Sr. Procurador-Geral Adjunto, enquanto que no acórdão recorrido se decidiu a questão de saber se esta Reclamação de Acto de Órgão de Execução Fiscal deveria subir imediatamente, no acórdão fundamento resolveu-se as questões de (i)saber se o juiz poderia conhecer na reclamação de acto de órgão de execução fiscal da nulidade de citação que não havia sido arguida perante aquele mesmo órgão, (ii)da sanação de tal nulidade pela intervenção no processo de execução fiscal do executado e do (iii)suprimento da referida nulidade por não ter acarretado qualquer prejuízo para o executado.
Ou seja, a questão resolvida no acórdão recorrido não é idêntica a nenhuma daquelas que foi resolvida no acórdão fundamento, pelo que, torna-se inviável afirmar que existe contradição ou oposição, entre o decidido em ambos os acórdãos.
Faltando, assim, este pressuposto primordial ao conhecimento da questão trazida a este Supremo Tribunal, no âmbito deste concreto recurso, não está o mesmo em condições de ser conhecido.

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.
Custas pelo recorrente.
D.n.

Lisboa, 5 de Julho de 2017. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António José Pimpão – Joaquim Casimiro Gonçalves – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Ana Paula da Fonseca Lobo.