Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03/16.3BESNT
Data do Acordão:02/02/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO
CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário:I - Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que a infracção depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida.
II - Sendo aplicável o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, o procedimento extingue-se logo que decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação da respectiva prestação tributária.
III - As contra-ordenações p.p. nos artigos 114.º, 118.º e 119.º do RGIT dependem da prévia determinação do valor da prestação tributária devida para a determinação da coima aplicável, pois que os limites mínimo e máximo se determinam tendo por referência o valor do imposto em falta, no caso da p.p. no artigo 114.º, ou tais limites dependem de haver ou não imposto a liquidar, nos casos das previstas nos artigos 118.º e 119.º do RGIT, sendo-lhes aplicável o prazo de prescrição do procedimento correspondente ao prazo de caducidade do direito à liquidação.
IV - É aplicável às contra-ordenações tributárias o limite máximo do prazo de prescrição do procedimento previsto no n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, ou seja, a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão – que não pode ultrapassar seis meses, nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 27.º-A do RGCO, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
Nº Convencional:JSTA000P28893
Nº do Documento:SA22022020203/16
Data de Entrada:12/02/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 30-09-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou extinto, por prescrição, o procedimento por contra-ordenação relativo ao recurso intentado por A…………. – PORTUGAL, LDA., anteriormente designada B………… – PORTUGAL, LDA., com os sinais dos autos, contra a decisão de aplicação da coima proferida no processo de contraordenação (PCO) nº 34332014060000503900, pelo Chefe do Serviços de Finanças de Cascais -2, que lhe fixou coima no valor de € 23.541,23, acrescida de custas na quantia de € 76,50, por falta de pagamento do imposto devido dentro do prazo - IVA de Outubro de 2013.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:


A. Salvo o devido respeito, ao determinar a prescrição do procedimento de contra-ordenação n.º 34332014060000503900, que aplicou uma coima no montante de €123.541,23, pela falta de pagamento do imposto dentro do prazo - IVA, devido em Outubro de 2013, incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento.

B. Considerando o período da infração bem como a data da interrupção do procedimento, que anulou o tempo decorrido antes da causa de interrupção, é entendimento da Fazenda Pública que o procedimento não se encontra prescrito.

C. À luz do artigo 33.º do RGIT, verificamos que este disposto além de instituir um prazo geral de prescrição de cinco anos, estabelece, ainda um prazo especial, idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária para todos aqueles casos em que a infração depende dessa liquidação.

D. Acresce que deve ter-se em consideração a aplicação do nº 3 do art.º 28º do DL 433/82, de 27 de outubro, aditamento introduzido pela Lei 109/2001, de 24/12, que é semelhante à prescrição das sanções, ou seja, o prazo é acrescido de metade, sendo no caso em apreço de seis anos.

E. Ora, tal indica que o prazo de prescrição sucederia em 10.06.2020, contudo, importa atender à interrupção do prazo que ocorreu em 12 de Março de 2015, com a notificação para o exercício do direito de defesa, - artigo 28.º do DL 433/82, que iniciou uma nova contagem de seis anos, pelo que, a prescrição apenas ocorrerá em 11.06.2022.

F. Termos em que, tendo a decisão recorrida decidido como decidiu, violou o disposto no n.º 1 e n.º 3 artigo 33.º do RGIT, conjugado com o artigo 28.º, n.º 3 do RCO.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a reclamação judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!

O Ministério Público veio responder, concluindo nos seguintes termos:

I – Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida nos autos, que julgou extinto, por prescrição, o procedimento por contraordenação contra a recorrente e, em consequência, ordenou o arquivamento dos autos.
II – A discordância da recorrente com a decisão recorrida, funda-se no entendimento errado, a nosso ver, de que, quando se verifiquem causas de interrupção do procedimento de contra-ordenação previstas no n.º 1, do artigo 28.º do DL n.º 433/82, de 27/10, na redação dada pela Lei n.º 109/01, de 24/12, não será aplicável o disposto no n.º 3, do mesmo artigo.
III – Alega que tendo a arguida apresentado recurso judicial da decisão de fixação da coima em 11.12.2015, o prazo de prescrição se interrompeu nessa data, tendo a partir dessa data, se iniciado novo prazo de seis anos e seis meses, para se verificar a prescrição.
IV - Ora, os prazos de prescrição do procedimento por contra-ordenação tributário previstos no artigo 33.º do RGIT, acrescidos de metade, nos termos do n.º 3 do artigo 28.º do DL n.º 433/82, aplicável ex vi do n.º 3, do mesmo artigo 33.º, constituem os prazos máximos de prescrição do procedimento contraordenacional, que, por isso, são sempre aplicáveis a todos os procedimentos, ainda que tenha havido interrupção desse prazo.
V - A arguida foi condenada pela prática da infração prevista nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, punida pelos artigos 114.º, nº 5, al. a) e 26.º, nº 4 do RGIT, por falta de pagamento do imposto devido no prazo legal, cujo prazo para cumprimento terminou no dia 10.12.2013.
VI - Data a partir da qual se iniciou a contagem do prazo de prescrição, por se tratar de infração omissiva, e embora deva ser ressalvado o tempo de suspensão, por força do art.º 27º-A, nº 2 do RGCO, o prazo máximo de suspensão é de seis meses.
VII - Assim, tendo a contagem do prazo prescricional tomado o seu termo inicial após a referida data e não obstante a interrupção ou suspensão do referido prazo, concluímos que ocorreu a prescrição, pelo decurso do prazo máximo de seis anos e seis meses contados da data da prática da infração, aplicável ao caso em apreço.
VIII - Assim, bem andou a Mmª Juiz a quo, na decisão recorrida, ao decidir julgar extinto, por prescrição, o presente procedimento por contra-ordenação.
IX – A decisão recorrida fez correta interpretação e aplicação do Direito, não merecendo qualquer censura, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.
Termos em que, negando provimento ao presente recurso, mantendo na íntegra a douta decisão recorrida, farão, V. Exªs, a costumada JUSTIÇA

A então recorrente, ora recorrida, A…………… – PORTUGAL, LDA., anteriormente designada B………………. – PORTUGAL, LDA., também apresentou a sua resposta, finalizando com as seguintes conclusões:


A. Conforme os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0367/14.3BELRA 0291/18, de 12 de dezembro de 2018, e n.º 0679/11.8BEALM 01186/17, de 30 de abril de 2019, entre muitos outros, “tem entendido este STA que é igualmente aplicável às contraordenações tributárias o limite máximo do prazo de prescrição do procedimento previsto no n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, ou seja, a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão – que não pode ultrapassar seis meses, nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 27.º-A do RGCO, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade (cfr., entre outros, os Acórdãos deste STA de 20 de Dezembro de 2017, recursos n.º 084/17 e n.º 0224/17)”.

B. O artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, aditado pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro e aplicável por remissão do artigo 3.º, alínea b), do RGIT, estabelece um prazo máximo e inultrapassável – como evidencia o emprego da expressão “tem sempre lugar” – de duração do procedimento por contraordenação.

C. Tratou-se, como observa o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.º 0453/07, de 19 de setembro de 2007, “não [de] consagra[r] um novo prazo de prescrição a se, mas apenas um limite máximo do prazo de prescrição que, assim, nunca o poderá exceder. De outro modo, sairia frustrado o escopo legal de evitar a eternização do prazo, pela verificação de sucessivas interrupções e consequentes renovações, com óbvio sacrifício da paz jurídica e das próprias finalidades da sanção” (sublinhado da Recorrida).

D. No que concerne à contraordenação fiscal prevista e punida pelo artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea a), do RGIT, o prazo prescricional geral de cinco anos é reduzido para o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA, ou seja, quatro anos (cf. artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, na redação que foi conferida a este último pela Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro, ex vi artigo 94.º, n.º 1, do Código do IVA e do artigo 33.º, n.º 2, do RGIT).

E. Na medida em que o IVA de outubro de 2013 deveria ter sido entregue até 10 de dezembro de 2013, é nesta data que a infração em causa se considera praticada por omissão e que tem início a contagem do prazo prescricional de quatro anos (cf. artigos 5.º, n.º 2, e 33.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT e artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, na redação então em vigor).

F. Embora a respetiva suspensão pudesse ter lugar, esta não poderia ultrapassar os seis meses (cf. artigo 27.º-A, n.º 2, do RGCO, ex vi artigo 3.º, alínea b), do RGIT).

G. Logo, o procedimento contraordenacional fiscal prescreveu em 10 de junho de 2020, isto é, seis anos e seis meses após o seu início (10 de dezembro de 2013), ou, o mais tardar, em 1 de julho de 2020 (neste último caso, se o prazo de seis anos e seis meses for contado a partir do primeiro dia do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do IVA).

H. Ultrapassado este limite máximo estabelecido pelo artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, como sucedeu no caso concreto, e independentemente da verificação de factos interruptivos e suspensivos, o procedimento contraordenacional é forçosamente extinto por prescrição.

I. Termos em que ao julgar extinto, por prescrição, o procedimento por contraordenação fiscal instaurado contra a ora Recorrida sob o n.º 34332014060000503900, o despacho decisório proferido em 30 de setembro de 2021 não merece censura, devendo esta prescrição ser também reconhecida e declarada por este Tribunal.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, por não provado, e, por conseguinte, ser mantido na íntegra o despacho decisório proferido em 30 de setembro de 2021 pelo qual foi julgado extinto, por prescrição, o procedimento por contraordenação fiscal n.º 34332014060000503900, prescrição que deve ser confirmada e reconhecida.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, no parecer que se segue:

Acompanha-se o teor das contra-alegações de recurso apresentadas pelo Ministério Público junto da 1ª instância.
Com efeito, o nº3 do artigo 28º do Regime Geral das Contra-Ordenações ao prescrever que "a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade" é claro ao desconsiderar os efeitos dos factos interruptivos. E assim sendo, para além do prazo máximo ali previsto - prazo de prescrição acrescido de metade - relevam apenas os factos suspensivos da prescrição.
Ora, a Recorrente não invoca qualquer prazo suspensivo, para além do previsto no artigo 27-A, nº1, alínea c) e nº2 do Regime Geral, que corresponde ao prazo máximo de seis meses e que foi considerado na decisão recorrida.
Como decorre dos autos, pese embora o processo tenha sido decidido por simples despacho, o mesmo não foi decidido nesse prazo de 6 meses (prazo que o legislador considerou razoável para a decisão), mas sim após mais de 4 anos.
Tendo a consumação da infração ocorrido em 10/12/2003, data em que o imposto devia ter sido pago, mostra-se manifesto que à data da prolação da decisão recorrida já tinha decorrido o assinalado prazo de prescrição acrescido de metade e dos seis meses de suspensão.
Motivo pelo qual o tribunal "a quo" limitou-se a reconhecer o decurso desse prazo e a verificação da extinção do procedimento contraordenacional (e nós a problemática da morosidade que tanto afeta esta jurisdição).
A decisão recorrida não padece do vício que lhe é assacado, pelo que se impõe a improcedência do recurso.

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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

a) Na decisão de aplicação de coima sob recurso, que aqui se dá por reproduzida, o arguido vem acusado de infracção ao disposto no artigo 27º, nº 1 e 41º al. a) do CIVA, punida pelo artigo 114º n.º 2, nº 5 a) e 26º, nº 4 do RGIT, por pagamento de IVA do período de 2013/10 fora do prazo (cfr. fls. 1 e ss. – 74-75/81 – numeração do Sitaf);

b) A data da infracção ocorreu em 10.12.2013 – a data em que terminou o prazo para pagamento voluntário do imposto em causa (cfr. idem).
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2.2.- Motivação de Direito

É pacífico o entendimento de que as conclusões das alegações do recurso definem o respectivo objecto e consequente âmbito de intervenção do Tribunal de recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, ex vi do artº.3, al. b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Dec.Lei nº 433/82, de 27/10).
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou extinto o procedimento contra-ordenacional, por prescrição, padece de erro de julgamento, por o mesmo não se encontrar prescrito, tendo em conta que o prazo daquela prescrição sucederia em 10.06.2020, importando, no entanto, atender à interrupção do prazo que ocorreu em 12 de Março de 2015, com a notificação para o exercício do direito de defesa, - artigo 28.º do DL 433/82, que iniciou uma nova contagem de seis anos, pelo que, a prescrição apenas ocorrerá em 11.06.2022.
Averiguemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Jurídico-conceptualmente a prescrição do procedimento contra-ordenacional é configurada como excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer momento do processo, até à decisão final (cfr., em conjunto e conjugadamente, os artºs.35º e 193º, al.b), do C.P.Tributário, e 27º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Dec.Lei nº 433/82, de 27/10 e o artº.33, do R.G.I. Tributárias), que obsta ao julgamento da matéria de fundo e dá origem ao arquivamento dos autos (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pág.1123 e seg.; Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, pág.14; M. Leal-Henriques e M. Simas Santos, C.Penal Anotado, Rei dos Livros, 1995, 1º.volume, pág.826 e seg.).
Hodiernamente, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional está prognosticado no artº.33º, do R.G.I.T., norma que mantém no seu nº.1 o prazo geral de cinco anos, já consagrado no anterior artº.119º, da L.G. Tributária, tal como no artº.35º, do C.P. Tributário, no que tange às contra-ordenações fiscais não aduaneiras.
Em vista do caso concreto, a divergência da recorrente com a decisão recorrida, assenta na percepção de que, quando se verifiquem causas de interrupção do procedimento de contra-ordenação previstas no n.º 1, do artigo 28.º do DL n.º 433/82, de 27/10, na redacção dada pela Lei n.º 109/01, de 24/12, não será aplicável o disposto no n.º 3, do mesmo artigo.
Por assim entender, sustenta que tendo a arguida apresentado recurso judicial da decisão de fixação da coima em 11.12.2015, o prazo de prescrição se interrompeu nessa data, a partir da qual se iniciou novo prazo de seis anos e seis meses, para operar a prescrição.
Todavia, reportando-se o caso sub judice ao prazo de prescrição de contra-ordenação, por falta de pagamento do IVA dentro do prazo, é entendimento jurisprudencial uniforme que os prazos de prescrição do procedimento por contra-ordenação tributário previstos no artigo 33.º do RGIT, acrescidos de metade, nos termos do n.º 3 do artigo 28.º do DL n.º 433/82, aplicável ex vi do n.º 3, do mesmo artigo 33.º, constituem os prazos máximos de prescrição do procedimento contraordenacional, que, por isso, são sempre aplicáveis a todos os procedimentos, ainda que tenha havido interrupção desse prazo.
Pontificam, a esse propósito, entre muitos, os Acórdãos do STA de 12/12/2018, Proc. nº 0367/14.3BELRA, de 20/12/2017, Proc. nº 084/17, de 20/12/2017, Proc. nº 0224/17, de 19/09/2007, Proc. nº 0453/07, de 30/04/2019, Proc. nº 0679/11.8BEALM e de 20.05.2020, Proc. nº 1901/15.7BELRA.
Por outro lado e no tangente à contra-ordenação fiscal prevista e punida pelo artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea a), do RGIT, o prazo prescricional geral de cinco anos é reduzido para o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA, ou seja, quatro anos (cf. artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, na redacção que foi conferida a este último pela Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro, ex vi artigo 94.º, n.º 1, do Código do IVA e do artigo 33.º, n.º 2, do RGIT).
Em vista do caso concreto, há, pois, que atentar no que se determina no nº.2, do artº.33, do R.G.I.T., ao instituir um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
No entanto, a fórmula utilizada no nº.2 do referido artigo, ao indicar a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos artºs.108, nº.1, 109, nº.1, 114, 118 e 119, nº.1, todos do R.G.I.T. (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.323 a 325).
Em todo o caso, é enquadrável no prazo de prescrição previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a infracção tributária que deriva da violação do regime de autoliquidação e pagamento do I.V.A., enquadrável em termos de responsabilidade contra-ordenacional no artº.114, do R.G.I.T.
E a fixação do prazo de prescrição reduzido implica que se determine qual é o prazo de caducidade do direito à liquidação, para tanto devendo levar-se em consideração o regime previsto no artº.45, da L.G.Tributária, reiterando-se que é aplicável também ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (cfr.artº.121, nº.3, do C.Penal).
É que no artº.33º, nº.3, do R.G.I.T., remete-se para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contra-ordenacional previstas no R.G.C.O.C. O curso da prescrição pode ser suspenso e interrompido. Há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, ao tempo decorrido após essa causa ter desaparecido (cfr.artº.120, nº.3, do C. Penal). A suspensão impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou. Inversamente, verifica-se a interrupção quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se a contagem de um novo período logo que desapareça a mesma causa (cfr.artº.121º, nº.2, do C. Penal). Quer dizer, a interrupção anula o prazo prescricional entretanto decorrido (cfr. Ac.S.T.A.-2ª.Secção, de 19/9/2007, Proc.453/07; Ac. S.T.A.-2ª.Secção, de 26/9/2007, Proc.518/07; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.327; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6ª. edição, 2011, Áreas Editora, pág.261).
Volvendo ao caso dos autos, porque o IVA de Outubro de 2013 deveria ter sido entregue até 10 de Dezembro de 2013, é nesta data que a questionada infracção se considera praticada por omissão e que tem início a contagem do prazo prescricional de quatro anos (cf. artigos 5.º, n.º 2, e 33.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT e artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, na redacção então em vigor).
Extrai-se do acabado de expor, que o prazo de prescrição capitula dentro do nº 2 do art. 33º do RGIT, ou seja o prazo consagrado no nº 1 do art. 45º da LGT – 4 anos, sendo de realçar que a prescrição do procedimento contraordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, ou seja, conquanto a respectiva suspensão pudesse ter lugar, esta não poderia ultrapassar os seis meses (cf. artigo 27.º-A, n.º 2, do RGCO, ex vi artigo 3.º, alínea b), do RGIT).
Nessa óptica, é inelutável que o procedimento contraordenacional fiscal prescreveu em 10 de Junho de 2020, em rigor, seis anos e seis meses após o seu início (10 de Dezembro de 2013), ou, o mais tardar, em 1 de Julho de 2020 (neste último caso, se o prazo de seis anos e seis meses for contado a partir do primeiro dia do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do IVA) como bem admite a recorrida ao também concluir que ultrapassado este limite máximo estabelecido pelo artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, como sucedeu no caso concreto, e independentemente da verificação de factos interruptivos e suspensivos, o procedimento contraordenacional é forçosamente extinto por prescrição.
Destarte e secundando o ponto de vista do Ministério Público, não invocando a recorrente qualquer prazo suspensivo, para além do previsto no artigo 27-A, nº1, alínea c) e nº2 do Regime Geral, que corresponde ao prazo máximo de seis meses e que foi considerado na decisão recorrida uma vez que decorre dos autos, pese embora o processo tenha sido decidido por simples despacho, o mesmo não foi decidido nesse prazo de 6 meses (prazo que o legislador considerou razoável para a decisão), mas sim após mais de 4 anos pelo que, tendo a consumação da infracção ocorrido em 10/12/2003, data em que o imposto devia ter sido pago, mostra-se manifesto que à data da prolação da decisão recorrida já tinha decorrido o assinalado prazo de prescrição acrescido de metade e dos seis meses de suspensão.
Ora, tendo-se o tribunal "a quo" limitado a reconhecer o decurso desse prazo e a verificação da extinção do procedimento contraordenacional, a decisão recorrida não padece do vício que lhe é assacado, pelo que se impõe a improcedência do recurso.

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3. Decisão:

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.

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Lisboa, 02.02.2022. - José Gomes Correia (Relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.