Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0941/14
Data do Acordão:09/17/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica admitir a revista, atendendo às acrescidas exigências de admissibilidade da revista em processo cautelar e à necessidade de um interesse objectivo, por não versar sobre questões de alcance geral da tutela cautelar nem sobre matéria de acentuada repercussão comunitária e a solução a que chegou o acórdão recorrido não apresentar raciocínios lógicos e jurídicos ou erros ostensivos que tornem claramente necessária a intervenção para melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P17934
Nº do Documento:SA1201409170941
Data de Entrada:07/30/2014
Recorrente:A............
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. A………… recorre, ao abrigo no art.º 150.º do CPTA, do acórdão do TCA Sul, de 5/6/2014, que negou provimento a recurso de sentença do TAC de Lisboa que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do despacho da Vereador da Câmara Municipal de Lisboa que determinou a cessação da ocupação e o despejo administrativo do fogo municipal que havia sido cedido à recorrente.

O acórdão recorrido indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do despacho impugnado com fundamento em que sendo o marido da recorrente proprietário de uma casa na Cotovia, em Sesimbra, “existe fumus malus pois nos termos do art.º 3.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 21/2009, de 20.04, tal propriedade é causa de desocupação do fogo municipal”. Prevendo o preceito invocado que cesse a ocupação do fogo municipal em caso de “detenção, a qualquer título de outra habitação adequada ao agregado familiar”, entendeu o acórdão recorrido que “adequada, para os efeitos legais, é aquela habitação que permite o alojamento do agregado, deixando por isso de precisar do auxílio municipal. Deste conceito arredam-se as razões relativas à proximidade entre o local de trabalho e o da habitação, ou a facilidade de não ter de usar um transporte público. Igualmente se apartam as razões relativas ao valor do passe social, ou outras do foro pessoal e subjectivo dos cessionários da habitação municipal”.

No essencial, a recorrente sustenta no presente recurso que o acórdão recorrido errou flagrantemente ao considerar que é manifesta a falta de fundamento da sua pretensão na acção de que a providência depende e, por isso, deixar de apreciar os restantes requisitos da providência cautelar pedida, pelo que a admissão da revista se justifica pela manifesta necessidade de melhor aplicação do direito.


2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

O carácter excepcional deste recurso tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência da formação a que compete a apreciação preliminar dos seus pressupostos específicos, com especial destaque para os processos cautelares em que se tem afirmado a exigência de um rigor acrescido. Neste domínio, salvo quando estiverem em causa normas atinentes a matérias específicas da tutela cautelar ou questões que nesse processo se esgotem, mais apertado tem de ser o controlo de verificação dos pressupostos de intervenção do órgão de cúpula da jurisdição. Efectivamente, nas providências cautelares, segundo a estrutura e a funcionalidade própria do processo, o Supremo Tribunal Administrativo não emite uma pronúncia com vocação de constituir a última palavra sobre a questão jurídica colocada na acção principal, pelo que, em princípio, não se justifica chamá-lo a intervir em tal domínio, ficando o litígio pelos dois graus de jurisdição em que se desenrola normalmente o contencioso administrativo. Além disso, trata-se de processos em que a análise das questões decorre de um debate, em geral, encurtado e em sumaria cognitio, circunstâncias menos propensas ao cumprimento do papel esperado das decisões dos tribunais supremos.

3. Isto posto, é manifesto que o presente recurso não satisfaz os apontados requisitos.
O que se pretende não é senão a (re)apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo da verificação, no caso concreto, de um dos requisitos para concessão da suspensão de eficácia de um acto. Designadamente, se está errada a conclusão a que chegou o tribunal a quo de que é manifesta a falta de fundamento da pretensão da recorrente na acção de que a providência será instrumental (al. a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA), atendendo ao disposto no art.º 3.º, n.º1, al. g) da Lei n.º 21/2009.
Situando-se o juízo de manifesta falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular na acção principal num plano ainda provisório ou de apreciação perfunctória, não se justifica, no comum dos casos como o presente, sobrepor uma apreciação do Supremo à apreciação das instâncias a pretexto de necessidade de melhor aplicação do direito, porque o Supremo não estaria a efectuar um juízo sobre o direito aplicável, mas sobre o supostamente aplicável. Em princípio só não será assim, além de hipóteses, certamente raras, em que a decisão recorrida seja incapaz de se credenciar racionalmente, quando existirem elementos exógenos por si sós suficientes para desmentir o carácter manifesto do juízo de improcedência, v. gr., uma outra corrente jurisprudencial ou, porventura, uma sólida opinião doutrinal. Perante essa evidência, o Supremo não será chamado a sobrepor um juízo provisório ao juízo provisório relativamente à questão de fundo, mas a censurar o critério do que é “manifesta falta de fundamento” para efeito de tutela cautelar.

Além disso, a questão que se pretende que se aprecie é completa e fundamentalmente determinada pela singularidade do caso e dos seus contornos, não versando sobre uma questão de alcance geral ou de repercussão comunitária, pelo que o interesse do recurso seria meramente subjectivo. Ora, a lei não criou esta terceira apreciação com o objectivo primário de garantir melhor a protecção dos sujeitos processuais, mas para criar um instrumento de interpretação, aclaração e uniformidade do direito e para a boa administração da justiça em termos de resposta do serviço e de garantia de previsibilidade para os destinatários em geral, não para a correcção de eventual erro na decisão do caso concreto (Ac. de 30-04-2013, Proc. 647/13).

Assim, nada se surpreendendo no discurso fundamentador do acórdão recorrido que se afaste do espectro das soluções razoavelmente compartilhadas pela doutrina e jurisprudência em matéria de aplicação do regime jurídico do art.º 120.º do CPTA ou que enferme de erros ostensivos, não se consideram verificados os requisitos exigidos pelo n.º 1 do art.º 150.º do CPTA.

4. Decisão
Pelo exposto, decide-se não admitir a revista e condenar a recorrente nas custas.
Lisboa, 17 de Setembro de 2014. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.