Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0247/11.4BELRS
Data do Acordão:05/29/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P24596
Nº do Documento:SA2201905290247/11
Data de Entrada:03/25/2019
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:CM DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A………….., Lda, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 144.º e 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 6 de Dezembro de 2018, que concedeu provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara improcedente a acção administrativa especial de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido, revogando a sentença recorrida, anulando o acto impugnado por incompetência do respectivo autor e condenando a Câmara Municipal de Lisboa na apreciação do pedido de isenção de IMI e IMT por ela formulado em 28.07.2009.

A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

1. Entende a Recorrente que estão verificados os requisitos de que depende a admissão do presente recurso de revista;

2 Em face do decidido em segundo grau de jurisdição, considera a Recorrente verificar-se a violação de lei na interpretação conferida ao artigo 71.º do CPTA e coloca-se a questão de saber qual o alcance da condenação à prática de ato devido com um conteúdo determinado quando a emissão do ato envolve a interpretação de conceitos jurídicos indeterminados, designadamente, se está afastada qualquer pronúncia sobre a pretensão material do interessado ou a explicitação das vinculações a observar pela Administração na prática do ato devido - como, aparentemente, entendeu o TCAS - ou se, como entende a Recorrente, há uma necessidade de controlo judicial que justifica, em geral, o instituto da condenação à prática do ato devido e, em particular, a sindicabilidade dos atos administrativos da Administração que envolvem a interpretação de conceitos jurídicos indeterminados, pelo que, estando em causa uma situação em que o Tribunal dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar sobre a pretensão material do interessado e/ou a solução legalmente possível seja apenas uma, se impõe ao Tribunal a condenação da Administração à prática do ato devido com um conteúdo determinado;

3 No caso vertente estão verificados os pressupostos de que depende a admissibilidade do presente recurso de revista, uma vez que as supra enunciadas questões assumem quer relevância jurídica, quer social, sendo a admissão da revista necessária para uma melhor aplicação do direito (cf., entre outros, o acórdão de 29.06.2011, proferido no âmbito do processo n.º 0569/11);

4 No que concerne à questão em equação, impõe-se a revista para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental;

5 No caso sub judice, temos desde logo duas decisões em que os tribunais atuam de forma díspar perante a mesma questão, qual seja a de saber se as obras promovidas pela Autora, ora Recorrida, integram o conceito de reabilitação urbana consagrado no n.º 3 do artigo 45.º do EBF, na redação em vigor à data dos factos;

6 A decisão proferida em primeira instância pelo TTL versou no sentido de não se encontrarem verificados os pressupostos da reabilitação urbana porquanto, após a análise das edificações antiga e nova, o Tribunal concluiu que "A nova edificação não conserva o carácter fundamental da antiga, dada à amplitude da sua transfiguração, razão pela qual a acção não pode proceder com base nesse fundamento." (cf. página 8 da sentença recorrida; sublinhado nosso);


7 Diferentemente, o TCAS não obstante dispor dos mesmos elementos que o TTL para a decisão do recurso, justificou que os conceitos indeterminados que o preceito (artigo 45.º, n.º 3 do EBF) encerra - dos quais destaca: processo de transformação do solo urbanizado, com o objetivo de melhorar as condições de uso, conservando o seu carácter fundamental - deverão ser preenchidos pela Recorrida no seio dos seus poderes discricionários e, neste sentido, que não podia condenar a Recorrida à prática do ato devido com conteúdo determinado, in casu, o reconhecimento do direito aos benefícios fiscais pela Recorrente;

8 Perante a mesma temática a postura adotada pelo TTL é substancialmente distinta da perfilhada pelo TCAS porquanto a decisão do TTL ainda que tenha julgado improcedente a ação administrativa especial apresentada pela ora Recorrida, logrou pronunciar-se sobre o preenchimento dos conceitos indeterminados consagrados no n.º 3 do artigo 45.º do EBF, concluindo - após análise do edifício em juízo - que "a nova edificação não conserva o carácter fundamental da antiga, dada a amplitude da sua transfiguração, razão pela qual a acção não pode proceder com este fundamento." (cf. página 8 da sentença recorrida; sublinhado e destacado nosso);

9 O TCAS, por outro lado, limitou-se a assinalar os conceitos indeterminados previstos no n.º 3 do artigo 45.º do EBF, na redação em vigor à data dos factos, e a concluir que apenas poderão ser valorados pela Recorrida no âmbito dos seus poderes discricionários, sem aferir se o preenchimento destes conceitos é de alguma forma consolidado pela lei, desde logo pelo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, tampouco se o poder discricionário da Recorrida se encontra, in casu, reduzido a zero por existir uma única solução possível - situações perante as quais deveria o Tribunal ter condenado a Recorrida à prática do ato legalmente devido no sentido de reconhecer os benefícios fiscais em juízo;

10 Este juízo é insustentável por encerrar uma violação do disposto no artigo 71.º do CPTA, não estando em causa um simples erro de julgamento, mas um erro manifestamente ostensivo e grosseiro, aqui consubstanciado no facto de o Tribunal ter feito tábua rasa do disposto no artigo 71.º do CPTA, sem atender às caraterísticas do caso sub judice e eximindo-se de um dever legalmente previsto, i.e. a análise dos conceitos referidos e a condenação da Recorrida à prática do ato devido com conteúdo determinado, no caso em apreço o reconhecimento dos benefícios fiscais de IMI e IMT consagrados no artigo 45.º do EBF, na redação em vigor à data dos factos;

11 Deste modo, é claramente necessária a intervenção do STA para evitar que esta incorreta interpretação do artigo 71.º do CPTA se consolide na ordem jurídica e que seja aplicável em todas as situações em que esteja em causa a interpretação de conceitos jurídicos indeterminados;

12 No que se refere à complexidade das operações lógicas e jurídicas necessárias à resolução da questão, impõe-se ainda ao Tribunal a interpretação dos diversos números do artigo 71.º do CPTA com o objetivo de definir se, perante conceitos jurídicos, o Tribunal pode, designadamente dispondo dos elementos necessários à apreciação da situação de facto e/ou a solução legalmente possível seja apenas uma, condenar a Administração à prática do ato devido com conteúdo determinado;

13 De facto, estando em causa a interpretação de normas que têm na sua origem a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, é inequívoco para a Recorrente a existência de uma complexidade jurídica superior à comum que justifica a admissão do presente recurso de revista;

14 Para além disso, não vigora até esta data uma corrente uniforme de jurisprudência proferida pelos tribunais superiores quanto a esta questão e exemplo disso são inclusive as decisões recorridas, do TTL e do TCAS, que culminaram no presente recurso e que seguiram teses opostas quanto aos poderes de pronúncia do tribunal;

15 Atendendo a que a questão em torno do alcance dos poderes de pronúncia do Tribunal - no caso de atos que envolvam o preenchimento de conceitos indeterminados mas em que o Tribunal esteja dotado de todos os elementos necessários para apreciação da situação de facto e/ou a solução possível seja apenas uma - tem vindo a perpassar pela jurisprudência dos tribunais superiores, entende a Recorrente que é evidente a suscetibilidade de repetição da questão em casos futuros, em termos de expansão da controvérsia;

16 A decisão sobre a questão não é meramente teórica e tem inerentes efeitos práticos, com claro reflexo para o administrado pois, recorrendo à via judicial para sindicar a ilegalidade de um ato administrativo proferido ao abrigo de poderes discricionários, importa aos administrados tomar consciência do alcance do poder jurisdicional no que concerne à condenação da Administração ao ato devido;

17 Não parece razoável que o Tribunal na posse todos os elementos necessários para apreciação da situação de facto e/ou perante uma única solução jurídica possível se exima de conformar definitivamente a situação do interessado por verificar a existência de conceitos indeterminados, pois uma decisão, nestes moldes, sempre violaria os princípios da economia processual e da tutela jurisdicional efetiva;

18 Ao facto de a decisão do recurso não ter satisfeito a pretensão da Recorrente - não obstante a procedência do mesmo - acresce que, in casu, a Recorrente será novamente sujeita a um procedimento administrativo que tendencialmente poderá culminar com o indeferimento do reconhecimento do benefício pela Recorrida, decisão que poderá sindicar mas consciente de que poderá ser inútil sindicar, porquanto a manter-se o entendimento do TCAS não será apreciada em sede judicial;

19 Assim, considera o Recorrente que a interpretação proferida em segundo grau de jurisdição, em clara violação da lei, por perfilhar aceção contrária ao próprio espírito do legislador tributário, é suscetível de se aplicar em numerosos novos litígios administrativos e judiciais, e inclusivamente originá-los, gerando uma avultada incerteza e instabilidade e fazendo antever como objetivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, pelo que a dilucidação da questão revela-se também necessária para uma melhor aplicação do Direito;

20 Pelo que, quanto a esta questão, estão pois preenchidos os requisitos necessários à admissibilidade do recurso previsto no artigo 150.º do CPTA;

21 No que concerne à apreciação do mérito do recurso, é evidente que se impõe decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo;


22 Conforme supra se aduziu, o Tribunal recorrido julgou procedente o recurso apresentando pela Recorrente, mas considerou, quanto à condenação à prática de ato devido, "(...) que o acto devido na presente acção, tendo em conta a pretensão material à mesma subjacente, impõe a formação de um juízo por parte da Recorrida, visando o preenchimento dos conceitos vagos ou indeterminados descritos no artigo 45.º n.º 3 do EBF.", continuando o douto Tribunal no sentido de que "(...) o normativo citado, quando remete para o «(...) processo de transformação do solo urbanizado, compreendendo a execução de obras de construção, reconstrução, alteração, ampliação, demolição e conservação de edifícios, tal como definidas no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, com o objectivo de melhorar as condições de uso, conservando o seu carácter fundamental (...)» (negrito da nossa autoria), vale-se de conceitos que concedem espaço à discricionariedade técnico-administrativa'', pelo que concluiu "(...) não poder condenar na formulação precisa do acto a praticar, impondo-se apenas condenar a Recorrida na apreciação do pedido apresentado pela Recorrente em 28 de Julho de 2009." (cf. página 18 do douto acórdão recorrido);

23 Salvaguardando o devido respeito, entende a Recorrente que o douto acórdão recorrido decidiu em violação do disposto no artigo 71.º do CPTA porquanto considera a Recorrente que, contrariamente ao que resulta do douto acórdão recorrido, o Tribunal podia e devia, mesmo porque julgou procedente o recurso apresentado pela Recorrente e dispunha de todos os elementos necessários para apreciação da situação de facto, condenar a Recorrida à prática de um ato com um conteúdo determinado, in casu, de deferimento do pedido de reconhecimento das referidas isenções de IMI e IMT consagradas no artigo 45.º do EBF, na redação em vigor à data dos factos;

24 A ratio legis subjacente ao artigo 71.º do CPTA é a de conferir ao órgão jurisdicional poderes no sentido de, dispondo dos elementos necessários à formação da sua convicção, não só condenar a Administração à prática de um ato devido mas igualmente de definir o respetivo conteúdo, por forma a satisfazer a pretensão do interessado e a resolver a questão em juízo de forma mais célere sendo que as reservas na fixação do conteúdo de ato pelo poder jurisdicional, verificam-se, então, quando se está perante o exercício de poderes discricionários da Administração e apenas nos casos em que existem várias opções admissíveis ao abrigo da norma;

25 No caso sub judice e contrariamente ao preconizado pelo Tribunal a quo não estamos perante qualquer situação que imponha o exercício de poderes discricionários mas sim perante atos aos quais a Administração está legalmente vinculada porquanto todo o procedimento de certificação das obras como reabilitação urbana e reconhecimento dos benefícios está tipificado na lei, ainda que esteja em causa conceitos jurídicos indeterminados;

26 Previa a redação dos n.ºs 4 e 6 do artigo 45.º do EBF em vigor à data dos factos, que os impostos fossem liquidados e cobrados e somente após a certificação da Câmara Municipal fossem anuladas as liquidações, pelo que a Câmara Municipal certificava a reabilitação, nos termos do n.º 3 do artigo 45.º do EBF, na redação em vigor à data dos factos, e reconhecia, nos termos do n.º 5 do mesmo preceito, o benefício fiscal e em seguida comunicava o reconhecimento ao Serviço de Finanças competente, procedendo este à anulação das liquidações praticadas e à consequente devolução do imposto cobrado (n.º 6 do artigo 45.º do EBF);

27 Logo, a competência da Câmara Municipal para a certificação da reabilitação e para o reconhecimento das isenções era uma competência vinculada, porquanto à Câmara Municipal competia verificar o preenchimento dos pressupostos das isenções, nomeadamente o enquadramento das obras realizadas no conceito de reabilitação urbana, tal como definida no n.º 3 do artigo 45.º do EBF e no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, e verificado o preenchimento dos pressupostos das isenções, a Câmara Municipal tinha o dever de reconhecer os benefícios, não dispondo, portanto, neste âmbito de qualquer margem de discricionariedade;

28 No caso da isenção de IMT, além do pressuposto da existência de uma operação de reabilitação urbanística, esta só se aplicava às transmissões de prédios destinados a reabilitação e nos casos em que o adquirente iniciasse as obras no prazo de dois anos contados da aquisição, pelo que estamos perante dois pressupostos, um relativo ao destino do prédio adquirido e o outro relativo ao início das obras, sendo que o primeiro verifica-se com o preenchimento do segundo;

29 No caso sub judice resultou da prova junta que o edifício novo mantinha as funções do antigo, não se verificando qualquer alteração do uso que pudesse ser qualificada como uma alteração do seu caráter fundamental e constatou-se uma melhoria das condições de uso porquanto o edifício construído revelava índices de conforto superiores ao antigo, o que resultou das avaliações feitas às frações do mesmo, juntas aos autos (cf. pontos A), C), D), J) e L) constantes da factualidade fixada no recurso recorrido);

30 Assim, o pressuposto da existência de uma operação de reabilitação urbana, comum à isenção de IMI e à isenção de IMI, estava verificado no caso concreto;

31 O requisito de relativo ao início das obras no prazo de dois anos contado da aquisição, necessário à aplicação da isenção de IMT, conforme resulta dos autos o ora Recorrente adquiriu o imóvel em 28.11.2006 e procedeu à realização das respetivas obras em 2007 e 2009, pelo que também o requisito temporal se encontrava verificado;

32 Como se demonstrou, os pressupostos de aplicação das isenções de IMI e IMT previstas no artigo 45.º do EBF estão, no caso em concreto, preenchidos e, por conseguinte, o reconhecimento das mesmas é um ato vinculado da Recorrida, não cabendo qualquer poder discricionário sobre o mesmo;

33 A esta conclusão não obsta o facto de se estar perante conceitos jurídicos indeterminados;

34 O TCAS não aferiu em que medida poderiam os conceitos indeterminados ser preenchidos e se era competente para o efeito por apenas existir uma solução possível, bastando-se com a mera constatação da existência dos mesmos para se eximir da condenação da Recorrida à prática do ato devido no sentido do deferimento do pedido de reconhecimento de benefícios fiscais de IMI e IMT;

35 Perfilha a doutrina que nestes casos em que existe uma atuação vinculada por parte da Administração, pode o Tribunal nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do CPTA condenar a Administração à prática do ato devido, definindo desde logo o conteúdo do ato, pelo que dispondo o Tribunal de todos os elementos para se pronunciar sobre o reconhecimento do direito à isenção - quais sejam, o tipo de obras efetuadas pelo ora Recorrente e os respetivos prazos, bem como o conceito legal de reabilitação urbana - e havendo uma única solução possível, deveria o mesmo ter condenado a Recorrida à prática do ato devido, isto é, à emissão de decisão de deferimento do pedido de reconhecimento das isenções de IMI e IMT requeridas à luz do artigo 45.º do EBF

36 O TCAS identificou alguns conceitos indeterminados como processo de transformação do solo urbanizado e objetivo de melhorar as condições de uso, conservando o seu carácter fundamental que deverão, no seu entendimento, ser valorados e preenchidos pela Administração no âmbito dos seus poderes discricionários;

37 A doutrina aponta como conceitos indeterminados aqueles que apontam para um juízo administrativo de avaliação ou prognose, excluindo as "classes de conhecimentos indeterminados de valor, cujo critério de concretização resulta, por forma direta da exegese dos textos legais" e "todos os conceitos de cuja concretização envolva juízos mais especificamente jurídicos" (cf. Sérvulo Correia, in "Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional'', CJA n.º 70, p. 39);

38 Não estamos in casu perante conceitos indeterminados que exijam uma avaliação técnica que apenas à Administração seja possível efetuar, uma vez que os conceitos em juízo - quais sejam, o processo de transformação do solo urbanizado, com o objectivo de melhorar as condições de uso, conservando o seu carácter fundamental - não traduzem especial complexidade que deva ser reservada à Administração, antes pelo contrário o preenchimento destes conceitos resulta evidente no confronto feito entre as normas legais e a prova facultada no processo;

39 Ainda que se entendesse que os conceitos em apreço constituem conceitos indeterminados e, por conseguinte, integram os poderes discricionários da Administração
- o que não se concede e apenas se admite por dever de prudente patrocínio - esta discricionariedade sempre estaria reduzida a zero, o que implica que o Tribunal devesse ter determinado o conteúdo do ato a praticar pela Administração ;

40 Isto porque à luz do n.º 2 do artigo 71.º do CPTA, apenas quando da valoração da Administração possa decorrer mais do que uma opção para o caso é que deverá ser esta a decidir;

41 No caso sub judice, ainda que se entenda que existe uma margem de discricionariedade a mesma nunca seria suscetível de criar mais do que uma opção porquanto os conceitos indeterminados que o Tribunal a quo destaca - processo de transformação do solo urbanizado, com o objectivo de melhorar as condições de uso, conservando o seu carácter fundamental - e os contornos do caso apenas permitem evidenciar a existência de uma única solução possível;

42 Efetivamente, resultou da prova junta aos autos que o edifício novo mantinha as funções do antigo, não se verificando qualquer alteração do uso que pudesse ser qualificada como uma alteração do seu caráter fundamental e, do mesmo modo, constatou-se uma melhoria das condições de uso porquanto o edifício construído revelava índices de conforto superiores ao antigo, o que resultou das avaliações feitas às frações do mesmo, juntas aos autos (cf. pontos A), C), D), J) e L) constantes da factualidade fixada no recurso recorrido);

43 No caso em discussão verifica-se que a lei concretiza de tal forma os preceitos que não será necessário recorrer à valoração da Administração para alcançar a solução que se depreende com o preenchimento destes pressupostos pelo que, deveria o TCAS ter procurado preencher os conceitos indeterminados em apreço, na medida em que dispunha de todos os elementos probatórios e conhecimentos técnicos para alcançar tal desiderato;

44 Acresce que, estando a discricionariedade reduzida a zero, isto é, "(...) nas situações em que se verifique um preenchimento particularmente intenso da norma que concede o poder discricionário, em termos de se concluir pela existência de uma única solução como legalmente possível." (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 4.ª edição, 2018, p. 498), poderá o Tribunal condenar a Administração à prática do ato legalmente devido com conteúdo determinado;

45 À condenação da Administração ao ato devido com conteúdo determinado não obsta nem o princípio da separação de poderes entre a Administração e os Tribunais, nem a certeza de que o Tribunal está obrigado a respeitar a esfera própria de exercício dos poderes discricionários da Administração ou de margem de livre apreciação ao nível dos conceitos indeterminados, pois a existência destes princípios não compromete a aplicação do Direito que o Tribunal está obrigado a fazer, nem, por conseguinte, afasta a segurança de que, fora das áreas próprias de discricionariedade, há atos de conteúdo inequivocamente vinculado ou cujo conteúdo, em face da situação concreta, só pode ser de determinado tipo;

46 Sendo certo que o Tribunal não está autorizado a imiscuir-se no espaço próprio da Administração, em obediência ao princípio da separação e da interdependência dos poderes, conforme resulta do disposto no artigo 3.º do CPTA, não deixa de ser verdade que o Tribunal está obrigado a determinar todas as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido, na senda do que dispõe o artigo 2.º do CPTA;

47 De facto, situações existem, como a dos autos, em que, embora a lei não confira um direito nem estabeleça um dever de emissão de um ato com um determinado conteúdo, a verdade é que, no caso concreto, só pode reconhecer-se objetivamente como possível a emissão de um ato com um certo e determinado conteúdo;

48 Nestes casos, embora a lei confira em abstrato à Administração certos poderes de conformação do conteúdo do ato, as circunstâncias do caso são tais que apenas um ato com conteúdo determinado pode ser praticado e, nessa medida, o Tribunal deve condenar a Administração à prática desse ato;

49 Sendo evidente que a situação em apreço se enquadra inequivocamente no conceito de reabilitação urbana, não poderia deixar de ter sido emitido um ato que certificasse que as obras se enquadravam naquele conceito e, por conseguinte, que reconhecesse as isenções fiscais requeridas;

50 Não pode acompanhar-se o entendimento do acórdão recorrido, uma vez que se impunha ao Tribunal uma análise no sentido de verificar de que forma poderiam ser preenchidos os conceitos indeterminados plasmados no artigo 45.º, n.º 3 do EBF, na redação em vigor à data dos factos, i.e., se possuía os elementos necessários ao seu preenchimento bem como, os conhecimentos técnicos, não devendo rejeitar a priori a apreciação de tais conceitos;

51 Tendo rejeitado liminarmente a apreciação destes conceitos com referência ao caso em juízo, entende a Recorrente que, o Tribunal atuou em violação do disposto no artigo 71.º do CPTA.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido, devendo ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, nesta parte objeto de recurso, e condenando-se a CML à prática de ato devido de conteúdo determinado conforme requerido, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA teve vista dos autos mas não emitiu parecer, no entendimento de que apenas lhe cabe dar parecer sobre o mérito do recurso, caso este venha a ser admitido.

4 – Dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 308 a 311 dos autos)

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

A questão que a recorrente pretende ver reapreciada no presente recurso – e que alega assumir quer relevância jurídica, quer social, sendo a admissão da revista necessária para uma melhor aplicação do direito – é a de saber se o acórdão do TCA recorrido violou o disposto no artigo 71.º do CPTA ao decidir, no provimento do recurso, condenar a Câmara de Lisboa a reapreciar o pedido de isenção de IMI e de IMT que lhe foi dirigido pela ora recorrente em 28.07.2009, ao invés de, como pretendido, a condenar à prática do acto nos termos peticionados pela recorrente, a saber, que, na procedência da acção, a Câmara Municipal de Lisboa fosse condenada a (I) Certificar a existência, no caso concreto, de uma operação de reabilitação urbana, nos termos do artigo 45.º n.º 3 do EBF; e consequentemente, (II) a reconhecer, no caso concreto, a aplicação das isenções previstas no artigo 45.º, n.º 1 e 2 do EBF, mais tendo requerido que fosse decretada uma sanção pecuniária compulsória destinada a assegurar o célere cumprimento pelo réu da sentença de condenação, ao abrigo do disposto no n.º 3 do 66.º do Código de Processo nos Tribunais administrativos – cfr. petição, a fls. 22 e 23 dos autos.

Alega a recorrente que está em causa o alcance da condenação à prática de ato devido com um conteúdo determinado quando a emissão do ato envolve a interpretação de conceitos jurídicos indeterminados, designadamente, se está afastada qualquer pronúncia sobre a pretensão material do interessado ou a explicitação das vinculações a observar pela Administração na prática do ato devido - como, aparentemente, entendeu o TCAS - ou se, como entende a Recorrente, há uma necessidade de controlo judicial que justifica, em geral, o instituto da condenação à prática do ato devido e, em particular, a sindicabilidade dos atos administrativos da Administração que envolvem a interpretação de conceitos jurídicos indeterminados, pelo que, estando em causa uma situação em que o Tribunal dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar sobre a pretensão material do interessado e/ou a solução legalmente possível seja apenas uma, se impõe ao Tribunal a condenação da Administração à prática do ato devido com um conteúdo determinado.

Contrariamente ao alegado não descortinamos que a decisão do TCA seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, justificativa da admissão da revista para uma melhor aplicação do direito, que a pronúncia que este STA pudesse emitir se viesse a conhecer do recurso pudesse servir de paradigma para futuros casos - pois que os termos da condenação a prática de acto devido dependem não apenas do concreto pedido formulado como das concretas circunstâncias do caso -, estando igualmente por demonstrar, que, nas concretas circunstâncias do caso dos autos a situação se configure como quer fazer parecer a recorrente, isto é que o Tribunal de recurso dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar sobre a pretensão material do interessado e/ou que a solução legalmente possível seja apenas uma.
No caso dos autos, isto apenas seria assim se se entendesse, como subjaz ao entendimento de 1.ª instância, que a construção de um novo edifício nunca será “reabilitação urbana para efeitos da isenção de IMI e IMT nos termos do n.º 3 do artigo 45.º do EBF”, premissa que o TCA-Sul não assumiu, daí que tenha condenado na reapreciação do pedido.

A haver violação do disposto no artigo 71.º do CPTA pelo acórdão do TCA esta não se revela como ostensiva ou manifesta, nem descortinamos que a questão a dirimir seja de importância jurídica ou social fundamental. Daí que não seja de admitir a revista.

Pelo exposto, não será o recurso admitido.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 29 de Maio de 2019. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.