Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:073/09.0BEPRT 01224/15
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
MASSAS ALIMENTICIAS
Sumário:I - Da interpretação da verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redacção introduzida pelo art. 41º, nº 4, da Lei nº 2/92, de 9/03, retém-se que foi intenção do legislador tributar as massas secas à taxa reduzida e as massas recheadas à taxa normal, independentemente do nome que as mesmas assumam.
II - À data dos factos, e à luz da referida verba, as massas comercializadas secas (sem recheio) eram tributadas à taxa reduzida de IVA, ou seja, de 5%, ainda que comercializadas sob o nome de cannelloni ou de lasanha.
Nº Convencional:JSTA000P26319
Nº do Documento:SA220200916073/09
Data de Entrada:10/07/2015
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 31-03-2015, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A…………., S.A.” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios relativas ao período compreendido entre Janeiro a Maio de 2006.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios relativas ao período compreendido entre janeiro e maio de 2006.

B. Entendeu o Tribunal a quo, no sentido propugnado pela Impugnante, que a taxa de IVA a aplicar na comercialização das massas do tipo lasanha e cannelloni seria a de 5%, por enquadramento na verba 1.1.4 da lista I anexa ao Código do IVA.

C. Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), que tais produtos não estão enquadrados na referida verba, pelo que, deveriam ser tributados à taxa normal.

D. De toda a argumentação expendida na Douta sentença, duas conclusões podem ser retiradas: a primeira, que a Impugnante não comercializava massas recheadas, sendo as massas “cannelloni” e “lasanha” massas simples; a segunda, que a interpretação a dar à redação da verba 1.1.4. da Lista anexa ao Código do IVA é a de que o legislador teve como intenção, distinguir as massas secas das massas recheadas, tributando as primeiras à taxa reduzida e as segundas, à taxa normal.

E. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido.

Vejamos,

F. A questão a decidir nos presentes autos prende-se então com a interpretação a dar ao conteúdo constante da verba 1.1.4 da lista I anexa ao Código do IVA, na redação dada pelo n.º 4 do art.º 41.º da Lei n.º 2/92, no que concerne aos produtos em causa, que dispunha o seguinte – Bens e serviços sujeitos à taxa reduzida – 1.1.4 – Massas alimentícias e pastas secas similares (excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Canelloni, Tortellini e semelhantes).

G. Ora, a referida norma visa tributar à taxa reduzida, as massas alimentícias e as pastas secas similares. Dentro deste género de massas e pastas, o legislador teve uma opção política, traduzida nas exclusões que estão dentro do parêntesis, decidindo tributar estas exclusões à taxa normal.

H. E as exclusões são duas, e não uma, como pretende a fundamentação expendida na sentença recorrida, uma vez que a conjunção “e” pretende separar duas realidades distintas e não incluí-las numa única realidade. Assim, a primeira exclusão refere-se às massas recheadas, embora prontas para utilização imediata; a segunda exclusão refere-se às massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes, onde aqui se inclui a lasanha.

I. Quanto à primeira exclusão, o legislador pretendeu excluir da tributação à taxa reduzida as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata.

J. Contudo, as massas Cannelloni e lasanha, embora comercializadas enquanto pastas secas ou simples (já que, como se referiu, elas não eram comercializadas enquanto massas recheadas), enquadram-se na segunda exclusão mencionada.

K. Com efeito, a opção política traduzida nesta exclusão é bastante clara: estão excluídas da tributação à taxa reduzida, e por conseguinte, tributadas à taxa normal, as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes (onde aqui se inclui a lasanha), independentemente dessas massas serem ou não recheadas.

L. Dispõe o artigo 11º da Lei Geral Tributária (LGT) que na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, constantes do artigo 9º do Código Civil.

M. Estando assente que as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios gerais de hermenêutica jurídica, e sintonizados pelo disposto no art.º 9.º do Código Civil, há que recorrer ao elemento textual (vulgo, letra da lei), ao elemento histórico (que faz atentar e ponderar as circunstâncias envolventes do momento da produção legislativa) e no elemento racional (que nos leva a indagar dos motivos, fins ou interesses perseguidos pelo legislador).

N. Sem prejuízo da operância consertada e reciprocamente conformadora, delimitadora, destes três apresentados elementos, objetivando a obtenção do melhor e mais conforme “pensamento legislativo”, não se pode deixar de conferir algum ascendente, certa prevalência, ao elemento literal.

O. Como refere o Ilustre Professor Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2ª reimpressão, Coimbra, 1989, pp. 187 ss., que “O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva (...) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma (...)

P. Resulta, assim, que, a letra da lei é a principal referência e o ponto de partida do intérprete, não se podendo por conseguinte, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística para afirmar um significado que não resulte expresso, ou contrariar o que expressamente afirma o legislador, como pretende a Impugnante no caso sub judice.

Q. Com efeito, a letra da lei e o espírito do sistema não permitem uma outra interpretação, sob pena, aliás, de, caso procedesse a interpretação vertida na douta sentença recorrida, poder ficar absolutamente vazio o alcance da verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA.

R. Por conseguinte, ao serem expressamente excluídas pelo legislador as massas cannelloni e lasanha da Lista I anexa ao Código do IVA, estão consequentemente excluídas tais massas da tributação à taxa de 5%, prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA, aplicando-se assim a taxa normal de, à data dos factos, 21%, nos termos e em cumprimento da al. c) do n.º 1 do mesmo preceito legal.

S. Assim, por tudo quanto se expôs, entende a Fazenda Pública que a douta sentença enferma de errónea interpretação e aplicação do disposto na verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação aplicável.

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que considere legal as correções efetuadas e julgue improcedente a presente impugnação judicial.

A Recorrida “A…………., S.A.” apresentou contra-alegações, embora sem formular quaisquer conclusões, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da decisão recorrida que julgou procedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios relativas ao período compreendido entre Janeiro e Maio de 2006, por entender que a taxa de IVA a aplicar na comercialização das massas do tipo lasanha e cannelloni seria a de 5%, por enquadramento na verba 1.1.4 da lista I anexa ao Código do IVA.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. A impugnante exerce a atividade de fabricação de massas alimentares, CAE 015850, com início de atividade a 17/12/1919, enquadrado no regime normal com periodicidade mensal. Fls. 1 do relatório de inspeção (RI) no PA.

2. A Impugnante foi objecto da acção inspetiva determinada pela Ordem de Serviço n.º 01200603370, de 27.04.2006, referente a IVA, relativo ao ano de 2006, períodos de Janeiro a maio. - RI no apenso

3. No âmbito da ação inspetiva a impugnante foi notificada para exercer o direito de audição, conforme fls. 29 ss do apenso, por carta de 15/5/2007, direito que não exerceu.

4. Com base no relatório foram liquidadas adicionalmente os seguintes valores:
      Período
Liquidação IVA Limite Pago
06.04 7223582 11.243,22 € 30-09-2007
06.01 7223580 13.534,47 € 30-09-2007
06.05 7223460 9.184,75€ 30-09-2007
06.03 7223458 14.792,03 € 30-09-2007
06.02 7223456 10.765,58 € 30-09-2007
Total lVA 59.520,05 €
Período Liquidação J. Comp. Limite Pago
06.04 7223583 434.94 € 30-09-2007
06.01 7223581 663,00 € 30-09-2007
06.05 7223461 327,13 € 30-09-2007
06.03 7223459 625,72 € 30-09-2007
06.02 7223457 490.79 € 30-09-2007
Total Juros Compensatórios 2.541,58 €
TotallVA + J. Compensatórios 62.061,63 €

5. Do relatório de inspecção, junto ao PA, cujos dizeres se dão pro reproduzidos, consta designadamente:
III- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE
ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Da análise efetuada, detetou-se que as massas do tipo lasanha e cannelloni, estavam a ser comercializadas à taxa de 5%, conforme quadro que se junta (Anexo 1), elaborado a partir do ficheiro fornecido pela empresa, onde constam as referências dos artigos em causa, o grupo a qual pertencem, a sua descrição detalhada, o armazém de expedição, e a taxa de IVA aplicada aquando da sua comercialização.
Ora, da leitura do artigo 18° n. 1 alínea a) do Código do IVA (CIVA) e da Verba 1.1.4 da Lista I anexa ao CIVA, que regula a aplicação da taxa reduzida de IVA às massas alimentícias, pode ler-se que os produtos a que esta taxa se aplica são as "massas alimentícias e pastas secas similares (excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes) ".
Verifica-se assim, que as massas já recheadas estão excluídas da aplicação da taxa reduzida e as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes (onde se inclui a Lasanha), independentemente de serem comercializadas recheadas ou não.
No mesmo sentido aponta o Ofício Circulado 22842, de 07.03.1989, da Direção de Serviços do IVA, fazendo mesmo no ponto 2 uma separação entre os processos de fabrico entre as "massas comuns" e as "massas laminadas" (Raviolli, Cannelloni, Tortellini, Lasanha).
De acordo com este Ofício Circulado, "as massas do tipo Raviolli Cannelloni Tortellini e semelhantes, são sempre massas para consumir recheadas", daí o legislador entender que apesar de ainda não se encontrarem recheadas elas irão ser consumidas dessa forma, pelo que a taxa aplicar deve ser idêntica às massas previamente recheadas, isto é, a taxa normal.

Assim, partindo dos valores contabilizados e declarados pelo Sujeito Passivo, foi calculado o IVA que deveria ter sido efectivamente liquidado (tendo em conta que a taxa normal estava fixada em 19% para os períodos de imposto em análise), bem como a diferença entre aquilo que foi liquidado pela empresa e o montante que deveria ter sido entregue nos cofres do Estado, conforme os valores constantes no Anexo 3.

5. Na sequência do relatório de inspecção, em 31.05.2007, foi exarado parecer de concordância e em 1/6/2007 despacho de concordância, tudo conforme consta da pág 1 do mesmo.
6. A impugnante foi notificada do relatório e despacho que recaiu sobre o mesmo, bem como das correções conforme fls. 27 do apenso.
7. Notificada das liquidações adicionais, juntas a fls. 24 ss, a impugnante deduziu reclamação graciosa, tendo sido notificado por carta de 19/12/2008 do respectivo indeferimento. Fls. 86 do apenso de reclamação graciosa. A impugnação deu entrada a 7/1/2009.
8. As liquidações de IVA referidas reportam-se a massa seca e simples designada por "cannelloni" e "lasanha".
9. A composição das massas secas é à base de sêmola de trigo duro e água.
10. À data dos factos a Impugnante não confeccionava "cannelloni" e "lasanha" recheados, por não ter os equipamentos e condições necessárias à sua preparação.
- Não se provaram quaisquer outros factos. Não se provou designadamente que as referidas massas se destinem a ser cozinhadas apenas recheadas.
Quanto aos factos provados, a convicção do tribunal alicerçou-se na apreciação crítica de todos os elementos trazidos aos autos, designadamente os documentos referenciados nos factos, e demais documentação. Os depoimentos de B…………, C…………, D……… e E………., que eram à data funcionários da Impugnante, confirmaram o que consta dos factos oito e seguintes. Depuseram de forma credível, demonstrando conhecimento dos factos, revelando-se coerentes e desinteressados. Todos confirmaram que o processo de fabrico era idêntico para todas as massas secas, referenciando os ingredientes básicos, iguais, residindo a diferença apenas no formato das diversas massas secas. Relativamente ao facto 8 atentou-se de forma especial nos depoimentos de B……….., C……… e E………, quanto ao 9, nos de B……….., C………., D……… e E……… e quanto ao 10, no de E………...”

«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida que julgou procedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios relativas ao período compreendido entre Janeiro e Maio de 2006, por entender que a taxa de IVA a aplicar na comercialização das massas do tipo lasanha e cannelloni seria a de 5%, por enquadramento na verba 1.1.4 da lista I anexa ao Código do IVA.


Nas suas alegações, a Recorrente refere que a questão a decidir nos presentes autos prende-se então com a interpretação a dar ao conteúdo constante da verba 1.1.4 da lista I anexa ao Código do IVA, na redacção dada pelo n.º 4 do art.º 41.º da Lei n.º 2/92, no que concerne aos produtos em causa, que dispunha o seguinte – Bens e serviços sujeitos à taxa reduzida – 1.1.4 – Massas alimentícias e pastas secas similares (excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Canelloni, Tortellini e semelhantes), sendo que a referida norma visa tributar à taxa reduzida, as massas alimentícias e as pastas secas similares. Dentro deste género de massas e pastas, o legislador teve uma opção política, traduzida nas exclusões que estão dentro do parêntesis, decidindo tributar estas exclusões à taxa normal e as exclusões são duas, e não uma, como pretende a fundamentação expendida na sentença recorrida, uma vez que a conjunção “e” pretende separar duas realidades distintas e não incluí-las numa única realidade. Assim, a primeira exclusão refere-se às massas recheadas, embora prontas para utilização imediata; a segunda exclusão refere-se às massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes, onde aqui se inclui a lasanha.
Quanto à primeira exclusão, o legislador pretendeu excluir da tributação à taxa reduzida as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, verificando-se que as massas Cannelloni e lasanha, embora comercializadas enquanto pastas secas ou simples (já que, como se referiu, elas não eram comercializadas enquanto massas recheadas), enquadram-se na segunda exclusão mencionada, dado que, a opção política traduzida nesta exclusão é bastante clara: estão excluídas da tributação à taxa reduzida, e por conseguinte, tributadas à taxa normal, as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes (onde aqui se inclui a lasanha), independentemente dessas massas serem ou não recheadas.
Nesta medida, a letra da lei e o espírito do sistema não permitem uma outra interpretação, sob pena, aliás, de, caso procedesse a interpretação vertida na douta sentença recorrida, poder ficar absolutamente vazio o alcance da verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA, o que significa que, ao serem expressamente excluídas pelo legislador as massas cannelloni e lasanha da Lista I anexa ao Código do IVA, estão consequentemente excluídas tais massas da tributação à taxa de 5%, prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA, aplicando-se assim a taxa normal de, à data dos factos, 21%, nos termos e em cumprimento da al. c) do n.º 1 do mesmo preceito legal.

Será assim?

Pois bem, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 23-10-2013, Proc. nº 065/13, www.dgsi.pt, “… É incontroverso, face ao probatório, que as impugnadas liquidações adicionais de IVA se consubstanciam na diferença entre a taxa reduzida de 5%, que foi aplicada, e a taxa normal de 19%, que a AT entende ser aplicável quanto às vendas de massas secas tipo “cannelloni” e “lasanha”.
À data dos factos, o art. 18º, nº 1, do CIVA, nas suas alíneas a) e b), fixava as taxas de imposto em 5% e 12%, quanto às importações, transmissões de bens e prestações de serviços referenciadas, respectivamente, nas listas I e II, anexas ao Código, e em 19%, quanto às demais – sua alínea c).
A verba 1.1, da referida lista I, refere-se a cereais e preparados à base de cereais, discriminando-se, na verba 1.1.4, o seguinte:
«1.1.4 — Massas alimentícias e pastas secas similares.
(Excluem-se as massas recheadas, embora prontas para utilização imediata, e as massas dos tipos Raviolli, Cannelloni, Tortellini e semelhantes).»
E o dissídio que se apresenta neste pleito assenta na interpretação do teor desta verba 1.1.4, defendendo a AT que a mera designação de cannelloni e de lasanha, atribuídos pela impugnante a massas secas que comercializou substancia factor de exclusão da tributação à taxa reduzida, e sustentando a impugnante a tese, acolhida na sentença recorrida, de que não é o nominem que está em causa, mas antes as suas características de comercialização como massas secas ou recheadas, sendo que é a estas últimas que se destina a exclusão da taxa de 5%.
A questão que se coloca reconduz-se à aplicação, no caso vertente, do normativo legal que estabelece as regras a observar na interpretação da lei, ou seja, do art. 9º do Código Civil, que, sob a epígrafe «Interpretação da lei», diz o seguinte:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.».
Na anotação 1. a este artigo, escreveram Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 57-58, o seguinte: «1.Em lugar de impor um método ou consagrar uma corrente doutrinária em matéria de interpretação das leis, o Código limita-se a consagrar os princípios que podem considerar-se já uma aquisição definitiva na matéria, combatendo os excessos a que os autores objectivistas e subjectivistas têm chegado muitas vezes.
Afasta-se, assim, o exagero dos objectivistas que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que o nº 1 do artigo 9º manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada. Como se condena igualmente o excesso dos subjectivistas que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no nº 2 se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal.
E ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias (históricas) em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente actualista).
O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis).».
Ora, da leitura da profícua e exemplarmente convincente sentença recorrida, ressalta evidente que na análise da questão controvertida foram tidos em conta os aludidos critérios interpretativos consignados no referido art. 9º.
E afigura-se-nos também acertada a interpretação que o tribunal a quo faz do preceito legal em causa, tomando em consideração quer as razões de ordem histórica que o conformam, quer a natureza geral e abstracta da lei, quer ainda a motivação lógica que lhe subjaz, na medida em que também mal se entenderia que o legislador procedesse, em sede de IVA, à tributação dos produtos em função do seu nome, e não da sua natureza.
De facto, se assim fosse, bastava mudar o nome do produto para alterar a sua taxa de tributação, e não era isto, decerto, que estava na mente do legislador.
E, sendo assim, da interpretação da verba 1.1.4 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redacção introduzida pelo art. 41º, nº 4, da Lei nº 2/92, de 9/03, retém-se que foi intenção do legislador tributar as massas secas à taxa reduzida e as massas recheadas à taxa normal, independentemente do nome que as mesmas assumam.
Ora, transparece no probatório que as massas, cuja taxa de IVA se controverte nestes autos, eram comercializadas pela Recorrida sem recheio, e, por conseguinte, como massas secas. Daí que, à data dos factos (entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2004), e à luz da referida verba 1.1.4, essas massas - porque secas (sem recheio) - eram tributadas à taxa reduzida de IVA, ou seja, de 5%, ainda que comercializadas sob o nome de cannelloni ou de lasanha. …”.

Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas reiterar o que ficou ali consignado, até porque as alegações da Recorrente não têm a virtualidade de colocar em crise o que ficou dito no aresto apontado, o que significa a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Paulo José Rodrigues Antunes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.