Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0285/19.9BELSB
Data do Acordão:03/04/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25690
Nº do Documento:SA1202003040285/19
Data de Entrada:11/05/2019
Recorrente:A....................
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A……………… intentou, no TAC de Lisboa, contra o MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI), providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia do despacho, de 20.12.2018, que ordenou o despejo do Requerente da casa de função que habitava.

O TAC indeferiu liminarmente o requerimento inicial.
Decisão que o TCAS manteve.
É desse acórdão que o Autor vem recorrer justificando a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão suscitada e com a necessária intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O Comandante do CARI, por despacho de 19.07.2018, ordenou ao Recorrente que despejasse a casa de função que ocupava na cidade de Lisboa, decisão que ele contestou por via de recurso hierárquico dirigido ao Ministro da Administração Interna, mas sem sucesso já que este, por despacho de 20.12.2018, lhe negou provimento.
Inconformado, instaurou a presente acção cautelar pedindo a suspensão de eficácia daquele despacho do MAI.

O TAC proferiu a seguinte decisão:
“…
Por despacho, de 13.02.2019, o Requerente foi convidado a aperfeiçoar, no prazo de cinco dias, o requerimento inicial apresentado nos termos ali enunciados, sob pena do mesmo ser rejeitado.
Em resposta, o Requerente clarificou que a acção a propor é a de impugnação de acto administrativo, indicando como acto o despacho de 20.12.2018 do Ministro da Administração Interna, notificado em 28.01.2019, que determina o despejo do ora Requerente da habitação .... considerando, dessa forma, ter assegurado o cumprimento do disposto na alínea e) do nº3 do artigo 114º do CPTA.
........
Sucede que o Requerente na acção principal (de que o presente processo cautelar depende) pretende formular um pedido anulatório do acto suspendendo, quando, na verdade, o mesmo consubstancia um mero acto confirmativo de um outro anterior, como se verá de seguida.
.............
Com efeito, não faz sentido a possibilidade de suspensão do despacho em causa em sede de processo cautelar quando, por outro lado, no processo principal onde o ora Requerente se propõe reagir contra o mesmo, tal, contudo, não pode suceder em virtude da sua inimpugnabilidade.
Segundo a moldura legal ínsita no art.116º do CPTA os processos cautelares encontram-se sujeitos a um despacho liminar, permitindo, assim, eliminar ab initio processos que não reúnam condições mínimas de viabilidade, favorecendo a economia processual.
Por outro lado, segundo o disposto no art.116º, n.º 2, alínea d), do CPTA, constituem fundamentos de rejeição liminar “a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada”, circunstância que, pelos motivos expostos, se verifica.
Em tais termos, não se encontrando demonstrados os requisitos de que depende a admissão do presente meio processual urgente, nem se vislumbrando de que modo a providência pode ser atendida, afigura-se patente, que não resta outra alternativa senão a rejeição liminar do requerimento inicial.”

Decisão que o TCA manteve com um discurso de que se destaca o seguinte:
“....
Tendo em conta o contexto probatório, o despacho ministerial de 20.12.2018 - que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo ora Recorrente do despacho de 19.07.2018 do Comandante do CARI - tem a natureza de acto meramente confirmativo do anterior despacho de 19.07.2018 do Comandante do CARI, cujo efeito jurídico declarado é de aprovação da proposta de "recusar provimento ao recurso hierárquico" constante do Parecer 511-D/2018 de 19.09.2018.
........
O mesmo é dizer que o despacho ministerial de 20.12.2018 não assume relevo jurídico autónomo, seja substantivo, procedimental ou processual, face ao despacho de 19.07.2018 do Comandante do CARI, na medida em que o despacho ministerial se limita a confirmar a situação jurídica do ora Recorrente nos termos definidos pelo despacho anterior.
....
Por outro lado, o acto meramente confirmativo também não pode ser impugnado por quem, tendo sido constituído no ónus de impugnar o acto anterior dentro dos prazos legais, não o tenha feito, na medida em que, de outro modo, se estaria a permitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais.
No caso trazido a recurso não se verificam quaisquer alterações, seja de facto seja no domínio do direito objectivo aplicável, no que respeita ao indeferimento do recurso hierárquico facultativo por despacho 20.12.2018, que por isso assume a natureza de acto confirmativo do despacho anterior de 19.07.2018
......
Em face do exposto, temos que o ora Recorrente deduziu providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho ministerial de 20.12.2018 proferido em via de decisão de recurso hierárquico facultativo do despacho de 19.07.2018 do Comandante do CARI, sendo que a impugnabilidade em sede de acção principal do despacho ministerial de 20.12.2018 é indevida, pelas razões de direito expostas, dado que assume a natureza de acto confirmativo e, como tal, cabe na alçada da regra consagrada no art° 53° n° 1 CPTA — "Não são impugnáveis os actos confirmativos, entendendo-se como tal os actos que se limitam a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em actos administrativos anteriores."
Ou seja, inexiste a relação de instrumentalidade da acção cautelar em função da acção principal, na medida em que a acção principal há-de ter por objecto o acto confirmado, o despacho de 19.07.2018 do Comandante do CARI, em obediência ao regime prescrito no art° 53° n° 1 CPTA.
A ausência da relação de instrumentalidade com a acção principal correspondente determina do ponto de vista adjectivo e nos exactos termos ordenados pelo julgado em 1.ª Instância, a verificação do indeferimento liminar por força do disposto no art° 116° n° 1 al. f) CPTA.”

3. O Autor/Recorrente não se conforma com essa decisão pelo que pede a sua revogação com fundamento na nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, alega e conclui, que descreveu na sua apelação, “uma vez mais, a situação de saúde dos três elementos do agregado, que foi devidamente documentada, alertando-se para os riscos implícitos numa execução que não levasse em conta tais factos .... tendo procurado expressar criteriosamente em que medida poderia essa integridade física estar em causa.” Deste modo, mesmo que o TCA reiterasseque o acto administrativo impugnado seria meramente confirmativo, teria a missão adicional, assim se crê, de resolver as demais questões que lhe foram submetidas.” O que, não tendo acontecido, tornou a decisão do TCA Sul definitiva, a qual poderá trazer “danos irreversíveis, já que após o trânsito em julgado, a Administração estará em tese habilitada a encetar o despejo.”

4. A presente providência cautelar foi liminarmente rejeitada por o Acórdão recorrido, confirmando decisão do TAF, ter entendido que o acto cuja execução se quer suspender era meramente confirmativo de acto anterior e que, sendo assim, e sendo que o mesmo era inimpugnável não se encontravam demonstrados os requisitos de que dependia a admissão do presente meio processual, o que forçava a rejeição liminar do requerimento inicial.
Ora, como se viu, o Recorrente não impugna esta fundamentação visto se limitar a censurar o Acórdão recorrido por o mesmo não ter apreciado as consequências do despejo relativamente aos membros do seu agregado familiar que se encontravam doentes. Nesta conformidade, parece seguro que o recurso se encontra votado ao insucesso.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 4 de Março de 2020. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.