Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0973/21.0BEBRG
Data do Acordão:01/26/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28832
Nº do Documento:SA2202201260973/21
Data de Entrada:12/10/2021
Recorrente:A…………..
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……………, reclamante, nos autos à margem referenciados, em que é reclamada a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, não se conformando com a sentença proferida, vem interpor recurso de apelação para o Supremo Tribunal Administrativo, com subida imediata e efeito suspensivo.

Alegou, tendo concluído:
I) "A norma do art. 327.°, n,º 1, do Código Civil, é uma norma excepcional, pois determina que, sendo a citação a causa interruptiva, o prazo de prescrição apenas se inicia após extinto o processo de execução".
II) "A prescrição é matéria de garantias dos contribuintes, sujeita ao princípio da legalidade tributária, não havendo lugar à aplicação subsidiária do n.º 1 do art. 327.° do Código Civil, sendo esta aplicação violadora das garantias dos contribuintes".
III) "O efeito duradouro é próprio dos factos suspensivos da prescrição, que passaram a estar previstos, justamente, na LGT (art. 49.°, n.ºs 4 e 5)".
IV) "Uma vez posto termo ao processo de execução fiscal, a dívida não pode mais ser exigida, nem cobrada coercivamente, não fazendo qualquer sentido o reinício da contagem do prazo de prescrição (isto é, de exigibilidade) de uma dívida que deixou de ser exequenda, porque inexigível em face da ausência de processo de execução fiscal".
V) "Ao processo de execução fiscal apenas pode ser posto termo (isto é, extinto), grosso modo, em caso de pagamento da quantia exequenda e do acrescido ou em caso de anulação da dívida. Donde que, paga ou anulada a dívida - portanto, inexistente -, e, ademais, extinto o processo de execução fiscal, de todo não se vislumbra como possa ter aplicação o disposto no art. 327.°, n.º 1, do Código Civil"
VI) "A aplicação cega da norma do art. 327.°, n,º 1, do Código Civil às dívidas tributárias levaria, não a um efeito duradouro da interrupção ocasionada pela citação (desejado pelo Legislador quanto às dívidas civis, até ao termo do processo), mas a uma eternização dessa interrupção".
VII) "Em lugar de a prescrição se impor, ex lege e contra a sua vontade, ao titular do direito creditício, este é que decidiria se a mesma alguma vez se poderia verificar, o que não sucede nas relações entre particulares. Perdendo qualquer sentido, por inútil, a norma do art. 175.°, do CPPT, que estabelece um dever (e não uma mera faculdade) de conhecimento oficioso da prescrição, pelo órgão de execução fiscal ou pelo juiz".
VIII) "A consequência da aplicação do art. 327.°, n.º 1, do Código Civil, inexoravelmente, seria esta: apenas se a Administração permitisse o reinício do prazo de prescrição (!), por efeito de uma decisão sua, transitada "em julgado" (!), a pôr termo ao processo de execução fiscal não estando paga nem anulada a dívida (!), e decorridos, posteriormente, na melhor das hipóteses, 8 anos, então sim os Tribunais poderiam declarar oficiosamente a prescrição (!) ".
IX) "Ao contrário da execução cível, no plano do Direito Tributário não «deixa de estar nas mãos do titular do direito o controlo referente à sua efetivação» ".
X) "Um tal entendimento representa uma posição «juridicamente errónea, na medida em que o art. 327.° do Código Civil é inaplicável no âmbito do processo de execução fiscal, porquanto, o legislador estabeleceu nas leis tributárias - n.ºs 4 e 5 do art. 49.º da LGT - causas ou factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária, e não outras aplicáveis por via do direito subsidiário. Qualquer outra solução viola os princípios da justiça, da certeza e da segurança jurídicas, e, para além de ser anacrónica, remete para as antípodas o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional plena»".
XI) "Tal entendimento jurisprudencial vai radicalmente contra a prática da Administração Fiscal e dos Tribunais em larguíssimos milhares de processos de execução fiscal".
XII) "Os vários Acórdãos dos Tribunais superiores que tenham aderido a uma aplicação do disposto no art. 327.°, n,º 1, do Código Civil, representam uma ínfima minoria, se considerarmos que a prática diária da Administração Fiscal e dos Tribunais Tributários aponta noutro sentido radicalmente diverso".
XIII) "A inaplicabilidade da norma do art. 327.°, n.º 1, do Código Civil pode também ser reafirmada ao nos determos sobre os restantes n.ºs do mesmo art. 327.°".
XIV) “É inconstitucional (art. 204.°, da Constituição), por violação do princípio da segurança e da confiança jurídica (art. 2.°), da garantia fundamental do direito de defesa e protecção jurisdicional efectiva (arts. 20.°, n,º 1, e 268.°, n,º 4) e dos princípios constitucionais da justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público (art. 266.,° n,º 2), a norma do n,º 1 do art. 327.° do Código Civil, na interpretação segundo a qual o efeito interruptivo do prazo prescricional, com a citação do executado, não cessa com até ao termo do processo de execução fiscal".
XV) Assim, a interrupção do prazo de prescrição ocorre uma única vez (sendo um evento instantâneo e não duradouro), correndo novamente, sem qualquer interrupção.
XVI) Há muito que se esgotou o prazo de prescrição das dívidas fiscais aqui executadas, sendo que os processos de execução, nestes autos, já se arrastam há mais de 15 anos (o mais antigo há 17 anos).
XVII) Se fizer vencimento a tese sufragada na douta sentença recorrida, tais dívidas nunca vão prescrever.
XVIII) Assim, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 49° da LGT, 327° do Código Civil e artigos 2º, 20°, 266º e 268º da CRP.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser revogada a douta sentença e substituída por outra que declare a prescrição das dívidas fiscais, com as legais consequências.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Cumpre decidir.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório da sentença recorrida.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Seguindo de perto o Parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto dir-se-á:
Com o presente recurso, visa o Recorrente sindicar a Sentença, datada de 19.10.2021, proveniente do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a qual julgou totalmente improcedente a Reclamação apresentada, assim determinando que as dívidas exequendas não se encontram prescritas.
Nos termos da sentença recorrida, «o acto interruptivo da citação para a execução fiscal, tem não só um efeito jurídico instantâneo (de inutilizar todo o prazo anteriormente decorrido) como, também, um efeito jurídico duradouro, isto é, um efeito interruptivo que permanece até ao termo do processo executivo, em conformidade com o disposto nos artigos 326.º e 327.º, n.º 1 do Código Civil.»
A nosso ver, a questão fundamental do presente recurso consiste em saber se as dívidas exequendas, no âmbito dos PEFs. nº 3476 2002 01047450 e apensos, pelas quais é responsável subsidiário o aqui Recorrente, se encontram prescritas pelo decurso do tempo.

Alega o Recorrente, que há muito que se encontra esgotado o prazo de prescrição das dívidas fiscais em causa nos presentes autos.
A citação, sendo um ato instantâneo, e não um “processo”, não tem um efeito duradouro sobre a interrupção do prazo de prescrição, bastando-se com a inutilização de todo o prazo decorrido anteriormente.
Mais refere que «uma vez posto termo ao processo de execução fiscal, a dívida não pode mais ser exigida, nem cobrada coercivamente, não fazendo qualquer sentido o reinício da contagem do prazo de prescrição (isto é a exigibilidade) de uma dívida que deixou de ser exequenda, porque inexigível em face da ausência de processo de execução fiscal.»
Acrescenta que a interrupção do prazo de prescrição, por efeito da citação, ocorre uma única vez (sendo um evento instantâneo e não duradouro), correndo novamente sem qualquer interrupção.
A norma ínsita no art. 327º, nº 1 do Código Civil é uma norma excecional, não tendo lugar a sua aplicação às dívidas tributárias.
Segundo aquele, a interpretação feita pelo Tribunal a quo de que a citação no processo de execução, além de interromper o prazo de prescrição, também o suspende até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, não tem apoio legal, e, como tal, consubstancia um erro na aplicação do Direito.
Já para o Tribunal a quo, a interrupção decorrente da citação em execução fiscal inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.

A questão suscitada, já resolvida por este Supremo Tribunal inúmeras vezes, bem como pelo Tribunal Constitucional, em sentido contrário ao propugnado pelo recorrente, consiste em saber se a sentença fez correto julgamento quando recusou reconhecer a prescrição das dívidas exequendas, o que passa por indagar da legalidade e conformidade constitucional da interpretação nela adotada, a qual atribuiu à interrupção da prescrição decorrente da citação (cfr. art. 49º, nº 1 da LGT) – para além do efeito dito instantâneo (decorrente do disposto no art. 326º do C.C.) – o efeito duradouro (previsto no nº1 do art. 327º do C.C.) de obstar a que o novo prazo prescricional (re)comece a correr até ao termo do processo de execução fiscal.
Refere-se no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 26.05.02021 – Proc. nº 0518/20.9BELLE:
«I - O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor. O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P. Tributário).
II - Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil.
III - Com estes pressupostos, é legal a aplicação do regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil (normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.), face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo.»
Considera assim este Supremo Tribunal Administrativo que, na aplicação do disposto no art. 49º da LGT, há lugar à aplicação subsidiária do regime previsto nos arts. 326º, nº1, e 327, nº1, ambos do C.C., para fixação dos efeitos dos factos interruptivos, verificando-se o duplo efeito dos atos interruptivos: um efeito instantâneo, que determina a inutilização para a prescrição do prazo decorrido até à sua verificação – art. 326º, nº1 do C.C., e um efeito suspensivo, que determina que o novo prazo só começa a correr após a decisão que puser termo ao processo – art. 327º, nº 1, do C.C.
Pela clareza de exposição transcreve-se ainda o sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo datado de 13.01.2021 – Proc. nº 02496/19.8BEBRG:
«A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC). »
Igualmente, recentemente o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 351/2021, datado de 27.05.2021, reafirmou:
Não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 49.º, n.º 1, da LGT (na redação que foi conferida a este número pela Lei n.º 100/99, de 26 de julho) no sentido de atribuir à interrupção do prazo de prescrição decorrente da citação o efeito de o novo prazo de prescrição não voltar a correr, enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (previsto no n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil)”.
Não obtém, assim, provimento o recurso que nos vinha dirigido.

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
D.n.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2022. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.