Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0510/20.3BELRS
Data do Acordão:12/15/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
BANCO
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
NULIDADE DE SENTENÇA
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Em termos de omissão de pronúncia, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II - Na situação dos autos, a questão da inconstitucionalidade da Portaria nº 121/2011 por violação de lei com valor reforçado, pese embora tenha sido enunciada pelo Tribunal “a quo”, não foi objecto de qualquer pronúncia, porquanto, a remissão efetuada para aresto do Tribunal Constitucional (que não está identificado) e do STA abrange apenas a primeira questão relativa aos vícios de “inconstitucionalidade material”, por violação do princípio da legalidade fiscal e “inconstitucionalidade orgânica”, por violação do princípio da reserva de lei formal, sendo que em nenhum dos arestos referenciados na sentença recorrida é abordada a questão da violação por parte da Portaria nº 121/2011 de Lei de valor reforçado (Lei orçamental), no que respeita ao cálculo da contribuição.
Nº Convencional:JSTA000P30350
Nº do Documento:SA2202212150510/20
Data de Entrada:11/15/2022
Recorrente:BANCO A............ (PORTUGAL), SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 510/20.3BELRS (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“BANCO A…………, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 30-04-2022, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação por si apresentada do acto de (auto) liquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (“CSB”) respeitante ao ano 2019, no montante de € 143.192,37, peticionando a respectiva anulação e a restituição do montante pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual declarou totalmente improcedente a impugnação judicial;

II. Sucede que a Sentença Recorrida padece, desde logo, de nulidade, nos termos do artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, face à total omissão de pronúncia quanto à invocada inconstitucionalidade indireta do artigo 6.º da Portaria CSB;

III. Em concreto, a CSB padece de inconstitucionalidade indireta pela circunstância de a Portaria CSB, concretamente, o respetivo artigo 6.º, violar os artigos 3.º, 4.º e 5.º do Regime CSB, sendo o mesmo aprovado por uma lei de valor reforçado (o artigo 141.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011), por violação do disposto no artigo 112.º, n.º 3, da Constituição;

IV. Isto porque o artigo 6.º da Portaria CSB determina que a base de incidência da CSB seja calculada “por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição,” ao passo que o artigo 3.º do Regime CSB estabelece como base de incidência objetiva o passivo apurado pelo sujeito passivo, que só poderá ser o que respeita a todo o exercício económico, findo, no caso do Recorrente, a 31 de dezembro;

V. Ou seja: estão em causa bases de incidência distintas;

VI. Contudo, ainda que assim não fosse - o que apenas por cautela e a benefício de raciocínio se admite, sem conceder -, sempre haveria que concluir pela anulabilidade da autoliquidação da CSB em crise, com fundamento na respetiva inconstitucionalidade material;

VII. É que, face ao disposto nos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, bem como nos artigos 4.º e 5.º da Portaria CSB, falha inapelavelmente o teste da bilateralidade potencial, o que, viola, desde logo, o princípio da equivalência, com assento no artigo 13.º da Constituição, porquanto não decorrem do respetivo pagamento, para o Recorrente, quaisquer benefícios, sequer eventuais ou difusos;

VIII. Com efeito, no contexto atual em que existe já o Mecanismo Único de Resolução, qualquer medida de resolução que fosse aplicável ao Recorrente - o que, obviamente, não se antevê, mas se equaciona a benefício de raciocínio - nunca tal medida seria “suportada” através da coleta da CSB, quer a anterior, quer atual, quer futura;

IX. Por outro lado, o respetivo pagamento visa também financiar responsabilidades adicionais assumidas mais de dois anos após a completude e consolidação da medida de resolução aplicada ao Banco B…………, S.A.;

X. Mais: também se for qualificada como um imposto, como defende o Tribunal de Contas, os artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, e 4.º e 5.º da Portaria CSB violam o princípio da capacidade contributiva como corolário do princípio da igualdade tributária, previsto no artigo 103.º da Constituição, na medida em que se encontra estruturada de um modo absolutamente alheio a tais critérios;

XI. Razão pela qual, também neste plano, a sua incidência sobre o Recorrente revela a manifesta inconstitucionalidade do disposto nos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, e 4.º e 5.º da Portaria CSB, por violação do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da Constituição, nas vertentes da justiça, universalidade e uniformidade na repartição dos encargos públicos, ou da equivalência, funcionalizado pelo princípio da proporcionalidade, com assento no mesmo artigo 13.º da Constituição, inquinando irremediavelmente a autoliquidação da CSB, que também por este motivo haveria sempre de ser anulada;

XII. Acresce que os artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, e 4.º e 5.º da Portaria CSB são, ainda, inconstitucionais por violação do princípio da capacidade contributiva, na medida em que para efeitos das normas de incidência da CSB, a efetiva capacidade de suportar o encargo com este imposto se mostra absolutamente irrelevante;

XIII. Adicionalmente, a autoliquidação da CSB de 2019 é ilegal e, indiretamente, inconstitucional, na medida em que os artigos 2.º e 3.º do Regime CSB e os artigos 2.º e 3.º da Portaria CSB violam o princípio do primado do Direito da União Europeia positivado no artigo 8.º da Constituição, porque o Regime CSB e a Portaria CSB violam o Direito da União Europeia – em concreto, a Diretiva 2014/59/UE, porquanto não é avaliado ou ponderado, no apuramento do quantum da CSB a pagar, o grau de risco concreto de cada uma das entidades participantes no Fundo de Resolução;

XIV. E violam ainda o Regulamento MUR, porque com a harmonização no plano comunitário das contribuições sobre o setor bancário deixou de ser possível aos Estados-Membros a manutenção da cobrança de contribuições de resolução domésticas, para além e em cumulação com as instituídas pelo Direito da União Europeia, sendo, aliás, expressa a preocupação do referido Regulamento MUR em prevenir duplos pagamentos, bem como a desconsideração pela possibilidade de existência de contribuições de resolução nacionais após 2 de julho de 2014;

XV. O Direito da União Europeia estabelece diversos critérios, amplamente descritos no artigo 103.º da Diretiva 2014/59/UE e melhor concretizados pelo Regulamento Delegado, que se aplicam quer às contribuições ex ante, quer às contribuições ex post, por força do disposto no artigo 104.º da Diretiva 2014/59/EU;

XVI. Sendo que, após o decurso do prazo para transposição da primeira - o que, em concreto, acabou por suceder através do Decreto-Lei n.º 23-A/2015, de 25 de março - o legislador nacional não pode manter no ordenamento jurídico interno uma contribuição como a CSB, que não releve tais critérios;

XVII. Disposição a que acresce o disposto no considerando 29 do Regulamento MUR, que prevê que, “Para o bom funcionamento do mercado interno, é indispensável que as mesmas regras sejam aplicáveis a todas as medidas de resolução, independentemente de serem tomadas pelas autoridades de resolução ao abrigo da Diretiva 2014/59/UE ou no quadro do MUR. A Comissão deverá analisar essas medidas ao abrigo do artigo 107.º do TFUE.”;

XVIII. O mesmo sucede, aliás, com a demonstrada falta de dedução dos passivos intragrupo, para efeitos de cálculo da CSB, tal como resulta do disposto no artigo 5.º, n.º 1, al. a), do Regulamento Delegado, que não tem qualquer correspondência com o Regime CSB (nem com o respetivo artigo 3.º, nem outro);

XIX. São estas, pois, as normas que permitem demonstrar a violação do Direito da União Europeia, por um lado, e a violação do princípio do primado, ínsito no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, e que determinam, para além do mais, a inconstitucionalidade do disposto nos artigos 2.º e 3.º do Regime CSB e do artigo 2.º e 3.º da Portaria CSB;

XX. Devendo, caso este Supremo Tribunal não considere manifesta tal violação, ser promovido o reenvio prejudicial para o TJUE, em conformidade com o disposto no artigo 267.º do TFUE, com o propósito de questionar esse órgão sobre se a Diretiva 2014/59/UE, o Regulamento MUR e o Regulamento Delegado devem (como entende o Recorrente) ou não ser interpretados no sentido em que se opõem a uma legislação nacional como a consubstanciada no Regime CSB e na Portaria CSB;

XXI. Em paralelo, a autoliquidação da CSB de 2019 revela-se ainda desconforme com o artigo 1.º do Primeiro Protocolo à CEDH, por articulação com o artigo 14.º da CEDH, e indiretamente com o artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, por manifesta inexistência de quaisquer prestações públicas presumíveis ou potenciais cuja provocação ou aproveitamento sejam seguros numa ótica de grupo para o Recorrente, o que determina a inconstitucionalidade indireta dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Regime CSB, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, bem como dos artigos 4.º e 5.º da Portaria CSB, na redação em vigor em 2019;

XXII. Sendo, em qualquer caso, de concluir ainda pela anulação da autoliquidação da CSB de 2019, dada a sua ilegalidade, por violação do disposto nos artigos 17.º, n.º 2, da LEO Atual e 42.º, n.º 3, da LEO Antiga, bem como nos artigos 31.º, n.º 2, da LEO Antiga, e no artigo 106.º, n.º 1, da Constituição, por estar em causa uma clara violação do princípio da especificação, e um cavaleiro orçamental cujo caráter de permanência põe em causa a reiterada prorrogação do respetivo regime em sucessivas Leis do Orçamento do Estado;

XXIII. Pelo que, e em suma, deve a anulabilidade da autoliquidação da CSB de 2019 ser declarada, sendo o valor pago restituído ao Recorrente, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.

Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença recorrida, e declarando-se a anulabilidade da autoliquidação da CSB do ano de 2019, em resultado da declaração da inconstitucionalidade material das normas que a regulamentam, por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 104.º e 112.º da Constituição, bem como face à inconstitucionalidade indireta por violação da CEDH e do Direito da União Europeia e, ainda, atenta a ilegalidade por violação do disposto nos artigos 17.º, n.º 2, da LEO Atual e 42.º, n.º 3, da LEO Antiga, bem como nos artigos 31.º, n.º 2, da LEO Antiga, e no artigo 106.º, n.º 1, da Constituição, com a necessária restituição do montante de € 143.192,37 indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.

Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser declarada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e a baixa dos autos para efeitos de suprimento de tal nulidade, com o conhecimento da questão em falta.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em apreciar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia bem como analisar a referida inconstitucionalidade indirecta pela circunstância de a Portaria CSB, concretamente, o respectivo artigo 6º, violar os artigos 3º, 4º e 5º do Regime CSB, sendo o mesmo aprovado por uma lei de valor reforçado (o artigo 141º da Lei do Orçamento do Estado para 2011), por violação do disposto no artigo 112º nº 3, da Constituição, a inconstitucionalidade do disposto nos artigos 2º, 3º e 4º do Regime CSB, e 4º e 5º da Portaria CSB, por violação do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13º da Constituição, nas vertentes da justiça, universalidade e uniformidade na repartição dos encargos públicos, ou da equivalência, funcionalizado pelo princípio da proporcionalidade, com assento no mesmo artigo 13.º da Constituição e ainda indagar se os artigos 2º e 3º do Regime CSB e os artigos 2º e 3º da Portaria CSB violam o princípio do primado do Direito da União Europeia positivado no artigo 8.º da Constituição, porque o Regime CSB e a Portaria CSB violam o Direito da União Europeia - em concreto, a Directiva 2014/59/EU porquanto não é avaliado ou ponderado, no apuramento do quantum da CSB a pagar, o grau de risco concreto de cada uma das entidades participantes no Fundo de Resolução, sem olvidar a matéria relacionada com o facto de a autoliquidação da CSB de 2019 revelar-se também desconforme com o artigo 1º do Primeiro Protocolo à CEDH, por articulação com o artigo 14º da CEDH, e indirectamente com o artigo 8º nº 2, da Constituição, por manifesta inexistência de quaisquer prestações públicas presumíveis ou potenciais cuja provocação ou aproveitamento sejam seguros numa óptica de grupo para o Recorrente.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A) A Impugnante é uma instituição de crédito - facto não controvertido.

B) Em 26/06/2019, a Impugnante apresentou a declaração Modelo 26, relativa à CSB do ano 2019, que deu origem à liquidação n.º 26000014910, e, em 28/06/2019, efetuou o respetivo pagamento no montante de € 143.192,37 - cf. documento a fls. 7 do PAT.

C) Em 28/10/2019, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea que antecede, cujo procedimento foi autuado com o n.º 3085201904014383, que foi, em 16/12/2018, objeto de indeferimento - cf. documentos a fls. 1, 2 e 32 do PRG.


*
Não existem outros factos alegados relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como provados ou não provados.
*
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos juntos aos autos, conforme referido em cada alínea do probatório, bem como na posição expressa pelas partes, tendo sido considerados os factos relevantes para a decisão dentro das várias soluções plausíveis das questões de direito [nos termos conjugados do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, este último preceito aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT].”

«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa, desde logo, de apreciar a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia no termos do art. 125º nº 1 do CPPT.

Com efeito, nas suas alegações, a Recorrente começa por dizer que a sentença recorrida padece, desde logo, de nulidade, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT, face à total omissão de pronúncia quanto à invocada inconstitucionalidade indirecta do artigo 6º da Portaria CSB, pois que, em concreto, a CSB padece de inconstitucionalidade indirecta pela circunstância de a Portaria CSB, concretamente, o respectivo artigo 6º, violar os artigos 3º, 4º e 5º do Regime CSB, sendo o mesmo aprovado por uma lei de valor reforçado (o artigo 141º da Lei do Orçamento do Estado para 2011), por violação do disposto no artigo 112º nº 3 da Constituição, na medida em que o artigo 6º da Portaria CSB determina que a base de incidência da CSB seja calculada “por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição,” ao passo que o artigo 3º do Regime CSB estabelece como base de incidência objectiva o passivo apurado pelo sujeito passivo, que só poderá ser o que respeita a todo o exercício económico, findo, no caso do Recorrente, a 31 de Dezembro;

Segundo o disposto no artigo 125º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”, sendo que esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

Como já ficou enunciado, a Recorrente começa por invocar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, invocando que “a questão relativa à inconstitucionalidade do artigo 6º da Portaria CSB, por contrariar a base de cálculo prevista no Regime Jurídico da CSB, não é, sequer, aflorada na jurisprudência citada. De onde resulta que não se pode considerar que a mesma tenha sido objecto de pronúncia, sequer por remissão. E isto apesar de a inconstitucionalidade indireta do artigo 6.º da Portaria CSB face à ilegalidade normativa por violação de lei de valor reforçado ter sido invocada e escrutinada nos pontos 122º a 137º da Impugnação Judicial”.

Pois bem, no despacho que admitiu o recurso e determinou a sua subida, a Sra. Juíza “a quo” indeferiu a arguição de tal nulidade, ao considerar que a questão da violação, por parte da referida Portaria, da Lei de valor reforçado, havia sido objecto de conhecimento por parte do tribunal, cuja fundamentação encontrou respaldo na jurisprudência do STA e do TC que citou.

Tendo presente o teor dos artigos 122º a 137º da petição inicial, verifica-se que a Recorrente aponta que o regime da CSB consta de lei do Orçamento do Estado que tem a natureza de lei de valor reforçado e que a base de incidência objectiva definida na portaria CSB não apresenta correspondência com a norma de incidência que a mesma visa regulamentar e que leva a resultados bastantes diferentes no que respeita ao apuramento do quantum de CBS a pagar em cada ano.

Neste domínio, a decisão recorrida enunciou a questão subjacente ao ora exposto conjuntamente com outra nos seguintes termos:

Prosseguindo para as primeira e segunda questões decidendas, que consistem em saber se a Portaria n.º 121/2011 é inconstitucional por violação do princípio da legalidade, em sentido formal e por violação de lei com valor reforçado” (pág. 7 da sentença).

De seguida, o Tribunal “a quo” remeteu nesta sede para a fundamentação constante da jurisprudência do Tribunal Constitucional (embora se aluda a acórdão do TC anteriormente referenciado, certo é que a referência anterior alude a vários arestos do TC - Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 268/2021, 331/2021, 332/2021 e 505/2021) e do Acórdão do STA de 19/06/2019, proferido no processo nº 02340/13, de que se fez transcrição de nota relativa aos vícios de “inconstitucionalidade material”, por violação do princípio da legalidade fiscal e “inconstitucionalidade orgânica”, por violação do princípio da reserva de lei formal.

Nesta sequência, temos por adquirido que a Recorrente tem razão no sentido de que a questão da inconstitucionalidade da Portaria nº 121/2011 por violação de lei com valor reforçado, pese embora tenha sido enunciada pelo Tribunal “a quo”, não foi objecto de qualquer pronúncia, porquanto, a remissão efetuada para aresto do Tribunal Constitucional (que não está identificado) e do STA abrange apenas a primeira questão relativa aos vícios de “inconstitucionalidade material”, por violação do princípio da legalidade fiscal e “inconstitucionalidade orgânica”, por violação do princípio da reserva de lei formal, sendo que em nenhum dos arestos referenciados na sentença recorrida é abordada a questão da violação por parte da Portaria nº 121/2011 de Lei de valor reforçado (Lei orçamental), no que respeita ao cálculo da contribuição.

Assim sendo, resulta manifesto que, ao abordar a questão por mera remissão para jurisprudência que não conheceu da mesma, o Tribunal “a quo” incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT, uma vez que sendo a remissão feita para decisão que não existe (sobre a especifica questão) os seus efeitos são equiparáveis à não pronúncia.

A partir daqui, lida a sentença, é óbvio que a Recorrente tem razão em relação à invocação da nulidade por omissão de pronúncia, pois que, embora tenha sido suscitada nos autos a aludida questão de constitucionalidade, o Tribunal acabou por olvidar tal matéria, o que significa que deixou de exercer os seus poderes de pronúncia por não ter apreciado uma questão submetida à sua apreciação, o que implica a conclusão de que, no domínio apontado, a sentença é nula.

Em suma, como a nulidade de omissão de pronúncia se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do aludido dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras, tendo presente que a decisão recorrida não conheceu da questão supra identificada, incorreu num desvio do ritualismo processual prescrito na lei, com relevância para a discussão da causa, que determinada a referida nulidade e tendo essa nulidade de ser arguida - como foi - não sendo aplicável a este S.T.A., como Tribunal de revista, a regra da substituição, impõe-se a impetrada declaração de nulidade da sentença recorrida e a baixa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa para efeitos de conhecimento da referida questão jurídica.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente e, nesta medida, declarar nula a decisão recorrida por omissão de pronúncia, baixando os autos à primeira instância no sentido de ser suprida a nulidade apontada - conhecimento da questão da inconstitucionalidade da Portaria nº 121/2011 por violação de lei com valor reforçado.

Custas pela Recorrida, com dispensa de taxa de justiça nesta Instância de recurso, uma vez que não contra-alegou.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 15 de Dezembro de 2022. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.