Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0933/17
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:DESPACHO LIMINAR
INDEFERIMENTO
CONVITE A CORRECÇÃO
Sumário:I - O indeferimento liminar destina-se a eliminar as petições iniciais imprestáveis, cfr. artigo 98º, n.º 1, al. a) do CPPT, não aquelas que apesar de imperfeitas mantêm utilidade válida para o fim a que se destinam.
II - Se o tribunal a quo entendia que a petição de oposição sofria de imperfeições deveria ter convidado a oponente a aperfeiçoar o seu articulado, cfr. artigos 6º e 590º, n.º 4 do CPC, exercendo os poderes-deveres que resultam do princípio da cooperação, de modo a fazer cumprir os princípios da tutela judicial efectiva e pró-actione, de modo a obter uma decisão de mérito.
Nº Convencional:JSTA000P23089
Nº do Documento:SA2201803220933
Data de Entrada:07/24/2017
Recorrente:A......
Recorrido 1:INST DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 13 de Fevereiro de 2017, que indeferiu liminarmente a petição inicial de oposição, por aquela deduzida à execução fiscal que contra si corre, por reversão, tendo por objecto a cobrança coerciva de dívida para com o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL IP.
Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I- A ora recorrente deduziu uma oposição à execução fiscal que corre contra si por reversão, tendo por objecto a cobrança coerciva da dívida, correspondente ao período de 2007 a 2011.
II- Acresce que a ora recorrente não exerceu o cargo desde 2004, aliás nem exerceu a gerência nominal nem a gerência de facto.
III- O douto tribunal entende que a recorrente apresentou a sua oposição sem não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos pelo art° 204° do CPPT, e ainda o facto de ser manifesta a improcedência da oposição.
IV- Ora tal entendimento não pode ser sufragado, já que não corresponde à verdade.
V- A recorrente ao longo da sua petição inicial expôs com clareza os factos e os fundamentos bem como foi precisa na sua causa de pedir,
VI- já que não tendo sido gerente na altura a que remontam as dívidas a mesma é parte ilegítima na acção, debruçando-se assim a sua causa de pedir.
VII- No nosso entendimento, a causa de pedir não podia estar mais clara e concisa,
VIII- Não havendo qualquer obscuridade como o douto tribunal alega existir.
IX- A recorrente expõe, bem como fundamenta os factos concretos que sustentam a sua pretensão (causa de pedir), nos termos exigidos pela norma prevista na alínea d), do n° 1, de art. 467º do CPC.
X- Logo, é nosso entendimento que no caso em apreço não existe lugar a qualquer indeferimento liminar.
XI- Contudo, também é nosso entendimento que na presente situação,
XII- Deveria o douto tribunal convidar a ora recorrente aperfeiçoar o articulado,
XIII- Com fundamento no princípio de colaboração, celeridade e flexibilidade dos
processos.
XIV- O que não aconteceu!
XV- O douto tribunal, omitiu o dever de convidar as partes a aperfeiçoar o articulado.
XVI- Aliás, estamos perante uma obstaculização da Justiça!
XVII- Na medida, em que a tramitação processual, seguiu os seus trâmites devidamente.
XVIII- Aliás, com tal entendimento, apenas entorpece a JUSTIÇA, já que ao abrigo da celeridade processual e da adequação formal,
XIX- Deveria ter sido convidada para aperfeiçoar a sua petição inicial.
XX- Assim, face ao supra exposto não pode a ora recorrente sufragar o entendimento do douto Tribunal pelo que se requer que seja declarada nula a sentença, assim dignificando a tão douta e costumada JUSTIÇA!

Contra-alegou o recorrido pugnando pela improcedência do recurso.

O Ministério Público, notificado, pronunciou-se pelo provimento do recurso e revogação do despacho recorrido baixando os autos à 1ª instância, a fim de serem seguidos os ulteriores termos processuais se a tal nada mais obstar. No essencial o Ministério Público entende que a petição inicial não é inepta pois a recorrente indica como causa de pedir a sua ilegitimidade passiva uma vez que alega não ter exercido a gerência de facto e de direito da devedora originária nos períodos de constituição e pagamento das dívidas exequendas.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. Os processos de execução fiscal n.º 1101200801393154 e aps (1101200801393162); 1101200900839744 e aps (1101200900839787); 1101201001458582 e aps (1101201001458604); 1101201001724304 e aps (1101201001724347); 1101201002372010 e aps (1101201002372053); 1101201100160393 e aps (1101201100160407); 1101201100231630 e aps (1101201100231649); 1101201400052736 e aps (1101201400052809), têm por base as certidões de dívida emitidas pela entidade credora, Centro Distrital do Instituto da Segurança Social, I.P, à B…………. LDA., NIPC: ……….., referentes a contribuições e cotizações de 2007/11 a 2011/03 de executada original, cujas citações se encontram anexas documentos 1 a 7;
2. Na qualidade de gerente da executada originária (início em 2003-12-09 e sem data de cessação registada, informação retirada no sistema de informação da Segurança Social) foi a revertida notificada em audição prévia no âmbito destes processos em 2012/02/23, documento 8;
3. O revertido não exerceu o direito de audição prévia dentro do prazo legalmente estabelecido, tendo sido foi remetida a citação em reversão em 2012-04-18, Documento 9;
4. Em 03.06.2014 foi entregue uma oposição na qual reflecte o número de processo desse tribunal, Processo n.º 24/14.OTDLSB, fl. 1 dos autos.
Nada mais se deu como provado.

Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
O despacho liminar de indeferimento tem o seguinte teor:

" ... A………., com o NIF ………., com os demais sinais dos autos que dou aqui por reproduzidos, deduziu oposição à execução fiscal que contra si corre, por reversão, tendo por objecto a cobrança coerciva de dívida para o Instituto da Segurança SociaI, IP.
Para o efeito contesta o facto de ter sido efectuada a reversão, por ter deixado de exercer o cargo de gerente em 15/09/2004, não podendo ser responsável por dívidas à data de 2007 a 2011.
Refere ainda que não "exerceu a gerência nominal nem a gerência de facto". Requer a absolvição da instância a extinção do despacho de reversão com fundamento da ilegitimidade passiva.

A nulidade em análise (ineptidão da petição inicial devido a falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir) pode apresentar-se de duas formas que se pode consubstanciar em falta absoluta de formulação do pedido ou da causa de pedir ou formulação obscura dos mesmos ou contradição insanável na indicação do pedido ou da causa de pedir, quando, por isso mesmo, resulta de todo "imprestável" para a sua função essencial…

Da petição apresentada pela oponente, resulta que a mesma não identifica o facto concreto que serve de fundamento à oposição, isto é, a causa de pedir.
Assim é, porquanto o oponente não identifica claramente quais as dívidas exequendas que vem contestar. Esse facto é essencial no meio processual oposição à execução porquanto é aí que se afere da exigibilidade das mesmas e da legitimidade ou não do Oponente. Facto que este pretende discutir e ver apreciado. Importa, para o efeito, saber para aferir quais os valores e os períodos que estão em causa e se os mesmos são ou não coincidentes com o exercício ou não, da gerência da Oponente referente à da devedora originária.
Em suma, a petição inicial que deu origem ao presente processo é, desde logo, inepta devido a obscuridade da causa de pedir, assim se impondo o seu indeferimento liminar, ao abrigo do disposto nos art.s 98°, nºs. 1, aI a), e 2, 110°, n°.1, e 209°, n° 1, aI b), do Código de Procedimento e Processo Tributário e 186, n° 1, 452, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artº 2° aI. e) do CPPT.”.

Se bem se percebe da argumentação constante do despacho recorrido, o indeferimento liminar ocorreu porque se entendeu que a petição inicial era inepta devido a obscuridade da causa de pedir, porque a oponente não identifica claramente quais as dívidas exequendas que vem contestar.
É certo, no entanto, que logo no segmento inicial do despacho recorrido se esclarece o leitor que a oponente contesta o facto de ter sido efectuada a reversão, por ter deixado de exercer o cargo de gerente em 15/09/2004, não podendo ser responsável por dívidas à data de 2007 a 2011, mais referindo que não "exerceu a gerência nominal nem a gerência de facto".
Já do segmento respeitante à matéria de facto podemos surpreender que a presente oposição se dirige a contestar várias execuções referentes a contribuições e cotizações de 2007/11 a 2011/03 de executada original.
Ou seja, a oponente, revertida, deduziu contestação (oposição) à execução fiscal, instaurada para cobrança de dívidas referentes a contribuições e cotizações de 2007/11 a 2011/03 de executada original, e alega que não é responsável por tais dívidas porque deixou de exercer o cargo de gerente da devedora originária desde 2004 e que não exerceu a gerência de facto ou de direito.

Dos próprios termos em que se encontra redigido o despacho recorrido afigura-se-nos que o mesmo contém em si mesmo uma contradição insanável; se se consegue identificar a pretensão da oponente e os períodos a que se referem as dívidas exequendas, não se descortina onde possa estar a obscuridade da petição de oposição.
Se se considera que a petição inicial não é perfeita, mas ainda assim percebe-se o que a oponente pretende, não há razão para a indeferir liminarmente. Como bem se refere no despacho recorrido, o indeferimento liminar destina-se a eliminar as petições iniciais imprestáveis, cfr. artigo 98°, n.º 1, aI. a) do CPPT, não aquelas que apesar de imperfeitas mantêm utilidade válida para o fim a que se destinam.

No caso concreto, se o tribunal a quo entendia que a petição de oposição sofria de imperfeições deveria ter convidado a oponente a aperfeiçoar o seu articulado, cfr. artigos 6° e 590°, n.º 4 do CPC, exercendo os poderes-deveres que resultam do princípio da cooperação, de modo a fazer cumprir os princípios da tutela judicial efectiva e pro-actione, de modo a obter uma decisão de mérito.
A concepção das regras e princípios processuais que presidiram ao despacho recorrido mostram-se ultrapassadas e desajustadas do modo pelo qual se devem hoje olhar as regras processuais, como um meio e não um fim em si mesmo, impondo ao juiz a todo o tempo a conformação do processo de modo a obter decisão de mérito.
Impõe-se, assim, a revogação do despacho recorrido.

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância a fim de aí ser proferido despacho que não seja de indeferimento liminar pelos motivos em que se baseou o que foi impugnado neste recurso.

Custas pelo recorrido.
D.n.

Lisboa, 22 de Março de 2018. - Aragão Seia (relator) - Dulce Neto - Francisco Rothes.