Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01061/16.6BEALM
Data do Acordão:09/21/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
IRC
Sumário:As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste e, para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas, não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei, designadamente, os pagamentos especiais por conta.
Nº Convencional:JSTA00071549
Nº do Documento:SA22022092101061/16
Data de Entrada:11/02/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A……………………, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………….., SA, melhor identificado nos autos, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, contra os actos de autoliquidação de IRC relativos aos anos de 2013 e 2014 e respectivos juros compensatórios.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 283 a 295 do SITAF;
1. Salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não pode deixar de constatar que os fundamentos supra elencados apontam no sentido da improcedência da posição defendida pela ora impugnante, levando-nos a concluir que o artigo 90.º, do CIRC, não se aplica às tributações autónomas.
2. Mas, a ser assim, como é, será que se está perante um caso em que existe uma lacuna na lei (Mas sendo esta uma lei fiscal, esta não permite a integração), ou antes perante uma situação em que, a aceitar que a liquidação das tributações autónomas se faça fora do artigo 88.º, n.º 1 do CIRC, seria obrigar o contribuinte a pagar um imposto cuja liquidação não se faz nos termos da lei, contrariando, assim, o n.º 3 do artigo 103º, da CRP, e o princípio da legalidade tributária estabelecido no artigo 8.º, n.º 2/a) da LGT.
3. Porém, independentemente de tudo, dúvidas não restam que a liquidação das tributações autónomas não requer a aplicação do artigo 90.º, do CIRC, existindo uma forte incompatibilidade entre aquela figura e este artigo.
4. Na verdade, antes da incorporação no CIRC, a tributação autónoma em IRC encontrava-se prevista em diploma avulso, mais concretamente no artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, cuja redação foi sofrendo diversas alterações dadas, respetivamente, pelas Leis n.ºs 52-C/96, de 27 de Fevereiro; 87-B/98 de 31 de Dezembro e 3-B/2000 de 29 de Abril.
5. Da leitura das diversas redacções, que nos dispensamos de transcrever, que foram sendo dadas ao citado diploma, que anteriormente regulava a tributação autónoma, constata-se o seu regime era semelhante ao actual, na medida em que também se encontravam definidos na norma os elementos essenciais do imposto, mais concretamente, a incidência subjetiva e objetiva, a matéria e tributável, as taxas e, ainda que não consagrava quaisquer regras semelhantes às constantes do artigo 90º do CIRC.
6. Isto é, a liquidação das tributações autónomas efectuava-se sem apoio em norma semelhante à do aludido artigo 90.º do CIRC.
7. Não obstante, tanto quanto nos é dado a saber, nunca foi suscitada qualquer questão relacionada com a violação do artigo 103º, n.º 3 da CRP, a propósito e/ou decorrente da tributação autónoma, com base em liquidação de tributação autónoma sem fundamento legal, eventualmente porque o artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 192/93, de 9 de Junho, à semelhança do que ocorre com o artigo 88.º, do CIRC, previa todos os elementos de que dependia a liquidação da tributação autónoma – Incidência/Matéria tributável/Taxa.
8. Razão pela qual, face aos argumentos apresentados, se concluiu que a orientação que considera que o artigo 90.º, do CIRC, se aplica à liquidação das tributações autónomas, carece naturalmente de legitimidade.
9. Ficando prejudicada, face a este enquadramento jurídico, a análise da matéria de facto relativa aos pagamentos especiais por conta que a impugnante alega ser titular para efeitos de dedução.
10. Acresce que, como antedito, em 31-05-2017, quando o Tribunal Constitucional proferiu o acórdão n.º 267/2017, havia já jurisprudência arbitral no sentido de os pagamentos especiais por conta não serem dedutíveis à colecta de IRC gerada pelas tributações autónomas, designadamente o acórdão de 30-12-2015, proferido no processo n.º 113/2015-T, e já depois da entrada em vigor a Lei n.º 7-A/2016, os seguintes acórdãos, além de outros: de 28-04-2016, proferido no processo n.º 673/2015-T; de 04-05-2016, proferido no processo n.º 781/2015-T; de 13-05-2016, proferido no processo n.º 784/2015-T; de 14-06-2016, proferido no processo n.º 736/2015-T; de 14-06-2016, proferido no processo n.º 745/2015-T; de 11-07-2016, proferido no processo n.º 670/2015-T (com um voto de vencido); de 15-07-2016, proferido no processo n.º 749/2015-T; de 28-08-2016, proferido no processo n.º 722/2015-T; de 25-08.-2016, proferido no processo n.º 746/2015-T; de 07-09-2016, proferido no processo n.º 639/2015-T; de 07-10-2016, proferido no processo n.º 727/2015-T.
11. E, ainda, que a interpretação, que veio a ser explicitada neste n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, era já, quanto aos pagamentos especiais por conta (e diferentemente do que sucedia com os benefícios fiscais), a que deveria ser adoptada anteriormente.
12. Por isso, a pretensão da ora impugnante de que os pagamentos especiais por conta sejam deduzidos à colecta de tributações autónomas, não pode proceder.
13. Neste sentido, veja-se o recente Acórdão do STA de 27/09/2017, proc. 0146/16, que passamos a citar – Sumário – I - As tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma.
II - Estando em causa tributações autónomas respeitantes a “encargos com viaturas”, “despesas de representação” e “encargos com ajudas de custo e de compensação pela deslocação em viatura própria do trabalho”, i.e., respeitantes a despesas dedutíveis, a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.
III - Estas tributações autónomas, que, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal materialmente distinta deste, espoletadas por despesas, foram incluídas pelo legislador no CIRC através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
IV - Mesmo antes das alterações introduzidas no CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, os encargos fiscais com as tributações autónomas não eram dedutíveis para efeitos de IRC, como resultava da conjugação dos arts. 23.º, n.º 1, alínea f) e 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, naquela que se nos afigura a melhor interpretação, pois, por um lado, o legislador (bem ou mal e, a nosso ver, mal) sempre as considerou como IRC, incluindo o seu regime legal no âmbito do respectivo código (pelo menos desde a referida Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) e, por outro, não faria sentido que o efeito pretendido pelo legislador com essas tributações autónomas, de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução das despesas por elas tributadas, fosse, depois, contrariado pela dedução dos encargos com essas tributações. Sublinhado, nosso.
V - O art. 23.º-A do CIRC – aditado pela Lei n.º 2/2014, lei que, do mesmo passo, revogou o art. 45.º daquele Código –, pese embora a sua incorrecção terminológica, na medida em que parece reconduzir a espécie tributária tributações autónomas ao IRC (permanecendo o legislador no mesmo erro), não configura uma lei inovadora, porque de facto nada inovou, tendo-se limitado a consagrar uma interpretação possível da lei anterior.
14. A assim não ser entendido, estar-se-ia perante uma violação clara, do n.º 3, do artigo 103º, da CRP, bem como do princípio da legalidade tributária estabelecido no artigo 8.º, n.º 2/a) da LGT, e, ainda, do dispositivo legal contido no n.º 12, do Artigo 88.º do CIRC, à data em vigor.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações pela sociedade recorrida, as quais encerra com o seguinte quadro conclusivo:
a) As questões apreciadas na Sentença recorrida consistem em saber se (i) O montante pago a título de tributações autónomas em sede de IRC integra a coleta deste imposto; e se (ii) Decorria de alguma norma do CIRC que o PEC (assim como as demais deduções referidas no artigo 90.º, n.º 2, do citado Código) realizado num dado ano não podia ser deduzido à coleta de IRC apurada nesse ano, incluindo nessa coleta os montantes já pagos a título de tributações autónomas em sede de IRC.
b) Tendo respondido afirmativamente à primeira questão e negativamente à segunda – sendo certo que ambas as questões relevam exclusivamente da interpretação e aplicação do direito infraconstitucional –, o tribunal recorrido considerou que o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC tem caráter inovador, razão pela qual a sua aplicabilidade a anos fiscais anteriores ao de 2016, conforme determinado pelo artigo 135.º da LOE 2016 – na medida em que atribui uma natureza meramente interpretativa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil – implica retroatividade fiscal constitucionalmente proibida.
c) Assim, o objeto do presente recurso redunda na norma do artigo 135.º da LOE 2016, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma da 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pelo artigo 133.º da citada Lei, segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de PEC nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016.
d) A tributação autónoma incide sobre certas despesas tipificadas efetuadas pela empresa, não visando a tributação dos rendimentos empresariais que tenham sido auferidos no respetivo exercício económico, mas antes desincentivar a realização de despesas que possam repercutir-se negativamente na receita fiscal e reduzir artificiosamente a própria capacidade contributiva da empresa, constituindo, portanto, um facto tributário autónomo, gerando um imposto a que o contribuinte fica sujeito independentemente de ter obtido ou não rendimento tributável, mas ainda assim, revelador da capacidade contributiva.
e) Porém, a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC.
f) Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, por via do art.º 133º da LOE/2016 – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas, sendo inovadora e diminuindo as possibilidades de o contribuinte realizar deduções à coleta de IRC.
g) A irretroatividade fiscal é uma manifestação do princípio da segurança jurídica ou da confiança inscrito no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP), razão pela qual, in casu, e de acordo com a interpretação feita na decisão recorrida, a solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da LOE 2016, agravando desfavoravelmente o modo de calcular o quantum anualmente devido a título de IRC.
h) E daí que, dado o conteúdo gravoso para os contribuintes da nova solução legal – visto que tende a agravar o quantum devido a título de IRC –, a pretensão de a mesma se aplicar a anos fiscais anteriores ao do início da sua vigência mostra-se flagrantemente incompatível com a proibição constitucional de impostos retroativos (cfr. o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição).
i) Na sua alegação, omite ademais Recorrente que o juízo de inconstitucionalidade acerca das “interpretações autênticas” determinadas pelo art.º 135º, no que se refere à solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração introduzida pelo artigo 133.º da mesma LOE 2016, foi já objeto de, pelo menos, duas pronúncias do Tribunal Constitucional: a primeira, no acórdão n.º 267/2017; e a segunda, reafirmada na decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 11/2018, confirmada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2018 no processo n.º 1430/2017, de 22 de fevereiro de 2018.
j) Em ambos os casos, decidiu o Tribunal Constitucional julgar inconstitucional por violação da proibição da retroatividade dos impostos, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao disposto no n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, na parte em que determina que não há lugar a quaisquer deduções (nomeadamente, dos pagamentos especiais por conta) aos montantes de tributações autónomas que integram a coleta do IRC.
k) Quando o Tribunal Constitucional proferiu o acórdão n.º 267/2017, havia já jurisprudência arbitral no sentido de os pagamentos especiais por conta serem dedutíveis à colecta de IRC gerada pelas tributações autónomas, precisamente, com fundamento na retroactividade do disposto na 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC.
l) Assim ocorreu, com o Acórdão Arbitral da CAAD, proferido no Processo nº 744/2015-T, em 2016-05-03, conclui que: (…) entende-se que os contribuintes não podiam contar com a norma criada pelo disposto na 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do Código do IRC, razão pela qual a norma em causa pode violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Assim sendo, a 2.ª parte da norma em causa não pode ser considerada uma norma interpretativa em sentido autêntico, sendo, portanto, proibida a sua retroactividade. Atento o exposto, conclui-se que a 2.ª parte da norma em análise não pode ser aplicada ao caso sub judice, cujo acto impugnado se reporta ao ano 2012, sob pena de violação do disposto no artigo 103.º, n.º 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 12.º da LGT.
m) E mais recentemente – 2019-05-20 – o Acórdão Arbitral da C.A.A.D., proferido no Processo nº 457/2018-T, confirmou este mesmíssimo entendimento.
Acresce que,
n) Mesmo que lograsse essa demonstração de se estar perante uma lei (a parte 2 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC) interpretativa autêntica (por oposição a lei interpretativa só de nome), ainda assim a eventual pretensão de atribuição de carácter retroactivo a esta norma não se coadunaria com a proibição constitucional de retroactividade da lei fiscal.
Na verdade,
o) As leis autenticamente interpretativas, não abalam, verdadeiramente, as expectativas concretas anteriores dos destinatários das mesmas, no caso de a interpretação tornada vinculativa já ser conhecida e tiver sido mesmo aplicada; todavia, mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários.
p) A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas e já aplicadas noutros casos leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica.
q) Nesta medida, poder-se-á entender que a lei interpretativa, ainda que autêntica, ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do artigo 13º do Código Civil, altera o contexto de auto-vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afecta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroactividade. Haverá, consequentemente, nesta última situação, uma garantia de segurança mais forte inerente à proibição de retroactividade.
r) Ora, a proibição constitucional explícita de retroactividade em matéria fiscal não pode ser interpretada de modo que exclua o sentido forte anteriormente referido de protecção da segurança, ou seja restritivamente em termos semelhantes à jurisprudência anterior do Tribunal, como se não tivesse sido alterado o texto constitucional e apenas resultasse dos princípios gerais. Na expressa proibição de retroactividade não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objectividade e auto-vinculação do Estado pelo Direito.
s) Dessa sorte, as normas ditas interpretativas ou materialmente interpretativas publicadas em matéria fiscal não serão aceites por vigorar o princípio da proibição da lei fiscal retroactiva.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
A Fazenda Pública vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 19 de Dezembro de 2019, que julgou procedente impugnação judicial deduzida por A…………………, SA do indeferimento da reclamação graciosa contra os actos de autoliquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, dos exercícios de 2013 e 2014, a título de tributações autónomas no valor de, respectivamente, €5.334,38 e €3.140,02, (cf. fls. 253 a 275, do SITAF).
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, a Recorrente, invocando, erro de julgamento da matéria de direito, pretende com o presente recurso jurisdicional a revogação por este tribunal ad quem da, aliás, douta sentença proferida pelo tribunal a quo.
Uma vez que, no seu entendimento, os montantes pagos pela Impugnante, ora Recorrida a título de pagamento especial por conta (PEC) não são dedutíveis aos valores apurados a título de tributações autónomas.
Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº 5 a 7 do CPPT e 635º, nº 4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato
DO MÉRITO DO RECURSO
A questão a analisar no presente recurso é a de aferir da possibilidade legal de deduzir o montante dos pagamentos especiais por conta (PEC) ao valor da colecta das tributações autónomas apurado na autoliquidação do IRC dos exercícios de 2013 e 2014.
Ou seja, se é dedutível à colecta de tributações autónomas de IRC o valor adiantado a título de pagamento especial por conta.
Ora, a jurisprudência tem sido pacífica no sentido de que não se pode deduzir à colecta de tributações autónomas o valor do PEC suportado no mesmo exercício.
Assim, seguindo o entendimento perfilhado na decisão arbitral nº 34/2016-T
“…A tributação autónoma não incide sobre o rendimento do sujeito passivo, mas antes sobre determinadas despesas avulsas, que constituem factos tributários autónomos sujeitos a taxas diversas conforme a respectiva natureza (Ac. do STA nº 830/01, de 21/03/2012),
Que o legislador entendeu fazê-lo de forma também autónoma, sendo a colecta da tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso passível de tributação (Ac. do TC 310/12, de 20/6).
As tributações autónomas são, portanto, medidas anti-abuso e desincentivadoras de evasão fiscal.
O PEC, por sua vez, é uma entrega antecipada por conta do imposto relativo à atividade normal do sujeito passivo, calculado com base no volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, e os pagamentos efectuam-se durante o período de constituição do facto tributário.
Também esta forma de pagamento do IRC tem a ver com a fraude e a evasão fiscal, isto é, aqui o relevante será a eventual diminuição do volume de negócios ou do lucro, garantindo ao Estado uma espécie de colecta mínima.
“Na linha deste raciocínio entende-se ainda que, quer o pagamento especial por conta, quer as tributações autónomas, prossigam o mesmo objectivo de evasão fiscal, eles visam prevenir dois comportamentos distintos dos contribuintes:
Pelo primeiro previne-se a não declaração de rendimentos continuados que se presume que existam, pois só assim se percebe a continuidade da atividade;
Já as segundas, encontram justificação como medidas dissuasoras e compensatórias da transferência de rendimentos da esfera pessoal ou da consideração de despesas sem causa empresarial.
E assim se entende que se defenda que, coexistindo ambos os comportamentos, tenham que coexistir também as duas figuras de combate à evasão: uma empresa que não declara rendimentos suporta pagamento especial por conta;
Uma empresa que sobrecarrega as despesas por forma a minimizar IRS (ou a diminuir/aumentar o seu lucro/prejuízo fiscal) suporta tributação autónoma; uma empresa que pratica ambos os comportamentos, suporta pagamento especial por conta e tributação autónoma.
Portanto, as tributações autónomas visam “… impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afectadoras do sistema e a expectativa sobre o que deverá ser a receita “normal” do imposto.
No caso, como é igualmente consabido, do que se trata é de desincentivar a realização/relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também como finalidade específica e última, o evitamento do imposto.
Estas são realidades que, tal como já se deixou anteriormente assinalado, apresentam alguma medida de censurabilidade já que, não violando directamente a lei, geram desequilíbrios sensíveis e importantes sobre a ideia geral de justiça, sobre o dever fundamental de contribuir na proporção dos seus haveres, da igualdade, do sacrifício, da proporcionalidade da medida do imposto em face das manifestações possíveis de riqueza, da tributação do rendimento real e da justiça.
Funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC – que tributa os rendimentos – as tributações autónomas, reafirma-se, tributam certas despesas ou encargos específicos –
e constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos fins do próprio imposto onde se manifestam.
“Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito, mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC (redação em vigor em 2013).
Revelações dessa ligação de funcionalidade, e no quadro da intenção do legislador no seu todo, sobressaem, por exemplo da disciplina do artigo 12º do CIRC a propósito das entidades sujeitas ao regime da transparência fiscal, ao não as tributar em IRC, “salvo quanto às tributações autónomas”,
relação essa que igualmente se manifesta face ao nº 14 do artigo 88º do CIRC, no sentido em que as taxas de tributação autónoma têm em consideração o facto do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.
Analisada ainda sob outro prisma, haverá que considerar as tributações autónomas no contexto de normas anti-abuso específicas e a sua similitude com o regime previsto sob o nº 1 do artigo 65º do CIRC, (“não são dedutíveis para efeitos do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizada e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”.
Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ela mesma, através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício, constituir factor de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador (Ac. 535/2015-T).
No referido o acórdão que subscrevemos, citou-se a fundamentação para a opção, invocando as teses do Acórdão 113/2015-T do CAAD, sobre a natureza jurídica das figuras em questão, isto é,
“ (…) o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no artigo 83º foi concebida para apurar o imposto directamente incidente sobre o rendimento declarado.
Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução.
Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor.
Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu sector de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações.
Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes. Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.
Se se permitir a dedução do PEC à colecta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º, nº 2 do CIRC se insere, pois, o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afectado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”.
Existe efectivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correcção das declarações – e a afectação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.”
Portanto, estando em causa a dúvida sobre a dedutibilidade ou não do PEC na colecta das tributações autónomas apuradas de forma diversa e separada da colecta normal do exercício, na redação do art.º 90º do CIRC, entendemos que o assunto terá ficado mais clarificado com a publicação da Lei do orçamento para 2016.
“O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, sintoniza-se com este entendimento arbitral, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções».
Por outro lado, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa),
tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».
A Requerente, todavia, nas suas alegações destaca o facto de que a nova lei só tem aplicação para o futuro dado que o seu carácter é inovador.
Não sendo assim entendido estar-se-á perante a aplicação retroactiva da lei em matéria tributária, o que está constitucionalmente vedado.
Pensamos que não é a melhor leitura dos referidos preceitos legais. Acompanhamos sobre esta matéria o que vem escrito na decisão que estamos seguindo: BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas: “… poderemos, consequentemente, dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado.
Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior.
Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. …
Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta;
e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.
Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.
“Em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e 2013 [neste caso, 2011 e 2012], pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor: – a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;
– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar”.
Para além disso, não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição, ao contrário do que defende a Requerente: segundo esta nova regra, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efectuadas deduções.
No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa,
pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à colecta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adoptada pelos tribunais, como aconteceu em diversos processos que correram termos no CAAD.
Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, n.º 21, por força do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas (Ac. 673/2015-T) ”.
E, salvo melhor opinião, não é o Acórdão nº 267/2017, de 31 de maio, que vem modificar este entendimento.
Na verdade, como muito bem salienta o Acórdão nº 455/2018-T, de 25 de Fevereiro de 2019,
“Não se desconhece que o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017, declarou «inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroactiva estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que, por efeito do carácter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2.ª parte, do Código do IRC - número esse aditado pelo artigo 133.º da citada Lei - segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016”.
Mas, esse acórdão do Tribunal Constitucional, quanto à interpretação da lei ordinária, parte de uma errada interpretação da jurisprudência arbitral, pois considerou que «inexistem razões para duvidar do acerto da caracterização como inovadora da solução normativa do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC resultante da alteração feita pelo artigo 133.º da LOE 2016»,
Invocando as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 769/2014-T, 163/2014-T, 219/2015-T e 370/2015-T, quando nenhuma destas decisões se pronuncia sobre a questão de os pagamentos especiais por conta serem dedutíveis à colecta de IRC proveniente de tributações autónomas.
Na verdade, os processos n.ºs 769/2014-T e 219/2015-T reportam-se à dedução de benefícios fiscais à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, questão que é substancialmente diferente da que se coloca em relação aos pagamentos especiais por conta.
Por os benefícios fiscais implicarem uma preferência legislativa pela prossecução dos objectivos extrafiscais que os justificam, que se sobrepõem aos restantes objectivos da tributação.
O processo n.º 163/2014-T tratou a questão da dedutibilidade das quantias respeitantes às tributações autónomas como encargos para efeitos de determinação do lucro tributável e decidiu no sentido negativo.
O único processo dos referidos em que se colocou a questão da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, foi o processo n.º 370/2015-T, mas o Tribunal Arbitral não tomou conhecimento dessa questão por a considerar prejudicada.
Pelo contrário, em 31-05-2017, quando o Tribunal Constitucional proferiu o acórdão n.º 267/2017, havia já jurisprudência arbitral no sentido de os pagamentos especiais por conta não serem dedutíveis à colecta de IRC gerada pelas tributações autónomas, designadamente o acórdão de 30-12-2015, proferido no processo n.º 113/2015-T,
E já depois da entrada em vigor a Lei n.º 7-A/2016, os seguintes acórdãos, além de outros: de 28-04-2016, proferido no processo n.º 673/2015-T; de 04-05-2016, proferido no processo n.º 781/2015-T; de 13-05-2016, proferido no processo n.º 784/2015-T; de 14-06-2016, proferido no processo n.º 736/2015-T; de 14-06-2016, proferido no processo n.º 745/2015-T; de 11-07-2016, proferido no processo n.º 670/2015-T (com um voto de vencido); de 15-07-2016, proferido no processo n.º 749/2015-T; de 28-08-2016, proferido no processo n.º 722/2015-T; de 25-08.-2016, proferido no processo n.º 746/2015-T; de 07-09-2016, proferido no processo n.º 639/2015-T; de 07-10-2016, proferido no processo n.º 727/2015-T.
De qualquer forma, pelo que se referiu, a interpretação que veio a ser explicitada neste n.º 21 do artigo 88.º do CIRC era já, quanto aos pagamentos especiais por conta (e diferentemente do que sucedia com os benefícios fiscais), a que deveria ser adoptada anteriormente.
Por isso, independentemente da inconstitucionalidade ou não da interpretação autêntica efectuada pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2015, de 30 de Março, e redação que deu ao artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reporta aos pagamentos especiais por conta,
Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por melhor opinião, que a pretensão da Recorrente de que os pagamentos especiais por conta não sejam deduzidos à colecta de tributações autónomas deve proceder.
Portanto, a interpretação mais consentânea com a lei, porque a declaração de inconstitucionalidade declarada no Acórdão nº 267/2017 não é aplicável ao caso em apreço, é a de que à colecta derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, num determinado exercício, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efectuado relativamente a esse mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art.º 88º do CIRC.
Consequentemente, entendemos que o recurso merece provimento.
CONCLUSÃO
Destarte, nos termos e com os fundamentos expostos deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, julgando-se improcedente a presente impugnação judicial.”

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 253 a 275 e seguintes do SITAF:
1. No exercício da sua actividade, a Impugnante encontra-se sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, adoptando um período de tributação coincidente com o ano civil – cfr. artigo 13.º da petição inicial, não controvertido;
2. No dia 27 de Maio de 2014, a Impugnante submeteu, via internet, a declaração anual de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2013 – cfr. fls. 147 a 151 do processo administrativo apenso aos autos;
3. Na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC referida no ponto anterior, a Impugnante fez constar no campo 365 do Quadro 10 – Tributações Autónomas -, o valor de € 3.140,02 – cfr. fls. 151 do processo administrativo apenso aos autos;
4. No exercício de 2013, a Impugnante apurou IRC a entregar ao Estado no valor de € 3.161,88 – cfr. fls. 257 a 259 do processo administrativo apenso aos autos;
5. A Impugnante procedeu ao pagamento do IRC autoliquidado relativo ao exercício de 2013, no montante de € 3.161,88, em 30 de Maio de 2014 – cfr. fls. 259 do processo administrativo apenso aos autos;
6. No exercício de 2013, a Impugnante realizou dois pagamentos especiais por conta, em 28 de Março de 2013 e 31 de Outubro de 2013, cada um no valor de € 2.929,86 – cfr. fls. 255 do processo administrativo apenso aos autos;
7. Os pagamentos especiais por conta referidos no ponto anterior não foram deduzidos à colecta das tributações autónomas – facto não controvertido;
8. No dia 28 de Maio de 2015, a Impugnante submeteu, via internet, a declaração anual de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2014 – cfr. fls. 152 a 157 do processo administrativo apenso aos autos;
9. No dia 30 de Março de 2016, a Impugnante apresentou declaração de substituição da declaração anual de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2014 – cfr. fls. 158 a 163 do processo administrativo apenso aos autos;
10. Na declaração de substituição de IRC referida no ponto anterior, a Impugnante fez constar no campo 365 do Quadro 10 – Tributações Autónomas -, o valor de € 5.334,38 – cfr. fls. 162 do processo administrativo apenso aos autos;
11. No exercício de 2014, a Impugnante apurou IRC a entregar ao Estado no valor de € 5.796,27 – cfr. fls. 260 a 262 do processo administrativo apenso aos autos;
12. A Impugnante procedeu ao pagamento do IRC autoliquidado relativo ao exercício de 2014, no montante de € 5.796,27, em 29 de Maio de 2015 – cfr. fls. 262 do processo administrativo apenso aos autos;
13. No exercício de 2014, a Impugnante realizou dois pagamentos especiais por conta, em 26 de Março de 2014 e 22 de Outubro de 2014, cada um no valor de € 3.846,85 – cfr. fls. 254 do processo administrativo apenso aos autos;
14. Os pagamentos especiais por conta referidos no ponto anterior não foram deduzidos à colecta das tributações autónomas – facto não controvertido;
15. Com data de registo de entrada nos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira de 25 de Maio de 2016, a Impugnante apresentou reclamação graciosa dos actos tributários referentes às autoliquidações dos períodos de tributação de IRC de 2013 e 2014 – cfr. fls. 208 a 236 do processo administrativo apenso aos autos;
16. Em 30 de Agosto de 2016, o Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, proferiu despacho a indeferir a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante – cfr. fls. 263 a 270 do processo administrativo apenso aos autos;
17. O sistema informático da Autoridade Tributária através do qual é liquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos de apuramento do imposto por si devido, ao IRC resultante das tributações autónomas apuradas, o pagamento especial por conta – cfr. o artigo 22.º da Petição Inicial, não controvertido.

II.2 – De Direito
I. Vem a representante da Fazenda Publica recorrer para este Supremo Tribunal da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Almada que julgou procedente impugnação judicial deduzida pela impugnante, ora recorrida, A…………………….., Lda, contra o indeferimento da reclamação graciosa sobre os actos de autoliquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, dos exercícios de 2013 e 2014, a título de tributações autónomas no valor de, respectivamente, €5.334,38 e €3.140,02.
O Tribunal a quo ao decidir pela procedência do presente recurso considerou que “… se foi intenção do legislador – inovatoriamente, como conclui o Tribunal Constitucional -, que não sejam feitas deduções ao montante global apurado com as tributações autónomas, também daí decorre, num juízo de verosimilhança, que não seria compaginável que essa limitação já se impusesse aos exercícios anteriores.” Mais concluiu o Tribunal a quo que ” … não existindo, até redacção – inovatória, repete-se – do Orçamento de 2016 referida, norma sobre liquidação das tributações autónomas distinta daquela que regula a liquidação em geral, será de aceitar que a colecta de IRC as engloba, sendo, portanto, dedutíveis à colecta apurada das mesmas, nomeadamente e para o que ora releva, os pagamentos especiais por conta.

II. Inconformada com o assim decidido, recorre a FP para esta Instância Superior imputando à decisão recorrida erro de julgamento da matéria de direito, por considerar os montantes pagos pela impugnante, ora recorrida a título de pagamento especial por conta (PEC) são dedutíveis aos valores apurados a título de tributações autónomas.
Sustenta ainda que a interpretação adoptada na sentença recorrida, viola de forma clara, o dispositivo legal contido no n.º 12, do Artigo 88.º do CIRC, à data em vigor dos factos, bem como o nº 3, do artigo 103º, da CRP e o princípio da legalidade tributária estabelecido no artigo 8.º, n.º 2/a) da LGT.
III. De acordo com o teor das Conclusões apresentadas, as quais delimitam o objecto do recurso, a questão a apreciar consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao ter julgado procedente a pretensão da impugnante, ora recorrida, por ter considerado dedutível à coleta de tributação autónoma de IRC, o valor adiantado a título de pagamento especial por conta.
Assim, a Recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento, uma vez que, no seu entendimento, os montantes pagos pela sociedade recorrida a título de pagamento especial por conta (PEC) não são dedutíveis aos valores apurados a título de tributações autónomas.
Cabe decidir se tem razão a Recorrente.

IV. E a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
É que, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente afirmado, bem estribado na melhor doutrina, há muito que se tornou impossível confundir a natureza e desiderato das tributações autónomas com a natureza e funções prosseguidas pelo IRC.
É essa razão que justifica a não dedutibilidade dos valores daquelas ao IRC, mas é também essa a razão que justifica que a tentativa de aplicação de novas redacções desfavoráveis ao contribuinte quanto a estas relativamente a factos tributários no ano em curso seja considerada inconstitucional por violação da regra da proibição da retroactividade e, por fim, que sustenta que, em casos como o presente, se entenda que aos valores resultantes da respectiva (auto)liquidação não se possam deduzir pagamentos especiais por conta.
É tudo isto – e muito em especial, na parte que interessa especificamente aos presentes autos – que se pode extrair do Acórdão lavrado no Processo n.º 135/17, de 10 de Novembro de 2021: “I - As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste. II - Para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei. III - Donde que, à colecta derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, num determinado exercício, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efectuado relativamente a esse mesmo exercício, porque essa dedução contraria a disposição do art.º 88º do CIRC. IV - Esta interpretação normativo-legal dos preceitos tributários do CIRC e do Regime do PEC não foi alterada com a introdução do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC por efeito da aprovação da Lei n.º 7-A/2016.” (disponível em www.dgsi.pt – sublinhado nosso), com tal leitura a ser, entretanto, reiterada em várias decisões, como sucede, por exemplo, no Acórdão da Secção Tributária deste Tribunal, lavrado em 28 de Abril de 2021, no âmbito do Processo n.º 1060/16 (que versa, especificamente, sobre os anos fiscais de 2013 e 2014 e se encontra, igualmente, disponível em www.dgsi.pt).
Por fim, note-se, que esta posição tem, por sua vez, suporte na fundamentação do acórdão do Pleno de 8 de julho de 2020, tirado no processo nº 10/20 (disponível em www.dgsi.pt e, igualmente, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 16 de dezembro de 2020 – n.º 243), o qual consagra o entendimento jurisprudencial que deriva de uma jurisprudência constante desta Secção e segundo o qual ao valor contabilizado a título de tributações autónomas não poderiam ser deduzidos os montantes a que alude aquele dispositivo legal, mesmo na redação do Código anterior às alterações introduzidas pela Lei 7-A/2016, de 30 de março, tendo ainda sido reafirmado noutro acórdão da Secção, de 12 de maio de 2021, lavrado no processo n.º 639/18 (disponível em www.dgsi.pt.
De toda esta jurisprudência se extrai que as tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste e que, para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas, não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei.
Na verdade, é mesmo possível afirmar que as Tributações Autónomas e o IRC configuram tipos impositivos completamente distintos, que se limitam a partilhar a mesma fonte normativa: o Código do IRC.

V. Donde resulta que, às colectas derivada de tributações autónomas apurada em sede de IRC, nos exercícios de 2013 e 2013, não é dedutível o pagamento especial por conta que tenha sido efectuado relativamente a esses mesmos exercícios, porque essa dedução já contrariava a disposição do artigo 88.º do CIRC, antes do aditamento do n.º 21 a esse dispositivo legal pelo artigo 133.º da referida Lei n.º 7-A/2016.
Por se tratar de uma jurisprudência consolidada do Tribunal e com a qual, de resto se concorda integralmente, resta remeter para a fundamentação dos acórdãos precedentes, ao abrigo do disposto no artigo 679.º e 663.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (aqui aplicáveis por força do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), sendo dispensada a junção de cópia por se trata de decisões publicadas e, por isso, disponíveis em redação integral no endereço electrónico www.dgsi.pt.
Importará apenas acrescentar que, não estando aqui em causa a aplicação da norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, mas apenas o sentido interpretativo e a aplicação do regime legal do CIRC vigente em 2013 e 2014, não importa considerar nos autos o problema de constitucionalidade daquelas normas que a Recorrida suscita nas alíneas n) e seguintes das conclusões das contra-alegações do presente recurso.


III – CONCLUSÃO
As tributações autónomas, embora liquidadas no âmbito do IRC, constituem uma imposição fiscal material e estruturalmente distinta deste e, para não frustrar os objectivos tributários prosseguidos com a tributação através de tributações autónomas, não são admitidas deduções à respectiva colecta que não estejam expressamente previstas na lei, designadamente, os pagamentos especiais por conta.


IV – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrida.

Lisboa, 21 de Setembro de 2022. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo - José Gomes Correia.