Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:017/14.8BECBR
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇAO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:RECURSO SUBORDINADO
Sumário:O recurso subordinado só será julgado se o recurso principal vier a ser julgado, mas sê-lo-á independentemente de este último ser julgado procedente ou improcedente.
Nº Convencional:JSTA00071356
Nº do Documento:SA120220113017/14
Data de Entrada:06/01/2021
Recorrente:CASA DO POVO DE .............. – I.P.S.S. E OUTROS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ART. 633.º, n.º 2 CPC/2013
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


I - Relatório

1.A…………….., S.A., com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (de ora em diante TAF de Coimbra), acção administrativa especial, contra a Casa do Povo de ……….. - IPSS, também com os sinais dos autos, na qual formulou o seguinte pedido:
«[…]
a) Ser reconhecido que o prazo de execução da obra não se iniciou por não ter sido comunicada ao empreiteiro por escrito a aprovação do plano de segurança e saúde, nos termos dos artigos 362.º, n.º 1 do CCP e art.º 12.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro;
Subsidiariamente ao pedido anterior,
b) Ser reconhecido que a obra dos autos está suspensa desde o dia 1 de Janeiro de 2013, com as legais consequências, designadamente o direito da A. à prorrogação do prazo da empreitada pelo período correspondente ao da suspensão, nos termos do artigo 298.º do CCP, a determinar na data do pagamento do valor que deu causa à suspensão;
Em qualquer caso, e sem prejuízo, em cumulação com os pedidos a) ou b), respectivamente,
c) Ser reconhecido como data da conclusão da execução da obra, para efeitos do disposto no art.º 403.º, o dia 18 de Janeiro de 2013;
d) Serem declaradas nulas as cláusulas 7.ª do Contrato de Empreitada e 11.ª do Caderno de Encargos, por violarem os artigos 51.º e 403.º, n.º 1 do CCP;
e) Ser declarado nulo o acto administrativo emitido pela R. em 7 de Outubro de 2013, por violação dos artigos 403.º, n.º 1, e 329.º, n.º 2 do CCP, e como decorrência da nulidade das cláusulas 7.ª do Contrato de Empreitada e 11.ª do Caderno de Encargos, com as legais consequências;
f) Ser declarada a inexistência da alegada conta final da empreitada remetida à A. em 27 de Setembro de 2013 (doc. 49), por não corresponder sequer aos requisitos previstos no art.º 400.º do CCP;
g) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 5.844,62€, por conta dos juros de mora vencidos por atraso no pagamento das facturas referentes aos trabalhos executados e, com a sua capitalização à R., o que se requer com a citação, para efeitos do artigo 560.º do Código Civil, juntamente com os juros de mora, calculados às taxas legais em cada momento em vigor para as obrigações comerciais, contados desde a citação da R. até efectivo e integral pagamento;
E
h) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 5.553,31€, por conta da factura n.º 12/22 de revisão de preços, acrescida dos correspondentes juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados às taxas legais em cada momento em vigor para as obrigações comerciais, até efectivo e integral pagamento;
Subsidiariamente ao pedido formulado em e), caso não seja declarado nulo o acto administrativo de 7 de Outubro de 2013,
i) Ser declarada a compensação do crédito que vier a ser reconhecido à A. na presente acção com o eventual crédito da R. sobre a A. emergente desse acto e na medida em que o seja.
[…]».

2. Por sentença do TAF de Coimbra, de 20 de Agosto de 2018, foi a acção julgada parcialmente procedente de acordo com o seguinte segmento decisório:
«[…]
- reconhece-se, como data de conclusão da execução da obra, para efeitos do disposto no art.º 403.º do CCP, o dia 18/01/2013;
- declara-se nula a cláusula sétima do contrato de empreitada, por violar norma legal imperativa (art.º 403.º, n.º 1, do CCP);
- anula-se o ato administrativo de aplicação da multa contratual à A., por vício de violação de lei, com as legais consequências;
- condena-se a R. a pagar à A. juros de mora, calculados às taxas legais em cada momento em vigor para as obrigações comerciais, desde a data de vencimento das faturas em causa e a data dos respetivos pagamentos, conforme supra melhor explicitado na fundamentação jurídica, a págs. 72 a 74 da presente decisão;
- absolve-se a R. quanto ao demais peticionado.
[…]».

3. Inconformadas com a decisão, a Autora e a Ré recorreram da mesma para o TCA Norte, que, por acórdão de 12 de Abril de 2019, negou provimento ao recurso apresentado pela Casa do Povo da …………. – IPSS e concedeu parcial provimento ao recurso da A……………SA.

4. No seguimento daquele acórdão, a Ré interpôs recurso para este STA, e a A. apresentou recurso subordinado. Por acórdão de 13 de Maio de 2021, foram admitidas as revistas com base, essencialmente, nos seguintes fundamentos:
«[…]
Como decorre do exposto o TCA Norte entendeu ter ficado prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pela Autora, face à improcedência do recurso da Ré.
No entanto, este entendimento fundado na circunstância de o recurso subordinado ter “como predominante objectivo prever ‘a hipótese de procedência das questões...suscitadas’ pela contraparte”, não parece juridicamente, plausível, por não caber na previsão legal do art. 633° do CPC, ao não considerar a improcedência do recurso principal, como uma das causas da caducidade do recurso subordinado. Também não tendo acolhimento na jurisprudência deste STA (cfr. neste sentido o ac. desta Formação de 22.03.2018, Proc. n.° 0247/18 e jurisprudência e doutrina nele indicadas).
Assim, esta questão processual merece a intervenção deste STA. Igualmente as questões respeitantes à aplicação do regime do CCP — com a conjugação ou distinção do regime dos arts. 403.° e 394.º a 396.° do CCP — quanto à possibilidade de distinção entre a conclusão da execução da obra e o momento da realização da recepção provisória da mesma, podendo determinar uma sanção por atraso] e do art. 299°, n° 1 [contagem do prazo para pagamento de facturas] e requisitos legais e contratuais para a revisão de preços numa empreitada, suscitadas na revista da Ré, bem como as suscitadas pela Autora sobre a aplicação do mesmo diploma [nos preceitos que enumera – referentes ao cumprimento ou incumprimento de obrigações do empreiteiro e as consequências daí decorrentes], revestem inegável relevância e complexidade jurídicas.
Assim, justifica-se a intervenção deste Supremo Tribunal com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito
[…]».

5. A Ré e aqui Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«[…]

I. O Douto Acórdão Recorrido viola padece [sic] de nulidade falta de fundamentação da condenação no pagamento de revisão de preço, nos termos do art. 615.º n.º 1 al. b) do CPC, e
II. Por contradição com o teor da fundamentação anterior do Douto Acórdão em tal matéria, nos termos do art. 615.º n.º 1 al. c) do CPC.
III. Sem transigir, deve ser admitido o presente Recurso de Revista por o Douto Acórdão Recorrido se encontrar em patente e flagrante violação de lei substantiva,
IV. Permitindo com o mesmo garantir uma melhor aplicação do direito numa situação em apreço nos Autos com especial relevância jurídica.
V. Desse modo deve ser alterado o Douto Acórdão Recorrido em matéria de Direito.
VI. Pois, ao entender existir uma distinção entre a conclusão da execução da obra e o momento de realização da recepção provisória da mesma, violou o disposto no art. 403.º do CCP,
VII. Já que apenas se pode considerar verificada a conclusão da execução da obra no momento em que for possível a recepção provisória,
VIII. Pois a multa aí prevista pretende obrigar o empreiteiro a cumprir a prestação a que está obrigado e, dessa forma, assegurar a prossecução do interesse público subjacente ao contrato,
IX. Sendo que apenas se pode considerar concluída uma obra executada sem defeito,
X. Pelo que se deve entender que o art. 403.º do CPP tem que ser conjugado com os arts. 394.º a 396.º de tal diploma legal, e não como situações jurídicas distintas.
XI. O Douto Tribunal a quo devia ter considerado que o art. 299.º n.º 1 do CCP entende que o prazo de 30 dias para pagamento não se inicia com a emissão da factura, mas com a sua recepção por parte do contraente público.
XII. O Douto Tribunal Recorrido deveria ter considerado que a Recorrida não cumpriu o previsto na cláusula 29.ª n.º 3 do caderno de encargos,
XIII. Não se podendo realizar um mero cálculo aritmético para efeito de actualização de preços, devendo fazer prova do efectivo desajuste económico na aquisição dos bens e que tal situação decorre de actuação ou deliberação do Dono de Obra,
XIV. Pelo que a Recorrida não cumpriu os requisitos legais e contratuais para se verificar a revisão de preços, não sendo esta devida, nem sendo devidos quaisquer juros de mora.
XV. Assim, o Douto Acórdão Recorrido deve ser alterado nos moldes supra,
E assim se fazendo, farão V. Ex.as Venerandos Conselheiros a tão acostumada JUSTIÇA
[…]»


6 – A A. e aqui Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
«[…]

Previamente,
1. A revista não deve ser admita porque nem a R. Recorrente o demonstra, nem as questões trazidas a esta instância, em si, pela forma como são apresentadas, carecem de melhor aplicação do direito por este Tribunal ou têm uma especial relevância jurídica que legitime a sua intervenção.
Sem prejuízo, e em primeiro lugar,
2. O Tribunal recorrido não violou o disposto nos artigos 403.º, 395.º e 396.º do CCP e andou bem ao anular o acto administrativo de aplicação de multa contratual à A. impugnado nos autos, por não haver atraso desta que fundamente, nos termos de facto e de direito referidos pela R., ao abrigo do artigo 403.º do CCP, a sua aplicação, como também não haveria ao abrigo do artigo 396.º do mesmo Código. De facto, e em suma:
3. No plano dos factos, em 18.01.2013, a obra estava concluída porquanto não tinha técnica, objectiva e juridicamente defeitos, ou não tinha os defeitos que a R. lhe imputava, e que, alegadamente, impediam a sua recepção provisória: a prova, sobretudo a pericial, é clara e unânime nesse sentido.
4. A data da conclusão da obra não coincide com a data da recepção provisória: o artigo 394.º do CCP é claro nesse sentido.
5. A realização da vistoria da obra para recepção provisória apenas em Abril de 2013 é imputável à R., porquanto, à luz dos factos provados, subsumidos aos artigos 394.º e 395.º, n.º 7, do CCP, e 813.º e ss. do Código Civil e à boa fé, como até demonstrou em 25.01.2013, a R. poderia e deveria ter vistoriado e recebido provisoriamente a obra logo no fim de Janeiro ou no início de Fevereiro de 2013, pelo que, se o fez depois, fê-lo porque quis e por facto só a si imputável, já que nada a impedia, antes a obrigava, a fazê-lo naquele momento anterior.
6. Consequentemente, a R. está em mora do credor desde Janeiro de 2013 quanto à recepção provisória da obra, não podendo, assim, aplicar multas contratuais à A. por alegado atraso na conclusão da obra e assumindo, em diante, o risco da existência de defeitos que obstem, posteriormente, à recepção provisória da obra.
7. Não ficou provado que a A. se atrasou a concluir a obra por factos que lhe fossem imputáveis.
8. Ficou claro que os defeitos invocados pela R. não são juridicamente defeitos que, objectivamente – e é nesse padrão que os defeitos devem ser apreciados –, importassem a não recepção provisória da obra logo após a sua conclusão em Janeiro de 2013.
9. O artigo 403.º do CCP destina-se a sancionar o empreiteiro que, por facto que lhe seja imputável, não concluiu a obra no prazo acordado. Mas esse não é o caso dos autos, porquanto a R. estriba a sua posição na existência de defeitos que impediriam a recepção provisória da obra. Contudo, além de assim não ser, o caso seria então de cumprimento defeituoso, regulado no artigo 396.º do CCP, o que afasta a aplicação do artigo 403.º do CCP.
10. É fundamentalmente por isto que a R. não podia nem pode aplicar à A. a multa dos autos, com fundamento no artigo 403.º do CCP. Pelo que, fazendo-o, violou esse preceito, ao invés da sentença recorrida.
11. Mas, no caso, também não lhe poderia aplicar qualquer multa com fundamento no artigo 396.º do CCP, porque, feita a vistoria para recepção provisória em 16.04.2013, a A., depois de reservar direitos, corrigiu, no prazo aí concedido, os defeitos apontados.
Em segundo lugar,
12. O Tribunal recorrido também não violou o disposto no artigo 299.º do CCP, porquanto as partes acordaram legalmente, no caderno de encargos e no contrato, prazo diferente do ali previsto para o vencimento da obrigação de pagamento do preço da R., ao abrigo da autonomia privada que para este efeito dispunham.
13. Pelo que a R. deve à A. os juros de mora das facturas nos termos já liquidados nos autos, de € 5.844,62.
14. Mesmo que assim não fosse, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, a R. deverá ser sempre condenada a pagar à A. os juros de mora vencidos das facturas dos autos, em liquidação de sentença.
Por fim,
15. Tendo as partes acordado numa fórmula de cálculo da revisão de preços, na cláusula 29.ª, n.º 2, do caderno de encargos, e não tendo a R. fixado, no n.º 3 da mesma cláusula, todos os termos ou parâmetros necessários para o apuramento da revisão de preços através da garantia de custos, por a revisão de preços da obra ser obrigatória, de acordo com os artigos 382.º do CCP e 1.º do Decreto-Lei n.º 6/2004, conjugando estes preceitos com os artigos 392.º e 393.º do CCP, 5.º, 6.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 6/2004, e 37.ª da Portaria n.º 959/2009, de 21 de Agosto, o n.º 3 da cláusula 29.ª do caderno de encargos não é aplicável à obra dos autos.
16. Nessa medida, tendo presentes os factos provados 67 a 71, a R. deve pagar à A. o valor da revisão de preços, correctamente calculado pela A. e pedido na PI, de € 5.553,31.
17. Sem prejuízo, sendo clara a existência da obrigação, quanto muito a obrigação de pagamento da revisão de preço só seria exigível (ou só se venceria) quando a R. receber da A. os documentos referidos no n.º 3 da cláusula 29.ª do caderno de encargos, enquanto exigibilidade da obrigação, com condenação da R. a pagar à A. a revisão de preços apurada, pelo menos na data em que a A. lhe entregar esses documentos, nos termos do artigo 610.º do CPC.
18. Logo, o acórdão recorrido não merece a censura que a R. lhe imputa
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso ser rejeitado ou não admitido e, sendo-o, ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, mantida a decisão recorrida,
Só assim se fazendo Justiça!
[…]»


7 – A A. apresentou recurso subordinado, que rematou com as seguintes conclusões:
«[…]

1. Deve ser admitido como subordinado o recurso ora interposto, contra a sentença, na parte em que a A. decaiu quanto aos pedidos a), b), d) (parcialmente), e) (parcialmente) e h) (tendo em conta o teor da decisão recorrida – ac. do TCA Norte) e contra o despacho interlocutório proferido logo antes dela de não admissão da ampliação do pedido e) / de modificação da instância.
2. E a revista deve ser admitida, tendo em conta que incide sobre questões que ainda não foram objecto de decisão por este Tribunal e se referem a situações substantivas igualmente bastante relevantes, precisamente porque incidem sobre o cumprimento ou incumprimento de obrigações do empreiteiro e as consequências daí decorrentes, i. e., os seus direitos.
Depois, em primeiro lugar,
3. Impõe-se a revogação do despacho interlocutório a fls., que indeferiu a ampliação do pedido e) / modificação da instância à dedução de pedido subsidiário àquele, de redução equitativa da cláusula penal referente à aplicação da multa contratual pela R. à A., nos termos dos artigos 812.º do Código Civil, porque os artigos 63.º e 91.º, n.º 6, do CPTA, e 265.º, n.º 2, do CPC permitem aquela ampliação nas alegações finais.
4. Mas mesmo que assim não fosse, a jurisprudência tem dispensado a dedução formal desse pedido para que a dita redução seja decretada, com destaque para o acórdão da Relação do Porto, de 17.03.2005, proferido no processo nº 0531140, nos termos do qual é apenas necessário que o devedor “assuma nos articulados da acção uma posição reveladora, “ainda que só de modo implícito”, do seu inconformismo ou discordância com a satisfação dos valores que lhe são pedidos, invocando o seu excesso, (…) [e] alegue os factos donde se possa concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula, nomeadamente à luz do caso concreto, balizadores do julgamento por equidade que a lei reclama para a redução, ou seja, os factos que permitam ao julgador elementos para determinação dos limites do abuso”, o que foi feito no caso dos autos, como decorre, designadamente, dos factos provados 3, 4, 5, 25, 26, 32, 35, 36, 37, 43, 50, 53, 55, 64, 65 e 66 conjugados entre si e que demonstram, à luz do que se passou, a excessiva onerosidade da multa aplicada, pelo qual a A. sempre pugnou, invocando desde a primeira hora a sua manifesta desproporcionalidade e pedindo a sua redução ou invalidação.
5. Pelo que, quer à luz daqueles preceitos, quer à luz desta jurisprudência, este Tribunal deverá admitir a ampliação do pedido feita e, em qualquer caso, mantendo-se a multa aplicada, reduzir equitativamente a cláusula penal referente à aplicação da multa contratual pela R. à A., a valor com limite máximo igual a um por mil, durante 8 dias, sobre o valor das três não conformidades determinadas pelos peritos para efeitos da vistoria para recepção provisória de 16.04.2013, ou, quanto muito, sobre o valor dos trabalhos não recebidos pela R. nessa data e subjacentes àquelas não conformidades.
Em segundo lugar,
6. A decisão de 1.ª instância é nula, de acordo com o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do CPC, por omissão de pronúncia, por não ter apreciado, nos termos do artigo 95.º, n.º 2, do CPTA, nem declarado, a nulidade da cláusula 7ª do contrato de empreitada, da cláusula 11.ª do caderno de encargos e do acto de impugnação de aplicação da multa contratual por vício de violação de lei, decorrente da violação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais da A. de iniciativa económica privada e de propriedade privada e do princípio da proporcionalidade, atendendo à permissão contratual de aplicação de multa contratual à A. de valor igual a 2% do preço da empreitada.
Em terceiro lugar,
7. Nos termos dos artigos 362.º, n.º 1, e 363.º do CCP e 12.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, cruzados com os artigos 51º, 96º, nº 6, 359º, nº 2, e 468º, n.º 2, do CCP, e 25.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei nº 273/2003, bem como com o regime anterior do plano de segurança e saúde, regulado no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho, e das empreitadas de obras públicas, constante do artigo 151.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e com a letra, a ratio e a sistemática daqueles preceitos e respectivos regimes, de ordem pública, é claro que o prazo de execução da empreitada só se inicia na data em que o empreiteiro receba do dono da obra comunicação, por escrito, a aprovação do desenvolvimento plano de segurança e saúde (DPSS), se tal facto for posterior à consignação.
8. Quer isto dizer que o suposto conhecimento informal da A. da aprovação do DPSS é irrelevante, tal como é o depoimento da testemunha…………., se servir para o sustentar, por força dos artigos 220.º, 393.º, n.º 1, e 395º do Código Civil: estando em causa regras formais, a prova testemunhal é limitada e não pode servir para suprir faltas das partes ou para demonstrar o cumprimento da obrigação por parte da R..
9. Seja como for, a testemunha limitou-se a presumir que a R. teria comunicado à A. essa aprovação, sem certeza, pese embora essa “presunção” seja imprestável, porque a testemunha baseia a sua “presunção” no regime legal, que normalmente deve ser cumprido, quando o que está em causa é saber se ele foi cumprido pela R., e porque essa “presunção” daria lugar a uma presunção judicial inadmissível porque não é admissível, sobre esta matéria, prova testemunhal (cf. artigo 351.º do Código Civil).
10. Das fls. 191 a 202 do vol. I do PA também não consta que a A. tenha tido conhecimento da aprovação do DPSS, as quais integram a comunicação de abertura do estaleiro, enviada pela R. à ACT, mas não instruída, sequer, com o PSS ou o DPSS.
11. Por tudo isto, da prova documental e testemunhal produzida, nem se sequer se pode concluir que, mesmo informalmente, a A. teve conhecimento da aprovação do DPSS, sendo em qualquer caso claro que a R. nunca lhe comunicou, por escrito, essa aprovação, quando, quer num caso quer noutro, a prova seria da R. e não da A., como decorre dos artigos 342.º, n.º 2, e 799.º do Código Civil.
12. Pelo que, o facto provado 8 deve ser eliminado e o pedido a) da A. deve ser julgado procedente, reconhecendo-se que o prazo de execução da empreitada não se iniciou por não ter sido comunicada ao empreiteiro, por escrito, a aprovação do DPSS pela R., nos termos daqueles preceitos legais, o que a 1ª instância, mal, não observou.
Em quarto lugar,
13. A suspensão do contrato de empreitada com motivo na falta do pagamento do preço, prevista no artigo 366.º, n.º 3, alínea b), e n.º 5 do CCP, é eficaz 15 dias após a sua recepção pelo dono da obra sem o pagamento do capital e dos juros de mora em dívida, e sem que seja preciso a formalização da suspensão em auto pelo dono da obra, cuja omissão, por este, a quem tal compete, não pode ser oposta ao empreiteiro, nos termos do artigo 345.º, n.º 7, do CCP.
14. A dita suspensão integra-se na excepção do contrato não cumprido, típica do contrato sinalagmático de empreitada, que o empreiteiro pode invocar verificados os respectivos pressupostos, e que se mantém juridicamente válida e eficaz até que o dono da obra pague o preço do capital e dos juros de mora devidos e pedidos, sem que o empreiteiro tenha que parar efectivamente os trabalhos da empreitada e sem que a sua continuação habilite o dono da obra a assacar-lhe responsabilidades (designadamente multas em caso de atraso na conclusão da obra) por obrigações que ele incumpra mas que se vençam posteriormente à obrigação deste, já vencida de pagamento do preço.
15. Não tendo a R. pago os juros de mora da factura nº 11/137 e os juros de mora das demais facturas emitidas pela A. (factos provados 13, 15 a 24, 72, 74), juridicamente a suspensão do contrato, comunicada pela A. à R., é legal e ainda se mantém, à data de hoje, por facto imputável à R., decorrente da falta de pagamento daquelas quantias, mesmo que a A. não tenha parado, efectivamente, os trabalhos da obra.
16. Consequentemente, desde logo, até ao pagamento dos juros de mora pedidos nos autos, em cujo incumprimento a R. entrou primeiro, a A. não está em mora (por facto que lhe seja imputável) no cumprimento das suas obrigações que se vençam posteriormente, o que impede a R. de lhe aplicar qualquer multa contratual, por força dos artigos 428.º e 80.4º do Código Civil, e 297.º, alínea b), 325.º, n.º 1, 327.º, 366.º, n.º 3, alínea b), e 403.º do CCP conjugados entre si, e, nos termos típicos do contrato de empreitada, o prazo para a execução prorroga-se pelo período correspondente ao da suspensão, de acordo com o artigo 298.º, n.ºs 1 e 2, do CCP, o que a 1ª instância, mal, também não observou.
17. Nessa medida, o facto não provado a) ou deve ser dado por provado, ou, não sendo, não altera a aplicação correcta do direito ao caso conforme exposto, conquanto esse facto se refira à execução física da empreitada e não aos efeitos jurídicos da suspensão, e o pedido b) da A. deve ser julgado subsidiariamente procedente, como pedido.
Em quinto lugar,
18. Os artigos 100.º, n.º 2, e ss. do CPTA não precludem o direito dos co-contratantes de, na fase de execução do contrato, impugnarem a validade de disposições do caderno de encargos que sejam, nesse momento, aplicadas por actos contratuais ou administrativos, como multas contratuais.
19. Por isso, a 1ª instância deveria ter conhecido da nulidade da cláusula 11ª do caderno de encargos e tê-la declarado com mesmos fundamentos com que declarou nula a cláusula 7.ª do contrato de empreitada (pp. 66-69 da sentença), bem como com os demais fundamentos invocados, ao abrigo das citadas normas e dos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, alínea g), e 4.º, n.ºs 1 e 2, alíneas d) e g), do CPTA, o que, mal, não observou.
Em sexto lugar,
20. As cláusulas 7.ª do Contrato de Empreitada e 11.ª do Caderno de Encargos e o acto de aplicação de multa contratual à A. são também nulos por violaram flagrantemente o princípio da proporcionalidade e o conteúdo essencial dos direitos fundamentais da A. à livre iniciativa económica e à propriedade, por força dos artigos 284º, nº 2, do CCP e 133º, nº 2, alíneas d) e i), do anterior CPA à data em vigor, o que a 1ª instância deveria ter declarado.
Em sétimo lugar,
21. A condenação da R. a pagar à A. a revisão de preços da empreitada não carece de qualquer liquidação, porquanto o n.º 3 da cláusula 29.ª do caderno de encargos não é aplicável à empreitada dos autos.
Sem prejuízo,
22. A procedência de qualquer um dos pedidos agora em apreço tem o seguinte efeito: se o prazo de execução da obra não se iniciou, por não ter sido comunicada à A. a aprovação do DPSS, se a obra dos autos está suspensa desde o dia 1 de Janeiro de 2013 e se a A. tem direito à prorrogação do prazo da empreitada pelo período correspondente ao da suspensão, se o acto de aplicação da multa contratual for invalidado por vício próprio ou consequente de disposição contratual inválida, designadamente por violação do princípio da proporcionalidade e o conteúdo essencial dos direitos fundamentais da A. à livre iniciativa económica e à propriedade (além de não se verificar qualquer mora da A. no cumprimento do prazo contratual e da violação dos artigos 403º e 329º, nº 2, do CCP, já decididas na sentença), então a A. não se atrasou na obrigação de conclusão da empreitada em determinado prazo, do qual depende a aplicação da multa contratual, ou a R. não pode opor esse prazo à A. para lhe aplicar multa contratual.
23. Pelo que, também por essas razões, o acto administrativo da R. de aplicação de multa contratual à A. deve ser invalidado, nos termos das disposições citadas, além da invalidade decorrente da não verificação de qualquer mora da A. no cumprimento do prazo contratual e da violação dos artigos 403.º e 329.º, n.º 2, do CCP.
24. Porém, se assim não for, mas desde logo se a multa por reduzida equitativamente, como pedido, continuando aplicada, bem como havendo créditos recíprocos entre as partes, designadamente decorrentes da condenação da R. a pagar à A. juros de mora e revisão de preços, há que julgar igualmente procedente o último pedido da PI, de compensação de créditos entre as partes.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, proferir-se acórdão que:
a) Não dê por provado o facto 8;
b) Dê por provado o facto não provado a);
c) Julgue a acção procedente quanto aos pedidos a), b), d), e), e) subsidiário, h) e i), na medida de cada um, tal como e com os efeitos requeridos na PI, no requerimento de ampliação do pedido e) / modificação da instância constante das alegações finais da A. e na apelação principal da A. contra a sentença de 1ª instância;
Só assim se fazendo Justiça!
[…]»

8 – A R. não apresentou contra-alegações em sede de recurso subordinado

9 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir



II – Fundamentação

II. 1. De facto
Remete-se para a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.


II.2.
2.1. Enquadramento, enunciado das questões a decidir e ordem de conhecimento das mesmas

2.1.1. O litígio tem por base um contrato de empreitada, submetido ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas, celebrado entre as partes no presente litígio, do qual emergiram as questões que foram apreciadas e decididas pelas Instâncias.

Em relação ao recurso interposto pela Ré importa saber: i) se se verifica a nulidade do acórdão por contradição entre a decisão e a fundamentação; ii) se existe erro de julgamento na interpretação do artigo 403.º do CCP e na respectiva aplicação in casu para efeitos de determinação da data da conclusão da obra; iii) se existe erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 299.º do CCP e na sua aplicação in casu; e iv) se existiu erro de julgamento na interpretação e aplicação das regras legais a respeito da revisão de preços.

Entretanto, a A. apresenta recurso de revista subordinado, no qual suscita, no essencial, as mesmas questões que havia suscitado no recurso subordinado apresentado perante o TCA Norte – a saber: i) pedido de revogação do despacho interlocutório que indeferiu a ampliação do pedido “e)”; ii) admissão da ampliação do pedido para redução da cláusula penal; iii) nulidade da sentença por omissão de pronúncia a respeito das questões de constitucionalidade; iv) erro de julgamento quanto ao ponto 8 da matéria de facto assente e quanto à interpretação e aplicação das regras sobre o início do prazo de execução da empreitada; v) erro de julgamento a respeito das regras em matéria de suspensão do contrato de empreitada por falta de pagamento do preço; vi) erro de julgamento quanto à possibilidade de conhecer de nulidades das cláusulas do caderno de encargos; e vii) erro de julgamento quanto à nulidade das regras do contrato e do caderno de encargos por violação de princípios constitucionais – e que não fora admitido.

2.1.2. Ora, importa começar por determinar se a decisão do acórdão recorrido de não conhecer do recurso subordinado apresentado da sentença é ou não correcta, uma vez que, se essa decisão de não conhecimento do recurso for de considerar ilegal e estiver correctamente impugnada nos autos, haverá que ordenar a baixa do processo para que aí se proceda ao conhecimento das questões suscitadas. Tanto mais que, uma delas, respeita a matéria de facto.

2.1.3. Recordamos que o TCA Norte, no acórdão recorrido, afirma o seguinte a respeito do não conhecimento do recurso subordinado da sentença:

“[…] Relativamente ao recurso subordinado apresentado pela A…………… SA, tendo a mesma apresentado já anteriormente recurso independente que incidiu sobre os pedidos relativamente aos quais entendeu terem decaído as suas pretensões, e tendo sido julgado improcedente o recurso independente da contraparte, suporte processual da apresentação do referido recurso subordinado (Art.º 633.º, n.º 2 CPC), mostra-se prejudicada a sua análise, pois que o mesmo tinha como predominante objectivo prever “a hipótese de procedência das questões…suscitadas” pela contraparte (Art.º 636.º, n-º 2 CPC).

Por outro lado, não faz sentido, como requerido, convolar o recurso subordinado, “em ampliação do âmbito do recurso”, pois que não estão reunidos os correspondentes requisitos e pressupostos, nos termos do Art.º 636.º CPC, que sempre pressuporiam a não apresentação de recurso independente por parte da A……………… SA.

A não ser assim, estar-se-ia a viabilizar a dupla apresentação de recurso face à mesma decisão […]”.

2.1.4. No essencial, o acórdão recorrido não conheceu daquele recurso subordinado por considerar que o n.º 2 do artigo 633.º do CPC determina que só haverá que conhecer do recurso subordinado se o recurso principal for julgado procedente. Mas não é assim.

No acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Junho de 2018, exarado no processo n.º 0247/18, concluiu-se que “desde que se conheça do mérito do recurso principal, seja o mesmo provido ou improvido, deve conhecer-se do recurso subordinado”, pelas razões aí sustentadas, as quais se encontram devidamente esplanadas na respectiva fundamentação, para a qual remetemos sem necessidade de transcrição uma vez que o texto do acórdão está integralmente disponível em www.dgsi.pt.

E também no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Março de 2021, exarado no processo n.º 2505/10.6BEPRT, se concluiu em sentido idêntico, com uma fundamentação para a qual também remetemos, podendo a mesma ser consultada em www.dgsi.pt.

Como resulta dos arestos antes referidos, o recurso subordinado só não é conhecido pelo Tribunal de Recurso se houver desistência do recorrente principal ou se o recurso principal não for julgado por vicissitudes formais, mas se o mesmo vier a ser conhecido e julgado improcedente, então haverá que conhecer do recurso subordinado.

Como também se explica por via da fundamentação remissiva precedente, o conhecimento do recurso subordinado mesmo em caso de improcedência do recurso principal, visa obrigar o Tribunal de Recurso a conhecer de uma questão em que o Recorrente subordinado obteve provimento na decisão recorrida, mas cujos fundamentos dessa decisão favorável, que são questionados pelo Recorrente principal, são depois confrontados com “novos fundamentos” apresentados pelo Recorrente subordinado. Da análise do recurso subordinado, mesmo quando seja de improceder o recurso principal, pode resultar que a decisão, embora pudesse decair em face dos fundamentos em que se sustentou, afinal deva manter-se, conquanto com outros fundamentos. É para isso que serve o recurso subordinado e é, por isso, que a doutrina processual e a jurisprudência do STJ, há muito afirmam, reiteradamente, que o “recurso subordinado só será julgado se o recurso principal vier a ser julgado [é neste ponto que assenta o carácter precário do recurso subordinado], independentemente de este último ser julgado procedente ou improcedente” [v., por todos, acórdãos do STJ de 30 de Março de 2004 (proc. 05B205) e de 29 de Setembro de 2011 (proc. 560/07.5TBCBT.G1.S1)].

2.1.5. Ora, concluímos que o TCA Norte errou ao não conhecer do recurso subordinado por considerá-lo prejudicado pela improcedência do recurso principal. Também não colhe o argumento de que o Recorrente Subordinado ficou naquele caso prejudicado pelo facto de ter sido apresentado um recurso principal, na medida em que o recurso principal não incidiu sobre as questões suscitadas no recurso subordinado e nenhuma regra processual impedia a Parte Processual de recorrer das questões com que, em absoluto, não se conformava e, subordinadamente, daquelas com que poderia conformar-se, se a contraparte não recorresse.

Assim, o acórdão recorrido não pode manter-se e os autos devem baixar ao TCA Norte para conhecimento do recurso subordinado que lhe foi dirigido.

III. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e ordenar a baixa dos autos ao TCA Norte para conhecimento do recurso subordinado que lhe foi dirigido

Custas pelo Recorrido.

Lisboa,13 de Janeiro de 2022. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relator) - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - Ana Paula Soares Leite Martins Portela.