Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01068/16
Data do Acordão:10/26/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CASO JULGADO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Definido por sentença transitada em julgado o prazo de prescrição aplicável às dívidas exequendas, seu termo inicial e factos interruptivos relevantes para o cômputo do prazo, não pode o juiz conhecer, em nova reclamação judicial, do decidido, por a tal obstar a excepção de caso julgado material.
II - A tal não obsta a invocação de “nova factualidade” não considerada na decisão recorrida, se esta factualidade não respeita a factos posteriores à anterior decisão, antes a factos anteriores a esta.
III - A questão da prescrição apenas poderia ser novamente apreciada se os recorrentes invocassem que já decorreu o prazo que, segundo a anterior decisão jurisdicional, ainda faltava para se completar a prescrição, pois que resulta do disposto no artigo 621º do CPC que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga e, por isso, se a parte decaiu por não ter decorrido um prazo, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando o prazo se preencha.
Nº Convencional:JSTA00069877
Nº do Documento:SA22016102601068
Data de Entrada:09/26/2016
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC13 ART580 N1 N2 ART581 N1 N2 N3 N4 ART577 I ART621.
LGT98 ART49 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01034/15 DE 2015/10/07.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………… e B………….., ambos com os sinais dos autos, recorrem para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, de 9 de Agosto de 2016, que julgou verificada a exceção de caso julgado material na reclamação judicial por eles deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas que novamente lhes indeferiu o reconhecimento da prescrição das dívidas que permanecem sob execução, abstendo-se de conhecer do mérito da causa e absolvendo da instância a Fazenda Pública.
Os recorrentes concluem as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto da douta sentença em que se julga absolver da instância incidental a Fazenda Pública, julgando procedente por provada a excepção de caso julgado material firmado entre as partes no processo reclamação de actos do órgão de execução fiscal, com o n.º 1078/12.0BELRS;
II. Constatada a verificação de factualidade nova, ou seja, a citação da devedora originária que agora consta do probatório, repristinaram os aqui recorrentes a questão da prescrição da dívida aqui em causa com a apresentação do requerimento junto do Serviço de Finanças competente e interposição de reclamação ao abrigo do art. 276.º do CPPT da decisão que recaiu sobre tal arguição;
III. Colocando-se a questão de saber se a verificação de tal factualidade nova era motivo para agora se desconsiderar a força de caso julgado sobre a questão da prescrição das dívidas já antes sindicadas;
IV. Considerando nós que a excepção de caso julgado tinha de ceder face à factualidade nova entretanto emergente, nisso se consubstanciando o erro de julgamento que assacámos à decisão de que se recorre;
V. Sustentando o M.º Juiz a quo hermenêutica diferente no que diz respeito à verificação da excepção de caso julgado, dizia aquele a dado passo que “No contexto do atual processo, se relativamente a alguns dos processos está agora demonstrada a citação da sociedade, certo é que a questão de direito de fundo que os reclamantes repristinam é uma e a mesma que naquela reclamação foi já debatida e decidida.”
VI. Era exactamente aqui que divergíamos da decisão recorrida porque se é bem certo que a questão decidenda era a mesma, tendo mudado a factualidade relevante, aqui, a apreciação do mérito da questão sub judice tinha de envolver contornos distintos;
VII. Discordámos ainda do M.º Juiz a quo quando inferiu da decisão proferida no processo n.º 1078/120BELRS que com ou sem citação da devedora originária a citação dos reclamantes teve o efeito próprio e direto de interromper os prazos de prescrição das dívidas exequendas (prazos esses de 8 anos e que decorriam sem cessar desde 1 de janeiro de 2004), e de iniciar renovados prazos de prescrição a partir de então, cujo curso está obstado enquanto não houver decisão final na causa executiva;
VIII. É que partindo da constatação de que a devedora originária foi citada em boa parte dos processos executivos aqui em causa, por aplicação conjugada do n.º 3 do art. 48.º e n.º 3 do art. 49.º da LGT, resultava evidente que só relevava o primeiro facto com efeitos interruptivos do prazo de prescrição, ou seja, a primeira citação operada independentemente dela ser concretizada à devedora originária (tal como resulta agora do probatório e dos presentes autos) ou aos responsáveis subsidiários (tal como resultava da factualidade provada no processo n.º 1078/12.0BELRS), devendo contar-se o prazo prescricional de oito anos, nos processos onde a devedora originária foi citada, desde os respectivos factos geradores de imposto por aplicação do aludido n.º 3 do art. 48.º da LGT;
IX. Já quanto à existência do aventado efeito duradouro da interrupção da prescrição, associado ao facto interruptivo citação nas lides executivas, só se reiniciando a contagem do prazo prescricional após a decisão final/trânsito em julgado da decisão que põe fim ao processo, com fundamento na aplicação supletiva do n.º 1 do art. 327.º do Código Civil, dir-se-á simplesmente que defendemos hermenêutica contrária, entendendo nós que se o facto interruptivo da prescrição for a citação, o reinício da contagem o prazo prescricional opera de forma instantânea.
X. Refutámos veementemente a ideia advogada pelo M.º Juiz a quo de que “a citação da sociedade não bule com os efeitos jurídicos interruptivos e suspensivos autonomamente gerados pela citação dos próprios reclamantes, apenas pode acrescentar-lhes outros factos relevantes da prescrição, mas sobretudo não releva como inibidora do efeito interruptivo e suspensivo que é próprio da citação dos reclamantes.”
XI. Tendo a interrupção lugar uma única vez com o facto que se verificar em primeiro lugar nos termos do que estatui o n.º 3 do art. 49.º da LGT, e ocorrendo a citação da devedora originária, citando-se o devedor subsidiário depois de decorridos 5 anos sobre a liquidação do imposto revertido (cfr. o n.º 3 do art. 48.º da LGT), e bem ao invés do que é dito pelo M.º Juiz a quo, advogámos que tal citação (da devedora originária) relevava como inibidora do efeito interruptivo que é próprio da citação dos devedores revertidos, já que antes ocorreu um outro facto interruptivo na respectiva lide executiva que, como visto, tem de ser único;
XII. Dissentimos ainda do juiz a quo quando aquele afirmava que “o facto de, afinal, a sociedade ter sido citada, alterando o quadro fático, não recoloca questão nova juridicamente, relativamente ao statu quo sobre o qual, na sua completude fática e ponderando a hipótese de citação da sociedade haver, se debruçou já a douta sentença antes proferida, para aferir da prescrição das dívidas exequendas em relação aos reclamantes.”
XIII. Por nós a nova factualidade (levada ao probatório) justificava nova apreciação da questão submetida a julgamento e obstava à verificação da excepção dilatória do caso julgado.
Termos em que, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Ex.ªs, se requer seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que declare a procedência do pedido que sustenta a prescrição da dívida entretanto revertida contra os aqui recorrentes e reportada a 2003, assim fazendo V. Ex.ªs, Venerandos Conselheiros, a tão costumada JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o parecer de fls. 169/170 dos autos, concluindo no sentido da improcedência do recurso.


Com dispensa dos vistos dado o carácter urgente do processo, vêm os autos à conferência.
- Fundamentação –
4 - Questão a decidir
É a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao ter julgado verificada a excepção de caso julgado material.

5 – É do seguinte teor o probatório fixado na decisão recorrida:
FACTOS PROVADOS
1. Em 31 de maio de 2001 foi instaurada, no Serviço de Finanças de Odivelas, a execução fiscal nº 4227200101020048, visando a cobrança coerciva de duas dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado da sociedade “C…………., Lda”, uma no valor de 1.001.018$00, vencendo juros de mora desde 16 de maio de 2000, e respeitante ao 1.º trimestre de 2000, a outra de 718.194$00 e respeitante ao segundo trimestre de 2000, vencendo juros de mora desde 17 de agosto de 2000.
2. Em 16 de novembro de 2006 foram apensados àquele os seguintes processos executivos em que a mesma sociedade era igualmente a executada, passando o valor das dívidas exequendas a ser o de €143.29,31:
a) nº 4227200101020951 (Imposto sobre o Valor Acrescentado do 2º trimestre de 2001) – quantia exequenda: €6.693,45;
b) nº 4227200401011987 (Imposto sobre o Valor Acrescentado dos 2º, 3º e 4º trimestre de 2001) – quantia exequenda: €18.124,89;
c) nº 4227200401046675 (Imposto sobre o Valor Acrescentado do 2º trimestre de 2003) – quantia exequenda: €12.071,24;
d) nº 4227200401055526 (Imposto sobre o Valor Acrescentado do 4º trimestre de 2003) – quantia exequenda: €10.471,13;
e) nº 4227200401069985 (Imposto sobre o Valor Acrescentado do 1º trimestre de 2004) – quantia exequenda: €13.458,09;
f) nº 4227200401124340 (Imposto sobre o Valor Acrescentado do 3º trimestre de 2004) – quantia exequenda: €10.820,27;
g) nº 4227200401114468 (Imposto sobre o Valor Acrescentado do 2º trimestre de 2004) – quantia exequenda: €16.956,62;
h) nº 4227200501015486 (Imposto sobre o Valor Acrescentado do 4º trimestre de 2004) – quantia exequenda: €14.284,27;
i) nº 4227200501017420 (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – retenções na fonte – dos meses de dezembro de 2003 e fevereiro de 2004) – quantia exequenda: €2.378,07;
j) nº 4227200501020153 (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – retenções na fonte – dos mês de abril de 2004) €969,93;
k) nº 4227200501021346 (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – retenções na fonte – dos mês de maio de 2004) €969,93;
l) nº 4227200501096117 (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – retenções na fonte – dos mês de janeiro de 2004) €1.214,82;
m) nº 4227200501097156 (Imposto sobre o Valor Acrescentado de março de 2005) – quantia exequenda: €4.288,46;
n) nº 4227200501103199 (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – retenções na fonte – dos mês de novembro de 2004) - quantia exequenda: €1.369,10;
o) nº 42272005001110381 (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – retenções na fonte – dos mês de dezembro de 2004) - quantia exequenda: €1.595,21;
p) nº 4227200601080547 (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – retenções na fonte – dos meses dos anos de 2002 e de 2003) - quantia exequenda: €19.058,43.
3. A sociedade executada foi citada no âmbito do processo principal 18 de junho de 2007, tendo-o sido ainda em 5 de junho de 2008, aqui no contexto da penhora de um veículo automóvel;
4. E em 25 de outubro de 2001 requereu o pagamento em prestações das dívidas do processo principal.
5. A sociedade executada foi citada no âmbito do processo referido no ponto 2. Alínea f), em finais de janeiro de 2005.
6. A sociedade executada foi citada no âmbito do processo referido no ponto 2, alínea g), em finais de dezembro de 2004.
7. A sociedade executada foi citada no âmbito do processo referido no ponto 2, alínea k), na segunda metade de julho de 2005.
8. A sociedade executada foi citada no âmbito do processo referido no ponto 2, alínea l), na segunda metade de julho de 2005.
9. A sociedade executada foi citada no âmbito do processo referido no ponto 2, alínea m), na segunda metade de julho de 2005.
10. A sociedade executada foi citada no âmbito do processo referido no ponto 2, alínea o), na segunda metade de agosto de 2005.
11. O requerimento referido no ponto 4. foi desfavoravelmente decidido por despacho do Órgão de Execução Fiscal de 26 de novembro de 2006.
12. Entretanto, em 27 de novembro de 2006 seriam feitos três pagamentos na execução (€605,91, €323,82 e €402,31).
13. E, em 31 de maio de 2007 seria feito um pagamento na execução (€4.356,39).
14. Em 24 de outubro de 2008 seria tentada uma penhora de créditos.
15. E, em 18 de fevereiro de 2009, uma outra, de saldos bancários.
16. Em 29 de janeiro de 2008 a executada fez um requerimento em que expressava a vontade de proceder à liquidação da dívida no seu todo, em 90 dias, pedindo que tanto lhe fosse facultado, para o processo principal e para aquele referido no ponto 2, alínea p), isto quando no âmbito de um outro processo procedia ainda a pagamentos segundo um plano prestacional que lhe havia sido autorizado.
17. Entretanto, em 18 de março de 2009, foi feito um pagamento na execução (€1.512,50).
18. Face à cessação de pagamento em junho de 2009, a par da cessação de atividade da sociedade executada nos finais de 2008, foi então aberto no processo um enxerto para eventual reversão das dívidas da sociedade.
19. No seu termo, a execução seria revertida sobre ambos gerentes da sociedade, os reclamantes B………… e A…………, por despachos do Órgão de Execução de 1 de setembro de 2010, tendo ambas as reversões âmbito e conteúdo equivalente: a totalidade das dívidas exequendas, na medida do que ainda restava por pagar - €143.294,21 – o acrescido da execução somava então €26.136,77.
20. Ambos Reclamantes foram citados na própria data do despacho de reversão.
21. E ambos pediram, também nessa mesma data, o pagamento em prestações no âmbito do processo principal e apensos referidos no ponto 2, bem como no âmbito de outros dois processos executivos – onde tinham também sido considerados responsáveis subsidiários da sociedade executada, pelo Órgão de Execução Fiscal.
22. Tal pedido foi deferido por despacho do Diretor de Finanças Adjunto, de 29 de setembro de 2010, que autorizou um plano de pagamentos em 12 prestações do que pelo menos o Reclamante A…………… foi notificado em 11 de novembro de 2011.
23. Entretanto, em 16 de setembro de 2010 tinha sido feito um pagamento na execução (€4.614,61).
24. Como os Reclamantes não iniciassem o cumprimento do plano que lhes havia sido autorizado, por despacho do Órgão de Execução Fiscal de 27 de dezembro de 2011 foram dele excluídos.
25. E, por despachos do Órgão de Execução Fiscal dessa mesma data, foram reconhecidas prescritas as dívidas sob execução (e outras de outros processos) em relação aos Reclamantes, acima identificadas sob as alíneas a) e b) do ponto 2, permanecendo em execução as demais, todas elas provenientes ou de retenções na fonte para efeitos de Imposto sobre o rendimento das Pessoas Singulares, ou provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado.
26. Tendo reclamado desses despachos na parte em que não fora reconhecida a prescrição das dívidas exequendas, tal originou neste Tribunal a Reclamação de Atos do Órgão de Execução Fiscal com o nº 1078/12.0BELRS, que viria a ter sentença de 12 de junho de 2012, que passou em julgado pacificamente.
27. Nela não foi considerada a citação da devedora originária em nenhum dos processos (principal ou apensos) por não estar documentada, mas mais se disse que a citação do devedor originário, não produzindo efeitos no curso do prazo prescricional da dívida em relação ao devedor subsidiário, se a dívida proviesse de liquidação elaborada além de cinco anos em relação àquele em que ocorre a citação deste, daí não decorria que a citação do revertido deixasse de ter os normais efeitos da citação no âmbito do curso do prazo prescricional, relativamente ao próprio revertido citado; e, como os Reclamantes haviam sido citados em 2010, no decurso de prazos de prescrição de oito anos, iniciados todos em 1 de janeiro de 2004, haviam-no sido adentro desses mesmos prazos de prescrição, pelo que as dívidas não tinham prescrito em relação a nenhum deles.
28. Tendo os Reclamantes apresentado em 28 de outubro de 2015 um pedido de reavaliação da prescrição das dívidas sob execução, o Órgão de Execução Fiscal não as reconheceu prescritas no seu despacho sobre tanto de 4 de novembro de 2015, com fundamento em que, pese embora não tivesse sido citada a sociedade, a citação dos Reclamantes operara seus efeitos, pelo que normalmente as dívidas apenas prescreveriam em relação a eles (tendo-se todos os prazos de prescrição, de 8 anos, iniciado a 1 de Janeiro de 2004) a 1 de Setembro de 2018.
29. Notificados desse despacho a 11 de novembro de 2015, no dia 13 seguinte os reclamantes apresentaram a petição que deu origem aos presentes autos.

FACTOS NÃO PROVADOS:
1. Que as dívidas ainda sob execução nos autos principais tenham todas origem em factos de 2003 (e não também em 2004 e, num caso, em 2005 e, noutro, em 2002).
2. Que as dívidas sob execução não provenham todas de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (retenção na fonte), à exceção daquelas consignadas sob o ponto 2, alínea p), da matéria de facto provada, dentre estas nomeadamente as referidas aos meses do ano de 2002.
3. Quando, como, porquê e para quê foram apensados aos autos principais os seguintes processos:
a) nº 4227201001171552 (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas de 2009);
b) nº 4227201001269960 (coima de 2010);
c) nº 4227201201053639 (vazia, em título executivo); e
d) nº 4227201201201072412 (?).
4. Que o despacho reclamado, referido no ponto 28. da matéria de facto provada, se refira a qualquer um dos processos mencionados no ponto anterior.

6 – Apreciando
6.1 Da excepção de caso julgado
A decisão recorrida, a fls. 104 a 123 dos autos, julgou verificada excepção dilatória de caso julgado material firmado entre as partes no processo de Reclamação de atos do Órgão de Execução Fiscal, com o n.º 1078/12.0BELRS, (…), quanto à matéria da prescrição das dívidas exequendas em relação aos Reclamantes, relativamente à (eventual) anterioridade de atos de citação da sociedade executada, no seu reflexo sobre o prazo de prescrição das mesmas dívidas em relação àqueles e, nomeadamente, da sua irrelevância para efeitos de impedir os normais efeitos legais que derivam da citação, de que aqueles foram objecto, sobre a modulação e curso dos prazos de prescrição em causa na reclamação judicial deduzida pelos ora recorrentes contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas que novamente lhes indeferiu o reconhecimento da prescrição das dívidas que permanecem sob execução.
Para assim decidir, considerou a decisão recorrida, depois de minuciosa análise da sentença proferida em 2012, no processo que correu termos sob o nº 1078/12.0BELRS, que:
No contexto do atual processo, se relativamente a alguns dos processos está agora demonstrada a citação da sociedade, certo é que a questão de fundo que os Reclamantes repristinam é uma e a mesma que naquela Reclamação foi já debatida e decidida. Com efeito, ali disse-se, em suma, que com ou sem citação da sociedade executada:
. a (eventual) interrupção dos prazos de prescrição das dívidas exequendas, relativamente aos Reclamantes, por efeito da (eventual) citação da sociedade, era-lhes inoponível dado o necessário lapso de tempo que teria decorrido entre essa citação da sociedade e a citação dos Reclamantes, tendo por referência ainda o ano da liquidação dos tributos;
. a citação dos Reclamantes teve o efeito próprio e direto de interromper os prazos de prescrição das dívidas exequendas (prazos esses de oito anos e que decorriam sem cessar desde 1 de janeiro de 2004), e de iniciar renovados prazo de prescrição a partir de então, cujo curso está obstado enquanto não houver decisão definitiva na causa executiva.
Ora, nos presentes autos esse mesmo enunciado indagador, com essas mesmas conclusões mantêm-se no sentido exacto da síntese temática da concreta questão da prescrição das dívidas exequendas: a citação da sociedade não bule com os efeitos jurídicos interruptivos e suspensivos autonomamente gerados pela citação dos próprios reclamantes, apenas pode acrescentar-lhes outros factos relevantes da prescrição, mas sobretudo não releva como inibidora do efeito interruptivo e suspensivo que é próprio da citação dos Reclamantes. Por isso a prescrição das dívidas em relação a eles não ocorreu até à sua citação e desde então não correm os prazos da prescrição em relação a eles. Esta mesma questão foi já, assim, decidida naquele processo.
Inclusive, sopesou-se ali a hipótese, que afinal ocorre, de a citação da sociedade ter efetivamente ocorrido (ao menos nalguns processos), sendo que a única virtualidade que da citação da sociedade se pode extrair – em função do lapso de tempo entre as citações e as liquidações – é ela relevar para a contagem da prescrição das dívidas em relação aos Reclamantes (se esse lapso de tempo for menor), ou não relevar de todo (de for maior). Mas não impede os efeitos jurídicos interruptivos e suspensivos autonomamente gerados pela citação dos Reclamantes. Assim, e s.m.o., o facto de, afinal, a sociedade ter sido citada, alterando o quadro fáctico, não recoloca questão nova juridicamente, relativamente ao statu quo sobre o qual, na sua completude fática e ponderando a hipótese de citação da sociedade haver, se debruçou a douta sentença antes proferida, para aferir da prescrição das dívidas exequendas em relação aos Reclamantes.
Em face do exposto, a concreta questão da prescrição das dívidas exequendas que já foi decidida naquele processo é a mesma que ora se coloca de novo, pelo que a justo título se integra no conceito de caso julgado material formado entre as partes dos presentes autos, as mesmas daquele, nos exatos termos do art. 580.º n.ºs 1 e 2 e 581.º n.ºs 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil. Forma-se caso julgado material quando uma ação representa repetição de outra já decidida, entre partes que reiteram atuação segundo a mesma qualidade jurídica e em que o pedido formulado intende um mesmo efeito jurídico fundado nos mesmos factos, citado art. 581.º, n.ºs 2, 3 e 4 in fine. Ora, é essa exatamente a situação que os presentes autos retratam, em conjugação com aqueloutros que foram citados: é a mesma a questão da prescrição das mesmas dívidas exequendas, objecto de conhecimento e decisão no processo citado. Tal caso julgado material entre as partes é aqui operante, art. 580.º n.º 1 daquele Código, pondo assim o Tribunal na contingência de repetir a resposta que lhes foi dada naquela sentença, ou de a contradizer, citado art. 580.º, n.º 2. Por isso que essa decisão se ergue tanto no seu conteúdo fático como jurídico, em face dos presentes autos, como uma exceção ora considerada dilatória, nos termos do art. 577º corpo e alínea i) do mesmo corpo de normas.
Os recorrentes não se conformam com o decidido, alegando que a excepção de caso julgado tinha de ceder face à factualidade nova entretanto emergente, nisso se consubstanciando o erro de julgamento (…) porque se é bem certo que a questão decidenda era a mesma, tendo mudado a factualidade relevante, aqui, a apreciação do mérito da questão sub judice tinha de envolver contornos distintos, concluindo que a nova factualidade (levada ao probatório) justificava nova apreciação da questão submetida a julgamento e obstava à verificação da excepção dilatória do caso julgado.
Vejamos.
A “nova factualidade” que os recorrentes invocam como obstando à existência de caso julgado sobre a questão da prescrição das dívidas exequendas, e sob pretexto da qual pretendem a reapreciação administrativa e jurisdicional da questão, não é factualidade nova no mesmo sentido em que o era a que este STA julgou relevante para afastar a excepção de caso julgado no processo que deu origem ao nosso Acórdão de 7 de Outubro de 2015, recurso n.º 01034/15 -invocado pelos recorrentes em abono da sua posição nas suas alegações de recurso -, pois que esta factualidade nova respeitava a factos posteriores à primeira decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia e que, como tal, não podiam ter sido, obviamente, considerados naquela primeira decisão, e a “nova factualidade” no presente processo respeita a factos pretéritos – a citação da sociedade devedora originária, ocorrida em momento anterior à dos responsáveis subsidiários em alguns dos processos -, que alegadamente não teriam sido considerados na decisão recorrida, que não os fez constar do probatório.
Ora, na reclamação judicial anterior, que deu origem à sentença proferida em 2012 no processo nº 1078/12.0BELRS, já os ora recorrentes haviam aventado a possibilidade de ter havido citação da devedora originária, em momento “que não podem precisar”, pretendendo que aquela hipotética citação da devedora originária teria a virtualidade de obstar a que a citação dos revertidos, porque posterior, pudesse interromper a prescrição, atento o disposto no n.º 3 do artigo 49.º da LGT, tese esta que a sentença afastou, apoiando-se da jurisprudência deste STA, decisão com a qual, ao tempo, os reclamantes se conformaram, não sindicando nem a matéria de facto fixada, nem a decisão proferida, que assim veio a transitar em julgado.
Nada impedia os reclamantes de renovarem ao órgão de execução fiscal o seu pedido de declaração da prescrição da dívida exequenda, como fizeram, e de sindicar a decisão deste perante os tribunais, como fizeram também, desde que a causa de pedir, num e noutro caso, não fosse a mesma (pois que há indiscutível identidade de sujeitos e de pedidos num e noutro).
Sucede que, no caso dos autos, a “causa de pedir” não é diversa da que foi também já aventada naquele outro processo e sobre a qual o Tribunal já emitiu pronúncia, sendo que, a ser emitida nova pronúncia, o Tribunal “a quo” seria inelutavelmente colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior, o que precisamente a excepção de caso julgado tem por fim evitar (cfr. o n.º 2 do artigo 580.º do CPC).
A sentença anterior consolidou-se na ordem jurídica, razão por que, para suscitar novamente a questão da prescrição os recorrentes se veriam obrigados a invocar que já decorreu o prazo que, segundo essa sentença, ainda faltava para se completar a prescrição. É o que resulta do disposto no artigo 621º do Código de Processo Civil - CPC (a que correspondia o artigo 673º do anterior CPC), segundo o qual a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga e, por isso, se a parte decaiu por não ter decorrido um prazo, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando o prazo se preencha.

Deste modo, face ao anterior pronunciamento jurisdicional, estava vedado ao Mmº juiz do tribunal “a quo” voltar a pronunciar-se, em termos distintos do que ficou já definido, sobre o prazo de prescrição aplicável, seu termo inicial e sobre a relevância ou irrelevância dos actos com potencialidade interruptiva.

Bem decidiu, pois, a decisão recorrida ao julgar verificada a excepção de caso julgado, abstendo-se de conhecer da reclamação.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.

- Decisão -
7- Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 26 de Outubro de 2016. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Fonseca Carvalho.