Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:063/16.7BESNT 0522/18
Data do Acordão:12/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPOSTO DE JOGOS
INCONSTITUCIONALIDADE
ILEGALIDADE
Sumário:I - Conforme resulta do disposto no artigo 84.º da Lei do Jogo - Decreto-Lei n° 422/89 de 2/12, alterado sucessivamente por diversos diplomas legais, cujas últimas alterações foram introduzidas pela Lei 114/2017, de 29/12 (Lei do Jogo) -, o Imposto Especial de Jogo assume-se como um imposto “substitutivo” do imposto sobre o rendimento, uma vez que os rendimentos resultantes da atividade do jogo são sujeitos ao Imposto Especial de Jogo e não sujeitos a IRC, cfr. artigo 7.º do Código do IRC, sendo os rendimentos concretamente resultantes dessa atividade que ficam sujeitos àquele imposto e, não as entidades concessionárias relativamente às demais actividades que desenvolvam.
II - Os jogos de fortuna e azar são uma actividade geradora de riqueza sem comparação com as restantes actividades tradicionais que dependem do esforço físico e da inteligência dos homens, que criam empregos, ajudam ao desenvolvimento social e humano e permitem a realização pessoal, conatural à existência do homem social.
III - Todo o regime fiscal que rege esta actividade não pode ser reconduzido ao regime “normal” da tributação dos rendimentos, IRS ou IRC, precisamente porque, enquanto estes visam simplesmente, como definido no art.º 103 da Constituição da República Portuguesa, a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, o Imposto sobre o Jogo tem, também, e, sobretudo, fins diferentes, extrafiscais, de que a arrecadação de receitas está secundarizada relativamente ao desiderato de controlo e contenção de uma actividade socialmente desviante – o jogo de fortuna e azar -.
IV - A formulação constitucional - art.º 104.º da Constituição da República Portuguesa - de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, não impõe que deva incidir exclusivamente sobre o rendimento real destas.
V - Sendo a capacidade contributiva pressuposto dos tributos – art.º 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária - também, essencialmente, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, aquela capacidade há-de ser, segundo as circunstâncias, articulada, nomeadamente com os princípios do bem-estar comum, da necessidade e do ganho que lhe poderão aportar condicionamentos.
VI - Não se encontrando sujeita ao princípio da capacidade contributiva previsto para o IRC, a tributação em sede de Imposto Especial de Jogo encontra-se sujeita ao princípio da proporcionalidade, permitindo que a entidade concessionária tenha “economicamente” interesse em prosseguir com a sua actividade.
VII - O facto tributário é o exercício da exploração do jogo, em casinos, pelas concessionárias durante o período de duração da concessão – art.º 84º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 02 de Dezembro. A base de incidência do imposto varia consoante o tipo de jogo – constante do elenco do art.º 4.º do DL n.º 422/89.
VIII - O capital em giro inicial é o capital que a impugnante diariamente disponibiliza para a sua actividade. Se disponibilizar muito capital pode perder muito capital se os jogadores conseguirem elevados prémios. Se disponibilizar pouco capital, só poderá perder pouco capital, porque os jogadores só poderão obter prémios menores.
IX - Não há qualquer discricionariedade por parte da Inspecção-Geral de Jogos que se limita a receber, anotar e ter em conta, para efeitos de cálculo do imposto, o número de bancas e de máquinas ou de grupos de máquinas a funcionar, bem como o respectivo capital inicial, nos jogos em que ele deva existir, não sendo liquidado imposto em relação às bancas ou máquinas abertas tempestivamente cujo capital em giro inicial não chegue a ser utilizado por falta de jogadores até ao termo da partida.
X - Não há uma presunção grosseira e inilidível de retorno à impugnante do capital que é mobilizado por ela na abertura das salas de jogo. Não se avalia esse retorno, nem ele serve por qualquer modo para liquidar o imposto devido.
XI - Não existem as presunções grosseiras e inilidíveis de rendimento da impugnante que esta invoca como fundamento da violação do princípio constitucional da proporcionalidade, por, em concreto, o imposto de jogo, tendo em conta a sua natureza extrafiscal, ser uma medida adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, sem qualquer violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
XII - O Serviço de Regulação e Inspecção de Jogos (SRIJ) não tem a possibilidade de determinar arbitrária, ou sequer discricionariamente, e sem critérios legais previamente definidos, o capital em giro inicial nas máquinas que é determinado com referência aos jogos praticados em bancas simples.
XIII - Mostra-se cumprido o princípio da legalidade fiscal na vertente de reserva de lei por estarmos face a uma lei, editada pelo Governo em cumprimento de uma autorização legislativa da Assembleia da República - Lei 14/89 de 30 de Junho - Autorização ao Governo para legislar em matéria de jogos de fortuna ou azar em casinos e de exploração e prática ilícita de jogos de fortuna ou azar – que nela fez incorporar os compromissos contratuais existentes em matéria de incidência e de taxas, e demais elementos essenciais do imposto.
XIV - Tendo em conta os dados disponíveis sobre o desenvolvimento turístico das áreas onde se localizam os diversos casinos, mostra-se legitimada a diferenciação de tributação que se baseia num critério material de tributação da actividade do jogo, assente num juízo de proporcionalidade em que a diferenciação das taxas está alinhada com os objectivos extrafiscais da tributação e de promoção da actividade turística.
Nº Convencional:JSTA000P23999
Nº do Documento:SA220181220063/16
Data de Entrada:05/22/2018
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:TURISMO DE PORTUGAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………………………., SA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 28 de Fevereiro de 2018, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidações de Imposto Especial de Jogo, referentes à concessão da zona de jogo do Estoril e relativas aos períodos de Setembro, Outubro e Novembro de 2015.
A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
1ª) A presente impugnação tem por objecto liquidações do Imposto de Jogo;
2ª) A circunstância de a actividade de jogo exercida pela ora recorrente ser feita ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com o Estado, não retira a natureza de imposto ao... Imposto de Jogo;
3ª) O imposto de jogo não possui base contratual — como assinala a doutrina, o regime tributário da actividade do jogo é um regime exclusivamente legal;
4ª) Aliás, a recorrente, na petição inicial da impugnação, não contesta a validade do contrato de concessão, nem a validade de qualquer cláusula de tal contrato;
5ª) A recorrente contesta a legalidade das liquidações do imposto de jogo por este, tal como definido e estruturado no Decreto-Lei n° 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), violar os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da legalidade e da igualdade;
6ª) A recorrente contesta, também, a legalidade das liquidações de Imposto de Jogo por não estarem devidamente fundamentadas e por violarem o disposto na Lei do Jogo;
7ª) Tendo em conta a clássica definição de tributo – “prestação patrimonial estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, com o fim imediato de obter meios destinados ao seu financiamento”, é indiscutível que o imposto de jogo, cujas liquidações se impugnaram, é um tributo e, além disso, dentro da classificação dos tributos, é um imposto;
8.ª) Ao invés do afirmado na douta decisão recorrida, a existência de um contrato de concessão não altera a natureza do tributo em questão, não havendo aqui, como assinalada na doutrina, qualquer “lei contrato”, ou qualquer “tributo contratual”;
9.ª) Por outro lado, a douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, faz uma análise juridicamente incorrecta, ao considerar que, no presente processo, verdadeiramente, o que se impugna é a chamada “contrapartida anual” prevista no DL 275/2001, de 17/10;
10.ª) É que estamos perante duas figuras tributárias autónomas (o Imposto de Jogo e a contrapartida anual), que incidem sobre realidades diferentes;
11.ª) É que pese a circunstância de no cálculo da contrapartida se deduzirem os quantitativos pagos de I. de Jogo, tal não altera o facto indesmentível de estarmos perante dois diferentes tributos, incidindo sobre duas diferentes realidades;
12.ª) As impugnadas liquidações de Imposto de Jogo são ilegais por terem como fundamento legal o Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, sendo que tal diploma, na parte fiscal, é organicamente inconstitucional, por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e a lei de autorização legislativa não indicar os critérios mínimos orientadores de tal autorização;
13.ª) As liquidações impugnadas são, também, ilegais, porque o referido Decreto-Lei n.º 422/89, é inconstitucional quanto a uma outra vertente do princípio da legalidade;
14ª) Na verdade, o referido diploma atribuiu à autoridade administrativa a competência para fixar, para as máquinas de jogo, um capital em giro, que constitui a incidência real de imposto;
15ª) Ora, o princípio da legalidade, na sua vertente de reserva de lei, é violado através dessa deslegalização, ao atribuir-se à autoridade administrativa a competência para fixar um elemento essencial do imposto;
16.ª) As impugnadas liquidações são também ilegais por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
17ª) É que o imposto do jogo incide sobre o chamado “capital em giro” dos jogos, sem qualquer relação, nem com a receita bruta obtida pela recorrente nem, muito menos, com o lucro;
18.ª) O imposto de jogo incide sobre verdadeiras e autênticas presunções inilidíveis de matéria colectável, violando o art° 104°, n° 2 da Constituição;
19ª) E ao invés do defendido na douta sentença recorrida, as características próprias do Imposto de Jogo, não permite afastar a sua sujeição aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real;
20.ª) A circunstância de o Imposto de Jogo incidir sobre o “capital em giro”, não justifica que a fixação dessa matéria tributável seja feita com ignorância ou desprezo total por um mínimo de correspondência com a capacidade contributiva e o rendimento real da recorrente;
21.ª) A Lei do Jogo é, também, inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade, ao fixar taxas de imposto diferentes para as diversas concessões da actividade de jogo e, portanto, para os diversos contribuintes que se dedicam a essa actividade, sendo certo que, ao invés do afirmado na douta sentença recorrida, essa diferenciação entre os diversos contribuintes não resulta dos contratos de concessão, mas sim da Lei do Jogo;.
22ª) As liquidações impugnadas são ilegais por insuficiente fundamentação quanto à fixação, pelo Turismo de Portugal, do “capital em giro inicial”, já que as deliberações das Comissões de Jogos não indicam os concretos critérios que estiveram na base da concreta fixação, para cada concreto máquina, do capital em giro inicial;
23ª) As liquidações impugnadas são também ilegais por esse capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual;
24ª) As liquidações impugnadas são, ainda, ilegais, porque o Turismo de Portugal, em violação frontal da subalínea b) da alínea c) do art° 87° da Lei do Jogo, ter fixado o “capital em giro inicial” sem tomar em consideração as características das diversas máquinas de jogo e das circunstâncias concretas verificadas na sua utilização;
25.ª) Sendo que, ao invés do defendido na douta sentença recorrida, tendo em conta o princípio da impugnação unitária previsto no art. 54.º do CPPT, essa fixação da matéria tributável não era autonomamente impugnável;
26.ª) Assim, a douta sentença recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação das normas e princípios aplicáveis.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e anulando-se as liquidações impugnadas, como é de JUSTIÇA

2 – Contra-alegou o Instituto de Turismo de Portugal, I.P., concluindo nos seguintes termos:
I. O imposto especial de jogo não é um imposto geral sobre o rendimento, é um imposto especial com características de extrafiscalidade, que tem uma história, que só pode ser verdadeiramente compreendido quando analisado de forma integral e sistematicamente, continuando a ser válidas as razões que estiveram na sua criação e que é aplicável a um leque restrito de contribuintes, 7 concessionárias de zonas de jogo.
II. O contrato de concessão em causa nestes autos foi celebrado em 17 de junho de 1985, quando estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48 912, de 18 de março de 1969, que continha o regime legal de exploração de jogos de fortuna ou azar, incluindo o regime tributário que enformava o contrato. O Governo em 1989, ao aprovar o novo regime que disciplina a exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos (Decreto-Lei 422/89) fê-lo acautelando a defesa dos direitos constituídos e das legítimas expectativas das atuais concessionárias da exploração de jogos de fortuna ou azar. Por esta razão a recorrente e demais concessionárias não se opuseram ao referido diploma nem o contestaram e inclusivamente declararam 11 anos mais tarde, em 2001, aquando da revisão dos contratos, aceitar expressamente todas as obrigações que do mesmo constam.
III. A recorrente deu entrada de diversas ações contra o Estado a partir de 2013, na tentativa de forçar uma prorrogação do prazo do contrato de concessão. Uma dessas ações é uma ação administrativa comum, onde pede o reequilíbrio do contrato de concessão e que altere a contrapartida anual que contratualmente está obrigada a pagar, pedindo ao tribunal que altere a cláusula 4.ª do contrato de concessão, em benefício da recorrente.
IV. Nessa ação administrativa comum a recorrente qualifica a contrapartida anual como contratual.
V. Por força do concluído em II a IV das presentes conclusões a recorrente estava impedida, por atuar em abuso de direito (caso o direito lhe assistisse, que não assiste), de impugnar as liquidações do imposto especial de jogo, nos termos e com os argumentos com que o faz. A recorrente explora a zona de jogo do Estoril há mais de 30 anos e, já depois de celebrado o contrato de concessão de 1985, a recorrente não se opôs ao novo regime fiscal porque o Governo mantinha todos os direitos constituídos e legítimas expectativas; e em 2001 a recorrente reiterou isso mesmo aquando da celebração do aditamento ao contrato de concessão; A recorrente tem acesso aos valores de imposto do jogo a liquidar antes de o mesmo lhe ser liquidado, introduzindo no sistema informático toda a informação relativa às suas receitas e tomando conhecimento de todos os cálculos antes de receber a nota de liquidação. Por estas razões não podia vir, depois, impugnar as liquidações.
VI. À cautela e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que, caso a impugnação procedesse, não haveria qualquer importância a devolver à recorrente, uma vez que as importâncias entregues a título de imposto do jogo passariam a ter de ser entregues no âmbito da diferença referida na alínea g) do n.º 2 da cláusula 4.ª do contrato de concessão relativo à exploração do casino do Estoril e na alínea f) do n.º 1 da cláusula 3.ª do contrato de concessão relativo à exploração do casino de Lisboa.
VII. A recorrente ignora as especificidades na regulação pelo estado da exploração de jogos de fortuna ou azar, que estão bem patentes na legislação que trouxe esses jogos para o campo da legalidade e, em especial, no regime fiscal introduzido e que se mantém fiel à sua estrutura desde o primeiro momento (1927) em que o Estado decidiu regular uma atividade “contra a qual nada podiam já as disposições repressivas”.
VIII. A especialidade do imposto e as suas características de extrafiscalidade, implicam uma cautela por parte do intérprete e aplicador da lei, uma vez que não lhe são aplicáveis, integralmente, os princípios da “Constituição fiscal”, como são os da igualdade tributária e da capacidade contributiva.
IX. O imposto especial do jogo é um imposto substitutivo de qualquer outra tributação, geral ou local, relativo à atividade específica de exploração dos jogos de fortuna ou azar, ao qual não +podem ser aplicadas, sem mais, as regras de um imposto geral sobre o rendimento.
X. Esta técnica de tributação excecional ao contrário da tributação instituída para a generalidade das empresas, não assente sobre o lucro apurado, o rendimento real ou liquido da exploração, o que se justifica pela especialidade da atividade do jogo. Ao contrário da atividade da generalidade das empresas que é incentivada pelo Estado, sobre a atividade do jogo incide um forte juízo de censura moral não pretendendo o Estado incentivar a mesma. A regulação do jogo impôs-se como uma inevitabilidade para o Estado que não quis ser parte interessada nos lucros da atividade, recusando lucrar com o infortúnio e a desgraça alheia.
XI. Inexiste qualquer violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, uma vez que o n.º 2 do art. 104.º da CRP, prevê que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, encontrando-se perfeitamente explicadas as razões pelas quais o Estado optou por tributar as concessionárias pelo valor do capital em giro inicial e pelas receitas brutas, sendo que a recorrente não alega factos que coloquem em causa a sua capacidade contributiva.
XII. Não há qualquer violação do princípio da igualdade quando o legislador aplica taxas mais baixas nas áreas menos desenvolvidas turisticamente e mais altas nas que apresentam um desenvolvimento, desde logo porque cada concessionária se situa, em exclusivo, numa dessas áreas, tendo, por isso, o Estado de criar e desenvolver de forma diferente as diferentes áreas turísticas, o que faz todo o sentido também face à consignação de receita constante do n.º 3 do artigo 84.º da lei do jogo.
XIII. Não existe qualquer ilegalidade na fixação do capital em giro inicial para as máquinas, sendo que a recorrente nunca colocou em causa o seu método de fixação e valor.
XIV. Porque o imposto especial de jogo é pago mensalmente nos termos da lei e porque a fixação anual se revelava prejudicial para a auditoria permanente e para a tesouraria das concessionárias, em 2011 foi entendimento da Comissão de Jogos que seria aconselhável fazer uma avaliação mensal do respetivo capital em giro inicial de cada máquina ao longo do ano, o que foi deliberado e comunicado às concessionárias nessa data.
XV. O capital em giro inicial mensal, que corresponde a uma decomposição do capital em giro inicial anual é fixado com base nos registos contabilísticos das máquinas que a recorrente tem à exploração e que, por isso, refletem as características e as circunstâncias da sua exploração.
XVI. A especialidade e especificidade do imposto de jogo e o facto de o mesmo ser aplicável apenas a sete concessionárias levou a que o legislador previsse a sua liquidação nos termos especiais previstos na lei do jogo, tendo a recorrente (i) prévio conhecimento da base de incidência do imposto (ii) conhecimento das respetivas taxas de imposto, (iii) conhecimento das bancas e das máquinas que colocou à disposição naquele mês, e (iv) acesso ao sistema informático onde inseriu os valores da sua receita e de onde também resulta o cálculo aritmético para onde o imposto que é devido.
XVII. A circunstância de a aqui recorrente sempre ter concorrido para a formação das notas de liquidação do imposto e ter prévio acesso a toda a informação, permite-lhe conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela administração para a determinação da liquidação.
XVIII. Inexiste qualquer inconstitucionalidade orgânica ou material do Decreto-Lei n.º 422/89. A recorrente omite na sua alegação de recurso que o Governo, quando reviu a legislação relativa à atividade do jogo, honrou os compromissos contratuais assumidos pelo Estado Português aquando da celebração dos contratos, não inovando, isto é, limitando-se a retomar e a reproduzir o que já constava dos textos legais anteriores.
XIX. Por último, também não existe qualquer violação do princípio da legalidade tributária por o capital em giro inicial das máquinas automáticas ser fixado por ato administrativo, pois tal não implica qualquer ofensa dos princípios constitucionais ou violação dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
XX. Não compete ao Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos fixar ou definir as grandezas brutas, mas apenas determiná-las, uma vez que se encontra vinculado na fixação do capital em giro das máquinas em termos em tudo idênticos aos que se verificam relativamente aos jogos bancados, ou seja, no respeito pelos valores contabilísticos de receita apurada indicados pela concessionária, que mantém, nos termos da lei e à semelhança dos jogos bancados, o controlo sobre as máquinas que coloca ou não à exploração, assim dominando e controlando a receita e o imposto a pagar.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Excelências Colendos Juízes Conselheiros a quanto alegado, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, mantida a sentença recorrida. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 391 a 394 dos autos, oportunamente notificado às partes, concluindo no sentido do não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –

4 – Questões a decidir
As questões a decidir no presente recurso são substancialmente idênticas às que foram objecto de julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no processo n.º 2224/13.1BEPRT (1457/15), pelo Acórdão de 5 de Dezembro de 2018.
Embora a questão da alegada inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 422/89, não tenha surgido, naquele recurso, autonomizada, como surge no presente recurso, foi nele igualmente tratada a propósito da violação do princípio da legalidade-
Assim, e porque o julgamento ampliado do recurso se fundamentou no facto de em causa estar “litigiosidade persistente e estruturalmente repetitiva, com valor económico muito avultado, em que são suscitadas questões de direito de elevada complexidade, mas substancialmente idênticas ou com grande similitude problemática”, visando “garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (…)” a ela acrescendo “a não despicienda vantagem de, por essa via, se obter maior celeridade e segurança jurídica na resolução global desta significativa pendência processual” impõe-se o respeito pela orientação jurisprudencial nele fixada, subscrita aliás pela generalidade dos conselheiros em funções neste STA.

5 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:

A) A impugnante é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar, na zona de jogo permanente do Estoril, por força do contrato de concessão celebrado em 17.06.1985, publicado no DR II Série, n.º 197, de 28.08.1985 - Cfr. acordo e documento de fls. 125/125v.

B) O contrato referido em A) foi objecto de revisão integral e prorrogação em 14.12.2001, publicado no DR III Série, n.º 27, de 01.02.2002, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – Cfr. acordo e documento de fls. 127;

C) Da cláusula 3 do contrato referido em A) resulta que:
“A concessionária aceita todas as obrigações impostas pela legislação em vigor, designadamente, as estabelecidas nos Decretos-Lei n.ºs 422/89, de 2 de Dezembro e 184/88 de 25 de Maio, e legislação complementar, bem como pelos Decretos-Lei n.º 274/88 de 3 de Agosto, e 275/2001 de 17 de Outubro, e pelo Decreto Regulamentar n.º 29/88 de 3 de Agosto” reproduzido – Cfr. acordo e documento de fls. 125;

D) Da cláusula 4.ª do contrato referido em A) resulta que a ora Impugnante se obriga a:
“1) Prestar uma contrapartida inicial (...);
2) Para além da contrapartida referida no número anterior, prestar, em cada ano, contrapartida no valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no casino, todavia, em caso algum a contrapartida prestada nos termos deste número poderá ser inferior aos valores indicados no anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro (...).
A contrapartida referida neste número realiza-se pelas seguintes formas:
a) Através do pagamento do imposto especial sobre o jogo, nos termos da legislação em vigor; (…) – Cfr. acordo e documento de fls. 125;
E) O mesmo contrato de concessão foi ainda objecto de um aditamento em 17.10.2003, publicado no DR III Série, n.º 257, de 06.11.2003, que autorizou a Impugnante, dentro da zona de jogo do Estoril, a explorar jogos de fortuna ou azar no casino de Lisboa – Cfr. acordo e documento a fls. 128;

F) Através do ofício com a referência ENT/2015/8516, com o “ASSUNTO: CASINO ESTORIL - IMPOSTO ESPECIAL DE JOGO - Setembro 2015”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Impugnante foi notificada para, até ao dia 15.09.2015:
i. efectuar o pagamento na tesouraria da Fazenda Pública do montante de € 367.065,91, referente à liquidação de 20% do imposto especial de jogo arrecadado no mês de Setembro de 2015;
ii. proceder à transferência bancária para o Turismo de Portugal, I.P. do montante de € 1.422.380,40, referente à liquidação de 77,5% do referido imposto e
iii. proceder à transferência bancária para o Fundo de Fomento Cultural do montante de € 45.883,24, correspondente a 2,5% desse mesmo imposto.
– Cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.

G) Através do ofício com a referência ENT/2015/9679, de 03.11.2015, com o “ASSUNTO: CASINO ESTORIL - IMPOSTO ESPECIAL DE JOGO - Outubro 2015”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Impugnante foi notificada para, até ao dia 15.11.2015:
i. efectuar o pagamento na tesouraria da Fazenda Pública do montante de € 381.581,59, referente à liquidação de 20% do imposto especial de jogo arrecadado no mês de Outubro de 2015;
ii. proceder à transferência bancária para o Turismo de Portugal, I.P. do montante de € 1.478.628,68, referente à liquidação de 77,5% do referido imposto e
iii. proceder à transferência bancária para o Fundo de Fomento Cultural do montante de € 47.697,70, correspondente a 2,5% desse mesmo imposto.
– Cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.

H) Através do ofício com a referência ENT/2015/31796, com o “ASSUNTO: CASINO ESTORIL - IMPOSTO ESPECIAL DE JOGO - Novembro 2015”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Impugnante foi notificada para, até ao dia 15.12.2015:
i. efectuar o pagamento na tesouraria da Fazenda Pública do montante de € 363.029,53, referente à liquidação de 20% do imposto especial de jogo arrecadado no mês de Novembro de 2015;
ii. proceder à transferência bancária para o Turismo de Portugal, I.P. do montante de € 1.406.739,44, referente à liquidação de 77,5% do referido imposto e
iii. proceder à transferência bancária para o Fundo de Fomento Cultural do montante de € 45.378,69, correspondente a 2,5% desse mesmo imposto.
– Cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.

I) No dia 1 de cada mês a Impugnante recebe e confirma os mapas mensais “Mapa mensal VI – Liquidação de impostos” onde constam os valores mensais apurados (“Capital em Giro Inicial ou Lucros”) com a exploração dos jogos no mês antecedente, as percentagens de imposto (“imposto Taxa”) que sobre os mesmos incidem e o imposto devido (“Importância do imposto”) – cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial.

J) Pela deliberação n.º 23/2011/CJ, de 11.03.2011, a Comissão de Jogos do Turismo de Portugal I.P. determinou:
“A Comissão delibera que se proceda a uma avaliação do capital em giro inicial, com uma periodicidade mensal (nos primeiros três dias de cada mês) e ao longo do ano, para feitos tributários das máquinas de jogo, promovendo-se sempre que necessário, ao seu ajustamento, notificando os respectivos concessionários previamente à sua aplicação.(…)” — cfr. doc. fls. 138;

K) Pela deliberação n.º 30/2011/CJ, de 17.03.2011, a Comissão de Jogos do Turismo de Portugal I.P. determinou:
“No seguimento da Deliberação n.º 23/2011/CJ, de 11 de Março corrente, e considerando que, para cumprimento rigoroso do que ali vem previsto, há necessidade de garantir a fixação do capital em giro inicial para feitos tributários a todas as máquinas de jogo logo após a sua entrada em funcionamento e início de exploração comercial, delibera a Comissão que, para todos as máquinas ou grupos de máquinas até aqui sujeitos a um período de exploração em regime experimental, o capital passe a ser fixado logo após a sua instalação, sendo aferido e ajustado ao longo do tempo nos termos determinados para os restantes equipamentos em parque” – cfr. fls. 139;
L) A Impugnante foi notificada, em 2011, das deliberações referidas em M) e N) e não as impugnou – acordo;
M) A Impugnante foi notificada dos despachos que fixaram, para os meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2011, o capital em giro inicial para cada máquina existente no casino do Estoril, nas datas naqueles constantes – por acordo e cfr. fls. 131, 134 v e 137v;
N) A impugnante não impugnou os despachos que fixaram, para os meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2015, o capital em giro inicial para cada máquina existente no casino de lisboa, nas datas naqueles constantes – por acordo;
O) O capital em giro inicial das máquinas de jogo é fixado mensalmente pelo SRIJ com base nos registos da impugnante e resulta da decomposição anual do capital em giro inicial – facto não controvertido.
P) O capital em giro inicial dos jogos bancados é fixado pela Impugnante – facto não controvertido.
Q) A impugnou sempre pagou, sem impugnar administrativa ou judicialmente, até ao final de 2012, o imposto especial de jogo que foi sendo liquidado relativamente a cada um dos meses anteriores, nos exactos termos das liquidações que agora impugna – facto não controvertido.
R) Os montantes constantes das liquidações impugnadas foram pagos pela Impugnante – cfr. doc n.º 4 junto com a petição inicial;

6. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
Como se disse já, as questões a decidir no presente recurso são substancialmente idênticas às que foram objecto de julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art. 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no processo n.º 2224/13.1BEPRT (1457/15), pelo Acórdão de 5 de Dezembro de 2018, que julgou improcedente o respectivo recurso.
Visando aquele julgamento ampliado “garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (…)”, importa na decisão do presente recurso contribuir para tal fim.
Assim, porque concordamos com o que ficou decidido naquele acórdão e porque, em face do disposto no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil, se nos impõe o respeito pela orientação jurisprudencial nele fixada, cumpre julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida, com a fundamentação expendida naquela aresto, para a qual ora remetemos, ao abrigo da faculdade que nos é concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

7. Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

Uma vez que a presente decisão foi proferida por remissão para o referido acórdão proferido em formação ampliada, o que preenche o requisito de “menor complexidade” a que alude o n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais ou, pelo menos, porque o montante da taxa de justiça devida se afigura manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos presentes autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, decide-se dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

- DECISÃO –
8. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da secção de Contencioso Tributário do STA, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Junte-se cópia do Acórdão proferido em 5 de Dezembro de 2018 no processo n.º 2224/13.1BEPRT (1457/15).

Lisboa, 20 de Dezembro de 2018. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Ascensão Lopes - Ana Paula Lobo.

(O acórdão supra identificado encontra-se tratado e divulgado informaticamente nesta base de dados.)