Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0699/15 |
Data do Acordão: | 11/18/2015 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Sumário: | I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas o afecta em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. III - Julgada incompatível com o direito comunitário a norma contida no nº 2 do artigo 43º do CIRS, na medida em que prevê, somente para os residentes em Portugal, a limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, é ilegal o acto de liquidação que desconsiderou essa limitação relativamente a um não residente. IV - Restringindo-se a ilegalidade a esse excesso de tributação, o acto deve ser anulado apenas parcialmente num caso em que a matéria colectável era constituída exclusivamente pela mais-valia imobiliária, com a aplicação de uma taxa fixa de imposto. |
Nº Convencional: | JSTA000P19715 |
Nº do Documento: | SA2201511180699 |
Data de Entrada: | 06/02/2015 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A……………, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de liquidação de IRS referente ao ano de 2007 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 8.418,17, e que, em consequência, determinou a anulação parcial dessa liquidação na parte que excede a tributação de 50% das mais-valias realizadas. 1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: A. O âmbito do presente recurso, circunscreve-se, apenas, à questão da anulação parcial do acto impugnado; B. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, dado que deveria ter decretado a anulação total do acto impugnado; C. Ao decretar-se a anulação parcial do acto impugnado preteriu-se a estrutura basilar do contencioso tributário; D. Concretamente, o contencioso de mera anulação; E. E bem assim, o princípio de separação de poderes constitucionalmente consagrado; F. O contencioso tributário no âmbito do processo de impugnação judicial, caracteriza-se por ser um contencioso de mera anulação. G. O Meritíssimo Juiz a quo, não podia substituir-se à Administração Tributária e condenar a Administração a proferir novo acto tributário; H. O qual, se encontra no âmbito das competências da Administração Tributária; I. No âmbito do processo de impugnação judicial, o Tribunal tem de limitar-se a aferir se o acto impugnado padece ou não do vício de violação de lei; J. Uma vez verificado esse vício, tem de limitar-se a anular o acto tributário impugnado; K. Assentando a liquidação impugnada em pressupostos de erro sobre os pressupostos de direito, mormente, violação do artigo 56º do TCE quando aplicado no sentido de conferir tratamento desigual a não residentes, impunha-se a respectiva anulação; L. E anulação total; M. Compete à Administração Tributária, enquanto entidade constitucionalmente incumbida da prossecução do interesse público, aquilatar da necessidade e decidir da prática ou não dos actos administrativos que tal prossecução exige; N. Existindo acto lesivo para os particulares, e sendo este anulado por ilegal, é à Administração e, apenas a ela, que cabe decidir, praticar ou não, novo acto com a fundamentação que ao Tribunal se afigura como a correcta; O. O Juiz a quo, deveria ter decretado a anulabilidade total do acto impugnado, por enfermar de vício de violação de lei; P. Ulteriormente a Administração Tributária, no uso dos seus poderes vinculados, poderá emitir novo acto tributário; Q. Apenas se a caducidade do direito de liquidação a tal não obstar. R. A posição defendida pela Impugnante, ora Recorrente, é a que se coaduna na íntegra, com a doutrina no âmbito do Aresto proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo nº 0533/12, de 10 de Outubro de 2012, o qual versa sobre questão em tudo igual à dos autos e no qual se decretou, e bem, a anulação total do acto impugnado; S. A Meritíssima Juiz a quo deveria, ter decretado, a anulação total do acto impugnado, não o tendo feito incorre em erro de julgamento, devendo por isso, a sentença recorrida ser revogada. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, por padecer de erro de julgamento e, proferida nova decisão de mérito, favorável à Recorrente, que declare a anulação total do acto tributário recorrido.
«3. A questão que a Recorrente coloca consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por ter determinado apenas a anulação “na parte que exceda a tributação de mais-valias obtidas em 50%” e “a devolução do valor pago indevidamente pela impugnante, acrescido dos juros indemnizatórios”. A recorrente considera, apoiando-se na doutrina do acórdão do STA de 10/10/2012, recurso nº 0533/12, num caso em tudo similar ao dos presentes autos, que a invalidade decorrente da violação do direito comunitário afecta a totalidade do acto tributário, pelo que se impunha a sua anulação na totalidade. […] Atente-se que neste caso está apenas em causa a tributação de rendimentos resultantes de mais-valias e a redução da matéria tributável, sobre a qual incide sempre a mesma taxa, independentemente do seu valor (artigo 72º, nº1, do CIRS). E assim sendo há apenas que “subtrair” à tributação a parte dos rendimentos que não estão abrangidos pela norma de incidência. A jurisprudência do STA é pacífica e reiterada no sentido de que o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial (cfr acórdão do Pleno da secção de contencioso tributário do STA de 10/04/2013 - rec. nº 0398/12 - e demais jurisprudência ali citada). E de acordo com essa jurisprudência, “o critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa, pois, por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial” - aresto supra citado. Mas se assim é não podemos aceitar, com o devido respeito, a doutrina do acórdão de 10/10/2012 (recurso nº 0533/12) invocado pela Recorrente. Neste aresto considerou-se que (e passamos a citar) «No caso dos autos, porém, estamos perante um único fundamento de anulação, sendo certo que a ilegalidade é total. Sendo assim, não pode alegar-se, como se fez na decisão recorrida, que o ato é divisível, apenas porque no entender do Mmº Juiz havia que aplica a taxa a 50% das mais-valias e não à sua totalidade. Anulada a liquidação caberá à Fazenda Pública efetuar nova liquidação, aplicando ou não o nº 2 do artº 43º do CIRS e podendo eventualmente a recorrente impugnar essa nova liquidação». Desde logo pode-se questionar em que termos a “nova liquidação” da AT pode inovar em relação ao acto impugnado que não seja reduzir a matéria tributável das mais-valias apuradas em 50%, tal como resulta do nº2 do artigo 43º do CIRS e é imposto pela doutrina do TJUE. Com efeito, se a razão subjacente da desconformidade daquela norma com o direito comunitário é o favorecimento dos residentes, então há que pôr termo a esse regime de favorecimento, o que passa pela sua extinção ou pela extensão desse regime aos não residentes. E daí que enquanto a norma não seja revogada o seu regime deve ser aplicado igualmente aos não residentes, já que segundo a interpretação do TJUE não há fundamento para se verificar tal discriminação de tratamento. E assim sendo, a ilegalidade do acto tributário impugnado radica no facto de ter abrangido a totalidade das mais-valias e não apenas 50% do valor apurado como ocorre com os actos tributários em que sejam sujeitos passivos contribuintes residentes. E foi com esse propósito e fundamento que a Recorrente impugnou o acto tributário. Não se nos afigura assim correcto concluir que “a ilegalidade é total”, uma vez que a desconformidade é apenas parcial. E afectando apenas em parte o acto tributário há apenas que determinar a anulação dessa parte, tal como se decidiu na sentença recorrida.»
1 . A…………….., nascida em 2/9/1976, natural de ………. - República Federal da Alemanha, residente em Dr. ………., ………… República Federal da Alemanha, com o NIF ……….., tem como representante fiscal B…………. (cf. cópia do Bilhete de identidade constante de fls. 41 dos autos em suporte de papel e print do sistema de gestão e registo dos contribuintes constante do PEF). 2 . Em 31/7/2002, no Consulado Geral de Portugal em Düsseldorf, A…………., natural de ………… - República Federal da Alemanha, residente em ……….., República Federal da Alemanha, constituiu seu procurador C………….., residente na Rua …………., a quem conferiu os poderes “(...) para vender pelo preço e condições que entender, o terreno rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de ……….., concelho de ………… (...)” (cf. cópia da procuração a fls. 38 dos autos em suporte de papel). 3 . Em 28/1/2005, no Consulado Geral de Portugal em Düsseldorf, A…………., natural de ……….. - República Federal da Alemanha, residente em ………., República Federal da Alemanha, constituiu seu procurador C…………., em …….., a quem conferiu os poderes “(…) para assinar contratos de promessa de compra e venda e venda do prédio urbano, fracção autónoma designada pela letra / destinado a habitação T- um, situado em …………., ou ……….., freguesia e concelho de ………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º 6471 e matriz predial urbana da freguesia de ………… sob o nº 12345 (...)” (cf. Procuração a fls. 39 e 40 dos autos em suporte de papel). 4 . Em 12/3/2007, no cartório notarial sito em Alverca do Ribatejo foi celebrada a escritura de compra e venda constante de fls. 43 a 47 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, através da qual D…………….. na qualidade de procurador de E………… e A……………… vendeu pelo preço de EUR 100.000, a fracção autónoma designada pela letra I, correspondente ao 1º andar, apartamento n.º 8 destinado a habitação T-um, situado em ……….., ou …………., freguesia e concelho de ……….., lote catorze descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º 6471 e matriz predial urbana da freguesia de ………… sob o nº 12345. 5 . Em 11/11/2009 foi emitida a liquidação de IRS constante de fls. 7 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido em nome da impugnante no valor de EUR 8.163,21 relativo única e exclusivamente a rendimentos decorrentes de mais-valias derivadas da venda do imóvel descrita em 4 ao que acresce o valor de EUR 254,96 relativo a juros compensatórios, com data limite de pagamento de 23/12/2009. 6 . Em 17/12/2009 a impugnante procedeu ao pagamento da liquidação impugnada (print a fls. 1 do PAT). 7 . Em 22/1/2010, a presente impugnação deu entrada no TAF de Leiria (cf. carimbo a fls.1 dos autos em suporte de papel).
Deste modo, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.». Assim, o critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. Ora, a norma julgada incompatível com o direito comunitário pelo então Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias por Acórdão de 26 de Outubro de 2006 (processo C-345/05) foi a do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, porquanto prevê uma limitação da tributação a 50% das mais valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56. CE (cfr. o n.º 40 do referido Acórdão), norma esta que, em violação do direito comunitário, da jurisprudência do Tribunal de Justiça e da deste Supremo Tribunal que se lhe seguiu, a Administração tributária desconsiderou na liquidação efectuada aos ora recorrentes - tributando em 100% a mais-valia imobiliária realizada - e que, por isso mesmo, feriu de ilegalidade o acto de liquidação, na medida do excesso julgado incompatível com o direito comunitário. É que, no caso dos autos, a matéria colectável é constituída exclusivamente pela mais-valia imobiliária e a taxa aplicável é fixa (25%), daí que a anulação parcial da liquidação consubstancia-se numa operação meramente aritmética de subtracção à base tributável de 50% da mais-valia apurada. Como bem se consignou na sentença recorrida, a ilegalidade do acto tributário de liquidação efectuado aos Impugnantes respeita exclusivamente à não aplicação aos Impugnantes da limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, por aqueles serem sujeitos passivos não residentes em território nacional, e assim sendo, encontrando-se restringida àquele ponto a ilegalidade do acto de liquidação, a decisão a proferir nos presentes autos não pode ir além da que deriva da desconsideração do disposto no artigo 43º, nº 2 do CIRS na parte em que limita aos residentes a consideração apenas de 50% do saldo das mais-valias.». Por conseguinte, em situação similar, como é a dos presentes autos, bem andou o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” ao proceder à anulação da liquidação impugnada apenas na parte que excede a tributação de 50% das mais-valias obtidas. Deve, de resto, observar-se que também não assiste razão à Recorrente quando afirma, designadamente nas conclusões G., H., M. e N., das alegações do recurso, que ao ordenar que a Administração Tributária procedesse à emissão de liquidação reduzida a 50% do valor que liquidara, o tribunal recorrido está a invadir a área de actuação da competência da Administração Tributária, mormente no que toca à decisão de proceder, ou não, à liquidação de tributos. É que, ao anular parcialmente a liquidação nos termos que definiu, o tribunal a quo deixou incólume a parte da liquidação que respeita à tributação de 50% das mais-valias, que, por conseguinte, produz todos os seus efeitos de per si. O que quer dizer que a Administração Tributária não tem que tomar qualquer nova decisão quanto a liquidar, ou não, o tributo, mas terá, naturalmente, de proceder ao acerto de contas a que alude a parte final da vertente decisória da sentença. E é neste contexto que se insere aquela injunção. Resta, pois, concluir que a sentença recorrida não padece dos vícios de que é acusada e, ao anular a liquidação apenas na parte que excede a tributação de 50% das mais-valias apuradas, julgou como é de direito, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica. |