Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0589/15.0BELSB
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
RECURSO SUBORDINADO
AMPLIAÇÃO
ÂMBITO DO RECURSO
REPORTE DE PREJUÍZOS
IRC
Sumário:I - O recurso subordinado pode ser interposto pela parte vencida quanto às questões em que a decisão lhe foi desfavorável e, com exceção dos casos em que o recurso principal não venha a ser julgado por vicissitudes formais, a apreciação do recurso subordinado é obrigatória para o tribunal de recurso;
II - A ampliação do âmbito do recurso visa permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos que foram por si invocados na ação e julgados improcedentes, mas apenas se o recurso interposto, sem essa apreciação, for de procedência.
III - A decisão da AT de arquivamento do pedido reporte de prejuízos (n.º 8 do artigo 52.º do Código do IRC), mas com a ressalva de poder ser reaberto no caso da procedência das impugnações judiciais em que se discute os montantes dos prejuízos objeto daquele pedido, acaba na prática por corresponder a uma suspensão do procedimento, apenas dela se distinguindo pelo facto de no caso de improcedência das impugnações a decisão quanto ao pedido estar já tomada.
Nº Convencional:JSTA000P28664
Nº do Documento:SA2202112090589/15
Data de Entrada:11/25/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A………. - COMUNICAÇÕES, S.A., interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a ação administrativa especial tendente à anulação do despacho proferido pela Diretora de Serviços da Direção dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) da Direção-Geral dos Impostos do Ministério das Finanças, mediante o qual foi indeferido o pedido de dedução dos prejuízos fiscais, que formulou ao abrigo do disposto no artigo 52.º, n.º 9, do Código do IRC, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
1. Ao considerar o pedido “vazio” de objeto e, consequentemente, ao arquivá-lo, a AT violou os princípios do acesso à justiça tributária (previstos nos artigos 9º e 95º da Lei Geral Tributária – LGT) e da tutela jurisdicional efetiva (plasmado, em primeiríssima instância, no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, e também naquele artigo 9.º da LGT).

2. Com efeito, resulta dos princípios aludidos que a reação processual judicial perante um ato tributário deverá inevitavelmente conter o efeito útil de o contribuinte lograr impedir a efetivação na sua esfera jurídica desse ato, bem como de qualquer outro dele resultante, enquanto se processar o meio de reação espoletado, sob pena de se perder essa discricionariedade na esfera da entidade cuja esfera patrimonial é por ele afetado.

3. Assim, na verdade, a lei oferece ao sujeito passivo prerrogativas formais com vista à materialização de um seu direito, prerrogativas estas que se esgotam num determinado prazo, findo o qual fica precludido o exercício do direito de requerer. Não havendo neste momento qualquer decisão definitiva sobre as impugnações judiciais apresentadas, e, nesta medida, sobre se estão ou não disponíveis os prejuízos fiscais cuja transmissão vem solicitada, nunca à AUTORA poderá ser recusada a apreciação do pedido de transmissão dos prejuízos fiscais – independentemente daquela questão –, desde logo porque não está consagrada na lei um outro momento/expediente para a verificação deste desiderato.

4. É certo que o artigo 100.º da LGT obriga a AT à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto de um litígio, em caso de procedência de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do contribuinte, mas essa reconstituição implica, neste caso, a reposição dos prejuízos fiscais na esfera do sujeito passivo que neles incorreu e já não, certamente, a sua transmissibilidade nos termos que vêm requeridos, até porque, para todos os efeitos, esta não foi autorizada.

5. É que, por um lado, apesar daquela obrigação de imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto de um litígio, tal não implica que, reconhecida a existência dos prejuízos fiscais, a AT se obrigue a autorizar a sua transmissão, sem que para tal esteja pendente um procedimento administrativo próprio, no âmbito do qual deva ser feita uma específica invocação e demonstração de pressupostos e uma própria apreciação de legalidade por parte das autoridades administrativas.

6. Com efeito, a tese defendida pelo Tribunal recorrido – de que, caso as ações sejam procedentes, a AT fica obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade – apenas produz, no presente caso, o efeito por si pretendido na medida em que se acredite que a AT praticou um ato administrativo de aceitação da transmissão dos referidos prejuízos fiscais e que o mesmo não poderá vir a ser posto em causa no momento em que seja confirmada a efetiva subsistência dos referidos prejuízos fiscais.

7. Mas não é isso realmente o que se passa. Os Réus abstiveram-se de conhecer o pedido, invocando – erradamente – a consolidação na esfera jurídica da sociedade incorporada pela AUTORA daquelas correções, e, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo (que, como vimos, perentoriamente assume que o direito de deduzir prejuízos fiscais a que se arroga a Impugnante foi reconhecido pela AT), nunca assumiram o compromisso de vir a aceitar – ou se pronunciam sobre a aceitação – a transmissão dos prejuízos da sociedade incorporada para a AUTORA no pressuposto de vir a ser judicialmente declarada a sua ilegalidade, limitando-se a determinar o arquivamento do procedimento iniciado com vista a garantir a referida transmissibilidade (por alegadamente não existirem prejuízos fiscais disponíveis para aquela transmissão).

8. Significa isto que, caso venha a revelar-se impróprio o invocado consumo dos prejuízos fiscais na esfera da sociedade incorporada, não está autorizada a sua transmissão para esfera da AUTORA, estando esta já nesse momento impossibilitada de o solicitar nos termos legais: o efeito retroativo da anulação do atos tributários de liquidação, referentes aos exercícios supra identificados – desaparecimento da ordem jurídica, como se nunca tivesse existido e sem deixar quaisquer marcas ou rasto, em consequência do que vier a ser decretado pelo Tribunal – determinará, como é bom de ver, a reposição dos prejuízos fiscais, mas não necessariamente a sua transmissão, uma vez que esta está dependente de um ato administrativo autónomo de autorização, que, quando oportunamente requerido, não foi praticado.

9. Caso o Tribunal entendesse que não seria de determinar a ilegalidade do despacho de arquivamento objeto da presente ação, por justamente não existir ainda uma decisão definitiva no domínio das ações de impugnação dos atos de liquidação relativos àquelas correções, seria, pelo menos, expetável que ordenasse a suspensão da instância até decisão transitada em julgado dos processos de impugnação judicial em crise, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 276º e no n.º 1 do artigo 279º, ambos do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea e) do artigo 2º do CPPT. O reconhecimento da legalidade do despacho de arquivamento ou indeferimento do pedido de autorização para transmissão dos prejuízos fiscais depende, sem margens para dúvidas, da questão de saber se os prejuízos estão ou não disponíveis para serem transmitidos, algo a que será dada resposta definitiva nas ações de impugnação pendentes.

TERMOS EM QUE, COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE SER ADMITIDO E JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS SUPRA DESCRITOS, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE INTEGRALMENTE PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
«A) A sentença, a fls…, ao ter julgado improcedente a acção e ao ter considerado manter na ordem jurídica o despacho de indeferimento, por arquivamento, do pedido de dedução de prejuízos fiscais e, bem assim, ao julgar improcedente o pedido de suspensão por falta de causa prejudicial, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, deve ser mantida.
B) A matéria de facto dada como provada pela sentença ora recorrida não foi impugnada pela ora recorrente, pelo que, há que concluir que esta se conformou com a mesma e que o presente recurso se restringe a matéria de direito.
C) Como resulta da matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida, a AT, entendeu indeferir liminarmente o pedido da ora recorrente, arquivando-o por ter constatado que, fruto das correcções efectuadas pela AT aos resultados fiscais declarados e apurados pelo sujeito passivo, o valor dos prejuízos fiscais que foram objecto do pedido, foram consumidos na íntegra no período de 2011, donde, para a AT, resulta da matéria de facto dada como provada, não existem prejuízos susceptíveis de autorização para dedução, na esfera individual da requerente, para os períodos futuros.
D) Por outro lado, como também resulta da matéria de facto dada como provada, no requerimento que a ora recorrente apresentou, esta pedia a autorização para deduzir os prejuízos, nos termos do nº 1 do art. 52º do CIRC, apenas quanto aos prejuízos declarados em 2009.
E) Ora o que se passou e que a sentença recorrida, e bem, considerou foi que, efectivamente, a AT considerou o montante de prejuízos a deduzir conforme, não aquilo que a ora recorrente tinha pedido, mas aqueles que resultaram de correcções efectuadas pela AT (que diminuíram substancialmente aquele montante de prejuízos cuja dedução foi pedida).
F) Neste sentido considerou, e bem, a sentença recorrida que tendo a liquidação referente a tal correcção sido impugnada e sendo os actos tributários definitivos quanto à fixação dos direitos dos contribuintes, sem prejuízo da sua eventual revisão ou impugnação nos termos da lei, a correcção da decisão da AT de incluir o valor dos prejuízos fiscais de 2009 na liquidação de 2011 será feita com a decisão das impugnações acima descritas.
G) De facto, estando pendentes impugnações judiciais contra liquidações que reflectem as correcções efectuadas pela AT, designadamente ao nível do montante dos prejuízos fiscais como é o caso da de 2009, daí resultam duas conclusões: 1) que a decisão da AT de arquivamento está correcta porque a então A. não tinha prejuízos a deduzir 2) que caso as decisões das impugnações judiciais venham a implicar uma alteração daquelas correcções acrescendo mais prejuízos, a AT vai ter que retirar daí as devidas consequências a nível do seu dever de execução de julgado.
H) Daí que a ora recorrente não tenha qualquer razão devendo a sentença recorrida manter-se quando decide pela manutenção da decisão de indeferimento da AT, porquanto, inquestionavelmente, o Tribunal não podia deixar de considerar correcta, naquele momento, a posição da AT de que não havia prejuízos a deduzir e de que só uma decisão da impugnação judicial iria, eventualmente, alterar essa circunstância. Contudo, caso essa decisão implicasse um aumento dos prejuízos fiscais a transmitir caberia à AT acatar e executar tal decisão.
I) Como se refere na sentença recorrida: “Assim, os montantes respeitantes aos prejuízos fiscais relativos ao exercício de 2009, existentes na esfera jurídica da Impugnante, foram consumidos na liquidação adicional do exercício de 2011, deixando de existir prejuízos fiscais a deduzir. Sendo os atos tributários definitivos quanto à fixação dos direitos dos contribuintes, sem prejuízo da sua eventual revisão ou impugnação nos termos da lei, a correção da decisão da AT de incluir o valor dos prejuízos fiscais de 2009 na liquidação de 2011 será feita com a decisão das impugnações acima descritas.”
J) E diga-se, aliás, que a então A. nunca foi capaz de aduzir argumentos para defender que a decisão da AT não correspondia a um correcto enquadramento dos factos e sua subsunção no direito.
K) Não há, aqui, qualquer violação do direito de acesso à justiça, uma vez que a ora recorrente não só apresentou pedido de autorização de dedução de prejuízos fiscais, mas também apresentou impugnação judicial contra as liquidações que refuta de ilegais.
L) E nem violação da tutela jurisdicional efectiva, dado que a AT não se recusou a apreciar o pedido efectuado pela B…………. De facto, este foi analisado pela AT o que aconteceu é que tendo em conta os elementos apurados e decorrentes das correcções efectuadas pela AT se entendeu que o mesmo seria de arquivar por não haver prejuízos fiscais susceptíveis de serem deduzidos.
M) E isso já corresponde a um enquadramento dos factos feito, à luz da lei, pela AT e com o qual a então A. pode, ou não, concordar.
N) Depois também não tem a ora recorrente qualquer razão quando alega que a sentença recorrida deveria ter considerado a existência de causa prejudicial.
O) É que, como o refere, e bem, a sentença recorrida: “vem controvertida a decisão de indeferimento do pedido de dedução de prejuízos fiscais, enquanto que nas liquidações impugnadas e já aqui referenciadas se discute a legalidade das correções efetuadas pelos serviços da AT. Todavia, uma vez que naquelas liquidações, nomeadamente na relativa ao exercício de 2011, foram integralmente deduzidos os prejuízos fiscais referenciados no requerimento da Impugnante que foi indeferido, a sorte daquela ação irá contender integralmente com o propósito desta. Dito de outra forma, se aquela ação proceder a AT fica obrigada a repor a situação que existiria através da dedução dos prejuízos nos termos propostos pela Impugnante ficando esgotado o pedido ora efetuado. E se improceder, a Impugnante deixa de poder deduzir os prejuízos, visto que os não há. Atendendo ao exposto, não existe qualquer questão a decidir na ação de impugnação cujo resultado determine um resultado diferente da presente ação, não existindo, por isso, causa prejudicial determinadora da suspensão desta instância.” (o realce é da nossa responsabilidade).
P) Pelo que, também quanto a este segmento decisório deve ser mantida a sentença recorrida.
Pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:
À cautela e, atendendo ao facto do valor do recurso ser superior a €275.000,00, requer-se que o Tribunal se pronuncie e decida, a final, pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendendo a que se pede ao Tribunal que analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, cfr. art. 6º nº 7 do RCP.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exa deve ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente e, em consequência, deve ser mantido a sentença recorrida.»

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da interposição de recurso pela A………….. Comunicações, S.A., veio interpor recurso subordinado, nos termos do artigo 633.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) e n.º 5 do artigo 142.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a exceção da inimpugnabilidade do ato, bem como na parte em que fixou o valor da causa, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
“A) Considerou o saneador, a fls…que não se verificava a excepção da inimpugnabilidade do acto.
B) Ao assim decidir o referido saneador fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, donde não deve ser mantido.
C) Efectivamente, cfr. resulta do ofício nº 17575, de 11/12/14, doc. 1 junto pela ora recorrida e facto dado como provado na sentença, a fls.: «Relativamente ao assunto em referência, informa-se que por Despacho do Diretor-Geral, datado de 21-11-2014, foi sancionado o seguinte entendimento: 1. No caso em apreciação, apenas estariam sujeitos à aplicação da limitação prevista no n.º 8 do artigo 52º do Código do IRC, os prejuízos apurados em 2009 (€ 21.041.742,90, depois das correções efetuadas pelos serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes), visto que nos períodos seguintes a requerente passou a ser tributada no âmbito do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) e, para além disso, não apurou sequer prejuízos desde 2011 [...] 3. Contudo, dado que a consulente absorveu na totalidade os prejuízos passíveis de reporte, no período de 2011 (período em que voltou a integrar o Grupo e a ser tributada no âmbito do RETGS, período esse que é anterior ao da realização da operação que veio a determinar a alteração da titularidade do seu capitai social, isto é, 27-08-2013), constata-se que não existem prejuízos suscetíveis de autorização para dedução, na sua esfera individual, para períodos futuros, pelo que o presente pedido carece de objeto 4. Por consequência, procede-se ao arquivamento do pedido, sem prejuízo da sua posterior reabertura, caso tal se venha a justificar, designadamente em consequência de anulação das correções promovidas pelos Serviços de Inspeção Tributária [...]»
D) Donde, atento o conteúdo decisório ora citado, não se vislumbra que o mesmo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos da então A.
E) Contrariamente ao que o saneador decidiu, não houve denegação da pretensão imediata da A. uma vez que esta nunca pretendeu obter a transmissibilidade imediata dos prejuízos, mas apenas que lhe fosse reconhecido um direito a essa transmissão, uma vez que obtivesse ganho de causa nas impugnações judiciais interpostas contra as liquidações que lhe “retiraram” os prejuízos a transmitir.
F) A decisão da AT ora impugnada não se limitou, apenas, a arquivar o pedido da então A. Arquivou tal procedimento porque naquele momento não havia prejuízos a transmitir- facto com o qual a mesma A. concorda- e fê-lo, sem prejuízo da sua posterior reabertura, caso tal se venha a justificar, designadamente em consequência de anulação das correções promovidas pelos Serviços de Inspeção Tributária.
G) Ora, subjacente a tal decisão está necessariamente um juízo de falta de lesividade actual e potencial i.e., no momento de apresentação do requerimento não há prejuízos a transmitir – facto assente por acordo -, pelo que só com a decisão final das impugnações judiciais pode a ora recorrida ter prejuízos a transmitir e ai caberá à AT proceder à plena execução do julgado, pelo que, nunca o acto terá potencialidade para ferir os interesses legalmente protegidos da ora recorrida.
H) O que acabou até por ser admitido na sentença prolatada nos autos que considerou que a decisão da AT de arquivar o procedimento nos termos descritos não enfermava de qualquer ilegalidade.
I) Termos pelos quais, nunca se pode considerar que a pretensão da então A. foi recusada pela AT, como o fez o saneador a fls…
J) Na verdade, mais uma vez se diga e isso até veio a ser admitido implicitamente na sentença a fls…, o acto impugnado não tem um efeito externo, no sentido de lesivo, na esfera da então A.
K) Donde, deveria o saneador a fls…, desde logo, ter absolvida a AT então R. e ora recorrente da instância., nos termos do disposto na alínea i) do nº 4 do art. 89º do CPTA.
L) Ao não o ter feito o mesmo fez uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 51º nº 1 do CPTA.
M) Por outro lado, entendeu o saneador, a fls…fixar como valor da causa o montante que considerou ser o equivalente ao benefício que a ora recorrida pretende obter pela procedência da acção, que, no caso vertente, é de €29.563.904,92.
N) Ora, salvo o devido respeito não se concorda com o assim decidido.
O) Efectivamente, o acto que vem impugnado pela então A. é um acto de mero arquivamento de um pedido que foi feito pela então A. como que sob condição. De facto, a então A. apenas pretende que a AT lhe reconheça um eventual direito a deduzir prejuízos caso venha a obter ganho de causa na impugnação que interpôs quanto à liquidação que não reconhece que a mesma A. tem esses prejuízos.
P) Assim sendo, continuamos a dizer, não está em causa processo em que o seu valor seja determinável, logo, nos termos do art. 34° do mesmo CPTA, o valor da acção deve ser considerado superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, pelo que, atendendo à data da interposição da acção, deve ser corrigido para 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo).
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao recurso subordinado interposto pela R. e ora recorrente, devendo o saneador recorrido ser revogado e ser substituído por Acórdão que julgue procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto, bem como, que fixe à acção valor indeterminado, com todas as legais consequências.”


1.4. A……….. COMUNICAÇÕES, S.A. notificada do recurso subordinado interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou as suas contra-alegações concluindo na seguinte forma:
«A. O presente recurso subordinado vem interposto em face daqueloutro interposto pela A………… sobre a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 22.06.2020, que julgou a acção totalmente improcedente, mantendo na ordem jurídica o despacho de indeferimento do pedido de dedução de prejuízos fiscais e, bem assim, negando procedência ao pedido de suspensão da instância por causa prejudicial.
B. Em face deste recurso interposto pela A………. e não obstante a improcedência total da acção, veio, entretanto, a AT interpor recurso subordinado daquela sentença (mais concretamente do despacho saneador cujo conteúdo vem ali reiterado), fazendo incidir as suas alegações apenas sobre dois pontos em concreto: por um lado, a questão da alegada inimpugnabilidade do acto, que o tribunal refutou em toda a linha e, por outro lado, a redefinição do valor da causa feita pelo Tribunal.
C. Defende a AT, nos termos vertidos nas suas alegações de recurso, que «…não se vislumbra que o mesmo [o despacho impugnado] seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos da então A [a A……….].».
D. Alega a AT que o acto impugnado «…não é um acto potencialmente lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos da ora recorrida.», pelo que, reconhecendo a excepção de inimpugnabilidade do acto, deveria o despacho saneador «…ter absolvido a AT então R. e ora recorrente da instância…», e que ao não o ter feito «…o mesmo fez uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 51º nº 1 do CPTA.».
E. O n.º 1 do art.º 51.º, do CPTA estatui o princípio geral da impugnabilidade dos atos administrativos com eficácia externa, especialmente daqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
F. Como sustenta o Tribunal, e bem, no entendimento da A………, «…analisado o despacho cuja anulação se requer (…) verifica-se que do mesmo resulta a denegação da pretensão da autora [a A………..], já que esta pretendia a transmissão imediata dos prejuízos fiscais, sendo, por isso, manifesta a produção de efeitos externos, com conteúdo lesivo, na sua esfera jurídica, pelo que se mostram reunidos os requisitos de impugnabilidade do acto.».
POSTO ISTO,
G. Não procede, também, o alegado erro de julgamento invocado pela AT.
H. Bem andou o Tribunal a quo ao concluir não se verificar a excepção suscitada.
TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

1.5. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos termos que se transcreve:
(…)
“.A questão que vem suscitada pela Recorrente consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento, por ter dado como válida a decisão da ATA sobre o pedido de autorização de transmissão de prejuízos.
Se bem entendemos as alegações da Recorrente, as razões da sua contestação à sentença radicam no facto de no seu entendimento, ao dar como prejudicado o conhecimento do seu pedido de autorização de transmissão de prejuízos, a ATA ter afetado de forma irremediável esse seu direito, por o mesmo não poder ser exercido posteriormente, caso obtenha vencimento nas ações de impugnação judicial das liquidações de IRC, emitidas na sequência das correções efetuadas pela ATA.
Ora, da fundamentação constante da decisão da ATA não resulta que o pedido de autorização de reporte de prejuízos tenha sido indeferido, mas sim que em face das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção, a ATA considerou que não havia prejuízos a reportar nos períodos seguintes, por os mesmos terem sido totalmente “consumidos” no exercício de 2011. Mais resulta que a ATA considerou igualmente a possibilidade de reconsiderar tal facto, caso as correções realizadas venham a ser anuladas em tribunal.
Assim sendo, sufraga-se o entendimento vertido na sentença recorrida no sentido de que “o direito a deduzir os prejuízos fiscais a que se arroga a impugnante foi reconhecido pela AT”, pelo que o exercício desse direito, caso a Recorrente obtenha vencimento, não ficará prejudicado.
Na verdade, o indeferimento do pedido assenta apenas no facto de, em razão das correções realizadas pelos Serviços de Inspeção, a dedução do valor dos prejuízos apurados ter sido integralmente feita, tendo a ATA ressalvado a possibilidade de reabrir o procedimento caso aquelas correções sejam anuladas.
Não estamos, assim, perante uma decisão administrativa que inviabilize o exercício daquele direito e que fique consolidada na ordem jurídica, de forma a precludir o exercício do direito á dedução dos prejuízos.
Por outro lado e como igualmente se entendeu na sentença recorrida, não há fundamento para a suspensão da instância, uma vez que a apreciação da pretensão da impugnante e aqui Recorrente não depende do resultado das impugnações judiciais das liquidações de IRC, e por outro lado a Recorrente sempre terá a possibilidade de reverter aquela decisão administrativa.
Em face do exposto, afigura-se-nos que a sentença recorrida não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso.»

2. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto:
«1) Em 12-12-2006, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação das liquidações de IRC n.º 2006 8910037262 relativa ao exercício de 2002, n.º 2006 8910037298 relativa ao exercício de 2003 e n.º 2006 8910037063 relativa ao exercício de 2004 a correr termos com o n.º 3156/06.5BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
2) Em 01-10-2008, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação da liquidação de IRC n.º 2007 8500017087 relativa ao exercício de 2005 a correr termos com o n.º 2113/08.1BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
3) Em 16-12-2008, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação da liquidação de IRC n.º 2008 8500035839 relativa ao exercício de 2006 a correr termos com o n.º 2727/08.0BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
4) Em 09-03-2009, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação da liquidação de IRC n.º 2009 8310000164 relativa ao exercício de 2005 a correr termos com o n.º 635/09.6BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
5) Em 16-03-2009, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação da liquidação de IRC n.º 2009 8310000212 relativa ao exercício de 2006 a correr termos com o n.º 700/09.0BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
6) Em 22-03-2010, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação da liquidação de IRC n.º 2009 8310030562 relativa ao exercício de 2007 a correr termos com o n.º 808/10.9BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
7) Em 23-03-2010, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação da liquidação de IRC n.º 2009 8310030566 relativa ao exercício de 2007 a correr termos com o n.º 815/10.1BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
8) Em 19-07-2011, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação da liquidação de IRC n.º 2011 8510002223 relativa ao exercício de 2008 a correr termos com o n.º 2303/11.0BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
9) Em 08-05-2012, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação da liquidação de IRC n.º 2011 8310077199 relativa ao exercício de 2009 a correr termos com o n.º 1199/12.9BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
10) Em 25-10-2013, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação da liquidação de IRC n.º 2013 8310000299 relativa ao exercício de 2010 a correr termos com o n.º 2543/13.7BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
11) Em 08-02-2013, deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista solicitar a dedução de prejuízos fiscais do exercício de 2009 no valor de € 41.669.666,40 (cf. Doc. 2 junto à PI a págs. fls. 5 a 35 do ficheiro a fls. 20 a 78 do SITAF);
12) Em 23-12-2013, os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante a informação n.º 37-INDN/2013 com assunto “Dedução de prejuízos fiscais – Pedido de autorização – art. 52. N.º 9 do CIRC”, da qual se extrai, designadamente, o seguinte:
«[...] Conforme consta do requerimento [...] o sujeito passivo requereu, no dia 24-01- 2013, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 9 do art. 52.º do Código do IRC, que fosse autorizada a dedução até ao fim do período referido no n.º 1 do art. 52.º do CIRC dos prejuízos fiscais, experimentados no exercício de 2009, no valor global de € 41.669.666,40.
Assim, no que respeita aos prejuízos experimentados no exercício de 2009, verifica-se que:
i) O sujeito passivo declarou no exercício de 2009 um prejuízo fiscal de € 41.669.666,40, conforme o valor evidenciado no campo 301 da declaração de rendimentos modelo 22 número 1805-2011-C3975-12 apresentada no dia 2011-12-05;
ii) Para o mesmo período de imposto (2009), o valor do prejuízo fiscal declarado foi corrigido para € 21.041.742,90 conforme consta do documento de correcção único número 1805- 2011-D0091-12 emitido no dia 2011-12-23 e que deu origem à nota de liquidação com o número 2011-8-31-0077199.
Refira-se ainda que, no quadro da ação inspetiva de âmbito geral, período de imposto 2011, determinada pela ordem de serviço número OI201300119, emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes, e concluída nessa data, foi elaborado mapa de controlo dos prejuízos fiscais, preparado na ótica do sujeito passivo e na ótica da administração tributária que se juntam em anexo.»
(cf. informação a fls. 35 a 49 do PA apenso aos autos);

13) Em 10-11-2014, os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante a informação n.º 2184/2014 com assunto “Dedução de prejuízos fiscais”, da qual se retira, nomeadamente, o seguinte:
«[...] 10. Pelo que, afastando-se o cenário da existência/aproveitamento de quaisquer vantagens fiscais por parta da requerente, parece-nos que estão reunidas as condições para se propor o deferimento do pedido de dedução de prejuízos, não devendo ser aplicada a limitação prevista no n.º 8 do artigo 52.º do Código do IRC.
11. No entanto, e face à necessidade em solicitar a validação do valor dos prejuízos fiscais acumulados pela requerente (superiores a um milhão de euros) junto dos serviços de inspeção da UGC, foi mais tarde possível confirmar, em consonância com o informado por aqueles serviços, os seguintes considerandos:
No relatório elaborado por aquele órgão de inspeção consta que, relativamente ao período de 2009, os prejuízos declarados estão incorretos dado que, na sequência de uma ação de inspeção foi corrigido o montante dos prejuízos fiscais [...] pelo que, naquele ano, os prejuízos fiscais reportáveis ascendem a € 21.041.742,90.
De acordo como Mapa de Controlo de Prejuízos anexo à Informação n.º 37-INDN/2013, da UGC [...] foram efetuadas as seguintes correções [...]
Refira-se ainda que o saldo dos prejuízos fiscais que transitou para o período de tributação de 2011, face às correções operadas, foi de [...] total 36.078.734,32.
Assim, atendendo às correções efetuadas aos resultados fiscais declarados e apurados pela requerente, constata-se que o valor dos prejuízos fiscais objeto do pedido (o qual foi retificado e diminuído pelos serviços da UGC) foi consumido na integra no período de 2011 – neste período o resultado fiscal passou para € 56.467.758,11, tendo a requerente deduzido a totalidade dos prejuízos em reporte (€ 36.078.734,32) e ainda apurado matéria colectável de € 19.602.268,03.
Pelo que se pode concluir que, os prejuízos fiscais a transitar para os períodos seguintes, que possam ser objeto da não aplicação da limitação prevista no n.º 8 do artigo 52.º do CIRC, nos termos do n.º 9 do mesmo artigo (na sua redação anterior), são nulos. [...]
IV – Conclusão
No caso em apreciação, apenas estariam sujeitos à aplicação da limitação prevista no n.º 8 do artigo 52.º do Código do IRC, os prejuízos fiscais apurados em 2009 (€21.041.742,90), depois das correções efetuadas pelos serviços de IT da UGC, visto que nos períodos seguintes a requerente passou a ser tributada no âmbito do RETGS (e, para além disso, não apurou sequer prejuízos desde 2011). [...]
Contudo, dado que a consulente absorveu na totalidade os prejuízos passíveis de reporte, no período de 2011 (período em que voltou a integrar o grupo e a ser tributada no âmbito do RETGS, período esse que é anterior ao da realização da operação que veio a determinar a alteração da titularidade do seu capital social, isto é, 2013.08.27), constata-se que não existem prejuízos suscetíveis de autorização para dedução, na sua esfera individual, para os períodos futuros, pelo que o presente pedido carece de objeto devendo ser informada a requerente de que o mesmo será arquivado.»
(cf. informação a fls. 5 a 9 do PA apenso aos autos);
14) Em 21-11-2014, o Diretor-Geral da AT proferiu despacho do qual se extrai concordar com a informação descrita em 13) (cf. despacho a fls. 5 do PA apenso aos autos);
15) Em 11-12-2014, a Diretora de Serviços de IRC emitiu em nome da Impugnante o ofício n.º 17575, com assunto “Dedução de prejuízos fiscais – Pedido de autorização – Artigo 52.º do CIRC”, do qual se retira, por extrato, o seguinte:
«Relativamente ao assunto em referência, informa-se que por Despacho do Diretor-Geral, datado de 21-11-2014, foi sancionado o seguinte entendimento:
1. No caso em apreciação, apenas estariam sujeitos à aplicação da limitação prevista no n.º 8 do artigo 52º do Código do IRC, os prejuízos apurados em 2009 (€ 21.041.742,90, depois das correções efetuadas pelos serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes), visto que nos períodos seguintes a requerente passou a ser tributada no âmbito do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) e, para além disso, não apurou sequer prejuízos desde 2011 [...]
3. Contudo, dado que a consulente absorveu na totalidade os prejuízos passíveis de reporte, no período de 2011 (período em que voltou a integrar o Grupo e a ser tributada no âmbito do RETGS, período esse que é anterior ao da realização da operação que veio a determinar a alteração da titularidade do seu capitai social, isto é, 27-08-2013), constata-se que não existem prejuízos suscetíveis de autorização para dedução, na sua esfera individual, para períodos futuros, pelo que o presente pedido carece de objeto
4. Por consequência, procede-se ao arquivamento do pedido, sem prejuízo da sua posterior reabertura, caso tal se venha a justificar, designadamente em consequência de anulação das correções promovidas pelos Serviços de Inspeção Tributária [...]»
(cf. Doc. 1 junto à PI a págs. fls. 2 e 3 do ficheiro a fls. 20 a 78 do SITAF);
16) Em 16-02-2015, deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em nome da Impugnante, os autos de impugnação da liquidação de IRC n.º 2014 8310033690 relativa ao exercício de 2011 a correr termos com o n.º 555/15.5BEPRT (facto que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções);
17) Em 09-03-2015, deram entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa os presentes autos (cf. registo do SITAF).»

3. Fundamentação de direito
3.1. A Administração Tributária e Aduaneira (AT) interpôs recurso subordinado, invocando o disposto nos artigos 633.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 142.º, n.º 5, do CPTA, do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a exceção de inimpugnabilidade do ato sindicado nos autos, bem como na parte em que fixou o valor da causa.
Vejamos o que dispõe cada uma das normas invocadas:

Artigo 633.º do CPC:
1 - Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.
2 - O prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária.

Artigo 142.º do CPTA:
5 - As decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil.
Tendo em conta o que dispõe a lei, o recurso subordinado interposto pela AT não é processualmente admissível.
Por um lado, o recurso do despacho saneador, como despacho interlocutório que é, teria de ser interposto ao abrigo do n.º 5 do artigo 142.º do CPTA, isto é, no “recurso que venha a ser interposto da decisão final”. Ou seja, a parte que não se conformar com o decidido num despacho interlocutório apenas pode dele recorrer se recorrer da decisão final e aquando do recurso da decisão final, no mesmo requerimento de interposição de recurso. “O legislador terá optado, por razões de celeridade processual, pela interposição de um recurso único, em que o recorrente impugna, não apenas a decisão final desfavorável, como todas as decisões interlocutórias que, caso sejam revogadas ou alteradas pelo tribunal superior, poderão influenciar o resultado final” –, Mário Aroso de Almeida, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, 2007, Almedina, página 816.
Assim, ao abrigo deste normativo, a AT apenas poderia recorrer do despacho interlocutório, caso a decisão final lhe tivesse sido desfavorável e dela tivesse interposto recurso, o que não aconteceu.
Por outro lado, o recurso subordinado previsto no artigo 633.º do CPC está configurado para os casos em que uma mesma decisão é simultaneamente favorável e desfavorável a ambas as partes. É o que se retira da letra da lei: “Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável”. Ora, a decisão recorrida julgou improcedente na totalidade a ação administrativa especial, o que significa que foi inteiramente favorável à AT. Deste modo, não sendo a AT “parte vencida”, não tem legitimidade para interpor recurso subordinado quanto ao decidido no despacho saneador.
Na hipótese dos autos, em que a defesa assentou, além do mais, na inimpugnabilidade do ato, exceção que foi julgada improcedente em sede de despacho saneador, e em que a ação foi decidida favoravelmente à entidade que a arguiu, esta ficaria desprotegida se não pudesse agir no caso de interposição de recurso pela parte contrária contra a decisão final, uma vez que a ter provimento inverteria o resultado da ação. Neste caso, o meio de reação adequado ao despacho interlocutório desfavorável é a ampliação do âmbito do recurso previsto no artigo 636.º do CPC, que dispõe no seu n.º 1:
1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
O recurso subordinado e a ampliação do âmbito do recurso distinguem-se pelos seguintes esteios:
- O recurso subordinado pode ser interposto pela parte vencida quanto às questões em que a decisão lhe foi desfavorável e, com exceção dos casos em que o recurso principal não venha a ser julgado por vicissitudes formais, a apreciação do recurso subordinado é obrigatória para o tribunal de recurso;

- A ampliação do âmbito do recurso visa permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos que foram por si invocados na ação e julgados improcedentes, mas apenas se o recurso interposto, sem essa apreciação, for de procedência.

Assim, embora visem objetivos semelhantes, existe uma diferença entre o recurso subordinado e a ampliação do âmbito do recurso: no recurso subordinado, à exceção da ocorrência de uma das vicissitudes formais legalmente prevista, o tribunal de recurso tem sempre que apreciar o recurso subordinado, ao passo que a ampliação do âmbito do recurso só é apreciada se o recurso principal proceder.

Perante este enquadramento jurídico/processual coloca-se a questão da convolação do recurso subordinado, que não é admissível porque a parte que o interpôs não é “parte vencida”, em ampliação do âmbito do recurso, atenta a prevalência da justiça material sobre a formal. E não existindo obstáculos à mesma, até porque o recurso subordinado foi interposto na mesma data em que foram apresentadas pela recorrida as contra-alegações, haverá que operar tal convolação. Deste modo, as questões colocadas pela AT apenas serão conhecidas se o recurso interposto pela autora merecer provimento.

3.2. A A…………… Comunicações, S.A., interpôs da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida contra o despacho de 11/12/2014, proferido pela Diretora dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas da Autoridade Tributária e Aduaneira, que determinou o arquivamento do pedido de dedução de prejuízos fiscais do ano de 2009.
A AT decidiu arquivar o pedido, fundamentando que ele carecia de objeto, por «não existirem prejuízos susceptíveis de autorização para a dedução, na sua esfera individual, para períodos futuros», na medida em que «a consulente absorveu na totalidade os prejuízos passíveis de reporte, no período de 2011».
A Recorrente não se conformou com o decidido e interpôs a presente ação administrativa especial, na qual alegou que a legalidade das liquidações do IRC dos exercícios de 2002 a 2010 estão a ser discutidas em diversos processos a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que as correções de todos esses exercícios são ilegais, como as subsequentes correções aos prejuízos fiscais reportáveis também o são, que ao considerar que o pedido carecia de objeto a AT violou os princípios de acesso à justiça tributária e à tutela jurisdicional efetiva, que não havendo neste momento qualquer decisão definitiva sobre as impugnações apresentadas, nunca poderá ser vedada a apreciação do pedido de transmissão dos prejuízos fiscais.
O Tribunal recorrido julgou a ação improcedente, tendo considerado para o efeito que «uma vez que através das correções efetuadas a AT apurou que os prejuízos relativos a 2009 eram integralmente dedutíveis no exercício de 2011, esta operação teria sempre de ser realizada por força do princípio da legalidade (…) // Assim, os montantes respeitantes aos prejuízos fiscais relativos ao ano de 2009, existentes na esfera jurídica da Impugnante, foram consumidos na liquidação adicional do exercício de 2011, deixando de existir prejuízos fiscais a deduzir.».
No presente recurso a Recorrente põe em causa o julgamento feito pelo Tribunal recorrido, alegando, em síntese, que o arquivamento do seu pedido de autorização de transmissão de prejuízos, afeta irremediavelmente esse seu direito, por o mesmo não poder ser exercido posteriormente, caso obtenha vencimento nas ações de impugnação judicial das liquidações de IRC, emitidas na sequência das correções efetuadas pela AT.
Vejamos.
A situação que originou a alteração da titularidade do capital social (operação de fusão), e que está na base do pedido junto da AT, ocorreu em 2013, pelo que se aplica a lei vigente antes da entrada em vigor da reforma do IRC (lei n.º 02/2014, de 16/01).
De acordo com o n.º 8 do artigo 52.º do Código do IRC, na redação dada pela lei n.º 39-A/2005, de 29/07, a dedução dos prejuízos fiscais, prevista no n.º 1 (que dispõe: «Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis períodos de tributação posteriores»), deixa de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efetuada a dedução que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, foi modificado o objeto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da atividade anteriormente exercida ou que se verificou a alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto.
Todavia, a lei admite no n.º 9 que o Ministro das Finanças possa autorizar, em casos especiais de reconhecido interesse económico e mediante requerimento a apresentar na Direcção-Geral dos Impostos, antes da ocorrência das alterações referidas no n.º 8, que não seja aplicável a limitação aí prevista.
Assim, a mudança de titularidade do capital (situação que aqui está em causa, e por isso só a ela nos referimos) pode implicar a perda de reporte de prejuízos, a não ser que seja reconhecido que a alteração tem interesse económico, mediante requerimento a apresentar pelo sujeito passivo antes da ocorrência da alteração.

Pois bem, foi este o pedido formulado pela B………….. – Comunicações S.A., antes da fusão que iria ocorrer no ano de 2013, no sentido que fosse autorizada a dedução até ao fim do período referido no n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRC dos prejuízos fiscais, experimentados no exercício de 2009, no montante de €41.669.666,40, pedido que foi arquivado liminarmente pela AT, por entender que existia falta de objeto, na medida em que os prejuízos fiscais, entretanto corrigidos de €41.669.666,40 para €21.041.742,90, na sequência de uma ação de inspeção, tinham sido absorvidos por aquela sociedade no exercício de 2011.

O cerne da discussão prende-se com a pendência de impugnações judiciais respeitantes às liquidações de IRC dos anos de 2002 a 2010, efetuadas na sequência da referida ação de inspeção e da correção aos prejuízos declarados. Na tese da Recorrente, a AT não podia arquivar o seu pedido, na medida em que o arquivamento assenta na inexistência de prejuízos a reportar e essa inexistência apenas se verifica em virtude das correções efetuadas aos prejuízos na sequência de uma inspeção judicial, correções que estão a ser discutidas em impugnações judiciais apresentadas contra as liquidações adicionais que originaram. E havendo ganho de causa, as correções aos prejuízos deixam de existir e volta a colocar-se a questão da sua transmissão.

A Recorrente tem razão quando refere que a reconstituição da legalidade na sequência de eventual procedência das impugnações, nos termos do artigo 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), implica apenas a reposição dos prejuízos fiscais na esfera do sujeito passivo que neles incorreu e já não a sua transmissibilidade nos termos requeridos.
Mas já não é exata a sua afirmação de que a AT se limitou a determinar o arquivamento do procedimento iniciado com vista a garantir a referida transmissibilidade (conclusão 7). Na verdade, a AT arquivou o pedido, mas ressalvou a hipótese da sua reabertura «caso tal se venha a justificar, designadamente em consequência da anulação das correções promovidas pelos Serviços de Inspeção Tributária» (facto provado 15). Ou seja, a própria AT reconhece no ato impugnado que a execução de julgado das decisões de procedência das impugnações não satisfaz a pretensão da ora Recorrente de transmissão dos prejuízos fiscais, o qual terá de ser apreciado em procedimento próprio.

Mas tendo a entidade demandada admitido no ato impugnado a reabertura do procedimento, tal significa que o pedido que eventualmente a Recorrente tenha de fazer nesse sentido, da reabertura, terá de ser apreciado pela AT nesse exato sentido, de reabertura de um procedimento já anteriormente instaurado, e não de um novo pedido, o qual, como alega a Recorrente, já seria então apresentado fora de tempo, porque posterior ao ato que origina o pedido, a mudança de titularidade do capital. O que significa que a decisão da AT, de arquivamento do pedido, mas com a ressalva de poder ser reaberto, acaba na prática por corresponder a uma suspensão do procedimento, apenas dela se distinguindo pelo facto de no caso de improcedência das impugnações a decisão quanto ao pedido estar já tomada.

Assim, embora com outra fundamentação, a decisão recorrida é de manter, ficando prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pela Recorrida em sede de ampliação do âmbito do recurso.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em:
a) Convolar o recurso subordinado interposto pela AT em requerimento de ampliação do âmbito do recurso.
b) Negar provimento ao recurso interposto pela A……….. – Comunicações, S.A.
c) Julgar prejudicado o conhecimento do requerimento da AT de ampliação do âmbito do recurso.

Custas pela Recorrente A………… – Comunicações, S.A., dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, atenta a simplicidade da questão (artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 09 de dezembro de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.