Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02402/14.6BESNT
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA
ANULABILIDADE
DESPACHO DE REVERSÃO
Sumário:I - O artigo 23.º, n.º 4 da LGT impõe que a reversão da execução fiscal seja precedida de audição do responsável subsidiário.
II - Como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem consignado, a preterição daquele direito de audição consubstancia violação de uma regra legal procedimental à qual corresponde o vício de anulabilidade do acto (no caso o despacho de reversão).
Nº Convencional:JSTA000P26991
Nº do Documento:SA22021011302402/14
Data de Entrada:02/18/2020
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT)
Recorrido 1:A…………
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A Fazenda Pública inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 16 de Setembro de 2019, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por A………….., na qualidade de responsável subsidiário da devedora originária "B…………… - Equipamentos de Iluminação para Espetáculos e Eventos Lda.”, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3654200701021230, para cobrança coerciva de dívidas relativas ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), do exercício de 2006, no valor global de €4.826,40, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:

I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 3654200701021230, apresentada por A…………., ao abrigo do disposto no artigo 204.º do CPPT, instaurada originariamente contra a sociedade originariamente, contra a sociedade "B…………. - EQUIPAMENTOS DE ILUMINAÇÃO PARA ESPECTACULOS E EVENTOS LDA - SOCIEDADE EM LIQUIDAÇÃO, LDA com o NIPC …………., para cobrança de dívidas fiscais relativas a IVA, do ano de 2006, do período de tributação de Outubro a Dezembro, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 4.826,40 (quatro mil, oitocentos e vinte e seis euros e quarenta cêntimos) e acrescido.
II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação dos artigos 151.º, 204.º e 276.º do CPPT.
III. Entendeu o Tribunal a quo que, não estando comprovado nos autos a notificação do Oponente para o exercício de participação antes da prolação do despacho de reversão, verifica-se a preterição de uma formalidade essencial que determina a anulabilidade do despacho de reversão.
IV. Convém ter aqui presente que a preterição da participação do interessado na formação do ato administrativo dá origem a um vício de carácter formal que determina a anulabilidade do ato, ato este que pode ser renovado mediante a observância do formalismo previsto na lei.
V. A oposição à execução fiscal tem por finalidade a extinção do processo de execução fiscal relativamente ao oponente, desígnio este que não se obtém mediante a anulação do despacho de reversão, pois que, como referida supra, este ato pode ser renovado.
VI. Este meio processual tem por virtualidade operar uma definição da situação jurídica do executado relativamente à instância executiva, conferindo um elevado grau de estabilidade/segurança jurídica no que toca à definição dos sujeitos processuais e do objeto processual.
VII. Com efeito, noutro patamar se encontra o meio processual previsto no art.º 276.° do CPPT, na medida em que este visa velar pela legalidade da marcha processual executiva, sancionando a violação desta com a anulação dos atos que, inseridos na tramitação da execução fiscal, possam prejudicar o justo e adequado desenvolvimento da instância executiva.
VIII. Quanto a esta matéria, subscreve-se a anotação de Jorge Lopes de Sousa em Código de Procedimento e de Processo Tributário (Volume IV, pág. 280, 6ª Edição, Áreas Editora): ”A reclamação prevista neste art. 276.º destina-se a obter a anulação de actos praticados no processo de execução fiscal, como decorre dos seus próprios termos, e não a extinção do próprio processo de execução fiscal. § O meio processual destinado a obter a extinção da execução fiscal é o processo de oposição, regulado nos arts. 203.º e seguintes do CPPT”.
IX. Na senda das razões acima vertidas, resulta claro que o Oponente, pretendendo reagir contra a falta de notificação para o exercício da audição prévia à reversão, deveria fazê-lo através de reclamação do ato do órgão de execução fiscal, nos termos do disposto no art.º 276.° do CPPT, não sendo a oposição à execução fiscal o meio adequado para acautelar a sua pretensão.
X. Carece, portanto, de razoabilidade o julgado porquanto faz uma interpretação errada dos preceitos legais pertinentes, designadamente dos art.°s 151.°, 204.° e 276.° do CPPT, incorrendo em erro de julgamento, motivo pelo qual deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, e daqui resultar a improcedência da oposição apresentada com a consequente manutenção do ato de reversão sub judice na ordem jurídica.
XI. O Oponente, pretendendo reagir contra a falta de notificação para o exercício da audição prévia à reversão, deveria fazê-lo através de reclamação do acto do órgão de execução fiscal, nos termos do disposto no art. 276° do CPPT, não sendo a oposição à execução fiscal o meio adequado para acautelar a sua pretensão. Carece, portanto, de razoabilidade o julgado porquanto faz uma interpretação errónea dos preceitos legais pertinentes, designadamente dos art.°s 151°, 204° e 276°
Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, assim se fazendo a costumada justiça!


2. Não foram produzidas contra-alegações.

3. O Tribunal Central Administrativo Sul, por decisão sumária de 30 de Janeiro de 2020, declarou-se hierarquicamente incompetente para conhecer do presente recurso, declarando competente, para o efeito, o Supremo Tribunal Administrativo.

4. A Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso ser improcedente, devendo manter-se a sentença recorrida.

5. Substituídos os vistos legais pela entrega das competentes cópias aos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A. Corre termos no Serviço de Finanças de Oeiras - 2, em nome de B………….. - Equipamentos de Iluminação para Espectáculos e Eventos, Lda.’’, o processo de execução fiscal n.º 3654200701021230, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA, de 2006, no valor de € 4.826,40 (provado por documento, a fls. 1 e 2 do PEF apenso);
B. Em 13.01.2014, foi, no âmbito do PEF referido na alínea antecedente, o Oponente citado, na qualidade de responsável subsidiário, constando da respectiva citação os seguintes fundamentos da decisão de reversão:
"Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.° 23°/n. 2 da LGT):
Fundamentos da emissão central.
Insuficiência de bens da devedora originária (art.°23/2 e 3 da LGT): decorrente da situação liquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art. 24/1/b da LGT), no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.° e/ou 399.° do Código das Sociedades Comerciais.
(provado por documentos, a fls. 29 e 98 dos autos).

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
- Tenha sido remetida, por correio registado, para o domicílio do Oponente notificação para efeitos de audição prévia sobre o projecto de despacho de reversão.

2. Questões a decidir
A única questão que vem suscitada no presente processo é a de saber se existe erro de julgamento da sentença do TAF de Sintra ao considerar que “a falta de notificação para o exercício do direito de audição gera, no caso, a invalidade do despacho de reversão proferido (invalidade, que se traduz na anulabilidade do despacho)” e, nesse seguimento, ter julgado procedente a oposição à execução fiscal e anulado o despacho de reversão.

3 – Do direito
Resulta da prova produzida nos autos que, não tendo sido provado que o Oponente tenha sido notificado para efeitos de audição prévia sobre o projecto do despacho de reversão, como impõe o n.º 4 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária, a Administração Tributária, não se deu adequado cumprimento às normas legais sobre o procedimento tributário, designadamente o cumprimento do direito de audição, e que tal facto determina a anulação, por vício de forma, do despacho de reversão.

Ora, quanto ao vício procedimental e de forma de preterição do direito de audição não podem existir dúvidas, trata-se da violação de uma regra legal procedimental à qual corresponde o vício de anulabilidade do acto (no caso o despacho de reversão) – como, de resto, tem sido afirmado em jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo [v., por todos, os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo e de 12 de Junho de 2015 (proc.º 0361/14) de 14 de Setembro de 2016 (proc.º 0802/16), de 3 de Fevereiro 2019 (proc.º 01437/14.3BELRS 0304/18)].

Este Supremo Tribunal deixou consignado na jurisprudência que antes se indicou, que a oposição à execução fiscal é também o meio adequado, ex vi do disposto no alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, para obter a absolvição da instância executiva, o que não contente com a possibilidade de renovação do acto de reversão, uma vez que desta decisão não resulta a extinção da execução quanto ao Oponente (pois nela não se faz qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida). O órgão de execução fiscal poderá proferir um novo acto de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação, uma vez que a mesma tem carácter formal.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
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Lisboa, 13 de Janeiro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.