Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0248/11
Data do Acordão:10/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
LIMITES
CONVOLAÇÃO
LEI
JOGOS
ISENÇÃO
CONCESSIONÁRIA
CASINO
Sumário:I - Em sede de oposição só excepcionalmente é admissível a discussão em concreto da legalidade da dívida exequenda.
II - Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei.
III - Tal nulidade só pode ser arguida até à contestação ou neste articulado (artigo 204.º, n.º 1 CPC), podendo, também, o tribunal, nos termos do artigo 202.º CPC, dela pode conhecer oficiosamente, no despacho saneador, se antes o juiz a não houver apreciado, ou, não havendo despacho saneador, até à sentença final (artigo 206.º, n.º 2 CPC).
IV - Não tendo sido arguida em devido tempo nem conhecida oficiosamente pelo Mmº. Juiz “a quo”, como podia e devia ter sido, precludiu, pois, o conhecimento da nulidade.
VI - A taxa cobrada pela Direcção Regional de Saúde - Centro de Saúde de Ponta Delgada, no âmbito das suas competências fiscalizadoras, no processo de licenciamento de um casino, embora seja um tributo, em sentido próprio, por se enquadrar no conceito definido pelo artº 3º nº 2 da LGT, não é de considerar tributo geral nem local. Mas antes, a contraprestação por um serviço prestado pela dita entidade no âmbito das suas competências fiscalizadoras pelo que não se integra na previsão das norma de isenção constituídas pelos artºs 84º e 93º do DL 422/89 de 02/12.
Nº Convencional:JSTA000P13329
Nº do Documento:SA2201110120248
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: A…, S.A. com sede na …, … Ponta Delgada, veio nos termos do disposto nos artigos 203.° e sgs do Código de Procedimento e de Processo Tributário deduzir oposição a execução fiscal contra si promovida pelo serviço de finanças de Ponta Delgada, para cobrança de quantia de 7.813,26 €, com origem em certidão executiva extraída pelo Centro de Saúde de Ponta Delgada. Fundamentou o seu pedido em ilegalidade da execução, com fundamento no disposto na alínea h) do n° l do artigo 204° do CPPT.
O Tribunal de 1ª Instância julgou improcedente a oposição o que motivou o presente recurso para este STA.
O recurso termina com as seguintes conclusões:
a) O artigo 84° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, que as concessionárias do jogo ficam sujeitas a "um imposto especial pelo exercício da actividade do jogo" (n.° 1) e que não lhes será exigida "qualquer outra tributação, geral ou local, relativa ao exercício da actividade referida no número anterior ou de quaisquer outras a que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão".
b) A Lei Geral Tributária, no seu artigo 3°, n.° 2 considera tributos os "impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributarias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas".
c) Na isenção está abrangida, não só a actividade do jogo propriamente dita, como quaisquer outras a que estejam obrigadas "nos termos do contrato de concessão" (art° 84°, n.° 2 da Lei do Jogo),
d) A taxa aplicada pela Direcção Regional de Saúde inclui-se, com toda a evidência, no conceito de tributo tal como é definido na Lei Geral Tributária e teve origem no licenciamento da construção do B… e no C…, actividades a que a recorrente estava obrigada pelo contrato de concessão.
e) Não podia, por isso, deixar de se mostrar abrangida pela isenção prevista no n.° 2 do artigo 84° da Lei do Jogo.
f) O artigo 93° da referida Lei do Jogo prevê não serem devidas quaisquer taxas municipais por alvarás ou licenças municipais relativas às obrigações contratuais das concessionárias do jogo, tendo em vista a não oneração das concessionárias com quaisquer encargos públicos respeitantes àquele cumprimento,
g) As taxas devidas às entidades públicas, nacionais ou regionais intervenientes no procedimento de licenciamento ou concessão de alvarás relativos às obrigações contratuais das concessionárias não podem deixar de se considerar abrangidas pela isenção referida por interpretação extensiva da norma que a sua teleologia justifica.
Nestes termos, deve a douta sentença ser revogada e, considerando-se não ser devida a taxa em execução por dela estar isenta a recorrente, julgar-se procedente a oposição e, em consequência, ordenar-se a extinção da instância executiva.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Mº Pº junto deste STA emitiu parecer do Seguinte teor:
“(…) 2.As empresas concessionárias da exploração de jogos de fortuna ou azar estão vinculadas ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da actividade do jogo; não será exigível qualquer outra tributação, geral ou local, relativa ao exercício da actividade do jogo ou de quaisquer outras actividades que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão, durante a sua vigência; o exercício de quaisquer actividades distintas das actividades do jogo e das prescritas nos termos dos contratos de concessão está sujeita ao regime tributário geral (art. 84° n°s 1,2 e 4 DL n° 422/89, 2 Dezembro alterado pelo Decreto-Lei n° 120/95, 19 Janeiro). Não são devidas pelas concessionárias quaisquer taxas por alvarás e licenças municipais relativas às obrigações contratuais (art. 93° DL n° 422/89, 2 Dezembro). No enquadramento normativo enunciado as taxas sanitárias liquidadas pelo Centro de Saúde de Ponta Delgada têm fundamento legal Argumentário:
a) os tributos em causa representam a contrapartida pela vistoria por motivos sanitários efectuada pela autoridade pública competente, embora inscrita no procedimento de licenciamento para construção do casino, hotel e centro comercial ao qual a concessionária estava vinculada (certidão fls. 10; Decreto Regulamentar Regional n° 18/98/A, 9.06 1998 Tabela de taxas 4.1.3)
b) as taxas em causa são liquidadas e cobradas pela autoridade sanitária e não pelo município onde as edificações são construídas.
c) a norma de isenção constante do art. 93° DL n° 422/89, 2 Dezembro, configurando disposição excepcional para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, superiores ao da própria tributação que impede, não é susceptível de interpretação analógica (arts. 2° n°s l e 2 e 9 EBF)
d) a interpretação extensiva pretendida pela recorrente não deve ser acolhida, porque no caso concreto nenhum elemento ao dispor do intérprete autoriza a conclusão que o legislador se exprimiu em termos restritivos:
-a cláusula 6ª do contrato de concessão remete expressamente para o regime fiscal constante dos arts. 84° e sgs do citado Decreto-Lei
-os benefícios fiscais que favorecem a concessionária não devem ter alcance superior ao resultante da sua estrita conexão com a actividade do jogo ou com a actividade construtiva à qual está vinculada nos termos do contrato de concessão
CONCLUSÃO O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada”.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO:
Foram dados como assentes na 1ª Instância os seguintes factos que não sofrem contestação.
1) Foi instaurada no serviço de Finanças de Ponta Delgada execução fiscal para cobrança da quantia de 19.256,7 correspondente ao valor da taxa devida pela intervenção da Delegação de Saúde de Ponta Delgada nos processos de licenciamento das obras de construção do hotel, casino e centro comercial que a oponente leva a cabo em concretização do contrato de concessão do exclusivo de exploração de jogos de fortuna ou azar num casino em São Miguel celebrado com a Região Autónoma dos Açores,
2) Nos termos desse contrato de concessão, a construção desses três edifícios constitui obrigação da oponente.
3) Já na pendência da execução, a quantia exequenda foi reduzida para 7.813,26 €, na sequência de o Centro de Saúde de Ponta Delgada ter concluído que havia incorrido em erro na liquidação efectuada.
3- DO DIREITO:
A única questão que se coloca é a de saber se o artigo 84°, n° 2, do D. L. 422/89 de 02/12 (lei do Jogo) isenta ou não a oponente do pagamento da taxa em causa.
Para se decidir pela improcedência da oposição considerou a decisão de 1ª Instância o seguinte:
“Como bem adianta o ilustre procurador no seu douto parecer, tal questão vem sendo respondida pela jurisprudência em sentido não favorável à oponente, com argumentação similar à que se pode colher no acórdão do STA de 9 de Fevereiro de 1994 (Júlio Tormenta), in www.dgsi.pt - "o D. L. 48912 de 18.3.69 e o diploma que o substituiu, D.L. 422/89 de 2/12 - Lei do Jogo - mostram inequivocamente que o imposto especial de jogo é um imposto que apenas substitui os impostos sobre o rendimento e não todos os impostos" (...) pois "quando o legislador pretendeu isentar as concessionárias de outros impostos, fê-lo expressamente - v. art. 10 do D.L. 48912 quanto à sisa e os arts. 92 e 93 do D. L. 422/89, o primeiro a isentar da sisa e de contribuição autárquica e o segundo a isentar de taxas por alvará e licenças municipais relativas às obrigações contratuais".
Assim, embora isentando os concessionários de jogos de fortuna e azar das taxas que expressamente refere - taxas por alvará e licenças municipais relativas às obrigações contratuais -, o legislador não os isentou de outras taxas, nomeadamente das ora dadas à execução, que são devidas nos termos do preceituado no artigo 1°(e anexo) do Decreto Regulamentar Regional nº 18/98/A, de 9 de Junho.
Improcede, desse modo, a oposição”
DECIDINDO NESTE STA
QUID JÚRIS?
Questão prévia:
No presente caso é manifesto que a oponente pretende discutir a ilegalidade em concreto da liquidação da taxa, sendo meio próprio o da impugnação judicial já que a oposição está reservada para os casos tipificados no artº 204º do CPPT.
Estar-se-á, assim, no caso em apreço, perante erro na forma de processo, que constitui nulidade prevista nos artigos 98.º, n.º 3, do CPPT e 199.º do CPC.
O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
É certo que o art.º 98.º, n.º 4 do CPPT estabelece que, em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei.
Todavia, tal nulidade só pode ser arguida até à contestação ou neste articulado (artigo 204.º, n.º 1 do CPC), o que, nestes autos, não sucedeu.
Dir-se-á, porém, que também o tribunal, nos termos do artigo 202.º do CPC, dela pode conhecer oficiosamente, mas de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 206.º do CPC essa nulidade será apreciada no despacho saneador, se antes o juiz a não houver apreciado, ou, não havendo despacho saneador, até à sentença final.
Não tendo sido arguida em devido tempo nem conhecida oficiosamente pela Mmº. Juiz a quo, como podia e devia ter sido, precludiu, pois, o conhecimento da nulidade, impondo-se apenas conhecer da bondade da decisão recorrida.
E, conhecendo:
Cumpre em primeiro lugar definir a espécie de tributo que está em causa. Indiscutivelmente estamos perante taxas devidas pela contraprestação de um serviço prestado por uma entidade pública (sobre o conceito de taxa, objecto de vasto labor doutrinal, vide: Teixeira Ribeiro, na Revista de Legislação e Jurisprudência, n. 112, pág. 294, onde a define como “a quantia coactivamente paga pela utilização individualizada de bens semi-públicos, ou como o preço autoritariamente fixado de tal utilização”. Vide ainda:
O parecer da Procuradoria Geral da República, de 15 de Dezembro de 1992, in Diário da República, 2ª Série, de 4/6/93; Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, págs. 42 e 43. e Sousa Franco, in Finanças Públicas e Direito Financeiro, págs. 491 e ss).,
Está pois em em causa um tributo, em sentido próprio, por se enquadrar no conceito definido pelo artº 3º nº 2 da LGT. Ainda assim, estamos perante um tributo que não é nem geral nem local. Mas antes a contraprestação por um serviço prestado pela Direcção Regional de Saúde no âmbito das suas competências fiscalizadoras.
Quadro Legal:
O Artº 84º do DL 422/89 de 02/12 sob a epígrafe, Imposto Especial de jogo estabelece:
1 - As empresas concessionárias ficam obrigadas ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da actividade do jogo, o qual será liquidado e cobrado nos termos das disposições seguintes.
2 - Não será exigível qualquer outra tributação, geral ou local, relativa ao exercício da actividade referida no número anterior ou de quaisquer outras a que as empresas concessionárias estejam obrigadas nos termos dos contratos de concessão e pelo período em que estes se mantenham em vigor.
3 - Do imposto especial de jogo, 80% constituem receita do Fundo de Turismo, que, da importância recebida, aplicará 25% do imposto por si arrecadado na área dos municípios em que se localizem os casinos na realização de obras de interesse para o turismo, nos termos estabelecidos no capítulo X.
4 - O exercício por parte das empresas concessionárias de quaisquer actividades não abrangidas pelos n.ºs 1 e 2 fica sujeito ao regime tributário geral.
Esta norma de isenção é muito clara. Isenta a ora recorrente pela sua actividade normal (jogo) ou qualquer outra actividade desenvolvida por força do contrato de concessão de impostos cujo âmbito de aplicação seja:
Geral e normal (significando que o imposto está previsto no sistema de impostos como gerando uma receita ordinária com a qual o Estado conta ano após ano) e, ainda
Local (significando que se trata de tributo cuja competência definidora pertence às autarquias locais no âmbito dos seus poderes de lançamento de tributos previsto na lei). E, mais nada.
Ou seja, ficam de fora os impostos extraordinários, os impostos que não incidam sobre o exercício das actividades da recorrente e as taxas como a dos autos devida pelo exercício de uma função ou prestação de entidade pública. (No sentido de que a isenção abrange apenas os impostos devidos pelo exercício da actividade de jogo vide Acs do STA de 31/10/1995 e 11/10/1995 tirados nos recursos 19629 e 19536 respectivamente, ambos publicados nos Ac. Dout. do STA).
A interpretação, supra exposta, é a que melhor se coaduna quer com a letra da norma supra referida que estabelece a isenção, quer com a natureza das isenções fiscais, pois que constituindo um desvio ao princípio da generalidade do imposto devem ser interpretadas restritivamente (assim decidiu o Ac. do STA de 12/05/1965 pub in AC, Dout do STA.), não sendo pois de efectuar interpretação extensiva ou analógica sendo a primeira permitida mas de uso muito restrito em Direito Fiscal e a segunda proibida (vide artº 10º do EBF).
Finalmente, cumpre observar que suscitando, ainda, a recorrente a questão da melhor interpretação dos ditames do artº 93º do supra referido DL 422/89 de 02/12, defendendo que deve ser extensiva para ali serem incluídas as taxas agora exigidas (vide conclusões de recurso f) e g).
Verificamos que, como não foi suscitada na 1ª instância a questão da melhor interpretação a dar ao preceito, a sentença omitiu qualquer referência ao mesmo.
Trata-se de argumentação nova, ainda que respeitante à mesma questão da isenção ou não das taxas em causa pelo que concedemos que não estamos, verdadeiramente, perante uma questão nova, o que acarreta por consequência a apreciação de tal argumentação.
O preceito em causa sob a epígrafe “Alvarás e licenças municipais” dispõe:
“Não são devidas pelas concessionárias quaisquer taxas por alvarás e licenças municipais relativas às obrigações contratuais”.
Parece-nos que, no nosso caso, não estamos no domínio de taxas devidas por alvarás ou licenças, cujo conceito é comummente conhecido, mas antes por actividade de inspecção sanitária, sendo liquidadas pela autoridade sanitária supra referida e não pelo município. Ou seja, está em causa uma taxa de diferente tipo e com distinto titular das referenciadas no normativo em análise que não é susceptível de interpretação analógica e também não deve ser feita uma interpretação extensiva por estarmos num campo especial do direito tributário que é o das isenções fiscais as quais devem ser objectivas, atenta a sua natureza excepcional não ocorrendo elementos que permitam concluir que o legislador se exprimiu em termos restritivos, como bem salienta o Sr. Procurador Geral Adjunto, junto deste Tribunal no seu parecer, supra destacado.
Termos em que será de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
4- DECISÃO:
Pelo exposto acordam os Juízes desta Secção de contencioso tributário do STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa 12 de Outubro de 2011. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Dulce Neto (voto o acórdão, mas tenho dúvidas sobre a bondade da decisão no que toca à inverificação da isenção prevista no artº 93º do D L nº 422/89 o que significa que a questão me suscitará reflexão futura).