Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0195/07
Data do Acordão:04/26/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL.
TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO.
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO.
SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO.
Sumário:Consideram-se proferidos em segundo grau de jurisdição, os acórdãos do Tribunal Central Administrativo emitidos em sede de recursos jurisdicionais de decisões dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ainda que neles se conheça, pela primeira vez, de determinada questão, como, por exemplo, da caducidade do direito de acção.
Nº Convencional:JSTA00064112
Nº do Documento:SA2200704260195
Data de Entrada:03/05/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA SUL.
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART687 N4.
ETAF84 ART32 N1 A ART41 ART120.
DL 229/96 DE 1996/04/29 ART5.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1960/03 DE 2004/01/13.; AC TC 381/2004 DE 2004/06/01.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG88 PAG89.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A... , vem recorrer do acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul que “revogou” a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, por sua vez, julgara improcedente a impugnação deduzida por aquela contra liquidação adicional de IRC respeitante ao exercício de 1996.
Fundamentou-se a decisão em que, “tendo a recorrente sido notificada do indeferimento de reclamação graciosa em 23 de Abril de 2002” e “tendo a petição inicial da impugnação dado entrada na repartição de finanças do Barreiro em 9 de Maio de 2002”, “é a mesma intempestiva, já que foi apresentada no décimo sexto dia contado daquela notificação” e o prazo de impugnação, nos termos do artigo 102.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é de 15 dias, pelo que julgou “procedente a questão prévia da caducidade do direito à impugnação e, consequentemente, absolveu do respectivo pedido a Fazenda pública, assim se revogando a decisão recorrida”.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
a) Entendeu-se na decisão recorrida que havia caducado o direito da recorrente impugnar uma vez que a impugnação por si apresentada o havia sido intempestivamente dizendo-se para sustentar tal que a recorrente havia sido notificada do indeferimento da reclamação graciosa em 23/04/2002 apenas tendo a impugnação judicial dado entrada na Repartição de Finanças do Barreiro em 09/05/2002, ou seja no 16° dia quando apenas teria 15 para deduzir em tempo a impugnação.
b) Mais se acrescentando que não se vislumbra que a PI tivesse sido remetida por via postal em data anterior.
c) Em primeiro lugar a recorrente já anteriormente havia sido chamada a pronunciar-se sobre a questão da tempestividade mas num outro prisma, foi ele o de que então se alvitrou que a impugnação teria sido apresentada muito para além do prazo mas sem se levar em devida conta que a aqui recorrente tinha apresentado previamente reclamação graciosa.
d) Ora afastado esse argumento veio a recorrente agora a ser notificada da decisão da intempestividade da impugnação mas com um fundamento diverso e em relação a este aspecto nunca foi a recorrente chamada a pronunciar-se constituindo a mesma uma verdadeira decisão surpresa.
e) Ora tal é, em primeiro lugar, violador do artigo 20° da CRP uma vez que este pretende assegurar para os intervenientes processuais um processo justo e equitativo.
f) O princípio do contraditório, ou da pronúncia em relação às questões suscitadas no processo, enquanto garantia de processo justo e equitativo, é, pois, incontornável no nosso Estado de Direito.
g) Constituindo a decisão em causa, e como já sobredito, uma decisão surpresa o que tem vindo de forma sistemática e reiterada a repugnar à jurisprudência dos nossos tribunais superiores e supra citada.
h) Sendo, assim, denegado à recorrente o direito a um processo justo e equitativo em violação do artigo 20°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa.
i) Acresce, em segundo lugar, que nem pode colher contra a pretensão da ora recorrente o facto de não se vislumbrar que a PI tivesse sido remetida por via postal em data anterior pois que nos termos do artigo 111°, n° 1 do CPPT a DGCI deve remeter ao representante da Fazenda Pública o processo administrativo devidamente organizado; Acrescentando o n° 2, alínea c) do mesmo normativo que deverá ser remetida também o procedimento de reclamação graciosa; Mais acrescentando o seu n° 3 que a reclamação graciosa deve ser apensa à impugnação.
j) E como será também bom de ver naquele processo administrativo deverão estar juntos todos os documentos existentes no procedimento bem como todas as referências à forma como os mesmos chegaram à DGCI.
k) Ora presumiu a recorrente que a DGCI havia dado cumprimento ao dever que lhe incumbia tendo assente tal sua presunção no artigo 59°, n° 2 in fine da LGT.
l) Pelo que jamais seria considerável pela recorrente a hipótese de a DGCI remeter, como pelos vistos remeteu, o processo administrativo de forma fragmentada ou selectiva, entenda-se, ter procedido à remessa do mesmo sonegado das referências à forma como a impugnação apresentada pela aqui recorrente havia chegado aos seus serviços.
m) Mas para que dúvidas não fiquem em relação ao menor acerto da decisão que considerou caducado o direito da ora recorrente impugnar junta esta acima o talão de registo dos CTT do qual se vislumbra que a impugnação judicial foi remetida à Repartição de Finanças do Barreiro no dia 08/05/2002.
n) Entende a recorrente que a junção do supra referido documento nesta fase é lícito nos termos do artigo 524°, n° 2 do CPC aplicável ex vi artigo 2°, e) do CPPT, isto uma vez que a sua apresentação se tornou necessária devido a ocorrência posterior.
o) Ainda que a impugnação judicial tivesse dado entrada na Repartição de Finanças do Barreiro no 1° dia após o terminus do prazo legal, o que jamais se concederá mas que aqui se aborda apenas por mero dever de patrocínio, ainda assim a conclusão não podia ser a que foi sufragada pela decisão, pois que ninguém duvidará que o processo de impugnação assume natureza judicial.
p) Ora assim sendo é-lhe aplicável o artigo 145° do CPC.
q) E isto ainda que a recorrente se não tivesse aprestado de imediato a pagar a mesma uma vez que perante tal omissão se impunha à secretaria fazer a respectiva notificação para tal - artigo 145°, n° 6 do CPC.
r) Por que por tudo quanto vem de se alegar violou a decisão recorrida os artigos 3°, n° 3 e 145°, n°s 5 e 6 do CPC, 111° do CPPT, 20°, n° 4 da CRP bem como fez errónea interpretação da matéria de facto, pelo que não se pode a mesma manter antes devendo ser revogada e substituída por uma outra que faça a apreciação do mérito da causa se a tal nada mais obstar.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão tomada e substituída a mesma por outra que ordene a prossecução do recurso para apreciação de mérito, tudo o mais com as consequências legais.
Mais se requer, e nos termos supra expostos em relação à admissibilidade da junção de meios de prova nesta fase do processo, que seja oficiado a Repartição de Finanças do Barreiro para proceder à junção aos presentes autos do livro de entradas do dia 09/05/2002 do qual conste, como terá de constar, a forma como a impugnação judicial apresentada pela aqui recorrente deu entrada naqueles serviços com a expressa indicação do número de talão de registo dos CTT que foi em tal livro averbado.
Tudo isto para efeitos de confronto com o documento 1 que aqui se junta.
Não houve contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que “não é admissível a interposição de recurso de acórdão do TCA com fundamento em erro de julgamento, mas apenas com fundamento em oposição de acórdãos, não invocada pela recorrente”, pois o “processo foi iniciado (…) [posteriormente] à instalação do TCA em 15 de Setembro de 1997”, sendo que “a decisão que admitiu o recurso não vincula o tribunal superior” – cfr. a Portaria n.º 398/97, de 18 de Junho, o artigo 103.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro e os artigos 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, “o argumento invocado pela recorrente de que a questão da caducidade da impugnação judicial apenas foi apreciada, em 1.º grau de jurisdição, no acórdão do TCA não colhe, porquanto a sentença do TAF de Almada já se tinha pronunciado sobre ela (ainda que implicitamente) ao considerar, na componente saneador, que não existiam excepções ou questões que obstassem ao conhecimento do mérito da impugnação judicial”. Por fim, mostra-se também inadmissível a convolação do recurso de agravo.
Mostraram-se corridos os vistos legais.
Em sede factual, vem apurado que:
1 - Os serviços de inspecção tributária procederam a uma acção de inspecção à ora impugnante tendo como objectivo o controlo geral das obrigações fiscais da empresa de acordo com a alínea a) do n.° 1 do art. 14° do RCPIT aos exercícios de 1996 a Julho de 1999 (como consta do relatório de inspecção a fls. 33/158 do apenso).
2 - Em relação ao exercício de 1996 e em sede de IRC foram efectuadas as seguintes correcções "Nos termos do artº 18° do CIRC: O montante de 11.200.000$00, lançado na contabilidade na conta 6212 - Subcontratos através do doc. int. n° Div. 08/12, que diz respeitar a mão de obra e material incorporados em diversas viaturas, não se encontra devidamente documentado (anexo 8 folhas l e 2), custo que se verificou ser objecto de facturação no exercício de 1997, tendo sido lançado na contabilidade através de contas de balanço. Acresce-se que todas as viaturas constam do inventário de 31/12/1996. Nos termos do art. 23° do CIRC: A aquisição da viatura (...) com o valor de 1.538.462$00 foi lançada em duplicado (doc. int. n° F65/7 e F66/7), o valor de 1.500.000$00 (doc. int. n° CX71/08) lançado na conta 622193 - Renda Isenta quando efectivamente respeita a uma caução de um contrato de aluguer de veículo sem condutor. Nos termos do art. 41° do IRC: O montante apurado de acordo com a alínea i) do n° l do art. 41° do CIRC - Importâncias devidas pelo aluguer de viaturas sem condutor totaliza 564.191$00, não tendo sido acrescido no quadro 17 da declaração mod. 22, Linha 22, encontrando-se assim aquele valor em falta" (como consta de fls. 47 do apenso).
3 - No referido relatório encontra-se enunciado no ponto VIII - Direito de Audição - Fundamentação, o seguinte "O contribuinte após notificado do projecto de correcções do relatório, nos termos previstos no artº 60° da Lei Geral Tributária e artº. 60° do Regime Complementar de Inspecção Tributária para, no prazo de 15 dias exercer o direito de audição conforme ofício n° 2893 de 26/01/00 com o registo n° 181752 dos CTT, veio exercer o direito de audição por escrito em 14/02/00" (cfr. fls. 52 do apenso).
4 - Com base no relatório de inspecção foi efectuada a correcção do lucro tributável de IRC do exercício de 1996 de 800.461$00 para 15.603.114$00 (cfr. fls. 37 do apenso).
5 - O ora impugnante apresentou pedido de revisão da matéria colectável fazendo constar no art 76° da petição expressamente o seguinte "Quanto ao IRC considera-se certo o resultado corrigido no relatório de exame em relação ao exercício de 1996" (cfr. documento de fls. 7/32 do apenso).
6 - Em 17/03/2000 foi efectuada a liquidação de IRC do exercício de 1996 com o n° 8310004222 resultante da correcção da matéria tributável de 800.461$00 para 15.603.114$00, de que resultou imposto a pagar no montante de € 38.226,71 (7.663.767$00), cuja data limite de pagamento ocorreu em 10/05/2000 (cfr. documento de fls. 18).
7 - Na nota demonstrativa da liquidação é feita referência à fundamentação já remetida, constando ainda da referida nota de liquidação a assinatura do Director-Geral dos Impostos (cfr. fls. 18).
8 - A nota de liquidação foi efectuada por carta registada enviada para a Rua ... (cfr. fls. 18).
9 - Em 09/05/2002 foi apresentada a petição de impugnação de fls. 2/16.
Vejamos, pois:
Nos termos do artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior, pelo que importa desde já apreciar a questão da admissibilidade daquele.
Como é sabido, são as leis orgânicas e estatutárias específicas que estabelecem a medida de jurisdição por cada categoria e espécie de tribunais, determinando a categoria dos pleitos que a cada um deles é destinada.
Neste sentido, a respectiva competência, em geral, resulta da medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, repartindo o poder judicial que, em bloco, pertence ao seu conjunto.
Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pp. 88-89.
Pelo que, onde não há jurisdição, não pode haver competência.
E a possibilidade de recurso só pode ser equacionada até ao tribunal que constitua o último grau de jurisdição
Ora, o Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, extinguiu, no contencioso tributário, o terceiro grau de jurisdição, sendo que tal extinção apenas produz efeitos relativamente aos processos instaurados após a sua entrada em vigor – artigo 120º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, na redacção dada por aquele primeiro diploma legal.
Sendo que este entrou em vigor em 15 de Setembro de 1997, nos termos do seu artigo 5.º e da Portaria n.º 398/97, de 18 de Junho, e, de acordo com o ponto 9 do probatório, os presentes autos iniciaram-se com a apresentação da petição de impugnação em 9 de Maio de 2002.
Pelo que, assim, o presente recurso, porque em terceiro grau de jurisdição, não é admissível.
Com efeito, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, alínea a), daquele Estatuto, a esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo apenas compete conhecer “dos recursos dos acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo proferidos em 1.º grau de jurisdição ao abrigo da competência estabelecida no artigo 41.º” do mesmo diploma.
No caso dos autos, o acórdão recorrido conheceu de recurso de decisão de um Tribunal Administrativo e Fiscal, ou seja, foi proferido em segundo grau de jurisdição.
Sendo absolutamente despiciendo, para determinação do grau de jurisdição, que, aí, o tribunal julgue pela primeira vez uma questão, no caso a caducidade do direito de acção: o que releva, no ponto, é saber se o tribunal conheceu do pedido directamente – 1.º grau de jurisdição – ou na sequência de decisão anterior.
Como é jurisprudência deste STA, “em termos de definição do grau de jurisdição, e para efeito de impugnação de decisão que venha a ser tomada, é indiferente, ao contrário do que sustenta a recorrente, que nessa fase de segundo grau de jurisdição o tribunal se pronuncie, ainda que pela primeira vez, sobre determinada questão. Continua a ser decisão proferida em segundo grau de jurisdição porque, efectivamente, o grau de jurisdição não flutua ao sabor do conhecimento primário ou secundário de certa ou certa questão”.
Ou seja, “no quadro de definição de recursos, o grau de jurisdição resulta (…) da posição em que o tribunal é chamado a decidir: directamente, por dever conhecer do pedido inicialmente formulado – por exemplo, em acção, recurso [contencioso] ou (…) meio processual acessório -, ou em segunda ou terceira via, por virtude de recurso [jurisdicional] ou meio análogo”.
Cfr. o acórdão da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Janeiro de 2004 - processo n.º 01960/03 e jurisprudência aí citada, aliás confirmado pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 381/2004, processo n.º 398/2004, de 1 de Junho de 2004.
Por outro lado, o objecto do recurso jurisdicional é a própria decisão – sentença ou acórdão – que não, directamente, as questões nela equacionadas. Na própria expressão legal, “cabe recurso do acórdão”. Aquelas apenas fixam o objecto do recurso no sentido da determinação do seu âmbito, isto é, quanto às questões que o tribunal ad quem deve conhecer.
Assim, o Tribunal Central Administrativo julgou em último grau de jurisdição e, consequentemente, por ali se queda a apreciação jurisdicional dos autos.
Termos em que se acorda não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em € 400,00 e a procuradoria em 50%.
Lisboa, 26 de Abril de 2007. – Brandão de Pinho (relator) – Lúcio Barbosa – Jorge Lino.