Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01224/17
Data do Acordão:11/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22560
Nº do Documento:SA12017111601224
Data de Entrada:11/07/2017
Recorrente:INST POLITÉCNICO DE BEJA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I RELATÓRIO

A…………., intentou, no TAF de Beja, contra o Instituto Politécnico de Beja (doravante IPB), acção administrativa especial pedindo (1) a anulação do despacho do seu Presidente, de 30/05/2012, que determinou a cessação do contrato para o exercício de funções docentes, celebrado entre eles e (2) e a condenação do Réu a proceder à renovação por mais dois períodos de dois anos do citado contrato e ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, destinada a prevenir o incumprimento.

O TAF julgou a acção totalmente improcedente.

E o TCA Sul, para onde o Autor recorreu, concedeu provimento ao recurso.

É desse Acórdão que o Autor vem interpor esta revista (artigo 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF, em saneador/sentença, julgou a acção totalmente improcedente por entender que o acto impugnado não estava ferido por nenhum dos vícios que lhe haviam sido imputados - falta de fundamentação, preterição de audiência prévia, incompetência relativa, desvio de poder e erro nos pressupostos – e, porque assim, ficava prejudicado o pedido de condenação da Entidade Demandada à renovação, por mais dois períodos de dois anos, do contrato de trabalho em funções do A. e ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, destinada a prevenir o incumprimento.
Decisão que, no tocante à preterição da audiência prévia, se fundou na seguinte ponderação:
“Advoga o A., em síntese, que: “... em todo o processo que culminou com a tomada de decisão pelo Presidente do lPB, (...) nunca foi ouvido e tinha direito a sê-lo, na medida em que foi afetado pela referida decisão, que lhe denegou o direito previsto na alínea b) do n°. 7, do art°. 6°. do Decreto-Lei n°. 2007/2009 (na redação conferida pela Lei n°. 7/2010)...”.

… importa aferir agora se era, à luz do quadro legal aplicável, exigível a realização de audiência prévia do A., no que respeita à decisão de não renovação do seu contrato de trabalho em funções públicas, funções docentes.
Para tanto, importa ter presente que, nem o regime de transição dos equiparados a professor e a assistente, contido no art. 6° n.º 7 da Lei 7/2010, de 13/05, nem o RCTFP, exigem o cumprimento de uma audiência de interessados para a renovação ou verificação da caducidade do contrato de trabalho em funções públicas, mas sim que, em caso de não renovação, exista proposta fundamentada aprovada no sentido de decidir da sua cessação, sendo esta decisão comunicada ao interessado até 90 dias antes do termo do contrato, o que sucedeu no caso concreto: cfr. alínea A) a H) supra.
Pelo que, tal como bem sublinha a Entidade Demandada e acima se transcreveu, não se mostra, ao caso, aplicável o disposto no invocado art.º 100º e seguintes do CPA.
Termos em que julgo improcedente o suscitado vício de preterição de formalidade essencial (audiência prévia dos interessados).”

O Autor apelou para o TCA Sul e este, sufragando a decisão do Tribunal de 1.ª instância no tocante à não verificação dos vícios de falta de fundamentação, incompetência relativa, desvio de poder e erro nos pressupostos entendeu, porém, que aquele Tribunal havia julgado mal a questão da preterição de audiência prévia, pelo que concedeu provimento ao recurso pela seguinte ordem de razões:
“…

F)
Resta a questão da audiência prévia dos interessados, neste caso do autor.
O IPB e o Tribunal Administrativo de Círculo consideraram que o artigo 100º do CPA (que impõe a audição dos interessados - sobre a decisão a tomar - após a instrução do procedimento e antes da decisão final) não tem aplicação no caso presente, ou porque estaríamos numa área intermédia entre o Direito Administrativo e o Direito do Trabalho, ou porque a lei nada diria e há a comunicação da decisão de não renovação com 90 dias de antecedência (cf. artigo 6º/7/b) cit.).
Ora, é manifesto que não tem sentido justificar a não audiência prévia com a comunicação da decisão tomada. E também não se vê que o ato administrativo de não renovação deste contrato a termo resolutivo certo, sobretudo atendendo à sua especialidade e excecionalidade no caso da al. b) do nº 7 do artigo 6º cit., já não seja ato administrativo; portanto, decisão sujeita ao CPA.
Pelo que concluímos que é manifesto que o artigo 100º do CPA se aplica ao caso presente. E que tal norma, como resulta da factualidade provada, foi violada pelo IPB.
A consequência de tal ilegalidade procedimental é a anulabilidade (cf. artigo 135º do CPA).

G)
Acrescente-se que não se descortina fundamento para ativar o mecanismo tradicional, de origem jurisprudencial, do aproveitamento do ato administrativo anulável, pois que o ato administrativo impugnado não é de conteúdo legalmente vinculado, nem a apreciação do caso concreto nos permite identificar apenas uma solução como legalmente possível (a adotada), nem o fim visado pela exigência procedimental preterida foi alcançado por outra via, nem está comprovado, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo (v. hoje o artigo 163º/5 do CPA atual).

III. DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juízes deste TCA Sul em, concedendo provimento ao recurso, julgá-lo procedente, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição do Tribunal Administrativo de Círculo, anular o ato administrativo impugnado (por violação do artigo 100º do CPA/1991).”

3. A Entidade demandada não se conforma com esse julgamento e, por isso, interpôs esta revista sustentando que a mesma dever admitida para que se reapreciem as questões vertidas nas seguintes conclusões:
2. A relevância social do caso extrai-se pela evidente possibilidade de repetição de casos como o vertente, desde logo, porque estamos no domínio da interpretação de uma norma geral e abstrata - o artigo 6º, n.º 7, alínea b) da Lei n. 7/2010, de 13/05 - e que, naturalmente, é passível de vir a merecer aplicação em diversos casos. Situações essas que, segundo nos parece, são de número considerável, atenta a circunstância de estar em causa a aplicação de uma disposição inserida num Estatuto com vasta abrangência.
3. Já a relevância jurídica avulta da complexidade da questão em discussão, merecedora de uma melhor ponderação, que pacifique a controvérsia evidente entre as instâncias e numa área tão nuclear do direito administrativo como é a fase da audiência dos interessados e sua repercussão a regimes do direito administrativo especial.
4. Finalmente, a melhor aplicação do direito. O preenchimento deste pressuposto resultará da instância recursiva não ter dado a devida atenção e fundamentação à questão em apreço, o que se conclui pela escassez da fundamentação apresentada e que não foi capaz de tocar em todos os pontos essenciais do que se discutia nestes autos.”

4. O que ora está em causa é se, por força do se dispõe no art.º 6.º/7/b) do DL 207/2009, a decisão que determina a cessação do contrato para o exercício de funções docentes no ensino superior e politécnico deve ser precedida pelo cumprimento do direito de audiência.
O TCA, revogando a decisão do TAF, considerou que o cumprimento desse direito era exigido legalmente e, estando assente que o mesmo o não foi, anulou o acto impugnado. Sendo este o único fundamento a determinar a pedida anulação.
Ora, muito embora esta questão possa parecer, numa primeira análise, de limitado impacto social certo é que, num olhar mais atento, se verifica que a mesma não só se aplica a um importante sector do ensino como são vastas e, certamente, graves as repercussões que decorrem para o visado com a cessação do seu contrato de trabalho. Deste modo, não é exagerado considerar que da deficiente resolução da apontada questão decorrem ou podem decorrer graves repercussões sociais.
Por outro lado, tanto o Tribunal de 1.ª instância como o TCA analisaram de forma muito ligeira a referida problemática da necessidade da audiência prévia, limitando-se a declarar, primeiro, a obrigatoriedade e, depois, a não obrigatoriedade daquela formalidade sem grande estudo e argumentação. Pelo que é lícito concluir que se está perante problema jurídico de relevante importância jurídica e que a forma como o mesmo vem sendo encarado não é consensual. O que, desde logo, aconselha à admissão da revista.
Sendo assim, e sendo, por outro lado, a resolução desta questão envolve a realização de operações exegéticas de alguma dificuldade é de considerar estarem preenchidos os pressupostos de admissão da revista.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 16 de Novembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.