Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0187/23.4BALSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32057
Nº do Documento:SAP202403210187/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

[ tramo 1 ]

A autoridade tributária e aduaneira (AT), com base no estatuído pelos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT).) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), dirigiu, ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, para uniformização de jurisprudência, da decisão (singular), proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo n.º 311/2023-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad) (Onde, em 19 de outubro de 2023, se decidiu: «
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que consequentemente:

b) Anula parcialmente a liquidação IMI - Ano de 2017, nº..., na parte de € 8 295,38;

c) Anula parcialmente a liquidação IMI - Ano de 2018, nº ... e a de AIMI - Ano de 2018, nº ... na parte de € 19 959,32;

d) Anula parcialmente a liquidação IMI - Ano de 2019, nº ..., e a de AIMI - Ano de 2019, nº ..., na parte de € 19 344,89;

e) Anula parcialmente a liquidação AIMI - Ano de 2020, nº ..., na parte de € 11 198,26;

f) Julga procedente o pedido de reembolso de € 58 797,85;

a) Julga procedente o pedido de juros indemnizatórios contados desde 2022.11.06 e até cumprimento do julgado. »).

Imputa-lhe contradição/oposição, com a, também, decisão arbitral (singular), datada de 27 de junho de 2022, exarada no processo n.º 659/2021-T.

A recorrente (rte) alegou e concluiu: «

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição, firmando e consolidando o sentido do julgamento acertado desta matéria.

B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas e v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo

C. No caso vertente encontram-se reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral n.º 311/2023-T, de 19.10.2023 e a Decisão fundamento n.º 659/2021-T de 27.06.2022

D. Entre a Decisão recorrida e a Decisão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

E. Em ambas as decisões está em causa:

a) A arguição da ilegalidade dos atos de liquidação de imposto municipal sobre o património (IMI) e de adicional ao imposto municipal sobre o património (AIMI);

b) Na Decisão Recorrida estão em causa os atos de liquidação do IMI dos anos de 2017, 2018 e 2019 e AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, na Decisão fundamento está em causa a ilegalidade dos atos de liquidação do AIMI referentes aos mesmos anos 2018, 2019 e 2020;

c) Pese embora no caso da Decisão Fundamento esteja em causa o Adicional ao IMI (AIMI), e na decisão recorrida, além do AIMI, também o IMI, o imposto base o núcleo essencial da estrutura tributária é idêntica, não havendo dissemelhanças suficientes para afastar a identidade que existe entre ambos os atos de liquidação;

d) Por outro lado, em ambos os casos estão em causa as normas de cálculo do valor patrimonial tributário (VPT) referencial em ambos os casos;

e) Em ambas as decisões vem requerida a anulação do ato de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa e a anulação parcial dos atos de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e de AIMI referidos;

f) Existindo identidade quanto a quase todos os anos de imposto, não há alterações substanciais relativamente aos outros anos que justifiquem uma divergência suficiente para ser afastada a identidade das situações em apreço.

g) As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de terrenos para construção;

h) Em ambos os casos o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a 2.ª avaliação.

F. Entre a Decisão Recorrida e a Decisão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações os vícios do VPT foram arguidos na impugnação da legalidade do ato de liquidação.

G. Ou seja, ambos as decisões versam sobre situações fáticas que preenchem a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal, conforme entendimento veiculado pelo acórdão do STA proferido a 2010.12.07 no âmbito do processo n.º 0511/06,

H. Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito.

I. Enquanto que na Decisão fundamento se considera que os eventuais vícios do valor patrimonial tributário apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada,

J. Em sentido oposto, a decisão recorrida vem preconizar o entendimento que a legalidade do ato de fixação do valor patrimonial tributário, apesar de ser um ato destacável, suscetível de impugnação autónoma, pode ser apreciada em processo de impugnação de liquidação que o tenha assumido como matéria coletável e admite a possibilidade (excecional) de revisão oficiosa de liquidações.

K. Ou seja, analisando a mesma questão, a de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário, a decisão recorrida responde de forma afirmativa, em contradição quer com a Decisão fundamento que sobre a mesma questão responde de forma negativa, quer com o Acórdão uniformizador da jurisprudência proferido no Proc. 102/22.2BALSB.

L. Como bem refere o Acórdão Uniformizador de jurisprudência: “Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida”.

M. A jurisprudência foi especificamente uniformizada no sentido de estar excluída a apreciação da legalidade do ato que fixa o VPT em sede de discussão da legalidade do ato de liquidação, incluindo os casos em que mesma seja despoletada por um pedido de revisão oficiosa.

N. No caso em apreço, não tendo a Recorrida colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

O. Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação impugnados na Decisão Recorrida serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.

P. Em suma, entre a Decisão recorrida e a Decisão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento e fundamentação propugnada na decisão fundamento que acompanha o Acórdão que uniformizou a jurisprudência nesta matéria.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outra consentâneo com o quadro jurídico vigente como é de Direito e Justiça. »


*

Por despacho do relator, foi o recurso admitido com efeito suspensivo, nos termos do art. 26.º n.º 1 do RJAMT.

*

A recorrida [ A..., S.A., … ] contra-alegou e elencou estas conclusões: «

A. O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto pela Fazenda Pública, tem por base a alegada oposição entre a decisão proferida pelo tribunal arbitral, no âmbito do processo arbitral que correu termos sob o n.º 311/2023-T e a decisão prolatada no âmbito do processo arbitral n.º 659/2021-T.

B. Afirma a Recorrente que “(…) analisando a mesma questão, a de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário, a decisão recorrida responde de forma afirmativa, em contradição quer com a Decisão fundamento que sobre a mesma questão responde de forma negativa, quer com o Acórdão uniformizador da jurisprudência proferido no Proc 102/22.2BALSB”.

C. Não obstante, como se demonstrará, não se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 152.º do CPTA, pelo que não deve esse douto STA tomar conhecimento do mérito do presente recurso.

D. A decisão arbitral recorrida tinha como objeto o indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa do ato tributário, com vista à anulação das liquidações de IMI e AIMI emitidas por referência aos exercícios de 2017, 2018 e 2019, e 2018, 2019 e 2020 respetivamente, devidamente identificados e referenciados supra.

E. Havia sido requerido pela ora Recorrida, a revisão dos atos tributários correspondentes às liquidações de IMI e AIMI supramencionadas com fundamento no previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI, o que fez, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, e a título subsidiário, a revisão dos atos tributários em apreço, ao abrigo do disposto do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, com fundamento em injustiça grave e notória.

F. Em causa está a “possibilidade de conhecer vícios de actos de avaliação em impugnação de actos de liquidação que neles se basearam”.

G. O acórdão recorrido acompanhou o entendimento expendido no acórdão do CAAD proferido pelo Tribunal Coletivo presidido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no processo n.º 254/2021-T de 05 de outubro de 2021, no qual se tratou caso semelhante ao dos autos

H. Sobre a questão de fundo, a decisão arbitral recorrida reconhece, desde logo, que o acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STA, proferido no âmbito do Processo n.º 102/22.2BALSB se debruçou sobre a questão de saber se abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT era possível ou não a revisão das liquidações de IMI e AIMI com fundamento na errónea fixação do VPT, não obstante entender que o mesmo não se pronunciou especificamente sobre as restantes situações de revisão oficiosa previstas artigo 78.º, designadamente os n.º 4 e 5.º.

I. Nesta senda, decidiu o acórdão arbitral recorrido que o pedido de revisão oficiosa sub judice não poderia ser deferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

J. Não obstante, entendeu que “Diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do nº 1 do artigo 78º da LGT, é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no nº 4 do artigo 78º da LGT.

K. Ressalve-se que esta possibilidade é reconhecida pela Recorrente no âmbito da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa sub judice, no âmbito da qual refere que “só dentro do condicionalismo previsto nestes n.º 4 e 5 se poderia considerar a possibilidade de revisão oficiosa.” (…).

L. Concluindo aquela decisão arbitral que se encontram verificados todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, pelo que em vez do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a AT deveria ter efetuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações de AIMI e IMI contestadas.

M. Deste modo, o recurso para uniformização de jurisprudência, previsto e regulado no artigo 152.º do CPTA, tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, não existindo, nos presentes autos, nenhuma contradição entre a decisão arbitral e o Acórdão fundamento.

N. Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que se deve verificar a identidade na questão fundamental de direito sobre que incidiram as decisões, cuja oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

O. Estando em causa a possibilidade de impugnação de atos de liquidação de AIMI (e IMI) invocando-se vícios próprios do ato de fixação de VPT, decidiram as duas decisões arbitrais pela impossibilidade de conhecer esses vícios em impugnação de actos de liquidação que neles se basearam, fazendo valer a doutrina resultante do Acórdão Uniformizador emitido pelo STA, a 02 de fevereiro de 2023, no Processo com o nº 102/22.2BALSB.

P. Ora, determina a decisão fundamento que os eventuais vícios do ato de fixação do VPT, enquanto atos destacáveis e autonomamente impugnáveis, não podem ser invocados na impugnação da liquidação de imposto efetuada com base no valor resultante da avaliação.

Q. Nos termos do artigo 134.º do CPPT, entendeu a decisão fundamento que o contribuinte tem necessariamente de começar por requerer uma segunda avaliação de modo a esgotar os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, pelo que, não sindicando tais atos de fixação de VPT, nos termos e prazos previstos, tal fixação consolidou-se na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação que a tenha como pressuposto.

R. Em idêntico raciocínio, e seguindo de perto o entendimento preconizado nos Acórdãos do CAAD proferidos nos Tribunais Coletivos presididos pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, nos processos n.º 254/2021-T e n.º 487/2020-T, determinou a decisão ora recorrida que “(…) está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidações que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referida e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

S. Retira-se da exposição da decisão recorrida que “os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efetuados discutir-se a legalidade daqueles actos”. (…).

T. Assim, determinou este tribunal arbitral que, na ausência de impugnação tempestiva, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, pelo que o sujeito passivo de IMI ou AIMI que queira impugnar as respetivas liquidações não poderá invocar como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma.

U. Em síntese, e com base no entendimento do Acórdão Uniformizador do STA supracitado, as decisões arbitrais em confronto nos presentes autos, entendem que os actos de fixação dos VPT, quando inseridos num procedimento de liquidação de impostos, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa e que, no caso em apreço, não tendo havido impugnação autónoma e tempestiva desses actos, os mesmos se consolidaram definitivamente na ordem jurídica.

V. Pelo que, as ilegalidades dos atos de avaliação que não foram objeto de impugnação autónoma tempestiva, não podem considerar-se ilegalidades das liquidações de imposto, suscetíveis de serem invocadas em processo impugnatórios em relação a estas.

W. Pelo exposto, desde logo se conclui que não existe contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a solução adotada pela decisão arbitral recorrida e pela decisão fundamento,

X. Nem tão pouco entre a primeira e o recente Acórdão do Proc. 102/22.2BALSB, de 23 de fevereiro de 2023 que veio uniformizar a matéria em causa no presente recurso.

Y. Por outro lado, a pretensão julgada procedente na decisão recorrida debruçou-se sobre distinta e subsidiária questão fundamental de direito, que não foi objeto de análise em sede da decisão arbitral fundamento, que era a de se saber se poderia haver revisão oficiosa de atos de fixação de VPT com fundamento em injustiça grave ou notória nos termos do artigo 78.º n.º 4 e 5 da LGT, em conformidade com a pretensão, a título subsidiário, da ora Recorrida.

Z. Também o Acórdão Uniformizador do STA supramencionado não se pronunciou sobre o pedido de revisão do acto tributário com fundamento em injustiça grave ou notória cf. nº 4 do artigo 78º da LGT, o qual tendo vedado a revisão oficiosa de atos de liquidação de imposto com fundamento em ilegalidades de atos de fixação do VPT, não o parece ter feito quanto à revisão de matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, em que se prevêem exceções à inimpugnabilidade de atos de fixação da matéria tributável consolidados.

AA. E foi precisamente dentro dos condicionalismos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT que foi aferida a possibilidade de revisão oficiosa no âmbito acórdão recorrido.

BB. Questão não debatida em sede de decisão fundamento, não obstante esta aferir a tempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa nos termos deste regime.

CC. Por outro lado, a questão foi devidamente analisada no âmbito do acórdão recorrido, do qual resulta que “(...) a utilidade prática da revisão com fundamento em injustiça grave ou notória verifica-se apenas após o decurso do prazo de reclamação administrativa, precisamente quanto a actos que não podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade ou em erro imputável aos serviços” (…).

DD. Entendeu o douto tribunal que, uma vez não estar prevista a revisão oficiosa de atos de fixação nos termos do artigo 115.º do CIMI, esta apenas se poderia efetuar face ao regime previsto no artigo 78.º n.ºs 4 e 5 da LGT, sendo que, da revisão da matéria tributável decorrerá a anulação dos atos consequentes que a tenham como pressuposto, como são os atos de liquidação de IMI e AIMI.

EE. Assim, decorre da leitura daquela decisão que “Nestas situações em que o erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços ou de ilegalidade desses actos, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte»”.

FF. Posto isto, concluiu a decisão recorrida que se encontravam preenchidos todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT no caso sub judice.

GG. Em face do exposto, e salvo o devido respeito, não pode a Recorrida acompanhar o alegado pela aqui Recorrida nas suas Alegações de Recurso, em claro equívoco, quando refere que “Em suma, a Decisão recorrida tendo decidido que a legalidade do ato de fixação do valor patrimonial tributário, apesar de ser um ato destacável e suscetível de impugnação autónoma entendeu que pode ser apreciada em processo de impugnação de liquidação que o tenha assumido como matéria coletável e admite a possibilidade (excecional) de revisão oficiosa de liquidações.” (…).

HH. Uma vez que, a revisão ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT opera relativamente à matéria tributável, isto é, aos próprios actos que determinam o VPT e não aos actos de liquidação subsequentes (como parece referir a Recorrida) ainda que a anulação dos primeiros se projete em idêntica medida nos segundos, por constituírem o seu pressuposto.

II. Por último, cumpre ainda referir que a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação de VPT com fundamento em injustiça grave e notória tem sido suportada por inúmeras Decisões Arbitrais (referenciadas supra), grande parte das quais proferidas em data posterior à fixação de jurisprudência do STA no processo n.º 0102/22.2BALSB.

JJ. Em especial, destaca a Recorrida as decisões emitidas pelo CAAD, nos Tribunais Coletivos presididos pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa nos Processos n.º 487/2020-T de 10 de maio de 2021, n.º 254/2021-T de 05 de outubro de 2021 (seguidos de perto pela decisão aqui recorrida), e n.º 769/2022-T de 11 de abril de 2023, esta última proferida em data posterior à fixação de jurisprudência do douto STA.

KK. As quais, em conformidade com o entendimento vertido na decisão recorrida, entenderam que o cito Acórdão Uniformizador não se pronunciou especificamente sobre a possibilidade de revisão oficiosa prevista no n.º 4 do artigo 78.º, pelo que importava apreciar a possibilidade de revisão neste condicionalismo.

LL. Desde logo, esclarece o aludido acórdão arbitral n.º 487/2020-T que “Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a actos de fixação da matéria tributável, categoria em que se integram os actos de fixação de valores patrimoniais. Na verdade, no âmbito do IMI, os actos de fixação dos valores patrimoniais são os actos que fixam a matéria tributável. Assim, apenas dentro do condicionalismo previsto nestes n.ºs 4 e 5 se pode aventar a possibilidade revisão oficiosa.

MM. Ademais, decorre da decisão arbitral emitida no Processo n.º 769/2022-T, a cujo teor se adere, que a consolidação dos atos de fixação decorrente da sua não impugnação tempestiva “não é obstáculo à aplicação do n.º 4 do artigo 78.º e, antes pelo contrário, é um pressuposto prático da sua aplicação, pois a sua utilidade só existe quando o acto a rever está consolidado.” (…).

NN. Determinando que esta solução legal é a que resulta “da ponderação concomitante dos princípios da segurança jurídica (que justifica a inimpugnabilidade por decurso do prazo normal de impugnação) e da justiça, admitindo-se o sacrifício do primeiro em situações em que a sua aplicação se reconduz a uma injustiça grave, ostensiva e inequívoca (…)”.

OO. Pelo que, “a possibilidade de revisão de actos «consolidados» não é contraditória com o regime de impugnação previsto no artigo 134.º, antes o complementa, mantendo, como regra, a preclusão do direito de impugnar actos de fixação de valores patrimoniais quando não seja observado o regime aí previsto, mas admitindo o afastamento desse regime quando existam razões excepcionais que, na perspectiva legislativa, justificam que ele não seja aplicado

PP. Pelo exposto, conclui-se que a decisão arbitral recorrida, e as decisões arbitrais supramencionadas que admitiram a revisão oficiosa dos atos de fixação com fundamento em injustiça, não se encontram em contradição com a mais recente Jurisprudência consolidada do STA.

QQ. Conclusão enfatizada pelo facto de o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STA assentar, em parte, a sua convicção, na doutrina do Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que conclui que “Neste caso da avaliação directa da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do art.º 86° da LGT, embora a contrario, que a invocação das ilegalidades de actos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86° da LGT da impugnação de actos de avaliação directa e de avaliação indirecta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indirecta, a possibilidade de invocação das respectivas ilegalidades na impugnação do acto de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tai e possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referenda cumulativa a generalidade de actos de avaliação da matéria tributável.

RR. Verificando-se, assim, que não se encontra em contradição com este entendimento a posição seguida pelo mesmo autor no âmbito das decisões arbitrais supra aludidas em que foi árbitro presidente, incluído a decisão arbitral aqui recorrida, onde se concluiu, por um lado, pela impugnabilidade de atos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT que lhes serviu de base, e por outro lado, pela admissibilidade de revisão da matéria tributável no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, admitida como exceção à regra da inimpugnabilidade de actos consolidados nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT.

SS. Em face de tudo o exposto, fica demonstrado que não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 152.º do CPTA, porquanto:

i. A decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento não adotaram, sobre a mesma questão de direito, soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto, designadamente no que concerne à questão da impugnabilidade das liquidações de AIMI (e IMI) com fundamento em vícios de fixação de VPT’s, os quais decidiram em conformidade com o entendimento preconizado pelo referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência emitido pelo STA.

ii. Não está verificada a oposição decorrente de decisões expressas, quanto à possibilidade de revisão oficiosa da matéria tributável ao abrigo do artigo 78.º n.º 4 da LGT, dado que o acórdão fundamento e a decisão fixadora de jurisprudência do STA invocada pela Requerida são omissos no que concerne à aplicabilidade desta norma.

TT. No entanto, por mera hipótese e sem conceder, caso entenda esse douto STA conhecer do mérito da decisão, cumpre salientar que a Recorrida mantém o entendimento propugnado no pedido de pronúncia arbitral no sentido da procedência do pedido de anulação dos actos de liquidação, nos termos melhor explicitados na decisão arbitral ora impugnada, a cujo teor se adere na totalidade, a qual deve manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos e nos melhores de direito ao caso aplicáveis que V. Exas, Venerandos Conselheiros doutamente suprirão, deve o recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se a decisão recorrida incólume na ordem jurídica, uniformizando-se a jurisprudência em conformidade com o entendimento ali vertido e propugnado pela Recorrida.

SÓ ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA! »


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O Exmo. Procurador-geral-adjunto, notificado, emitiu pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 146.º n.º 1 do CPTA, defendendo, a final, “que deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser admitido e, subsequentemente, ser o mesmo julgado procedente, com a consequente revogação da decisão arbitral recorrida, considerando a jurisprudência anteriormente uniformizada pelo acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 23.02.2023, proferido no processo nº 102/22.2BALSB”.

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[ tramo 2 ]

A decisão arbitral recorrida efetuou julgamento factual, nestes moldes: «

10. Os factos relevantes para a decisão da causa são os seguintes:

A) A Requerente é proprietária de um terreno para construção sito na Rua ..., ... Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...81º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o registo n.º ...04 – conforme artigo 17º do PPA, Documento nº 14 em anexo ao PPA e artigo 11º da Resposta da AT.

B) O valor patrimonial tributário (VPT) originário do bem imóvel atrás referido, de € 4 108 780,00, subjacente às liquidações aqui impugnadas, foi determinado por avaliação realizada em 09.12.2013 (ficha n.º ...70), em consequência da entrega, pelo então sujeito passivo, da declaração modelo 1 do IMI n.º ...27 em 02.12.2013, a título de reclamação da matriz por desatualização do valor patrimonial, e foram tidos em consideração na sua determinação, os coeficientes de afetação, localização e qualidade e conforto, em desconformidade com a fórmula de cálculo prevista no artigo 45.º do Código do IMI (na redação em vigor à data) - conforme artigos 27º, 34º e 35º do PPA e artigo 19º da Resposta da AT.

C) O VPT do imóvel atrás referido foi sucessivamente atualizado: (1) para o montante de Euro 4.201.227,55 em 31 de Dezembro de 2017 e de 2018, (2) e para o montante de Euro 4.264.245,96 em 31 de Dezembro de 2019, mantendo-se inalterado até 31 de dezembro de 2020 – conforme artigo 28º do PPA.

D) Em 2020.12.30 a Requerente, para o prédio em causa, apresentou a declaração Modelo 1 do IMI n.º ...29, por considerar que o VPT se encontrava desatualizado, a qual originou a avaliação efetuada em 24.01.2021 (ficha n.º ...79), da qual resultou o VPT € 1.464.680,00, que produziu efeitos à data da respetiva entrega – conforme artigos 139º e 140º do PPA e artigos 20º e 21º da Resposta da AT e Documentos nºs 15 e 16 juntos com o PPA.

E) A Requerida considera que quanto ao AIMI de 2020 “há lugar à promoção da correção da liquidação …, considerando o novo VPT de € 1.464.680,00 que se fixou na matriz com efeitos nas liquidações desse ano” - conforme artigo 28º da Resposta ao PPA;

F) A Requerente, quanto ao IMI de 2017 a 2019 e quanto ao AIMI de 2018 a 2020, foi, em datas não apuradas, notificada dos seguintes actos tributários de liquidação de IMI e AIMI:

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- conforme parte inicial do PPA, artigos 18º, 19º, 21º, 22º, 24º, 25º do PPA, Documentos 2 a 13 em anexo ao PPA e artigo 13º da Resposta da AT;

G) A Requerente, em data não apurada, pagou os valores que lhe foram liquidados – conforme artigos 20º, 21º, 22º, 24º e 152º do PPA

H) As diferenças entre os valores de IMI e AIMI que foram liquidados e os que seriam liquidados se não tivessem sido considerados nas avaliações os coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto são de € 58 797,86, valor assim apurado:

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– conforme artigo 36º e não impugnação especificada apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT;

I) Em 2021.11.05 a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa parcial (ao abrigo do nº 1 do artigo 78º da LGT e subsidiariamente ao abrigo do nº 4 do artigo 78º da LGT) das liquidações de IMI e AIMI referidas em F) que veio a ser indeferida por despacho de 2022.12.26, com a seguinte fundamentação:

1. Não foram trazidos aos autos, em sede de direito de audição, quaisquer novos elementos probatórios passíveis de inverter a posição por nós expressa em sede de projeto de decisão.

2. Quanto às inúmeras decisões jurisprudenciais e do CAAD invocadas pela requerente, as mesmas não vinculam a administração fiscal senão nos casos em concreto que foram objeto de apreciação.

3. Não obstante, tal como foi por nós referido na informação que acompanhou o projeto de decisão, por parte da Direção de Serviços de Justiça Tributária, foi emanada a Instrução de Serviço n.º 60 318/2021 Série I – DSJT, à qual os serviços da AT estão vinculados nos termos do art. 68º-A LGT, de acordo com a qual e atendendo à consolidação da jurisprudência quanto ao sentido das decisões relativas à matéria da determinação do VPT dos terrenos para construção, foi acolhido o entendimento de que, na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não podem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.

4. Porém, refere a mesma instrução que, para que a revisão ocorra (seja no âmbito de reclamações graciosas, recursos hierárquicos e revisões oficiosas, ou qualquer outro procedimento administrativo tributário em que esta questão jurídica constitua o seu objeto imediato ou mediato), terá de ser observado um requisito prévio, que é a correção do ato de avaliação do qual resulta a fixação do VPT, determinando-o à luz da regra específica constante do supra referido art. 45.º CIMI.

5. Assim, há que ter em consideração que “a anulação do ato administrativo de avaliação do terreno em construção, e a consequente determinação do VPT, pode ter lugar no prazo de seis meses contados desde a data do conhecimento do órgão competente (cf. artigo 169.º CPA), DESDE QUE, se contenha no prazo de cinco anos da sua emissão, isto é, no prazo de cinco anos contados da data em que foi realizada a determinação do VPT pela respetiva avaliação. (cf. Artigo 168.º, n.º 1 do CPA, aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º da LGT).”

6. “O conhecimento da ilegalidade pelo órgão competente só ocorre quando, em face do caso material, no âmbito do concreto processo ou procedimento em que se vai analisar da legalidade do(s) ato(s) de liquidação, se apure que o VPT do concreto terreno em construção, sobre o qual incidiu o imposto, foi determinado em contradição com o entendimento da jurisprudência que se agora entendeu acolher.”

7. Tal como também havíamos referido naquela informação, no caso concreto aqui em análise, verificou-se que o ato administrativo de avaliação a coberto do qual foi fixado o VPT e que esteve na base das liquidações aqui contestadas, data de 09/12/2013, tendo sido notificado à requerente em 07/01/2014, pelo que a AT não o poderá anular, uma vez que o prazo de seis meses após o conhecimento pelo órgão competente já não se contém dentro do prazo limite concedido pelo legislador para esse efeito, ou seja, nos cinco anos da sua emissão, encontrando-se esgotado, nos termos conjugados do artigo 79.º da LGT e artigo 168.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º da LGT.

8. Relativamente à possibilidade invocada pela requerente de viabilidade da impugnação dos atos de liquidação de IMI e AIMI, tendo por base o erróneo e ilegal apuramento do VPT, ainda que não tenham sido impugnados os atos de avaliação subjacentes, não acompanhamos esta posição.

9. Efetivamente, as liquidações, tanto de IMI como de AIMI assentam nos valores patrimoniais fixados por meio de avaliação direta dos prédios nos termos do art. 15º, nº 2 CIMI, sendo que, nos termos do nº 2 do art. 86º LGT, a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão, nos termos do artigo 134.º do CPPT.

10. De acordo com este artigo, ao ser fixado um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais e exigindo o seu nº 7 o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indireta, na sequência da notificação de atos de liquidação que os tenham como pressuposto, como são os de IMI ou AIMI e sem observância do prazo de impugnação referido ou o esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

11. Quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode sempre requerer ou promover uma segunda avaliação, sendo que apenas do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

12. Daqui decorre que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos que, entretanto, se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios de reação legalmente previstos, e que serviram de base àqueles atos de liquidação.

13. Quanto à invocação da requerente de que a prévia fixação do VPT é suscetível de avaliação em sede de revisão oficiosa, há que referir que, das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as dos n.ºs 1 e 6 reportam-se a atos de sendo que apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a atos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais.

14. Assim, só dentro do condicionalismo previsto nestes n.ºs 4 e 5 se poderia considerar a possibilidade revisão oficiosa. No entanto, é manifesto que não foi observado pela requerente o prazo de três anos fixado no n.º 4 deste artigo 78.º.

15. De tudo o que antecede e tal como havíamos referido, todas a liquidações aqui em causa se baseiam nos valores inscritos na matriz respetiva em 21/02/2014, após avaliação ocorrida em 2013, sendo que quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa, há muito que havia expirado o prazo em que podia ser autorizada a revisão dos atos de fixação de valores patrimoniais.

16. Relativamente ao não provimento do pedido de juros indemnizatórios formulado pela requerente, mantemos o informado em sede de projeto de decisão, sendo que o nº 1 do art 43º LGT se refere a situações em que exista o reconhecimento de erro imputável aos serviços em sede de reclamação graciosa ou impugnação judicial, que não é o presente caso.

17. De tudo o que antecede, dado não terem sido juntos aos autos quaisquer elementos passíveis de fazer alterar a posição expressa em sede de projeto de decisão, deverá este ser convolado em definitivo.

III – Conclusão

Face ao exposto, atendendo a que a requerente não apresentou elementos suscetíveis de alterar o sentido da decisão projetada, propõe-se sua convolação em definitiva, no sentido do indeferimento do pedido”.

- conforme artigo 37º do PPA, Documento nº 1 m anexo ao PPA e artigo 14º da resposta da AT;

J) O Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 24 de Abril de 2023 – conforme registo no SGP do CAAD. »

Na decisão (arbitral) fundamento, consta: «

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1. A Requerente é proprietária dos prédios urbanos (terrenos para construção) inscritos na respetiva matriz predial sob os artigos ...58, ...61 e ...62, todos da freguesia ..., concelho ...;

2. A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

i) Liquidação nº ...13 referente ao ano 2018, no montante total de € 18.150,56, com data limite de pagamento de 30/09/2018;

ii) Liquidação nº ...20 referente ao ano 2019, no montante total de € 18.150,56, com data limite de pagamento de 30/09/2019;

iii) Liquidação nº ...08 referente ao ano 2020, no montante total de € 14.891,06, com data limite de pagamento de 30/09/2020.

3. A Requerente pagou as liquidações de AIMI referidas em 2., dentro do prazo legal;

4. As liquidações em causa nos autos tiveram por base o VPT dos prédios urbanos (terrenos para construção) a que se alude em 1. supra, determinados no ano de 2016, segundo a fórmula que considerava a aplicação de coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto;

5. Por ofício datado de 05/11/2020, a AT notificou a Requerente da reavaliação dos prédios urbanos a que se alude em 1. supra, tendo o respetivo VPT sido determinado sem aplicação dos coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto, nos termos do disposto no artigo 45º do CIMI;

6. Tendo, em consequência, o respetivo VPT sido reduzido;

7. Em 28/04/2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações em causa nos presentes autos;

8. O pedido de revisão oficiosa veio a ser indeferido por despacho de 16/07/2021, notificado à Requerente por ofício datado de 20/07/2021;

9. O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 15/10/2021. »


***

Não obstante, ter sido, em despacho liminar, admitido, pelo relator, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, impõe-se, aqui e agora, com a intervenção de todos os Exmos. Conselheiros, da Secção, que se avalie e julgue, em definitivo, dos pressupostos da sua admissibilidade/continuidade.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal (Desde logo e em primeira linha, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário.) é, há muito, perentória, na afirmação de que o reconhecimento da ocorrência de oposição/contradição entre dois acórdãos, para efeitos deste tipo de apelo, pressupõe a verificação, cumulativa, das seguintes condições/requisitos:

- a existência de contradição entre os acórdãos recorrido e fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito;

- não ocorrer a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Adicionalmente, quanto à primeira (para estarmos diante da mesma questão fundamental de direito), impõe-se, também, em cumulação, avaliar e concluir, ainda:

- pela identidade substancial (essencial) das situações factuais envolvidas e versadas;

- que não haja ocorrido alteração substancial na regulamentação jurídica aplicável;

- pelo perfilhamento de solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas, ou seja, exige-se uma contradição decisória.

Reconfirmado o preenchimento das exigências formais de admissibilidade do recurso (versadas no aludido despacho inicial), impõe-se avançar e indagar do cumprimento, acumulado, das demais condições/requisitos, substanciais, vindos de elencar.

Neste quadrante, acontece que o STA, já, por inúmeras vezes, foi chamado a intervir em processos, com origem no caad, cuja matriz, enformadora, é equivalente, similar, à do que, agora, nos ocupa (Sobressai uma diferença quanto à identidade da decisão/acórdão fundamento, a qual, como veremos, se apresenta inconsequente, atento o sentido do veredicto final.), pelo que, faz todo o sentido (atenta, destacadamente, a finalidade, de tratamento uniforme, prosseguida por este apelo) seguirmos, aqui, as opções, antes, tomadas e repetidas.

Tal como, v.g., no acórdão, do STA, de 24 de janeiro de 2024 (Processo n.º 64/23.9BALSB; disponível em www.dgsi.pt), se registou, também, agora, assumimos, com as devidas adaptações, que as decisões arbitrais recorrida e fundamento “apreciaram a mesma questão fundamental de direito”.

« Que, em abstrato, se traduzia em saber se, não tendo o sujeito passivo requerido segunda avaliação dos prédios nos termos do artigo 76.º do Código do IMI ou impugnado o resultado da segunda avaliação nos termos do artigo 77.º do mesmo Código, podia arguir a ilegalidade das liquidações subsequentes com fundamento em vícios imputáveis à avaliação desses prédios.

O quadro legislativo era o mesmo e a factualidade subjacente era também substancialmente idêntica.

(…).

A única diferença a reportar a partir desta análise diz respeito ao imposto liquidado que, no caso do acórdão arbitral recorrido, é o IMI e, no caso do acórdão arbitral fundamento, é o AIMI.

Mas essa diferença não nos deve impressionar, no caso. Porque, como se disse, não são as operações de liquidação em si mesmas (nem as normas que lhes subjazem) que estão em causa. O que está em casa é a ocorrência de ilegalidades em operações a montante das liquidações e o respetivo regime de impugnação administrativa. Sendo que nem o regime dessas operações nem o regime da sua impugnação administrativa difere consoante se trate de IMI ou de AIMI.

Nas contra-alegações de recurso e nas alíneas … das respectivas conclusões, a Recorrida defende que não é a mesma a questão fundamental de direito porque não foi o mesmo o mecanismo processual utilizado pelos contribuintes para discutir a legalidade das liquidações de imposto.

Assim, no caso do acórdão fundamento, o pedido de revisão oficiosa foi apresentando ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, isto é, com fundamento em erro imputável aos serviços.

Já no caso do acórdão arbitral recorrido, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado também ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da mesma Lei, isto é, com fundamento em injustiça grave e notória.

Mas do facto de os fundamentos invocados nos respetivos pedidos de revisão não serem integralmente sobreponíveis não deriva que os meios procedimentais sejam distintos. Deriva, quando muito, que foi utilizado o mesmo meio procedimental com distinta fundamentação.

(…).

Também nas contra alegações de recurso e nas alíneas … das respectivas conclusões, a Recorrida defende que não existe similitude das normas aplicadas, porque o acórdão arbitral recorrido não aplicou as normas constantes dos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, que são as normas centrais da análise efetuada no acórdão fundamento.

Ora, isso não é verdade. Desde logo porque o acórdão arbitral recorrido convocou o decidido no acórdão fundamento a esse propósito e declarou expressamente acatar o julgamento da questão e os seus fundamentos no âmbito da sua própria decisão.

O que sucede é que, do mesmo passo, o acórdão arbitral recorrido entendeu interpretar o acórdão cuja solução declarou acatar no sentido de que dele não resultava que ficasse precludida a possibilidade de arguição da errónea fixação do valor patrimonial tributário no pedido de revisão dos atos de liquidação de IMI e AIMI e desde que esse pedido fosse fundado em injustiça grave e notória.

Ainda nas contra-alegações de recurso e nas alíneas … das respectivas conclusões, a Recorrida defende que não é a mesma a questão fundamental de direito porque não é a mesma a questão de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário e a questão de saber se a fixação o valor patrimonial tributário resultou numa situação de justiça grave e notória por erro não imputável a comportamento negligente do sujeito passivo e se, em consequência, os atos de liquidação devem ser anulados por estarem também reunidos os restantes pressupostos da revisão.

Parece-nos evidente que não é assim. Por um lado, na questão, genericamente formulada, de saber se na impugnação do ato de liquidação subsequente podem ser arguidos vícios imputados à avaliação dos imóveis já está contida a questão de saber se é possível fazê-lo através do procedimento de revisão. Por outro lado, se a questão por decidida no sentido da sua inadmissibilidade fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se estão (ou estavam) reunidos os demais pressupostos da revisão.

Resulta de todo o exposto que, efetivamente, a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento apreciaram a mesma questão fundamental de direito.

Assim sendo, deve também entender-se que lhe deram uma resposta divergente, visto que a decisão arbitral recorrida entendeu que para a questão de saber se era possível a impugnação da liquidação com fundamento em vícios imputáveis à fixação o valor patrimonial tributário dos imóveis importava aferir se tinha sido pedida a revisão da liquidação com fundamento em injustiça grave e notória. E o acórdão fundamento, confrontado com situação substancialmente idêntica, não fez qualquer ressalva ou distinção. »

Assumindo-se, portanto, estarem reunidas as condições/requisitos para, nestes autos, conhecer do mérito do recurso, em harmonia/uniformidade com o sentido das decisões pretéritas, apenas, importa exarar que o STA, já, estabilizou (Em primeira linha, no acórdão, datado de 23 de fevereiro de 2023, emitido no processo n.º 102/22.2BALSB.) o entendimento de que “deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável”.

E, voltando ao texto do (acima convocado) aresto de 24 de janeiro de 2024, “trata-se de um entendimento que não importa agora rever, até porque foi reafirmado no acórdão da Secção do Pleno do Contencioso Tributário de 25 de outubro de 2023, tirado no recurso n.º 047/23.9BALSB, e bem assim no acórdão da mesma Secção de 22 de novembro de 2023, tirado no recurso n.º 0115/23.7BALSB.

Aliás, neste último acórdão ficou expressamente consignado que o acórdão fundamento deve ser interpretado no sentido de que o artigo 78.º (incluindo o seu n.º 4) não é aplicável nestas situações.

Significa isto que a decisão arbitral recorrida não está de acordo com a mais recente jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, (…)”.


*******

[ tramo 3 ]

Pelo exposto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- admitir e conhecer do mérito deste recurso para uniformização de jurisprudência;

- conceder-lhe provimento e anular a decisão arbitral recorrida.


*

Custas a cargo da recorrida.

*

Comunique-se ao caad.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 21 de março de 2024. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.