Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01439/17
Data do Acordão:05/23/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23329
Nº do Documento:SAP2018052301479
Data de Entrada:12/20/2017
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A…………, Lda., com os demais sinais dos autos, recorre, por oposição de julgados, do acórdão de 10/09/2015 do Tribunal Central Administrativo Sul (fls. 406/430), em que se concedeu provimento ao recurso intentado pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, a qual anulou a liquidação adicional de IVA de 2005, elaborada com recurso a métodos indiretos.
Alega oposição de acórdãos entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido em 01/06/2011, processo n.º 0211/11, por este Supremo Tribunal.
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1.2. O Tribunal a quo, por despacho de 18/10/2017 (fls.454/456), considerou estarem preenchidos os pressupostos da oposição de acórdãos e ordenou a notificação das partes para alegarem.
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1.3. Alegações que a recorrente termina com o seguinte quadro conclusivo:
«1- Vem o presente recurso interposto do douto, aliás, acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 10 de setembro de 2015, no processo n.º 06272/12, invocando-se oposição entre ele e o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 1 de Junho de 2011, no processo n.º 0211/11.
2- O acórdão recorrido revogou a sentença proferida pelo TAF de Loulé na parte que julgara procedente a Impugnação da liquidação adicional de IVA referente ao ano de 2005, decorrente de ação inspetiva, impugnação que, no que ora importa, teve por fundamento o excesso na quantificação referente à liquidação do IVA de 2005.
3- Sucede que, no caso em apreço provou-se um excesso de quantificação, por parte da inspeção tributária, no montante de 7.200,00 euros, facto este que se enquadra plenamente na previsão do preceito legal mencionado na conclusão anterior, traduzindo uma clara dúvida fundada que só poderá conduzirá anulação do ato tributário.
4- Efetivamente, a ora recorrente impugnou a liquidação adicional de IVA relativa ao ano de 2005.
5- Por sentença proferida pelo TAF de Loulé de fls. 323 a fls.354, em 10/10/2012, julgou-se procedente as alegações da ora recorrente de excesso na quantificação referente à liquidação do IVA de 2005.
6- A sentença proferida pelo TAF de Loulé deu por assente um conjunto de factos no seu julgamento da matéria de facto sobre os quais desenvolveu o seu julgamento de direito, considerando que de tais factos decorre uma fundada dúvida quanto à quantificação dos atos tributários (de liquidação), merecedora de anulação do mesmo nos termos do artigo 100.º do CPPT.
7- A Fazenda Publica, veio recorrer dessa decisão da Mma Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, apenas na parte em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente, contra a liquidação do ano de 2005.
8- O douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, entendeu contrariamente ao decidido pela 1.ª instância que não procede o fundamento do excesso na quantificação, concluindo sumariamente que:
“I. Não se pode concluir pelo excesso na quantificação com base numa única transferência que apenas em tribunal se vem apurar a sua origem (mas não a sua natureza) e cujo valor é diminuto, tanto mais que aquele valor não foi considerado pela AT por culpa do contribuinte;
II. A avaliação indirecta tem ínsito o apuramento de um valor que não corresponde exactamente à realidade, pelo que o excesso na quantificação tem de ser um excesso relevante, dada a natureza aproximada daquela quantificação, e deve ser aferido casuisticamente;
III. Não se verifica a fundada dúvida para efeitos da aplicação do art. 100.º do CPPT se apenas se faz prova da transferência de determinadas quantias (da origem) mas não se faz prova da natureza dessas quantias, aliada à envolvente do caso concreto em que está assente que houve efectivamente omissão de proveitos.”
9- E com base nesse entendimento, concedeu-se provimento ao recurso da Fazenda Pública, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé relativa à liquidação adicional do IVA referente ao ano de 2005, e consequentemente improcedente a impugnação da ora recorrente.
10- O acórdão fundamento mostra-se publicado no site www.dgsi.pt, com o processo n.º 0211/11, n.º Convencional: JSTA00067005 e o n.º documento SA2201106010211.
11- A contradição entre os acórdãos prende-se com norma que se reporta à questão do ónus da prova.
12- A questão lateral que decorre é a de apurar se em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete ou não à Administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 3 da LGT e sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá ou não o ato impugnado ser anulado nos termos do disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.
13- Da leitura do artigo 74.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária conclui-se que não foi fixado qualquer limite mínimo para o excesso de quantificação da matéria tributável, daí resultando que a prova de qualquer excesso de quantificação, por parte do sujeito passivo, faz cair, na totalidade, a determinação da matéria tributária realizada pela inspeção tributária.
14- No mesmo sentido aponta, de forma particularmente notária, o artigo 100.º do CPPT ao estabelecer que a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, conduz à anulação do ato tributário.
15- A Jurisprudência tem sempre entendido que a dúvida fundada implica o desaparecimento de todos os efeitos do ato tributário em causa.
16- Salvo o devido respeito, o que o legislador e todo o ordenamento jurídico estabelece é que em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT) e sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado (artigo 100.º, n.º 1 do CPPT).
17- Este último normativo deve ser interpretado no sentido de que para a anulação do ato tributário é suficiente que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a quantificação da matéria tributável (sem que se tenha que fazer a prova direta e cabal da inadmissibilidade do critério utilizado ou do exagero dessa mesma quantificação).
18- A decisão do TCA do Sul proferida pela Mma. Juíza “a quo”, ao não dar relevância à dúvida sobre a quantificação da obrigação tributária, a favor do contribuinte, violou o disposto nos artigos 74.º, n.º 3 da LGT e 100.º n.º 2 do CPPT e não está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
19- Com efeito, o Tribunal Central Administrativo do Sul em resposta à questão colocada de se saber se a divergência encontrada é suficiente para dar como satisfeito o ónus da prova que recai sobre a impugnante, ora recorrente, previsto na última parte do n.º 3 do artigo 74.º da LGT (excesso na quantificação) veio dizer que “..., não se pode concluir pelo excesso na quantificação com base numa única transferência que apenas em tribunal se vem apurar a sua origem (mas não a sua natureza) e cujo valor é diminuto. Com efeito, aquele valor não foi considerado pela AT por culpa do contribuinte, designadamente, por não se encontrar refletido na contabilidade, pelo que ainda que se considere haver excesso na quantificação, este será sempre imputável ao contribuinte.”
20- Salvo o devido respeito por opinião contrária, tal qual se defendeu no douto, aliás acórdão fundamento, entende a recorrente que a questão do ónus da prova contida no artigo 74.º da LGT é anterior à do julgamento de direito e apenas releva para disciplina tal matéria quanto à respetiva incumbência do ónus da prova quanto a cada uma das matérias aí versadas.
21- O artigo 74.º da LGT não é articulável com o disposto no artigo 100.º do CPPT que se limita a consagrar a consequência jurídica relativa à existência de fundada dúvida quanto à quantificação do ato tributário em que se pronuncia pela sua anulação.
22- Ou seja, a aplicação do artigo 74.º da LGT situa-se no âmbito do julgamento de facto e o artigo 100.º do CPPT aplica-se no âmbito do julgamento de direito, devendo este último normativo ser interpretado no sentido de que para a anulação do ato tributário é suficiente que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a quantificação da matéria tributável (sem que se tenha que fazer a prova direta e cabal da inadmissibilidade do critério utilizado ou do exagero dessa mesma quantificação).
23- Por outro lado, o disposto no n.º 2 do artigo 100.º do CPPT apenas afasta a existência de dúvida fundada quando em sede de aplicação da avaliação indireta, esta tiver por fundamento “a inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição da contabilidade ou escrita e demais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, o que não é manifestamente o caso dos autos em apreço onde o recurso a métodos indiretos não teve qualquer dos indicados fundamentos.
24- Estabelece o artigo 74.º, n.º 3 da LGT que, «Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributável o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso da respetiva quantificação».
25- O legislador não determinou, neste preceito legal, qualquer limite mínimo em relação ao excesso da quantificação provado pelo sujeito passivo, transmitindo claramente a ideia de que qualquer excesso provado pelo contribuinte faz cair, no seu todo, a determinação da matéria tributável levada a efeito pela administração tributária.
26- O artigo 100.º do CPPT, que se reporta à questão do ónus da prova, estabelece que «Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado».
27- Contrariamente ao referido no douto acórdão recorrido, a causa da dúvida no caso concreto não derivou do comportamento do contribuinte não tendo sido por incumprimento dos seus deveres de cooperação, que se inviabilizou a descoberta e apuramento dos factos tributários, não podendo a dúvida reverter contra ele.
28- A evidência da situação é incontestável, uma vez que não há razão mais clara para se configurar uma «fundada dúvida» do que o facto de a inspeção considerar matéria tributável um valor de 7.200,00 euros, em relação ao qual se provou uma total falta de enquadramento tributário.
29- Aliás, a jurisprudência tem entendido unanimemente que a dúvida fundada implica o desaparecimento de todos os efeitos do ato tributário em causa.
30- Não existe qualquer dúvida de que o valor de 7.200,00 euros se traduziu em excesso de quantificação, por duas razões:
- Esta importância foi transferida, em 07-10-2005, do sócio B………… para a ora recorrente;
- A própria Administração Tributária que referiu no RIT (Cap. IV ponto 3) que havia excecionado nos seus cálculos os suprimentos do sócio, acabou por integrar aquele valor na lista anexa ao RIT, a qual foi tida em conta no cômputo da matéria tributável.
31- Estes dois factos foram dados como provados pelo TAF de Loulé (v. douta sentença fls. 352 abaixo e 353 acima), não os tendo a AT impugnado.
32- O entendimento do douto acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul ao considerar que «in casu» não operou o regime da fundada dúvida previsto no artigo 100.º do CPPT está em clara oposição com o acórdão fundamento.
33- Tal qual se decidiu no acórdão fundamento sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado (artigo 100.º, n.º 1 do CPPT).
34- E não como erradamente decidiu o TCA Sul, ou seja, que não se verifica a fundada dúvida para efeitos da aplicação do art. 100.º do CPPT se apenas se faz prova da transferência de determinadas quantias (da origem) mas não se faz prova da natureza dessas quantias, aliada à envolvente do caso concreto em que está assente que houve efectivamente omissão de proveitos.
35- Existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado sobre a mesma questão fundamental de direito (ónus da prova), havendo identidade substancial das situações fácticas, entendida como a sua subsunção às mesmas normas legais.
36- Não houve alteração substancial na regulamentação jurídica e a decisão impugnada não está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
37- Tendo sido produzida prova concludente demonstrativa do erro ou excesso de quantificação da matéria tributável determinada por métodos indiretos, por parte da impugnante, como obrigava o artigo 74.º n.º 3 da LGT e artigo 100.º n.º 3 do CPPT, foram violadas estas normas quando no douto acórdão recorrido foi decidido não existir dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário, nos termos do art.º 100.º, do CPPT, sendo fundamento de anulação do ato de liquidação.
38- Tendo igualmente sido violado o preceito legal previsto no artigo 100.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT.
39- Por consequência, deve o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul ser revogado.
Termos em deve ser proferido acórdão que confirme a jurisprudência dos Tribunais Tributários, mormente a referida no acórdão fundamento, com a consequente revogação do douto acórdão recorrido e da liquidação adicional do IVA do ano de 2005.
Com o que se fará justiça!».
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1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«1. O presente recurso vem interposto do acórdão do TCA Sul de 10/09/2015, exarado a fls. 406/430 (proc 06272/12), que julgou improcedente a impugnação judicial intentada contra o ato de liquidação de IRC relativo a rendimentos obtidos no período de liquidação da massa insolvente e cuja determinação da matéria tributável havia sido feita por recurso a métodos indiretos.
O recurso é interposto ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 2, e 284º, ambos do CPPT, entendendo a Recorrente que a decisão recorrida está em oposição com o acórdão do STA de 01/06/2011, proferido no âmbito do processo nº 0211/11.
Entende a Recorrente que «existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado sobre a mesma questão fundamental de direito (ónus da prova), havendo identidade substancial das situações fácticas, entendida como a sua subsunção às mesmas normas legais».
Para o efeito alega a Recorrente que a questão que se coloca consiste em saber se em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete ou não à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação nos termos do disposto no artigo 74º, nº 3, da LGT e sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá ou não o ato impugnado ser anulado nos termos do disposto no artigo 100º, nº 1, do CPPT».
Considera a Recorrente que «este último normativo deve ser interpretado no sentido de que para a anulação do ato tributário é suficiente que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a quantificação da matéria tributável (sem que se tenha que fazer a prova direta e cabal da inadmissibilidade do critério utilizado ou do exagero dessa mesma quantificação)». E que o acórdão recorrido «ao não dar relevância à dúvida sobre a quantificação da obrigação tributária, a favor do contribuinte, violou o disposto nos artigos 74º, nº 3, da LGT, e 100º, nº 2, do CPPT».
Considera ainda a Recorrente, a propósito do disposto no artigo 74º, nº 3, da LGT, que «o legislador não determinou neste preceito legal, qualquer limite mínimo em relação ao excesso da quantificação provado pelo sujeito passivo, transmitindo claramente a ideia de que qualquer excesso provado pelo contribuinte faz cair, no seu todo, a determinação da matéria tributável levada a efeito pela administração tributária».
E conclui a Recorrente que «...não há uma razão mais clara para se configurar uma “fundada dúvida” do que o facto de a inspeção considerar matéria tributável um valor de 7.200,00 euros, em relação ao qual se provou uma total falta de enquadramento tributário».
E termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e em sua substituição ser proferido acórdão no sentido adotado no acórdão fundamento, determinando- se a anulação do ato impugnado.
2. É pacífica a jurisprudência da secção de contencioso tributário do STA que a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, que devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
-identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
-que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
-que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
-a oposição deverá decorrer de decisões expressas não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (- cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, p. 424, e acórdãos do Pleno da seção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009, e de 26/09/2007, 14/07/2008 e de 6/05/2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
Importa analisar se no caso concreto dos autos estão ou não reunidos os referidos requisitos.
3. Há que analisar se no caso concreto se verifica ou não a oposição dos arestos nos termos supra explanados e designadamente se, como considera a Recorrente, o entendimento adotado no acórdão recorrido (TCA) está em clara oposição com o acórdão fundamento no que respeita ao regime da “fundada dúvida” previsto no artigo 100º do CPPT
3.1 No acórdão recorrido começou-se por analisar a questão do excesso de quantificação da matéria tributável e que se prendia com existência de uma transferência bancária no valor de € 7.500 euros, englobada na matéria tributável pela AT e que a sentença de 1.ª instância considerara como suprimento de um dos sócios do sujeito passivo, por ter origem numa conta bancária titulada pelo sócio. E considerou o TCA Sul no acórdão recorrido que em face das circunstâncias apuradas pela AT de omissão de proveitos, não se tinham apurado elementos suficientes que permitissem concluir pela natureza de suprimento de tal entrada de valor pecuniário, ainda que proveniente de conta do sócio. E que não se colocava a hipótese de “fundada dúvida sobre a quantificação”, uma vez que no apuramento da matéria colectável por métodos indiretos a quantificação nunca é exacta, mas é apenas aproximada.
3.2 No acórdão que serve de fundamento - acórdão do STA de 01/06/2011, proferido no âmbito do processo nº 0211/11 estava em causa a questão de saber se ao dar relevância à dúvida sobre a quantificação da matéria tributária, o tribunal “a quo” violara o disposto nos artigos 74º, nº 3, da LGT, e 100º, nº 2, do CPPT, tendo o STA concluído pela negativa. Para o efeito considerou-se que tendo o tribunal “a quo” concluído pela verificação de “fundada dúvida sobre a quantificação do acto tributário”, asserção esta que não podia ser sindicada pelo STA, na qualidade de tribunal de revista, por se tratar de julgamento da matéria de facto, então haveria que decidir-se pela anulação do ato tributário, nos termos do nº 1 do artigo 100º do CPPT, sendo certo que a situação não era subsumível na previsão do nº 2 do mesmo preceito legal.
3.3 Do que se deixa exposto resulta que em ambos os arestos o tribunal “ad quem” apreciou a questão da relevância da “fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário” no âmbito da determinação da matéria tributável por métodos indirectos. Mas as similitudes das situações analisadas circunscrevem-se a esse facto, uma vez que no caso do acórdão recorrido o TCA, conhecendo de facto e de direito, fez uma leitura diversa do tribunal “a quo” sobre a factualidade apurada, tendo concluído pela não verificação da “fundada dúvida”; Enquanto no caso do acórdão fundamento, invocando a sua natureza de tribunal de revista, o STA rejeitou sindicar a asserção adotada pelo tribunal “a quo” sobre a verificação de “fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário”.
Ora, as decisões opostas tomadas pelos arestos em confronto e consubstanciadas na decisão de manutenção do ato tributário, no caso do acórdão recorrido, e de anulação do ato, no caso do acórdão fundamento, têm igualmente subjacentes diversos juízos de facto: No primeiro caso a não verificação e no segundo a verificação de “fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário”.
Conclui-se, assim, que não se está perante a mesma questão jurídica nos dois arestos em confronto, uma vez que não estão subjacentes situações de facto substancialmente iguais. E tal facto é patente nas alegações da Recorrente, que ao invés de identificar os entendimentos diversos adotados em cada um dos acórdãos, se limita a insurgir-se contra a apreciação efetuada pelo tribunal recorrido na apreciação que fez sobre a verificação da “fundada dúvida” a favor do contribuinte.
3.4 Conclui-se, assim, e atentas as questões que foram colocadas em cada processo e o âmbito em que as mesmas foram apreciadas nos acórdãos em confronto, pela inexistência da oposição de acórdãos exigida por lei para efeitos de recurso ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 2, e 284º ambos do CPPT.
Entendemos, assim, que o recurso não deve ser admitido.».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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1.7. Cumpre apreciar e decidir se se verificam os pressupostos formais do recurso por oposição de acórdãos.
Depois deverá averiguar-se se existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
Só posteriormente, se a resposta à questão anterior for positiva, deverá averiguar-se se o acórdão recorrido sofre dos vícios que lhe são imputados.
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2.1. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) Em 04/04/2007 foi emitido o Despacho nº DI200701167 que determinou o procedimento de inspecção para “consulta, recolha e cruzamento de elementos” (cfr. fls. nº 19 dos autos);
B) No dia 09/04/2007 a Impugnante tomou conhecimento do despacho referido na alínea anterior (cfr. fls. 19 in fine dos autos e por acordo);
C) Em 18/04/2008, a Divisão de Planeamento e Coordenação da Direcção de Finanças de Faro, enviou à Impugnante, através do ofício 3920, um pedido de elementos (cfr. fls. 22 dos autos);
D) Em 24/10/2008 foram emitidas Ordens de serviço n.º OI200801178 e OI200801179 pela Direcção de Finanças de Faro que originaram uma acção externa de inspecção levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária II, da Direcção de Finanças de Faro abrangendo os exercícios de 2004 e 2005 (cfr. fls. 39 dos autos);
E) A Ordem de Serviço nº OI200801178 foi assinada pela contabilista da Impugnante em 05/11/2008 (cfr. doc. nº 1 e depoimento da testemunha ……….);
F) A acção de inspecção externa referida na alínea D) foi iniciada em 2008/11/05 e concluída em 2008/11/06 (cfr. fls. 39 dos autos);
G) Foi elaborado o projecto de relatório final de inspecção (cfr. fls. 24 do p.a.);
H) Em 16/09/2008 através do ofício nº 9724, foi comunicado à Impugnante o projecto de relatório de inspecção tributária (cfr. fls. 24 do p.a.);
I) A Impugnante não apresentou resposta no âmbito do direito de audição (cfr. fls. 24 e fls. 19 do p.a.);
J) O procedimento de inspecção externa iniciou-se com a notificação da Ordem de Serviço em 05/11/2008 (cfr. doc. 1 junto com a contestação);
K) Em 25/11/2008 foi elaborado o relatório final, o qual se tem reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, nomeadamente, consta o seguinte:
“(…)
11.2. Motivo, âmbito e incidência temporal o presente procedimento de inspecção tem origem em elementos recolhidos junto do s.p. no âmbito do Despacho n.º DI 200701167, de 2007-04-04, que indiciam que este tem uma capacidade contributiva superior à declarada.
Motivo: Código 12211-014 – Outras acções determinadas pelo Director de Finanças o âmbito da acção é geral. A incidência temporal diz respeito aos exercidos de 2004 e 2005.
(...)
IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1. O s.p. não regista de forma apropriada na sua contabilidade as suas receitas, o que impossibilita a correspondência entre receitas e proveitos, designadamente:
• Nas facturas de venda emitidas vem, em inúmeras situações, referida a existência de adiantamentos de clientes, os quais não se encontram registados na contabilidade.
• Considera os valores facturados integralmente recebidos a pronto e por caixa, não evidenciando as vendas a crédito nem os adiantamentos dos clientes.
2. O montante dos suprimentos efectuados pelo sócio-gerente B………… – contabilizados indevidamente na conta 26.8.2 (Credores Diversos) quando deveriam ser contabilizados na conta 25.5 (restantes accionistas/sócios) – aumentou de € 263.425,23 no início de 2004, para € 382.246,60 em Dezembro de 2004, e para € 488.091,03 em Dezembro de 2005, o que representa 60% do volume de negócios.
3. Analisados os extractos bancários do s.p., verificou-se que os valores depositados, excluindo os valores provenientes de outras contas do s.p. e os suprimentos, excedem, de forma substancial, os proveitos declarados (€ 1.386.204,02 em 2004 e € 1.392.166,59 em 2005 conforme Lista em anexo), o que indicia ocultação de proveitos.


4. Não existe correspondência entre os valores registados na contabilidade e os valores efectivamente depositados nas contas bancárias do s.p., não existindo reconciliação bancária.
5. Nos contactos mantidos com o s.p. no âmbito do Despacho que antecedeu as presentes Ordens de Serviço, foi pedido ao s.p. que evidenciasse a origem dos fundos depositados nas suas contas bancárias, o que não foi feito até á presente data.
6. Nestes termos, face às falhas apontadas na contabilidade do s.p. e aos indícios de omissão de proveitos, vai-se proceder, nos termos da alínea b) do artigo 87.º e alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 88º, ambos da Lei Geral Tributária, à correcção da matéria colectável dos exercícios de 2004 e 2005 com recurso a métodos indirectos.
V. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
As correcções por métodos indirectos serão baseadas nos critérios previstos nas alíneas a) e d) do artigo 90.º da LGT:
• A diferença injustificada, apurada no ponto lV.3 deste relatório, entre as receitas e o volume de negócios declarado, presume-se resultante de vendas, com IVA incluído à taxa normal
• Os acréscimos a efectuar nas vendas presumem-se distribuídos ao longo de cada ano na razão do volume de vendas mensal
• Para a determinação da matéria colectável de cada exercício vai utilizar-se os rácios de rentabilidade fiscal que resultam dos valores declarados pelo s.p.:
2,98% em 2004 e 3,18% em 2005.

Notas: (C) = (5) / Soma(s) (Diferença total do ano) / (1 + taxa normal)
(C) (O) = Diferença total entre depósitos e volume de negócios declarado.
VII. INFRACÇÕES VERIFICADAS
Os erros verificados na contabilidade nos exercícios de 2004 e 2005 constituem infracção ao n.º 3 do artigo 17.º do CIRC, o que constitui por cada período de tributação, infracção prevista e punível pelo artigo 119.º do RGIT.
As omissões e inexactidões praticadas nas declarações periódicas de IVA de 0401 a 0512, infringem o disposto no n.º 4 do artigo 26º e n.º 2 do artigo 82.º do
CIVA, o que constitui, por cada período de tributação, infracção prevista e punível pelo n.º 2 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).
(...)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
Comunicado o projecto de relatório ao s.p., através do ofício n.º 9724 de 2008-
09-16, não foi exercido o direito de audição previsto no artigo 60.º da Lei Geral
Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária.
Foi elaborado documento de correcção pelas correcções propostas. (cfr. fls. 19 a 30 do p.a.);
L) Em 01/12/2008 foi emitido pelo Director de Finanças o seguinte despacho:
“Concordo. Proceda-se como se propõe.” (cfr. fls. 19 do p.a.);
M) Em 02/12/2008 através do ofício n° 13240 foi comunicado à Impugnante o Relatório de Inspecção Tributária e o despacho que sobre ele recaiu (cfr. fls. 31 dos autos);
N) Em 10/12/2008, a Impugnante foi notificada, através de carta registada com aviso de recepção do relatório final da inspecção tributária (por acordo);
O) No dia 02/01/2009, a Impugnante apresentou um “pedido de revisão da matéria colectável” que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 49 a 52 dos autos);
P) Os peritos reuniram em 15/01/2009 e 22/01/2009, não tendo chegado a acordo (cfr. fls. 57 e 58 dos autos);
O) O perito da Impugnante fez constar do seu laudo o seguinte:
(...) Considerando que com os elementos que já pude recolher e mostrar e ainda outras provas que em sede própria poderá ainda entregar, não aceita a posição da Administração Fiscal, porque entende que é indevida a fixação da matéria colectável, pelo que reafirmo mais uma vez de que a tributação está incorrecta e como tal já digo, deverá ser anulada, tal como já dissemos no pedido de revisão, tanto na discussão desta comissão, como no pedido de revisão apresentado no dia 02 de Janeiro de 2009.” (cfr. fIs. 60 dos autos);
R) Em 22/1/2009, na falta de acordo entre os peritos, o Director de Finanças proferiu a seguinte decisão:
(…) Dão-se aqui por integralmente reproduzidos e como fazendo parte integrante da presente decisão todos os documentos que constituem o processo base, designadamente o relatório do exame à escrita e seus anexos, a petição apresentada pelo reclamante, o direito de audição prévia facultado e previsto no art.º 60.º da LGT e RCPIT e os laudos elaborados pelos peritos das partes, derivados do debate contraditório já aludido.
O perito indicado pelo contribuinte, refere não aceitar a posição da Administração Fiscal, porque entende que é indevida a fixação da matéria colectável, referindo que a tributação está incorrecta, devendo ser anulada, tal como demonstrado tanto na discussão da Comissão, como no pedido de revisão apresentado em 2009-01-02.
O perito da administração tributária, mantém o apoio das conclusões retiradas do relatório do exame à escrita, visto que, os argumentos invocados nas reuniões e no laudo do perito indicado pela sociedade, não permitiu estabelecer qualquer acordo, não tendo sido apresentados factos susceptíveis de produzir alterações. Considera que os fundamentos e os factos que levaram à tributação por métodos indirectos reúnem os requisitos que impossibilitam a comprovação e a quantificação directa e exacta, dos elementos indispensáveis à determinação dos rendimentos, nos termos dos art.ºs 87º aI. b) e 88º ambos da LGT.
Por tudo isto, o perito da administração tributária é de parecer que o valor da matéria tributável objecto da reclamação, deverá ser mantido.
Ponderados todos os fundamentos invocados e tendo em conta as posições assumidas por ambos os peritos, concordo com a posição assumida pelo Perito e Administração Tributária, e mantenho a fixação do rendimento de IRC e IVA, dos anos de 2004 e 2005, nos valores de: € 34.713,43, € 36.888,29 (IRC), e € 67.335,41, € 57.025,75 (IVA), respectivamente fixados por métodos indirectos.” (cfr. fls. 55 e 56 dos autos);
S) Em 26/01/2009, através do ofício n° 001854 foi comunicado à Impugnante a decisão do pedido referido na alínea anterior (cfr. fls. 54 a 67 dos autos);
T) Em 02/02/2009 a Impugnante foi notificada pessoalmente do montante provisório de liquidação de IVA de 2004 (cfr. fls. 61 dos autos);
U) Em 11/03/2009 foram enviadas à Impugnante as liquidações definitivas de IVA e juros compensatórios (cfr. fls. 72 a 118 dos autos);
V) Em 01/11/2005 foi emitido o extracto bancário (cfr. fls. 201 e 202 dos autos);”».
*
2.2. O acórdão fundamento (acórdão de 01/06/2011, processo n.º 211/11) deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A)- A impugnante encontra-se colectada pelo exercício da actividade de “Construção Edifícios” CAE “045211” desde 1986.01.01, estando enquadrada do regime de isenção de IVA conforme art.º 9 CIVA e os rendimentos da actividade exercida estão sujeitos, em sede de IRC, a tributação nos termos dos artigos 1º e 3º do CIRC., cfr. fls. 38 do processo administrativo apenso.
B)- A coberto da Ordem de serviço n° OI200501842/OI200501843, com início em 2006.06.20, e o fim em 2006.10.02, a Administração Fiscal procedeu a inspecção à actividade da Impugnante, cfr. fls. 35 do processo administrativo apenso.
C)- O motivo da inspecção foi o PNAIT 222.22 - Empresa do sector da construção civil – Despacho do Sr. Director de Finanças de 2005.09.26, cfr. fls. 38 do apenso.
D)- A inspecção abrangeu os exercícios de 2002 e 2003 e foi de âmbito geral, cfr. fls. 38 do apenso.
E)- Em 25/10/2006, os serviços de inspecção elaboraram o relatório de fls. 35 e segs., do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:
RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
I. CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
Face aos motivos descritos no presente relatório estamos perante a impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, indo-se assim proceder para os exercícios de 2002 e 2003, à realização da avaliação indirecta nos termos da alínea b) art.º 87º e alínea d) art.º 88 e de acordo com o art.º 90, todos da Lei Geral Tributária (LGT).
São desta forma fixados os lucros tributáveis presumidos nos montantes de € 930.700,87 e € 4.451,00 para 2002 e 2003 respectivamente, tendo implícitas correcções com recurso a avaliação indirecta nos montantes de € 545.753,64 e de € 23.896,74 respectivamente.
II OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA.
11.3 - CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES FISCAIS
O sujeito passivo tem a sede na Av. ………. N …… - 8000-… FARO, e vem exercendo a actividade na área deste concelho.
Pelo sistema de consultas de IRC e de IVA bem como da Declaração Anual verifica-se que não existem faltas declarativas.
(...)
IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
1. Na acção preparatória da acção de inspecção e através do “Sistema informático do Património” foi possível identificar as fracções transaccionadas pelo s.p. nos exercícios em questão:
2. Em 2005-11-02, foram remetidas notificações para os adquirentes das diversas fracções alienadas pela empresa no ano de 2002 e 2003, nas quais foram solicitados:
- Fotocópia do contrato promessa de compra e venda, respeitante à aquisição da fracção ao sujeito passivo C…………, Lda.
- Fotocópia dos comprovativos das importâncias pagas, com identificação das datas de pagamento, n.º dos cheques emitidos e respectivos bancos, referente à referida aquisição;
- Comprovativo do pagamento da SISA adicional, se for caso disso.
Analisadas as respostas, verificamos:
A correspondência entre os valores dos Contratos Promessa de Compra e Venda (C.P.C.V.) com as respectivas Escrituras de Compra e Venda (E.C.V).
Que os pagamentos coincidem grosso modo com as datas estipuladas no C.P.C.V e que existem elevados pagamentos em numerário (Anexo 1).
Verificou-se que em referência à fracção H foram efectuadas 2 escrituras. A primeira no dia 31/01/2003 registada no livro 301-A fls. 83 em que foi registada a venda por € 69.831,71 que foi rectificada pela escritura do dia 16-04-2003 registada no livro 311-A fls. 47 onde foi corrigido a valor da venda para € 84.795,64.
3. Em conformidade com o disposto no art.º 9 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributário (RCPIT) e artº 49 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), foi solicitada à Conservatória do Registo Predial de Faro, em 2005-11-14, o envio das certidões de teor de matrícula e seus averbamentos de todas as fracções descritas naquela conservatória sob os n.ºs 615/19851007 da freguesia de S. Pedro. Foi possível, verificar que alguns compradores contraíram, no mesmo momento, empréstimos bancários de montante superior ao da escritura, através da contratualização de vários mútuos com hipoteca sobre as mesmas fracções, por períodos e taxas idênticas (Anexo 2).
4. Em 2006-06-19, foram remetidas notificações para que os adquirentes justificassem a existência dos segundos contratos de mútuo com hipoteca das fracções em causa.
Nas respostas recebidas, poucos foram as que conseguiram justificar cabalmente os montantes dos empréstimos, quer por ausência de documentação quer por justificarem empréstimos obtidos para obras de beneficiação com outro tipo de despesa (ex. mobiliário, electrodomésticos, tapetes etc.).
5. Analisada a contabilidade do SP, verificou-se:
- A existência de um saldo de caixa credor em 31-08-2002.
- Verificou-se no exercício de 2002 que o saldo inicial na conta de cliente n.º 211024 referente à aquisição da fracção “B”, era de € 109.735,52 quando a valor da E.C.V. foi de 87.289,63 (o cliente teria já pago mais que o valor da escritura). Verificou-se no entanto o estorno parcial (débito da conta 211024 – Cliente e crédito da conta 255121 – Suprimento de sócio), no montante de € 24.939,89, do lançamento 822 do ano 2000; analisado o lançamento original verifica-se que é uma entrada em numerário de montante global de € 27.433,88 (2 depósitos bancários em 28/12/2000 valor de € 22.445,91 e 1 depósito em 05/12/2000 de € 4.987,98), totalizando o valor que a cliente estaria obrigada a pagar ao SP de acordo com o C.P.C.V.
6. Foi criada uma base de dados de valores de venda de fracções em Faro, através da recolha de todas as fracções vendidas no exercício de 2002, e cujo valor real foi declarado e corrigido pelos s.p. compradores e/ou vendedores em processos de inspecção a Empresas dos sector da construção civil no âmbito da acção especial a este sector.
Para elaboração da base de dados foram recolhidos dados de 118 fracções, 11 T1, 33 T2, 59 T3 e 15 T4 (Anexo 3).
Da análise efectuada e comparando os dados com o s.p., o foi possível concluir quais os valores de venda por m praticados em Faro:

Verifica-se assim a existência de manifesta discrepância entre o valor declarado pelo SP e o valor de mercado, o que de acordo com a alínea d) do art.º 88 da Lei Geral Tributária (LGT) consubstancia um do caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, assim de acordo com o nº 1 artº 52 do CIRC, iremos nos termos da al. b) artº 87, proceder à avaliação indirecta da mesma por aplicação do critério previsto na al. h) do art.º 90 da LGT.
V. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Iremos aplicar às fracções vendidas em 2002 e 2003 os preços médios de venda praticados em Faro para 2002 (excluem-se a fracção A art.º 1043 pela tipologia e a fracção P artº 4144 adquirida pela sociedade em 2001 e vendida ao sócio gerente em 2003)


(...)
IX DIREITO DE AUDIÇÃO
O s.p. exerceu, no dia 2006-10-23, por escrito o direito de audição, que de seguida se analisa.
Ponto 16º
Afirma o s.p. “Estas situações eram normais até ao fim do ano de 2003...”
Referindo-se ao facto de os contribuintes deliberadamente no indicarem quais os verdadeiros fins dos seus empréstimos.
Considerando que normal significa “conforme norma ou regra; que serve de modelo; exemplar”
Não poderemos considerar que a falsidade intelectual seja normal, quando muito poderá considerar o s p. que será muito frequente.
E de salientar a coincidência de datas entre o fim dessas situações ditas normais, de acordo com o s.p. e o início da acção especial âmbito da acção especial a este sector referida no ponto 6 do capítulo IV.
Ponto 26°
Afirma o s.p. “Não se diz quais são esses valores de mercado e como é que estes foram obtidos ou onde é que os mesmos existem ou estão publicados. “Ignorando em absoluto o ponto 6 do capítulo IV.
Acrescente-se ainda que considerando que em Faro foram construídos 710 fogos (fonte INE - Estatísticas da Construção e da Habitação 2002) a amostra recolhida representa 16,62% do mercado.
De referir que o conceito de preço de mercado não se aplica a um preço único de plena concorrência, inexistente, mas sim a um intervalo de preços com uma comparabilidade razoável.
No que respeita à publicação de valores são apresentados pelo INE (Estatísticas da Construção e da Habitação 2002 – Inquérito à Avaliação Bancária na Habitação) os seguintes:

Assim face aos valores publicados por entidade de referência (INE) e os valores aplicados no relatório, poderá alegar o s.p. que foram consideravelmente inferiores.
Ponto 27º
Afirma o s.p. “Será que esta empresa ou outra qualquer terá de solicitar à Administração Fiscal os preços de mercado a praticar nas vendas antes de iniciar estas, a fim de serem aceites para efeitos tributários?”
Informa-se o s.p. da alteração efectuada pelo legislador ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), pelo DL 287/2003 de 11 de Novembro, ao introduzir o art.º 58-A.
De acordo com o Despacho do Director-Geral dos Impostos de 3 de Junho de 2005 tem a natureza de uma cláusula especial anti-abuso, que se destina a dar resposta a situações de flagrante e manifesta sub-declaração dos valores das transacções que envolvem direitos reais sobre bens imóveis, o seu objectivo último é o de induzir os contribuintes a adaptar sua conduta em ordem a que os valores constantes dos contratos de compra e venda de direitos reais sobre bens imóveis reflictam os valores de mercado efectivamente praticados pelas partes.”
Ponto 29º
O s.p. afirma ter a “contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal”
Não comenta o s.p. as situações verificadas no capitulo IV ponto 5, nomeadamente a existência do saldo credor da conta caixa mencionado no relatório.
Num fundo de caixa no se podem verificar descobertos, considerando que todos os movimentos são reflectidos na contabilidade, não se pode gastar o que não se tem, “o saldo de caixa é sempre devedor ou nulo, nunca credor.” (Elementos de Contabilidade Geral – 13.ª Edição Rei dos Livros pág. 140.
Ponto 39º
O s.p. afirma “De facto, a adopção do Método Comparável do Preço de Mercado requer o grau mais elevado de compatibilidade com incidência tanto no objecto como nos demais termos e condições das operações...”
Aqui o s.p. faz a transcrição do nº 1 art.º 6 da Portaria 1446/2001 de 21 de Dezembro que regula os preços de transferência previstos no art.º 58 do CIRC. Em parte alguma no presente relatório foi levantada a questão dos preços de transferência, apesar de a firma manter relações comerciais com o seu sócio gerente (ver capítulo V).
Repare-se que as expressões “valor de mercado” e “Método Comparável do Preço de Mercado” não são inequivocamente sinónimas, pois cada uma delas corresponde realidades distintas.
Relembre-se ao s.p. que os preços de transferência como descreve sucintamente Eduardo Goldszal (in “As Novas Regras dos Preços de Transferência Em análise”) “de um modo geral, por preços de transferência, entende-se os preços pagos por bens e serviços e direitos transferidos entre empresas associadas e pertencentes ao mesmo grupo” ou outras entidades que as dominem. Que claramente não é o caso.
Esclarecido o facto de não se tratar de preços de transferência, e apenas num exercício argumentativo vejamos o art.º 5 da mesma portaria onde se indicam alguns dos factores de comparabilidade.
1- As características específicas dos bens, a qualidade e fiabilidade
2- Os termos contratuais que definem o modo como se repartem as responsabilidades.
3- As circunstâncias económicas prevalecentes no mercado, incluindo a sua localização geográfica e os custos do mercado.
Quanto ao 3º ponto o mercado geográfico é restrito à cidade de Faro onde os custos dos factores produtivos são em princípio comuns.
Quanto ao 2º ponto a garantia prestada pelas entidades construtoras é regulada e portanto comum a todos os operadores, não mencionando o s.p. nos contratos efectuados qualquer extensão as garantias legalmente exigíveis.
Quanto ao ponto 1º as características específicas dos bens, são na sua generalidade idênticos, apartamentos de habitação não incluídos em urbanizações de luxo ou condomínios fechados.
No critério utilizado foi efectuado uma selecção de variados construtores de Faro para se determinar a valorização do m2.
Afirmará o s.p. que a qualidade da sua construção é inferior à média? E que no caso contrário o valor peca por escasso.
Face ao exposto não são apresentados motivos no direito de audição para uma alteração ao relatório efectuado, pelo que se propõem a sua manutenção,
Deixa-se no entanto à consideração superior que melhor decidirá
Faro 25 de Outubro de 2006»
F)- Sobre o relatório a que se refere a alínea anterior recaiu, em 31/10/2006, o seguinte parecer (fls. 35 do apenso):
«Os factos expostos no ponto IV do relatório determinaram a aplicação de métodos indirectos no apuramento da matéria tributável dos anos de 2002 e 2003, cujos cálculos e critérios descritos no ponto V conduziram a que nos termos ao art.º 54 do CIRC o lucro tributável seja fixado em €930.700 e €4451,00, respectivamente.
O S.P. exerceu o direito de audição cuja análise não originou qualquer alteração dos valores propostos no projecto de relatório.
Foi elaborado relatório de faltas nos termos do n.º 3, do art.º 29º do R.G.I.T.».
G)- Sobre o relatório parecer a que se refere as alíneas anteriores recaiu o seguinte despacho (fls. 35 do apenso):
«Concordo.
Proceda como se propõe.
2006.11.03»
H)- Em 12/12/2006, a Impugnante requereu a revisão da matéria tributável, cfr. fls. 72 e segs.
I)- Os peritos reuniram, mas não chegaram a acordo, cfr. fls. 85.
J)- O perito da Impugnante apresentou o laudo de fls. 87 e segs.
K)- O perito da Administração Fiscal apresentou o laudo de fls. 92 e 93.
L)- O Director de Finanças de Faro proferiu a decisão de fixação da matéria tributável em 23/01/2007, donde resulta:
«(...)
O perito indicado pelo contribuinte, discorda dos valores propostos pelo perito da Administração Fiscal, sustentando a não verificação dos pressupostos para determinação da matéria colectável por aplicação dos métodos indirectos. Para tal, invoca não haver diferenças entre os valores constantes dos contratos promessa e os das escrituras de compra e venda celebradas. Alega ainda este perito, que a existência de segundos contratos de mútuos com hipotecas foram devidamente justificados pelos adquirentes, relativamente ao destino dado ao excedente dos seus empréstimos relativamente aos valores constantes daquelas escrituras de compra e venda. Por último, invoca a falta de fundamentação dos ditos “valores de mercado”.
O perito da administração tributária, mantém o apoio das conclusões retiradas do relatório do exame à escrita, visto que, os argumentos invocados pelo perito indicado pela sociedade, não permitiu estabelecer qualquer acordo. Os fundamentos da aplicação por métodos indirectos para a tributação em IRC dos exercícios acima referidos, baseiam-se essencialmente na impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, nos termos da alínea b) do artº 87º e alínea d) do artº 88º, ambos da LGT, por terem sido detectadas diferenças entre os valores das escrituras e os montantes efectivamente recebidos dos adquirentes. Alega ainda este perito, que o critério utilizado pela inspecção é o correcto, conforme estipulado na alínea h) do n.º 1 do artº 90 da LGT. Relativamente aos “preços de mercado”, sustenta que os mesmos foram evidenciados numa compilação feita e publicada pelo Instituto Nacional de Estatística (1/3/E), tendo por base dados declarados por compradores e/ou empresas construtoras em processos de inspecção a empresas do sector da construção civil, no ano de 2002 em Faro. Por tudo isto, o perito da administração tributária é de parecer que os valores da matéria tributável objecto da reclamação, deverão ser mantidos.
Ponderados todos os fundamentos invocados e tendo em conta as posições assumidas por ambos os peritos, concordo com a posição assumida pelo Perito e Administração Tributária, e mantenho a fixação do rendimento de IRC, para os anos 2002 e 2003, nos valores de € 930.700,87 e € 4.451,00 respectivamente, fixados por métodos indirectos»
M)- Em 02/12/2007, a Administração Fiscal emitiu as liquidações adicionais de IRC, cfr. fls. 99 e 101.
N)- O prazo para pagamento voluntário da liquidação referente ao ano de 2002, terminou em 26/03/2007 e relativamente ao ano de 2003 em 28/03/2007, cfr. fls. 97 e 100.
O)- A petição inicial foi apresentada em 19/03/2007, cfr. carimbo aposto a fls. 3.».
*
3.1. Encontra-se questionado no presente recurso o acórdão do TCA Sul de 10/09/2015, fls. 406/430, que concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a impugnação judicial do ato de liquidação de IVA de 2005, fls. 406, cuja determinação da matéria tributável foi efetuada por recurso a métodos indiretos.
Neste recurso interposto, nos termos dos artigos 280º, nº 2, e 284º, do CPPT, sustenta a recorrente que a decisão recorrida está em oposição com o acórdão do STA de 01/06/2011, proferido no processo nº 0211/11.
Segundo a recorrente ocorre “contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado sobre a mesma questão fundamental de direito (ónus da prova), havendo identidade substancial das situações fácticas, entendida como a sua subsunção às mesmas normas legais».
Para a recorrente coloca-se a questão de saber se em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete ou não à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação nos termos do disposto no artigo 74º, nº 3, da LGT e sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá ou não o ato impugnado ser anulado nos termos do disposto no artigo 100º, nº 1, do CPPT.
Entende a recorrente que este preceito legal “deve ser interpretado no sentido de que para a anulação do ato tributário é suficiente que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a quantificação da matéria tributável (sem que se tenha que fazer a prova direta e cabal da inadmissibilidade do critério utilizado ou do exagero dessa mesma quantificação)» e que o acórdão recorrido «ao não dar relevância à dúvida sobre a quantificação da obrigação tributária, a favor do contribuinte, violou o disposto nos artigos 74º, nº 3, da LGT, e 100º, nº 2, do CPPT».
Para a recorrente o artigo 74º, nº 3, da LGT, “não determinou … qualquer limite mínimo em relação ao excesso da quantificação provado pelo sujeito passivo, transmitindo claramente a ideia de que qualquer excesso provado pelo contribuinte faz cair, no seu todo, a determinação da matéria tributável levada a efeito pela administração tributária”.
Concluiu a recorrente que «...não há uma razão mais clara para se configurar uma “fundada dúvida” do que o facto de a inspeção considerar matéria tributável um valor de 7.200,00 euros, em relação ao qual se provou uma total falta de enquadramento tributário».
Solicita, por isso, a revogação do acórdão recorrido e que seja proferido acórdão nos termos adotados pelo acórdão fundamento e determinando a anulação do ato impugnado.
*
3.2. Apesar de o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos, fls. 454 a 456, nos termos do artigo 284º nº 5, importa reapreciar se a mesma se verifica, já que tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal (vide, entre outros, o Acórdão de 7 de Maio de 2003, rec. n.º 1149/02), não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 685.º-C, n.º 5 do Código de Processo Civil - CPC) – e JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume IV, 6.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 475 (nota 14 a) ao art. 284.º do CPPT).
Para que ocorra oposição de julgados que permita o recurso para o Pleno da Secção, nos termos do disposto no artº 27º 1, b) do ETAF, 284º do CPPT e 152º 1 a) do CPTA, torna-se necessário que os acórdãos considerados em oposição hajam decidido sobre a mesma questão fundamental de direito, aplicando os mesmos preceitos legais de forma diversa a idênticas situações de facto.
É jurisprudência pacífica do Pleno desta Secção que para caraterizar a questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os seguintes critérios:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respetivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).
A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).
Torna-se, por isso, necessário determinar se se verificam os indicados pressupostos da invocada e exigida oposição de acórdãos.
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3.3. Segundo a recorrente o acórdão recorrido do TCAS está em oposição com o acórdão fundamento no que respeita ao regime ónus da prova ou da “fundada dúvida”, constante do artigo 100º do CPPT.
O acórdão recorrido apreciou a questão do excesso de quantificação da matéria tributável relativa à existência de uma transferência bancária no valor de € 7.500 euros, englobada na matéria tributável pela AT e que a sentença de 1.ª instância considerara como suprimento de um dos sócios do sujeito passivo, por ter origem numa conta bancária titulada pelo sócio.
Adiantou o TCA Sul no acórdão recorrido que, perante as circunstâncias apuradas pela AT de omissão de proveitos, não se tinham apurado elementos suficientes que permitissem concluir pela natureza de suprimento de tal entrada de valor pecuniário, ainda que proveniente de conta do sócio e que, por isso, não se colocava a hipótese de “fundada dúvida sobre a quantificação”, uma vez que no apuramento da matéria colectável por métodos indiretos a quantificação nunca é exacta, mas é apenas aproximada.
No acórdão do STA de 01/06/2011, processo nº 0211/11, acórdão fundamento entendeu-se que tendo o tribunal “a quo” concluído pela verificação de “fundada dúvida sobre a quantificação do ato tributário”, não podia tal afirmação ser sindicada pelo STA, na qualidade de tribunal de revista, por se tratar de julgamento da matéria de facto.
Daí que tenha entendido o mesmo acórdão anular o ato tributário, nos termos do nº 1 do artigo 100º do CPPT até porque a situação aí contemplada não cabia no âmbito do nº 2 do mesmo artigo.
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3.4. Acompanha-se o MP quando afirma que em ambos os arestos o tribunal “ad quem” apreciou a questão da relevância da “fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário” no âmbito da determinação da matéria tributável por métodos indiretos mas que as similitudes das situações analisadas circunscrevem-se a esse facto, uma vez que no caso do acórdão recorrido o TCA, conhecendo de facto e de direito, fez uma leitura diversa do tribunal “a quo” sobre a factualidade apurada, tendo concluído pela não verificação da “fundada dúvida” enquanto que no caso do acórdão fundamento, invocando a sua natureza de tribunal de revista, o STA rejeitou sindicar a asserção adotada pelo tribunal “a quo” sobre a verificação de “fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário”.
Acompanha-se, ainda, o MP quando afirma que as decisões opostas tomadas pelos arestos em confronto e consubstanciadas na decisão de manutenção do ato tributário, no caso do acórdão recorrido, e de anulação do ato, no caso do acórdão fundamento, têm igualmente subjacentes diversos juízos de facto, no primeiro caso a não verificação e no segundo a verificação de “fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário”.
Não se trata, por isso, da mesma questão jurídica uma vez que não estamos perante situações de facto substancialmente iguais.
É de concluir pela inexistência da oposição de acórdãos para efeitos de recurso ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 2, e 284º do CPPT.
Não ocorre, nos termos expostos, antagonismo de soluções jurídicas a que cumpra pôr termo.
Deve, por isso julgar-se findo o recurso.
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Não havendo entre o acórdão recorrido e o acórdão eleito como fundamento, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, deve julgar-se findo o recurso.
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4. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 23 de maio de 2018. – António José Pimpão (relator) - Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.