Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01135/18.9BELRA
Data do Acordão:01/09/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25399
Nº do Documento:SA12020010901135/18
Data de Entrada:10/21/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. A…………. vem interpor recurso de revista, ao abrigo do art. 150° CPTA, do acórdão do TCAS de 4 de julho de 2019 que revogou a sentença recorrida, proferida em 22.09.2018, no TAF de Leiria — que recaíra sobre o pedido de suspensão de eficácia do despacho n° 294/18, de 27.08.2018 do Presidente do Instituto Politécnico de Leiria, que decretara a não abertura de novo concurso de recrutamento de professor …….. para a ……… das Caldas da Rainha daquele Instituto — e, conhecendo, em substituição, declarou a improcedência do pedido de decretamento da providência requerida.

2. O recorrente conclui as suas alegações da seguinte forma:

“1.ª NO CASO SUB JUDICE ESTÃO VERIFICADOS OS PRESSUPOSTOS DE ADMISSÃO DO RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL CONSTANTES DO N.° 1 DO ARTIGO 150.° DO CPTA.

2.ª NA SITUAÇÃO EM APREÇO RESULTA CLARAMENTE QUE O RECURSO PARA O STA É ESSENCIAL PARA UMA MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO, ATENTA A “DECISÃO SURPRESA” PROFERIDA PELO TCA SUL.

3.ª EM “SUBSTITUIÇÃO” DA DECISÃO PROFERIDA EM 1ª INSTÂNCIA PELO TAF DE LEIRIA O TCA SUL ATRAVÉS DO ACÓRDÃO RECORRIDO JULGOU A QUESTÃO COM BASE NA SUPOSTA INVERIFICAÇÃO DO FUMUS BONI IURIS, SEM QUE TENHA FACULTADO O CONTRADITÓRIO, DESIGNADAMENTE AO AQUI RECORRENTE, O QUE SÓ POR SI JUSTIFICA A INTERVENÇÃO DO STA POR SE MOSTRAR “NECESSÁRIA PARA UMA MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO”, UMA VEZ QUE, É VIOLADOR DO PRINCÍPIO DA CONFIANÇA, CONSTITUINDO UMA NULIDADE PROCESSUAL.

4.ª NO CASO SUB JUDICE O ACÓRDÃO RECORRIDO DO TCA SUL CONSTITUI UMA DECISÃO SURPRESA PORQUANTO A MESMA SE FUNDAMENTA EM QUESTÕES QUE NÃO FORAM ABORDADAS NA DECISÃO RECORRIDA E, PORTANTO, AS PARTES FORAM CONFRONTADAS COM UMA DECISÃO FUNDADA NUMA ARGUMENTAÇÃO QUE FAZ APELO A QUESTÕES NOVAS E QUE, POR ESSA RAZÃO, É UMA DECISÃO INTEIRAMENTE INESPERADA.

5.ª O ACÓRDÃO DO TCA SUL RECORRIDO REVOGOU A SENTENÇA DO TAF DE LEIRIA, TENDO, NO ENTANTO, ADOTADO IDÊNTICA DECISÃO, COM BASE EM DIVERGENTE E NÃO CONTRADITADA ARGUMENTAÇÃO, PELO QUE ADOTOU UMA DECISÃO SURPRESA, QUE URGE CORRIGIR, POIS QUE FUNDADA EM QUESTÕES QUE O TRIBUNAL RECORRIDO NÃO CONHECEU.

6.ª O RECORRENTE FOI CONFRONTADO COM UMA DECISÃO INESPERADA FUNDADA NUMA QUESTÃO NÃO ANTERIORMENTE DISCUTIDA NOS ARTICULADOS DAS PARTES, NEM CONSTANTE DA DECISÃO DE 1.ª INSTÂNCIA.

7.ª O ACÓRDÃO RECORRIDO VIOLOU O DISPOSTO NO ARTIGO 149º, N.° 5, DO CPTA, QUE IMPÕE QUE SEJA ABERTO «CONTRADITÓRIO» JUNTO DO «TRIBUNAL DE APELAÇÃO» QUE CONHECE EM «SUBSTITUIÇÃO».

8.ª DISCORDANDO DA DECISÃO DE 1ª INSTÂNCIA O TCA SUL REVOGOU-A, AVANÇANDO PARA NOVA E DIVERGENTE DECISÃO DO PEDIDO CAUTELAR COM BASE EM PRESSUPOSTOS QUE NÃO CONSTAVAM DA DECISÃO DE 1ª INSTÂNCIA, NÃO TENDO FACULTADO O CORRESPONDENTE CONTRADITÓRIO E DECIDINDO EM SENTIDO NÃO EXPECTÁVEL EM FUNÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO QUE HAVIA SIDO ESGRIMIDA NO TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA, O QUE VEIO A DETERMINAR A PROLAÇÃO DE UMA “DECISÃO SURPRESA”, SEM TER ASSIM E DESDE LOGO, CUMPRIDO O «CONTRADITÓRIO» IMPOSTO PELO N° 5 DESSE MESMO COMANDO LEGAL.

9.ª EM SEDE DE ALEGAÇÕES E CONTRA-ALEGAÇÕES DO «RECURSO DE APELAÇÃO», AS PARTES LIMITARAM-SE, EXCLUSIVAMENTE, A ATACAR E DEFENDER A DECISÃO PROFERIDA PELO TAF, ONDE O SENTIDO DA DECISÃO ADOTADA PELO TCA SUL NÃO FOI ABORDADA.

10.ª IN CASU, VERIFICA-SE NULIDADE PROCESSUAL, POR «OMISSÃO DO CONTRADITÓRIO» QUE A LEI PRESCREVE [ARTIGO 195° DO CPC].

11.ª A PRETENSÃO DO RECORRENTE A FINAL NA AÇÃO PRINCIPAL É SINGELAMENTE QUE O PROCESSO CONCURSAL ANULADO JUDICIALMENTE SEJA REPETIDO, COMO DECORRE DA NECESSÁRIA EXECUÇÃO DO JULGADO, EM FACE DO QUE EM SEDE CAUTELAR PRETENDE TÃO-SÓ QUE, ATÉ LÁ, SEJA MANTIDA A SUA SITUAÇÃO FUNCIONAL, VERIFICANDO-SE, POIS, O REQUISITO DO FUMUS BONI IURIS PARA SER DECRETADA A PROVIDÊNCIA CAUTELAR.

12.ª O RECORRENTE PRETENDE SINGELAMENTE OCUPAR O REFERIDO LUGAR ATÉ QUE SEJA REALIZADO E CONCLUÍDO NOVO PROCEDIMENTO CONCURSAL, O QUE É LEGITIMO E RESULTA DO LEGALMENTE ESTABELECIDO, POIS QUE É INCONTORNÁVEL QUE O INSTITUTO RECORRENTE MANTÉM A OBRIGAÇÃO DE REPETIR O CONTROVERTIDO PROCEDIMENTO CONCURSAL, TANTO MAIS QUE FOI ELE E NÃO O RECORRENTE O RESPONSÁVEL PELA ANULAÇÃO DO PROCEDIMENTO CONCURSAL.

13.ª COMO SE SUMARIOU NO ACÓRDÃO DO STA N° 0198/12 DE 04-12-2012 “A RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ATUAL HIPOTÉTICA NO CASO DE ANULAÇÃO DE UM CONCURSO POR VÍCIO RELATIVO AO RESPETIVO AVISO DE ABERTURA PASSA, EM PRINCÍPIO, PELA REPETIÇÃO DESSE MESMO CONCURSO DESDE O INÍCIO E NÃO DE OUTRO, SUPRINDO-SE O VÍCIO QUE GEROU A SUA ANULAÇÃO, PELO QUE NÃO PODE O INSTITUTO RECORRIDO IGNORAR O REFERIDO ENTENDIMENTO LIMITANDO-SE A “DESPEDIR” O RECORRENTE QUE NÃO FOI O RESPONSÁVEL PELOS VÍCIOS QUE DETERMINARAM A ANULAÇÃO DO PROCEDIMENTO CONCURSAL, SENDO QUE O EFEITO DO PRINCÍPIO DA RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO HIPOTÉTICA ATUAL, PASSARIA EVIDENTEMENTE PELA REABERTURA DO CONCURSO, O QUE É OBSTINADAMENTE RECUSADO PELO INSTITUTO RECORRIDO.

14.ª TENDO O INSTITUTO RECORRIDO A OBRIGAÇÃO DE REPETIR O PROCEDIMENTO CONCURSAL, O QUE RESULTA DO ENTENDIMENTO LEGAL, DOUTRINAL E JURISPRUDENCIAL, É EVIDENTE QUE A PRETENSÃO DO RECORRENTE PREENCHE MANIFESTAMENTE O NECESSÁRIO FUMUS BONI IURIS, POIS QUE O DIREITO À RECONSTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO É CLARA, SENDO DO INTERESSE DE AMBAS AS PARTES QUE CONTINUE A OCUPAR A VAGA QUE OCUPOU EM DECORRÊNCIA DO ANTERIOR CONCURSO, ATÉ À CONCLUSÃO DO NOVO PROCEDIMENTO CONCURSAL.

TERMOS EM QUE, DEVE SER ADMITIDA A PRESENTE REVISTA E, POR CONSEQUÊNCIA DADO PROVIMENTO AO RECURSO DEVENDO O ACÓRDÃO RECORRIDO SER REVOGADO E SUBSTITUIDO POR OUTRO QUE DECIDA PELO DECRETAMENTO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!”

3. O INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA, I.P. contra-alegou, concluindo:

“1. Nos termos do artigo 150º, nº 1, do CPTA, o recurso de revista detém um
caráter excecional.

2. Para o efeito, torna-se necessário que se esteja perante uma questão com “relevância jurídica ou social” ou que seja necessário “para uma melhor aplicação do direito”.

3. É sobre o Recorrente que recai o ónus de alegar e de demonstrar a verificação dos referidos pressupostos, alegação que é deficitária por se limitar a uma mera reprodução mecânica da letra da lei, pelo que, não se pode aceitar como cumprido o ónus que sobre ele impende.

4. É alegado pelo Recorrente que o presente recurso de revista é essencial por alegadamente uma melhor aplicação do direito.

5. O referido requisito verifica-se quando se trate de uma questão que tenha vindo a ser tratada de forma muito pouco consistente pelas instâncias ou até mesmo contraditória.

6. In casu, limita-se o Recorrente a referir que a melhor aplicação do direito se reconduz ao facto de supostamente ter sido proferida uma “decisão surpresa” sem que não lhe tivesse sido dada a possibilidade do exercício do contraditório.

7. Não sendo demonstrado pelo Recorrente que se trate de uma decisão infundada, e que exista uma divisão jurisprudencial quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 149°, n° 5, do CPTA.

8. Perante isto, mais do que demonstrado fica, que o Recorrente pretende o recurso de revista apenas para tratamento do presente litígio (caso concreto) e não por se entender que possa vir a repetir-se em casos futuros.

9. Contudo, e apesar de quanto à admissibilidade do recurso de revista apenas se fazer alusão à essencialidade do mesmo “para uma melhor aplicação do direito, atenta a “decisão surpresa” proferida pelo TCAS”, que se reconduz, a uma alegada errada interpretação do disposto no artigo 149°, nº 5, do CPTA, o Recorrente, pretende ainda que o digno Tribunal conheça da própria providência cautelar, sem que para o efeito alegue e demonstre os pressupostos da sua admissibilidade.

10. Pelo que, não tendo o Recorrente cumprido com o ónus de alegar e demonstrar a verificação dos requisitos de admissibilidade do presente recurso de revista, não deve o mesmo ser admitido, tudo quanto decorre do artigo 150º, n°s 1 e 5 do CPTA.

Sem conceder,

11. O Tribunal Central Administrativo Sul não incorreu em erro na interpretação do disposto no artigo 149°, nº 5, do CPTA.

12. Compulsadas as alegações de recurso de apelação, constata-se que contrariamente ao evidenciado pelo Recorrente nas referidas alegações, não se limitou a atacar a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

13. Pois, das suas alegações é referido que o Tribunal Administrativo de Leiria deveria também ter analisado os pressupostos especiais da providência, tais como o fumus boni iuris e o periculum in mora.

14. Discorrendo, de seguida, as suas alegações (págs. 13 a 24) quanto à verificação destes pressupostos, pugnado pelo decretamento da providência.

15. Por sua vez, também as contra-alegações de recurso se debruçaram sobre a verificação/(in)verificação dos pressupostos da providência cautelar.

16. Ora, quanto a isto, é entendimento pacífico que há dispensa do contraditório quando se debruce sobre questões que já foram debatidas nas alegações e contra-alegações de recurso de apelação - cfr. douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2011, proferido no âmbito do processo n° 0412/11 e de 25.11.2015, proferido no âmbito do processo n° 01309/13.

17. Atento o exposto, não pode o Recorrente entender que tenha sido proferida uma «decisão surpresa» com a qual não estava a contar quando nas suas alegações de recurso, para além de ter atacado a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, pugnou pelo decretamento da providência e conclui as suas alegações da seguinte forma: Em face do exposto, estão verificados os requisitos gerais e especiais das providências cautelares, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que conhecendo do mérito da providência cautelar reconheça que estão verificados os requisitos, sendo a mesma, a final, decretada — cfr. alegações de recurso de apelação fls. 24 (sublinhado nosso).

18. Assim, deverá julgar-se improcedente o recurso e consequentemente manter-se o douto acórdão ora recorrido por ter feito uma correta interpretação da lei e consequentemente não padecer de qualquer nulidade.

Sem conceder,

19. Quanto à verificação dos pressupostos da providência cautelar, mais concretamente quanto ao fumus boni iuris, dá-se aqui por integralmente reproduzido o alegado em sede de oposição, artigos 18° a 62°, bem como o alegado nas contra-alegações de recurso de apelação, fls. 4 a 7.

20. Contudo, e em síntese, refere-se que a figura do agente putativo, prevista no artigo 162°, n° 3, do CPTA, se encontra inserida no “regime da nulidade”, o que não é o caso em apreço.

21. Esta figura não tem efeitos imediatos, nem depende de o simples decorrer do tempo para que a mesma possa ser aplicada.

22. Deve ter-se em conta vários princípios, como o da boa-fé, tornando-se ainda necessário que o exercício das funções tenha sido contínuo e pacífico.

23. Sucede que o Recorrente não exerceu as suas funções de forma pacífica, tinha conhecimento da precariedade da sua situação, figurava como contrainteressado na ação que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que anulou o concurso, não sendo aplicável, por esse motivo, o disposto no n° 4 do artigo 173° do CPTA.

24. A isto, acresce ainda, que nos termos do artigo 173°, n° 1, do CPTA, não existe para o Recorrido a obrigação de proceder à prática de qualquer ato administrativo.

25. O pedido de anulação do concurso não foi cumulado com o pedido de condenação à prática de retoma de concurso ou abertura de novo procedimento, pelo que não se pode aproveitar esta douta sentença para retirar mais efeitos dos juridicamente pretendidos pelo Recorrente.

26. Logo, não existe fumus boni iuris, o que determina a improcedência do presente recurso e assim a recusa da providência cautelar, por não verificação dos seus pressupostos nos termos do disposto no artigo 120º, n° 1, do CPTA.

27. Por sua vez, e apesar de não ter sido alegado pelo Recorrente, em nome do princípio da economia processual, e quanto aos restantes pressupostos da providência cautelar, periculum in mora e a ponderação dos interesses em presença, diga-se, de verificação cumulativa, dá-se aqui por integralmente reproduzido o alegado em sede de oposição, artigos 63° a 85º, bem como o alegado nas contra-alegações de recurso de apelação, fls. 8.

28. Deverá julgar-se improcedente o recurso e consequentemente a improcedência do pedido de decretamento da providência cautelar, por não verificação dos seus pressupostos, nos termos do disposto no artigo 120°, nºs 1 e 2, do CPTA

Termos em que não deve ser admitido o presente recurso de revista por não se verificarem os seus requisitos de admissibilidade, decorrentes do artigo 150°, nº 1 e 5 do CPTA, caso assim não se entenda, sempre deverá o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o douto acórdão recorrido, com todas as consequências legais, com o que V.ªs Exª.s, Senhores Juízes Conselheiros, farão Justiça!”

4. Foi proferido, em 27.09.2018, acórdão por este STA nos termos do art. 150° do CPTA a admitir o recurso de revista, de onde se extrai:

“...Em execução espontânea de um julgado anulatório — supressor de um determinado concurso de pessoal desde o seu aviso de abertura — o Presidente do IPL emitiu um despacho em que declarou todo o concurso eliminado e decidiu que não se abriria um outro para o mesmo fim.

O recorrente, que fora contra-interessado no referido processo judicial e que exercia funções docentes no IPL ao abrigo do concurso anulado, veio requerer ao TAF que suspendesse a eficácia daquele despacho — alegando, «inter alia», que este terminava essa sua ligação profissional.

O TAF entendeu que o ato suspendendo só era inovador — relativamente ao julgado anulatório — na parte em que recusava abrir um novo concurso, o que traduzia um ato negativo cuja suspensão nunca garantiria ao requerente a manutenção no cargo que ocupava. Donde o TAF concluiu que o meio cautelar tinha de ser negado por não ser acessório ou instrumental da ação principal.

O TCA considerou que a anulação total do concurso inovava relativamente ao anterior julgado, já que este deixara intocado o aviso de abertura. Por isso, o acórdão «sub specie» decidiu revogar a sentença e conhecer, «nos termos do disposto no art. 149°, ns.° 1 e 3, do CPTA», dos requisitos da providência. Já neste âmbito, o aresto disse que o requerente, enquanto contra-interessado na primeira impugnação judicial, não beneficiava dos mecanismos de proteção previstos no art. 173°, ns.° 3 e 4, do CPTA. Motivo por que o acórdão entendeu que faltava o «fumus boni juris» e acabou por indeferir o procedimento cautelar.

A presente revista centra-se no facto do TCA ter conhecido do «fumus boni juris» sem antes cumprir a formalidade prevista no art. 149°, n.° 5, do CPTA. Para além disso, o recorrente sustenta que o aresto apreciou mal o requisito.

Ora, uma «summaria cognitio» aponta para o efetivo incumprimento do dever de audiência referido no art. 149°, n.° 5, do CPTA (correspondente ao art. 665°, n.° 3, do CPC) — o que sugere a real ocorrência de uma nulidade processual acobertada pelo acórdão. Ademais, é controverso que a mera condição de contra-interessado constitua motivo bastante para que logo indiciariamente se afirme — como fez o TCA — a legalidade do ato suspendendo.”

5. Notificado o MP, foi emitido parecer, no sentido da manutenção do acórdão recorrido.

6. Sem vistos dada a natureza urgente do processo cumpre decidir.
***

II — Fundamentação

Das instâncias resultou como provada a seguinte matéria de facto:
“1. Por despacho proferido em 03.09.2007 pelo Presidente do IP Leiria foi decidido abrir concurso de provas públicas para recrutamento de um professor ……… de ……… da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha da entidade requerida - cf. doc. 2 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

2. A abertura do concurso referido no ponto antecedente foi publicitada pelo Edital n.° 777/2007, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.° 182 de 20.09.2007 - cf. doc. 2 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

3. Tendo apresentado candidatura no âmbito do concurso referido em “1.”, o requerente ficou graduado em primeiro lugar - cf. doc. 4 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

4. Por despacho do Vice-Presidente da entidade requerida datado de 06.04.2010 foi autorizado o contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado do requerente, com a categoria de Professor ……….., ………., da Escola Superior de Artes e Design, do Instituto Politécnico de Leiria, do quadro de pessoal docente da referida Escola, com início a 29.05.2010 - cf. doc. 5 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

5. Em 14.05.2010 foi instaurada ação judicial dirigida à anulação do concurso identificado em “1.” ou, alternativamente, à anulação da deliberação final do júri adotada no respetivo âmbito, a qual correu termos junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.° de processo 956/10.5BELSB - cf. doc. 6 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

6. No âmbito da ação identificada no ponto que antecede, em 24.01.2016 foi proferida sentença, na qual se decidiu, em conclusão, “[julgar] procedente a presente ação administrativa especial, por violação do princípio de divulgação atempada de critérios, métodos de seleção e classificação final, e [determinar] a anulação do concurso, com efeitos até à data da publicação do seu aviso de abertura, pelo Edital n.° 777/2007, publicado no Diário da República, 2ª série, n.° 182, de 20/09/2007. (...)” - cf. doc. 6 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7. Por ofício datado de 11.07.2018, o requerente foi informado pela entidade requerida do teor do despacho n.° 251/2018, proferido pelo Presidente do requerido, relativo à execução da sentença referida no ponto que antecede, sendo-lhe concedido o prazo de dez dias úteis para, querendo, se pronunciar por escrito sobre o respetivo teor - cf. doc. 7 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

8. Em resposta ao ofício referido no ponto que antecede, o requerente apresentou pronúncia escrita, dirigida ao Presidente do requerido - cf. doc. 7 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

9. Em 27.08.2018 o Presidente da entidade requerida emitiu o despacho n.° 294/2018, com o teor que se encontra integralmente reproduzido no ponto 3 do elenco de factos relativo à decisão do incidente que antecede - cf. doc. 1 junto com o requerimento inicial.

10. O requerente encontrava-se posicionado, para efeitos remuneratórios, no escalão 1, índice 220, a que correspondia o vencimento base de €3.601,03, tendo auferido, nos meses de julho e agosto de 2018, o vencimento líquido de cerca de € 2.050,00 - cf. docs. 11 e 12 juntos com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

11. No mês de setembro de 2018 o requerente auferiu o vencimento total líquido de € 504,04 - cf. doc. 10 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

12. O requerente suporta mensalmente despesas com água, eletricidade, gás e comunicações no valor de cerca de € 230 - cf. docs. 13 a 19 juntos com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

13. O requerente suporta mensalmente despesa com crédito à habitação no valor de € 532,65 - cf. docs. 20 e 21 juntos com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

14. No despacho n.° 294/2018, datado de 27.08.2018, proferido pelo Presidente do requerido, foi determinado:

“a) A não abertura de novo concurso, no uso da competência prevista no artigo 16.° n.° 1, al. a) do ECPDESP e 6.°, n.º 1, al. a) do Regulamento de recrutamento e contratação do pessoal docente de carreira do IPLeiria;

b) Em consequência, tendo em consideração que os efeitos judiciais da anulação do concurso retroagem à respetiva abertura, e que compete ao Instituto, nos termos do referido artigo 173.°, n.º 1 CPTA conjugado com o artigo 172.º, n.° 1 do Código do Procedimento Administrativo, o dever de repor a situação que existiria caso o concurso não tivesse aberto, anulam-se, ao abrigo do n.° 2 dos referidos artigos, todos os atos produzidos no respetivo concurso, incluindo a admissão à seriação efetuada pelo júri bem como os atos subsequentes de homologação, autorização de celebração de contrato de trabalho em funções públicas e provimento do candidato seriado em primeiro lugar, no caso o contrainteressado A…………:

c) A notificação do contrainteressado A……….. e do autor B………., de acordo com o artigo 112.°, n.° 1, al. a) do CPA, produzindo a presente decisão efeitos no dia seguinte ao da respetiva notificação, nos termos do artigo 113.°, n.° 1 do CPA. (...)” - cf. doc. 1 junto com a PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

15. O Instituto Politécnico de Leiria não apresentou contestação no âmbito da ação administrativa que correu termos no TAC de Lisboa sob o n.° de processo 956/10.5BELSB, apesar de ter sido citado - cfr. doc. 6 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido;

16. O Recorrente foi citado na qualidade de contrainteressado no âmbito da ação administrativa indicada na alínea anterior e também não apresentou contestação - cfr. doc. 6 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido.”
*

O DIREITO
1. Começa o aqui recorrente por alegar que o acórdão recorrido padece de nulidade processual ao abrigo do art. 195° do CPC, por omissão do contraditório, já que revogou a decisão de 1ª instância passando a conhecer da decisão cautelar em substituição, com base em pressupostos que não constavam da decisão de 1ª instância, sem ter facultado o contraditório, como o impunha o art. 149° n°5 do CPTA.

Sendo que, o sentido da decisão não era expectável já que, quer em sede de alegações quer em sede de contra-alegações, as partes se limitaram a atacar e defender a decisão proferida pelo TAF, onde a decisão adotada pelo TCAS não foi abordada.

Então vejamos.

Desde logo, tendo sido a nulidade suscitada nas alegações referentes ao presente recurso de revista, a nulidade do Ac. do TCAS por violação do n° 5 do art. 149° do CPTA, deveria ter sido apreciada na decisão que ordenou a subida dos autos a este STA, nos termos do art. 617° n° 1 do CPC.

Mas, como resulta do n° 5 deste mesmo art. 617°, só deve ser ordenada a baixa do processo, se a mesma for considerada indispensável.

O que não acontece no caso sub judice.

Pelo que, passamos a dela conhecer.

O TCAS revogou, com fundamento no art. 112° n°1 do CPTA, a decisão do TAF de Leiria que entendera que a extinção da relação de trabalho entre o Requerente e o Requerido não resultara do despacho suspendendo, mas sim da sentença anulatória que esse despacho executou, pelo que da suspensão de eficácia solicitada não poderia decorrer o restabelecimento da relação de trabalho.

Revogada a sentença, o acórdão recorrido conheceu “em substituição” do mérito do pedido cautelar, nos termos previstos no art. 149° nºs 1 e 3 do CPTA, entendendo que não se verificava o requisito do “fumus boni iuris”.

Coloca-se a questão de saber, se antes de conhecer, por substituição, deveria o tribunal ter cumprido o direito de audição das partes, por 10 dias.

Dispunha o art. 149° do CPTA na redação anterior ao DL n.° 214-G/2015, de 02/10 que:

“1 - Ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objeto da causa, conhecendo do facto e do direito.

2 - No caso de haver lugar à produção de prova em sede de recurso, é aplicável às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão, alegações e julgamento em primeira instância.

3 - Se o tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa, mas deixado de conhecer de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o tribunal superior, se entender que o recurso procede e que nada obsta à apreciação daquelas questões, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida.

4 - Se, por qualquer motivo, o tribunal recorrido não tiver conhecido do pedido, o tribunal de recurso, se julgar que o motivo não procede e que nenhum outro obsta a que se conheça do mérito da causa, conhece deste no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida.

5 - Nas situações previstas nos números anteriores, o relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes pelo prazo de 10 dias.”

Dispunha este preceito precisamente no mesmo sentido do art. 665° do CPC, de aplicação subsidiária, ex vi art. 1° do CPTA, que dispõe a propósito da regra da substituição ao tribunal recorrido:

1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.

2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.

3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.”

Contudo, o art. 149° do CPTA foi alterado pelo DL n.° 214-G/2015, de 02/10, passando a constar do mesmo que:

1 - Ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objeto da causa, conhecendo do facto e do direito.

2 - Se o tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa, mas deixado de conhecer de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o tribunal superior, se entender que o recurso procede e que nada obsta à apreciação daquelas questões, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida.

3 - Se, por qualquer motivo, o tribunal recorrido não tiver conhecido do pedido, o tribunal de recurso, se julgar que o motivo não procede e que nenhum outro obsta a que se conheça do mérito da causa, conhece deste no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida.

4 - Nas situações previstas nos números anteriores, há lugar, no tribunal superior, à produção da prova que, ouvidas as partes pelo prazo de cinco dias, for julgada necessária, sendo aplicável às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o disposto quanto à instrução, discussão, alegações e julgamento em primeira instância.

5 - Na situação prevista no número anterior, o relator, antes de ser proferida decisão, ouve as partes pelo prazo de 10 dias.”

Como resulta deste número 4, quando haja lugar à produção de prova ocorre uma audiência prévia das partes, pelo prazo de cinco dias, enquanto do número cinco está em causa uma pronúncia das partes relativamente à prova já produzida.

No fundo, esta audição das partes após a realização da prova substitui as alegações escritas a que alude o art. 91°-A do CPTA.

Estão, assim, em causa dois tipos de contraditório, mas ambos relativos à produção de prova, antes e depois da mesma.

Contudo, não podemos deixar de entender que a ampliação da matéria de facto a que se reportam estes autos apenas se reconduz a eleger como relevante para a decisão do fundo da causa de factos que resultam de documentos juntos aos autos e que apenas não foram elegidos para a matéria de facto por a causa terminar pela procedência de questões prévias ao conhecimento do mérito.

Sendo que, não está aqui em causa uma situação de decisão surpresa, e por isso de se pôr em causa o art. 3° do CPC, ex vi art. 1° do CPTA, já que ambas as partes em ambas as peças processuais discutem a ocorrência ou não dos pressupostos da providência cautelar aqui em causa nomeadamente a existência ou não de “fumus boni iuris”.

Aliás, e como muito bem se refere no parecer do Ministério Público emitido nestes autos:

“Efetivamente, nesse caso, não há o perigo da decisão que vier a recair sobre tais questões possa configurar uma “decisão-surpresa” e o disposto naquele preceito legal destina-se, precisamente, a prevenir este perigo.

Ora, no presente caso, as partes discutiram, nas suas respectivas alegações, a questão - relativamente ao mérito da providência cautelar (nomeadamente, quanto ao requisito do “fumus boni iuris”) - que o Ac. TCAS viria a decidir “em substituição”.

O Requerente/Recorrente fê-lo, clara e abundantemente, nas suas alegações de 11/12/2018, onde, depois de criticar a sentença recorrida (do TAF de Leiria, de 22/11/2018) por esta se ter limitado a julgar que não se verificava, no presente pedido cautelar, o requisito de “acessoriedade/instrumentalidade” relativamente à ação principal, e não ter decidido do mérito da providência, alegou defendendo a verificação dos pressupostos de concessão da providência constantes do art. 120º do CPTA:
- «(...) uma vez que estão também preenchidos, além dos requisitos gerais, os pressupostos especiais do “fumus boni iuris” (aparência do bom direito) e do “periculum in mora” (prejuízos decorrentes do decurso do tempo)» (cfr. pág. 11 das alegações);

- «E a questão é tanto mais relevante quanto os requisitos especiais da providência se encontram verificados. Vejamos: (...)» (cfr. págs. 13 a 18 das alegações);

- «Além do mais, o requisito do “fumus boni iuris” ainda se verifica por outra ordem de razão (...)» (cfr. págs. 18 a 19 das alegações);

- «Acresce que igualmente o requisito do “periculum in mora” previsto no nº 1 do artigo 120º do CPTA (...) se verifica no caso “sub judice”» (cfr. págs. 19 a 24 das alegações);

- E termina, concluindo: «Em face do exposto, estão verificados os requisitos gerais e especiais das providências cautelares, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, conhecendo do mérito da providência cautelar, reconheça que estão verificados os requisitos, sendo a mesma, a final, decretada» (cfr. pág. 24 das alegações);

- E em sede de conclusões das alegações, remata: «a sentença em crise deveria ter apreciado os demais requisitos da providência cautelar os quais se encontram devidamente escalpelizados no requerimento inicial, designadamente e em especial, o “periculum in mora” e o “fumus boni iuris”, não se aceitando, pois, que o douto tribunal a quo tenha decidido que por não se verificarem, no seu entender, os requisitos gerais como a adequação, utilidade e instrumentalidade, tenha ficado prejudicada a apreciação dos critérios especiais de decretamento previstos no artigo 120° do CPTA, e que, aliás, se encontram verificados» (cfr. conclusão 24ª, a pág. 28 das alegações);

- E termina, pedindo: «Nestes termos, e nos mais de direito, requer-se seja dado total provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que acautele a pretensão do Recorrente (...)» (cfr. pág. 28 das alegações).

Não se vê, pois, como pode considerar-se que o Requerente/Recorrente foi surpreendido com a decisão do Ac. TCAS, em substituição do tribunal recorrido, relativamente ao mérito da providência cautelar - designadamente quanto à não verificação do pressuposto do “fumus boni iuris” quando o próprio Requerente/Recorrente alegou abundantemente, nas alegações do seu recurso de apelação, sobre os pressupostos da providência cautelar (sobre o “fumus boni iuris” e sobre o “periculum in mora”), quer fazendo-o dando expressamente por reproduzidos os argumentos a esse respeito por si expostos no seu requerimento inicial, quer expondo-os longamente nas suas próprias alegações.

E o Requerido/Recorrido “IPL” também, como era natural, em resposta, discutiu tais pressupostos da providência cautelar nas suas contra-alegações apresentadas em 2/1/2019: cfr. págs. 4 a 8 das contra-alegações («II - Do alegado cumprimento dos requisitos cumulativos previstos no artigo 120º do CPTA»; «2. Quanto ao fumus boni iuris (...)»: «3. Quanto ao periculum in mora (...)» Perante tudo o exposto, parece-nos evidente que não constituiu o julgamento do Ac. TCAS recorrido qualquer “decisão-surpresa”, pelo que não houve violação do disposto no art. 149° n° 5 do CPTA, já que a prévia audição das partes era, no caso, perfeitamente dispensável, por ambas terem abundantemente discutido, nas respectivas alegações de recurso, as questões no Acórdão decididas.”

Sendo assim, temos de concluir que não ocorre a nulidade da decisão recorrida.

2. O recorrente vem também impugnar a decisão recorrida na parte em que a mesma entende que não se verifica o requisito do “fumus boni iuris”:

a) por o autor e aqui recorrente não poder beneficiar da invocada figura do “agente putativo”, previsto no art. 162° nº 3 do CPA, já que não exerceu as funções de forma pacífica ao estar constituído como parte (contrainteressado) na ação em que o TAF de Lisboa anulou o concurso, não podendo, por isso, ser considerado terceiro para efeitos do art. 173° n° 4 do CPTA; e,

b) por o “IPL” não ter qualquer obrigação, decorrente do julgado anulatório de retomar o concurso anulado, ou de lançar um novo concurso, tendo a execução da sentença anulatória cumprido com a anulação do concurso considerado viciado, sendo discricionária a competência do Presidente do “IPL” de retomar ou lançar novo concurso.

Então vejamos.

Invoca o aqui recorrente que o objeto da ação principal é tão só que o processo concursal anulado seja repetido e que em sede cautelar seja mantida a sua situação funcional, pelo que ocorre o “fumus boni iuris”.

O Ac. do TCAS recorrido entendeu que os atos de autorização de celebração do contrato com o Requerente e do seu provimento são atos consequentes de atos judicialmente anulados (isto é, dos atos de fixação dos critérios de admissão e de graduação dos concorrentes), e que a confiança dos beneficiários de atos consequentes de atos anulados só teria proteção, nos termos do art. 173° n°s 3 e 4 do CPTA, se aqueles estiverem de boa-fé, o que não é o caso do Requerente/Recorrente, por ter figurado como contrainteressado na ação anulatória, bem sabendo da precariedade da sua situação jurídica, pelo que não existiria o fumus boni iuris.

E, em consequência indeferiu a providência cautelar solicitada pelo Requerente/Recorrente.

O CPA de 2015 procedeu a amplas alterações em sede do regime das invalidades (nulidade/anulabilidade) e suas consequências, nomeadamente com o desaparecimento da al. i) do n.° 2 do art. 133.° do CPA/91-96, como resulta do art. 161.° CPA/2015.

E, esta alteração tem a ver com o que, ainda que a propósito do art°133° n° 2 al. i) do CPA na referida redação, Vieira de Andrade já defendia “(...) que a concepção tradicional de ato consequente tem de considerar-se hoje ultrapassada, quer em face da legislação sobre o procedimento administrativo, quer perante o novo entendimento da relação funcional pública, pois que, por ser uma concepção dogmaticamente inadequada, conduzia muitas vezes a soluções injustificadas e iníquas, em homenagem a um puro conceptualismo. Desde logo, como vimos, o conceito de ato consequente, para efeitos de invalidade, não pode continuar a ser construído em termos puramente lógicos, através de nexos de causalidade ou de consequencialidade fáctica, como qualquer «ato praticado ou dotado de certo conteúdo em virtude da prática de um ato administrativo anterior». Atos «consequentemente inválidos», ou seja automaticamente inválidos (nulos ou, mais exatamente, anulados) «por causa da anulação do ato precedente» serão apenas aqueles cujos efeitos não possam manter-se sem ofensa do caso julgado ou desconformidade com a sentença, concretamente, aqueles cujos efeitos têm necessariamente de ser destruídos para que se possa reconstituir a situação hipotética atual, na medida em que seja imposta pela sentença anulatória, em função dos respectivos fundamentos” (pág. 40; do mesmo autor veja-se, ainda, A Justiça Administrativa - 1998, pág.232 e ss.; DJAP, Vol. VII, A Validade do Ato Administrativo, pág. 589 e 590).

Também, a propósito do regime da nulidade o art. 162° n° 3 deste CPA 2015 dispõe que:

(...) 3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo.”

Ou seja, deixou de existir a figura do ato consequente mas, nem por isso, podemos deixar de entender que esta situação dos autos poderá, a manter-se, ser suscetível de ofender o caso julgado da decisão de anulação do concurso.

Há, pois, que articular a vigência de um ato suscetível de ofender o caso julgado de determinada decisão anulatória, com a reconstituição dessa mesma sentença anulatória.

E, quanto às execuções de sentença, como se diz no art. 173° n°1 do CPTA:
Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no que respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.”

A reconstituição da situação que existiria tem, pois, de respeitar o caso julgado.

Contudo, como se, dispõe no n° 4 do art° 173° do CPA «Quando à reintegração ou recolocação de um funcionário que tenha obtido a anulação de um ato administrativo, se oponha a existência de terceiros interessados na manutenção de situações incompatíveis, constituídas a seu favor por ato administrativo praticado há mais de um ano, o funcionário que obteve a anulação tem direito a ser provido em lugar de categoria igual ou equivalente...»

O que não acontece com a manutenção de um ato que apenas existe porque existiu um outro ato cuja invalidade foi declarada por decisão judicial.

A não ser que tal interfira com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo, como a lei expressamente prevê.

No caso sub judice está em causa um contrato como Professor …….., …….., da Escola Superior de Artes e Design, do Instituto Politécnico de Leiria, celebrado com o recorrente, na sequência de um concurso no qual o mesmo ficou graduado em primeiro lugar, o qual foi anulado por decisão judicial que julgou procedente a ação administrativa especial, por violação do princípio de divulgação atempada de critérios, métodos de seleção e classificação final, e determinou a anulação do concurso.

Ora, o aqui recorrente foi constituído como parte (contra-interessado) no âmbito desta ação, no decurso da qual foi anulado o concurso ao abrigo do qual exerce as funções que pretende manter.

Pelo que, os referidos princípios não interferem com a nulidade da sua situação não podendo, pois, neste caso, ser considerado terceiro com interesse legítimo para efeitos do art. 173° n°4 do CPTA.

Podemos, assim, concluir não haver probabilidade de procedência da pretensão cautelar dado o fumus boni iuris não estar demonstrado em termos de probabilidade da sua verificação.

Pelo que, e como se refere no acórdão recorrido «...neste número está em causa a colocação ou reintegração de um trabalhador que tenha obtido a anulação de um ato impugnado. Estaria em causa, se fosse o caso, a autora do processo que levou à anulação do ato, mas não a recorrente que tinha ocupado o lugar. Não está em causa a manutenção de uma situação de facto, como pretende a recorrente. Está em causa, repetimos, a possibilidade de quem viu anulado um ato poder exercer funções fora do quadro, atualmente fora do mapa de pessoal, quando não haja vaga, até ocorrer vaga no respectivo mapa de pessoal».

Em suma, tendo a recorrente sido parte [contrainteressada] na ação judicial que anulou o ato de homologação da lista de classificação final, não é terceiro para efeitos do n° 4 do art° 173° do CPTA, não tendo por isso interesse legítimo na manutenção do ato consequente, que se oponha ao dever de executar, imposto pelo n° 2 do mesmo artigo.

E igualmente não se lhe aplica o n° 3 dado que neste apenas se refere «...os beneficiários de atos consequentes praticados há mais de um ano que desconheciam sem culpa a precariedade da sua situação têm direito a ser indemnizados...».

O que significa que apenas são protegidos os beneficiários de boa-fé.

O beneficiário não poderia, pois, razoavelmente, supor que a sua situação poderia estar em causa.

O que não acontece com um contrainteressado no processo que conduz à anulação do ato ao abrigo do qual se fundamenta a posição jurídica que ver inalterada.

E, não se diga que pelo facto de ocorrer obrigação de prosseguir o procedimento concursal (e sem nos pronunciarmos se a mesma ocorre ou não) tal implica a permanência do Requerente/Recorrente no lugar até à sua conclusão.

Diz o recorrente nas suas alegações do presente recurso que: «Tendo o Instituto Recorrido, em sede de execução de julgado, a obrigação de repetir o procedimento concursal, mal se compreende como pode o TCAS ter afirmado que se não verifica o “fumus boni iuris” quanto à pretensão do aqui Recorrente em sede cautelar».

Mas, não existe qualquer correlação entre uma coisa e outra.

É que, ainda que haja a obrigação de repetir o procedimento, daí não resulta que o aqui recorrente deva permanecer no lugar em que foi investido na sequência do concurso anulado.
*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2020. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.