Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0556/14.0BESNT 01181/17
Data do Acordão:11/14/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23854
Nº do Documento:SA2201811140556/14
Data de Entrada:10/26/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal do despacho proferido a fls. 116 pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo Fiscal de Sintra, o qual lhe indeferiu o requerimento interposto no sentido de que fosse considerada sem efeito a contestação apresentada, assim como a notificação para pagamento de taxa de justiça.

Apresenta as alegações de recurso com os seguintes fundamentos:
«A) Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” no qual indeferiu o requerimento apresentado pela Representação da Fazenda Pública peticionando que fosse considerada sem efeito a notificação para pagamento de taxa de justiça nos termos do n.º 2 do art.º 15º do RCP (Regulamento das Custas Processuais), indeferimento este que justifica nos seguintes termos: “porquanto tendo havido impulso processual por banda da F.P. com a apresentação da contestação, impõe-se o pagamento da taxa de justiça de que a requerente se encontrava dispensada apesar da decisão a declarar a nulidade de todo o processado, atento a data do seu conhecimento por este Tribunal – cfr. nº 2 do art.º 98º do CPPT e alínea b), do nº1, do artº 278º do CPC”.
B) Da análise do douto despacho recorrido, verifica-se que o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” desconsidera, para efeitos de pagamento de taxa de justiça, o teor da decisão por si proferida no sentido de declarar a nulidade de todo o processado, na sequência da ineptidão da petição inicial.
C) A nulidade do processado posteriormente à apresentação de uma petição inicial inepta a produzir os efeitos pretendidos há-de implicar que os ulteriores actos processuais entretanto praticados não produzirão quaisquer efeitos no mundo jurídico, devendo o tribunal retirar as devidas consequências práticas de maneira a reconciliar o real com o Direito.
D) Dispõe o n.º 2 do art.º 195º do CPC (Código de Processo Civil), que “Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (…)”. E fácil é apreender que a apresentação de contestação em sede de impugnação judicial de acto tributário é um acto umbilicalmente ligado à apresentação da petição inicial que despoletou aquele meio processual de salvaguarda dos direitos e interesses legalmente protegidos do contribuinte. Se o aplicador do direito conclui que este primeiro articulado não está apto a produzir os efeitos que se lhe esperam, todos os trâmites que se lhe seguem estarão, em princípio, inquinados por aquele, a não ser que se possa vislumbrar nestes alguma virtualidade que não esteja afectada por aquela ineptidão. Certo é, porém, que em matérias de custas processuais não previu o legislador qualquer excepção que permitisse ao aplicador do Direito fazer tábua rasa da declaração de nulidade de actos processuais. E tal constatação se alcança perpassando quer o Regulamento das Custas Processuais quer o disposto nos art.ºs 527º e seguintes do Código de Processo Civil.
E) A nulidade de todo o processado deve equivaler à inexistência processual das peças que foram juntas aos autos e neste sentido, tendo em conta o brocardo “quod non est in actis, non est in mundo”, impunha-se que o Tribunal a quo desconsiderasse a apresentação da contestação da Fazenda Pública nos presentes autos para efeito de custas processuais.
F) Nos moldes em que o referido despacho foi produzido, ou seja, no sentido do indeferimento do requerimento que visava a desconsideração da notificação para pagamento de taxa de justiça nos termos do n.º 2 do art.º 15º do RCP, foi violado o disposto nos artigos 186º, n.º1 e 195º, n.º2 do Código de Processo Civil (aplicáveis por força do disposto no art.º 2º, al. e) do CPPT), o que impõe a sua anulação e consequente substituição por outro despacho que, deferindo aquele requerimento, extraia as devidas consequências ínsitas na sentença de declaração de nulidade de todo o processado.»

2 – O Ministério Público no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra apresentou, a fls. 131 e seguintes, contra- alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«I - Encontra-se para apreciação nos autos o recurso jurisdicional apresentado pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública relativamente ao despacho do Mmo. Juiz a quo, com data de 19.11.2015, que consta de fls. 116 do suporte de papel do processo, nos termos do qual foi indeferido o requerimento apresentado pelo ora Recorrente, no sentido de que fosse considerada sem efeito a contestação que apresentara no processo e notificação para pagamento de taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 15°, n° 2, do Regulamento das Custas Processuais (doravante a referenciar abreviadamente pela sigla RCP), em virtude de na decisão final dos autos ter sido determinada a nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial.
II — O despacho recorrido justifica o indeferimento da pretensão da Fazenda Pública com o facto de esta entidade ter tido um impulso processual nos autos, com a apresentação de contestação, o que impunha o pagamento da taxa de justiça, de que estava dispensada do prévio pagamento.
III — A nosso ver a decisão recorrida não merece qualquer censura, por ter feito uma lidima interpretação das normas aplicáveis em sede de tributação em sede custas, pelo que a mesma será de manter nos seus precisos termos.
IV — É que a taxa de justiça corresponde a uma importância a pagar no âmbito da relação tributária, cujo valor a prestar corresponde a uma contrapartida, do utente ao tribunal integrado na organização administrativa da justiça, pela prestação do serviço de justiça, e nessa relação jurídica tributária apresentam-se como sujeitos passivos as partes que tenham intervenção no processo, sejam o autor e/ou réu, ou impugnante e/ou impugnado, a perspectivar em função da lide processual e da posição nela assumida pelas partes.
V — No caso dos autos com a apresentação da sua contestação ocorreu um impulso processual por parte da Representação da Fazenda Pública, o que, atento o disposto no artigo 6°, n° 1, do RCP, justifica a liquidação e pagamento, após prévia autoliquidação e nos termos do artigo 15°, n° 2, do RCP, da taxa de justiça por essa entidade e parte processual demandada, a fixar de acordo com as regras estabelecidas no RCP, maxime na respectiva Tabela Anexa.
VI — A circunstância do processo terminar sem uma decisão de mérito não desonera a Representação da Fazenda Pública do pagamento da taxa de justiça. Neste sentido é de conferir o Acórdão do STA, com data de 13.07.2015 (relatado pela Conselheira Dulce Neto, no processo n° 0793/15), no qual justamente se fixou o entendimento de que a Fazenda Pública está sujeita ao pagamento de taxa de justiça no caso em que o decisão que ponha termo ao processo tenha sido proferida após a fase da contestação, e ainda que nela se tenha determinado a extinção da instância, com desentranhamento da petição inicial e a consequente devolução ao apresentante, por falta de pagamento de taxa de justiça devida pelo autor.
VII — Com efeito, a Fazenda Pública assumiu uma intervenção na lide, com a apresentação de contestação e no regime de tributação em custas o pagamento da taxa pela parte demandada judicialmente é feito com a apresentação da contestação, mas a faculdade, ou melhor, o beneficio legalmente concedido a esta entidade pela disposição do artigo 15°, n° 2, do RCP, não a desonera do pagamento quando o processo termina sem a apreciação do mérito da causa.
VIII — Aliás essa disposição apenas diz que a notificação é feita com a decisão que decida a causa principal, mas não distingue o tipo de decisão (ubi lex non distinguit...), o que significa que a Fazenda Pública não pode pretender que seja desonerada de pagar a taxa correspondente a um serviço prestado, quando o processo, já depois da apresentação da contestação, termina pela extinção da instância decorrente da decisão que não apreciou do mérito da causa.
IX — Neste condicionalismo, e a nosso ver, a decisão recorrida não merece censura, pois deu cumprimento ao disposto nas normas dos artigos 6°, n° 1, e 15°, n° 2, ambos do RCP, aplicáveis ao caso, pelo que será de manter a mesma nos seus precisos termos

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, remetendo para a fundamentação constante das contra-alegações do Ministério Público no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O despacho sob recurso apresenta o seguinte teor:
«Requerimento de fls. 113 no sentido de considerar sem efeito a notificação da F.P. para proceder ao pagamento da taxa de justiça. Atento o douto Parecer do D.M.M.P. antecedente, indefere-se o requerido porquanto tendo havido impulso processual por banda da F.P. com a apresentação da contestação, impõe-se o pagamento da taxa de justiça de que a requente se encontrava dispensada apesar da decisão a declarar a nulidade de todo o processado, atento a data do seu conhecimento por este Tribunal- cfr nº2, do artº 98º do CPPT, e alínea b), do nº 1, do artº 278º do CPC. Notifique.»

6. Do objecto do recurso
A questão a decidir reconduz-se a saber se padece de erro de julgamento o despacho do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra exarado a fls. 116, o qual indeferiu o requerimento que fora apresentado pela Fazenda Pública a fls. 113 dos autos, no sentido de que fosse considerada sem efeito a notificação para pagamento de taxa de justiça, nos termos do artº 15º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais, em virtude de na decisão final do processo ter sido julgada «inepta a petição inicial de impugnação apresentada, com a consequente nulidade de todo o processo».

Perante tal pretensão formulada pela Fazenda Pública, no sentido de se considerar sem efeito a notificação que lhe fora efectuada para proceder ao pagamento da Taxa de Justiça em falta, o despacho recorrido indeferiu aquele requerimento, no entendimento de que a Fazenda Pública tinha desencadeado um impulso processual nos autos, com a apresentação de contestação, o que impunha o pagamento da taxa de justiça, de que estava dispensada do prévio pagamento.
Não conformada com o assim decidido alega a Fazenda Pública que Tribunal “a quo” desconsiderou, para efeitos de pagamento de taxa de justiça, o teor da decisão por si proferida no sentido de declarar a nulidade de todo o processado, na sequência da ineptidão da petição inicial.
E argumenta que a nulidade de todo o processado deve equivaler à inexistência processual das peças que foram juntas aos autos e neste sentido, tendo em conta o brocardo “quod non est in actis, non est in mundo”, impunha-se que o Tribunal a quo desconsiderasse a apresentação da contestação da Fazenda Pública nos presentes autos para efeito de custas processuais.

6.1 Apreciando.

Carece a recorrente de razão legal.
Vejamos.
De harmonia com o disposto no artigo 530.°/1 do CPC "A taxa de justiça é paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais".
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigo 3.°/1 do RCP).
Por sua vez dispõe o artigo 6.°/1 do Regulamento das Custas Processuais que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento
Já o Estado, incluindo seus serviços e organismos, está isento do pagamento prévio da taxa de justiça, sendo certo que as partes dispensadas do pagamento prévio da taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem, ser notificadas, com a decisão final que decida a causa, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias (artigo 15.°/1/2 do RCP).
Comentando o artigo 530.° do Código de Processo Civil, no seu Regulamento das Custas Processuais, anotado, 2013, 5ª edição, páginas 64/65, refere Salvador da Costa que aquele normativo «tem por objeto a obrigação de pagamento da taxa de justiça devida pela generalidade dos sujeitos processuais, na pluralidade da sua actividade processual, designadamente a reconvenção, o litisconsórcio, a coligação, as ações de massa propostas por sociedades comercias, referenciando especialmente os litígios ditos de particular complexidade.
Pretendeu-se que a taxa de justiça seja o valor que cada interveniente lato sensu deve prestar por cada processo ou parte dele, por referência ao respetivo impulso, como contrapartida relativa ao serviço de justiça envolvente.
...Prevê o n.º 1 o pagamento da taxa de justiça, e estatui que esta apenas é paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido».
E concluiu o referido autor que «o critério do vencimento não releva, em regra, para o efeito de pagamento da taxa de justiça, uma vez que a lei liga a responsabilidade pelo seu pagamento ao autor do respectivo impulso processual, seja do lado ativo, seja do lado passivo, como se fosse uma mera contrapartida do pedido de prestação de um serviço".
Ora, como vem sublinhando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo a dispensa de pagamento prévio não significa qualquer isenção de pagamento nem se lhe equipara - Cfr. Acórdãos de 10/10/12, no processo nº 0906/12, de 31/10/12, no proc. nº 0921/12, de 7/11/12, no proc. nº 0982/12, de 17/10/12, no proc. nº 0905/12, de 5/12/2012, no proc. nº 0907/12.

Com efeito, a dispensa do pagamento prévio não desonera o beneficiário do pagamento efectivo da taxa devida pela utilização e prestação do serviço judiciário, constituindo apenas um diferimento ou protelamento do pagamento. A taxa de justiça, enquanto contrapartida relativa ao custo do serviço judiciário prestado, será exigível oportunamente, desde que tenha ocorrido, como no caso ocorreu, um impulso processual pelo qual seja devida taxa de justiça.
Em regra, a taxa de justiça é paga integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual, devendo o seu pagamento, também em regra, ocorrer «até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito» (art. 14º do RCP).
Porém, perante o estatuído na alínea a) do artigo 15º do RCP, a parte abrangida pela dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça está obrigada a liquidar essa taxa no termo do processo, ainda que não tenha decaído, total ou parcialmente, na posição que sustentou em juízo, isto é, ainda que tenha obtido ganho de causa. O que significa que o pagamento não é apenas efectuado na medida em que tal resulte de uma condenação em custas na decisão que julgue a acção ou o recurso; se nessa decisão não for condenado em custas, terá, ainda assim, de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, embora deva pedir o seu reembolso à parte que foi condenada nas custas, sob pedido de reembolso de custas de parte em conformidade com o estatuído nos artigos 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais – cf., neste sentido Acórdãos de 13.07.2015, recurso 793/15, de 17/04/2013, no proc. nº 0190/13, e de 20.01.2016, recurso 1176/15, e, na doutrina, Salvador da Costa, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 6ª edição, 2017, pag. 14 e Joel Timóteo Ramos Pereira, Regulamento das Custas Processuais e Legislação Complementar, Quid Juris, 2012, anotação 7 ao art. 8º da Lei nº. 7/2012, pág. 30.)

Ora no caso em apreço é indiscutível que a Fazenda Pública está sujeita ao pagamento de taxa de justiça face ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), pois não goza, nesta matéria, de qualquer isenção, encontrando-se apenas dispensada do seu pagamento prévio, conforme estatuído no artigo 15º, nº 1, alínea a), do RCP.
Por outro lado, a decisão que pôs termo ao processo (cf. despacho a fls. 107), e que transitou em julgado, não foi proferida numa fase liminar do processo, tendo sido proferida já após a fase de contestação, nela se tendo julgado inepta a petição inicial por o pedido estar em contradição com a causa de pedir e nela se tendo declarado a nulidade de todo o processo, a qual pode ser conhecida a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final (artº 98º, nº 2 do CPPT).

Sendo que a Fazenda Pública fora notificada para deduzir contestação à pretensão processual formulada pelo impugnante no respectivo prazo e apresentou a sua contestação nos termos do artigo 110° do CPPT - cf. fls. 65 e segs.

Neste contexto será de concluir que a Fazenda Pública assumiu uma intervenção na lide com a apresentação da contestação e que, no caso vertente, esse impulso processual implica que esteja sujeita ao pagamento de Taxa de Justiça, ainda que o processo tenha terminado sem apreciação do mérito da causa.

A sentença recorrida, que se moveu nestes parâmetros, não merece censura.
7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública
Lisboa, 14 de Novembro de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.