Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0425/06.8BEBRG
Data do Acordão:02/29/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31982
Nº do Documento:SA1202402290425/06
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:BB E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


1. Relatório

1.1. AA e mulher CC, por si e na qualidade de legais representantes DD, vêm, nos termos do art. 150º do CPTA, recorrer, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13 de Maio de 2022, que concedeu provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Braga, o qual julgou parcialmente procedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA DE EFECTIVAÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL por si intentada contra BB, médico, e CENTRO DE SAÚDE ... (extensão de ...), entretanto substituído pela ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE (ARSN).

1.2. Na referida acção os Autores pediram a condenação solidária dos Réus:
(i) a pagar à sua representada DD, a quantia de 180.000,00€ pelos danos patrimoniais sofridos, presentes e futuros, decorrente da sua incapacidade total de 100% para toda a vida e para qualquer trabalho, em resultado do seu nascimento com síndrome de Down, e a quantia de 50.000,00€, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, a contar desde a data da citação dos Réus para os termos da presente ação;
(ii) a pagar a cada um dos coautores marido e mulher, a quantia de 40.000,00€, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, presente e futuros, resultantes do nascimento da filha de ambos com síndrome de Down, acrescidas de juros de mora, a contar desde a data da citação dos Réus para os termos da presente ação;
(iii) a pagar aos autores marido e mulher, a quantia de 70.000,00€, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos alegados no artigo 37.º da p.i., presentes e futuros, resultantes do nascimento da filha de ambos com síndrome de Down, acrescidas de juros de mora, a contar desde a data da citação dos Réus para os termos da presente acção; e,
(iv) a pagar as custas, procuradoria e o mais legal.

1.3. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a acção parcialmente procedente, com a consequente condenação da Ré ARS do Norte a pagar aos Autores as seguintes quantias:
a) A cada um dos Autores, pai e mãe, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento;
b) À Autora filha, a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento;
c) À Autora filha, a quantia de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento;
d) A quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais resultantes da perda de rendimento suportadas pelos Autores Pai e Mãe, nos termos do artigo 358.º, n.º 2 e ss. e 609.º, n.º 2 do Código do Processo Civil.

1.3. Interposto recurso para o TCA Norte, pela ARS Norte e também pelos Autores subordinadamente este Tribunal concedeu provimento ao recurso jurisdicional e improcedente ao recurso subordinado, e, em consequência:
"a - ordenou a eliminação do elenco dos factos julgados provados na sentença dos pontos 33 a 35, por consubstanciarem factos essenciais de causa de pedir ("faute de service") não alegados pelos autores na petição inicial;
b - aditou ao elenco dos factos não provados a facticidade supra descrita;
c -declararam nula a sentença recorrida no segmento em que conhece de causa de pedir - faute de service - não invocada pelos Autores na petição inicial, incluindo, o segmento decisório em que com fundamento nessa causa de pedir (não alegada) se condena a Ré ARSN a pagar a cada um dos Autores Pai e Mãe, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; à Autora filha, a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento e a quantia de180.000,00 (cento e oitenta mil euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; e a quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais resultantes da perda de rendimento suportadas pelos Autores Pai e Mãe, nos termos do artigo 358.º, n.º 2 e ss. e 609.º, n.º 2 do Código do Processo Civil;
d - no mais, com a presente fundamentação, confirmaram a sentença recorrida na parte em que absolveu o 1.º Réu dos pedidos e absolveram ambos os Réus de todos os pedidos.”

1.4. Deste aresto foi interposto o presente recurso de revista, tendo os Autores concluído:
"1-Violaram-se os artigos 5º; o Art 186º n.º 1, n.º 2 al a) e n.º 3; Art 195 nº 1 última parte; art. 552º n.º1 al. d); Art. 581º n.º1; Art. 607º n.º 3 e n.º 5, Art. 614º, Art. 615º n.º 1 al. d) e e) todos do CPC; o art. 22º e o Art. 271º da Constituição da República Portuguesa, o art. 2º n.º1 e n.º 2 e o art. 3º n.º 1 e n.º 2 e Art. 8º do Decreto - Lei n º 48 051 de 21 de novembro de 1967; os artigos 483º n.º 1, o art 487º n.º 1 segunda parte; 493º n º 2, Art. 499º Art. 500º n.º1; 483º e 496º n.º1 e n.º 3 e 497º n.º1 Art. 562º e ss 799 n.º 2 todos do CC; o despacho Nº 5411/97 DE 08 DE JULHO, Despacho nº 5411/97, a Lei nº 90/97, de 30 de Julho, a qual introduziu a seguinte nova redacção às alíneas c) e d) do artigo 142º; os princípios da gestão processual, do petitório/dispositivo, o da máxima celeridade dos actos, entre outros.
2- Porquando se arguiu a nulidade do acórdão que decretou a nulidade da sentença porque se decidiu pela deficiência na matéria de facto e se ampliou a mesma ao arrepio de normas expressas que impunham uma decisão diferente que não a de levar a matéria de facto, para os factos julgados como não provados, quando a natureza da prova por acordo das partes impõe que tal matéria de facto conste do manancial das provas julgadas como provadas,
3- Só se verifica tal vício quando existe falta absoluta de decisão, o que não ocorre na sentença do tribunal a quo, como no caso de decisão incompleta, insuficiente ou ilegal (1), mas ocorrerá outrossim, o que não ocorre nos autos, quando v.g. e em sede de resposta a pretenso ponto de facto controvertido se limita o Julgador a remeter para determinados documentos juntos aos autos, não individualizando porém a efectiva realidade factual que através dos mesmos considera provada, consubstanciando assim a apontada deficiência uma efectiva inexistência de elementos de facto reproduzidos/vertidos na resposta.
4- Porquanto se argui a nulidade do acórdão que decidiu por excesso de pronúncia na matéria de facto julgada como provada, com o não fixação e a força do meio de prova documental, visto que mesmo a verificar-se uma insuficiência factual da alegada prova documental o Tribunal ad quem adquira para o sector da matéria de facto provada, o que não fez, aquilo que de pertinente para o enquadramento jurídico decorra da documentação apresentada, não se impondo sempre nos referidos casos a anulação da decisão de facto do tribunal a quo e/ou a repetição - parcial - do julgamento.
5- A Doutrina quer a Jurisprudência são claras no entendimento de que, alegado o facto essencial (a relação jurídica decorrente do estado de grávida seguida no âmbito da organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde), nada impedirá que se remeta para os documentos... Ademais, a sentença sob recurso respeita o formalismo legal processual, quando se identifica os factos provados e os que considerou não provados e de seguida os fundamentou tal para proceder à sua análise jurídica que finalizou com a decisão, pelo que não falta qualquer fundamentação de facto e/ou de direito, na sentença que como se releva "Destaca-se que a convicção do julgador fundou-se numa certeza histórico-empírica de elevado grau de probabilidade, em resultado do êxito das diligências instrutórias realizadas, tendo sido concatenada cuidadosamente toda a prova produzida. Mais se destaca: toda a prova documental junta aos autos foi cuidadosamente analisada, tendo alicerçado as posições vertidas nos relatórios da consulta de especialidade tal como é referido em cada um dos pontos do probatório. Assim, o Tribunal atendeu aos documentos para os quais remete o probatório, bem como às posições vertidas na perícia realizada nos autos e ainda à prova testemunhal produzida..."
6- E quando o que foi dado ou julgado como provado foi o conteúdo que está ínsito nos documentos e não os próprios documentos, como resulta da própria motivação, sendo certo que atento o elevado número de documentos e a sua extensão sempre, será de se aceitar a remissão para o teor ou conteúdo dos documentos, pois tal é imposto pelo próprio princípio da economia processual.
7- Não se verifica a nulidade oficiosa por excesso de pronúncia do Sr. juiz a quo, consubstanciada nos pontos 33, 34 e 35 da matéria de facto julgada como prova, quando os autores/ co recorrentes nãoalegaram devida e adequadamente, todos os factos relativos à causa de pedir na petição inicial e seu artigo 13º e consubstanciados nos factos "logo que primeira ecografia realizada no Hospital ..., em 2003/11/06, a analista Dr. EE escrevia no seu relatório "deve ser efectuado rastreio bioquímico do 1° trimestre em centro credenciado para o efeito de PAPP-A e 1. Líquido fetal proteico no ventre materno" e
8- E quando ainda se alegou que, c.f.r. artigo 19º que o aludido rastreio foi pedido e realizado na Genética Médico e diagnóstico Pré-Natal Prof. Doutor FF, em 2003/11/18, tendo-se escrito, por mero lapso de escrita que aqui se pede para se relevar, c.f.r. Doc 6, conforme determinação e segundo protocolos do Serviço Nacional de Saúde, sendo que os autores apresentaram uma relação material controvertida em que demandaram solidariamente, por terem legitimidade para tanto o réu BB e a ARS NORTE.
9- E quando é certo que no âmbito da audiência prévia em que se lavrou o despacho saneador e se determinou o objecto da acção e os competentes temas de prova, nenhuma das partes presentes suscitou quaisquer irregularidades ou nulidades que influíssem no sentido da decisão final.
10- Nem mesmo interpôs qualquer recurso interlocutório, a conhecer junto com a decisão final. Pelo que seja o objecto da acção sejam os temas de prova, constituem caso julgado formal dentro do próprio processo.
11- Assim, mostra-se que houve acordo, entre todas as partes relativamente à fixação da matéria de facto materialmente controvertida, tal como configurada pelos autores/co recorrentes e admitida tal matéria de facto por acordo, não pode o tribunal ad quem suscitar a questão em termos de nulidade oficiosa.
12- Nos presentes autos estamos perante prejuízos relevantes quer para os Autores/co recorrentes pais, quer para a DD e dirimem-se interesses de particular relevância social que contendem com responsabilidade civil extra contratual pelo risco em que não foram informados, nem esclarecidos os para em articulação com o médico assistente no Centro de Saúde ..., extensão de ... e o Hospital ..., em Braga, dependentes e sob a organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, na dependência orgânica da Administração Regional de Saúde Norte no que concerne à interrupção voluntária da gravidez.
13- Nos presentes autos houve dúvidas entre os resultados da primeira ecografia e os resultados do exame de rastreio bioquímico que não foram ultrapassados em ordem a obter seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, deforma incurável, de doença grave ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
14- Pelo que bem andou o Tribunal a quo, ao levar os pontos 33, 34 e 35º, à matéria de facto julgada como provada.
15- Pelo que vão arguidas e suscitadas duas nulidades de direito do acórdão revidendo, por violação do artigo 615º n.º1 alíneas d) segunda parte e al. e) segunda parte e do Art. n.º 1 e o Art. 607º n.º3, n.º 4 e n.º 5 do CPC

Da motivação do recurso de revista excepcional

(…)

Do recurso
1- Os co autores alegaram e bem em sede de petição inicial, nomeadamente seus artigos 13º e 19º, e outros todos os factos essenciais inerentes ao tipo e modo de funcionamento, organização e articulação decorrente do Serviço Nacional de Saúde e consubstanciado nos agentes BB, o Centro de Saúde ... extensão de ... e o H....
2- Mostra-se provado que houve mau funcionamento ou anomalia no funcionamento dos serviços do SNS.
3- Por causa e como resultado directo necessário e adequado do mau funcionamento dos serviços os co autores/ co recorrentes não foram informados, esclarecidos e de que, acaso o feto sofresse de anomalia congénita podiam optar em consciência para o exame da amniocentese e para ao alerta dos riscos desse exame.
4- O exame da amniocentese era um dos exames previstos, em 2003, para ser realizado no quadro da Direcção-Geral de Saúde e de acordo com o diagnóstico pré-natal, deveria seguir as regras estabelecidas.
5- A Maternidade ..., no ano de 2003, seguia um protocolo, em ordem a despistar casos de malformação congénita, utilizando o exame de amniocentese, para averiguar a possibilidade de Síndrome de Down.
6- O sistema implementado no SNS, em novembro de 2003 não logrou debelar apesar das dúvidas objetivas entre os resultados da primeira ecografia e os resultados do rastreio bioquímico, uma informação objectiva e esclarecedora aos co recorrentes para poder realizar a grávida o teste da amniocentese e decidir-se pela interrupção voluntária da gravidez, o que é ilícito.
7- O que resultou de um mau funcionamento do SNS que foi causa directa, necessária e adequada dos prejuízos que os co autores / co recorrentes alegaram e se mostram provados nos autos.
8- O aludido e consubstanciado mau funcionamento só pode ter-se como fonte de obrigação para se indemnizar, porquanto o ARS Norte não logrou elidir que os danos sofridos pelos co autores / co recorrentes não resultaram da actuação/omissão dos serviços do SNS.
9- Assim, no caso dos autos estão verificados todos os pressupostos para condenar a ARS Norte, em sede de responsabilidade civil extracontratual, por motivo de "faute de Service" consubstanciada em mau funcionamento dos serviços

Sem prescindir

10- Há violação das "leges artis" por parte do médico BB consubstanciada na ausência de informação aos Autores nos termos sobreditos e com quem estava em contacto directo, por ser o agente de ligação do SNS aos utentes, aqui a grávida, apesar de o mesmo se encontrar âmbito do funcionamento, organização e articulação decorrente do Serviço Nacional de Saúde e ser seu agente, onde se inclui o Centro de Saúde ... extensão de ... e o H....
11- Ou seja, os co Autores, a jusante viram-se privados da informação necessária à eventual realização de exame recomendado para o esclarecimento de dúvidas sobre a existência de síndrome de Down no feto, por forma a que, mediante circunstâncias a ponderar clinicamente, pudessem decidir pelo prosseguimento ou não da gravidez, sendo esta omissão, portanto, o facto ilícito.
12- O que ocorreu pelo facto de o médico em causa confrontado com os resultados contraditórios entre a primeira ecografia e os resultados do rastreio bioquímico, que aconselhavam a uma análise e estudo cuidado, ponderado, previdente, acabou por ter um comportamento descuidado, imprevidente e pernicioso de se conformar com aqueles resultados.
13- Ao ponto de nem sequer alertar, por escrito o médico radiologista Dr. GG, com uma informação objectiva a alertar para os resultados contraditórios entre os citados exames, o que veio a condicionar decisivamente a colheita de imagens pelo dito radiologista.
14- O que traduz uma conduta omissiva culposa, atendendo às concretas circunstâncias do caso e aos conhecimentos médicos de que era suposto ao Réu BB, enquanto funcionário do Centro de Saúde ... e consequentemente da Ré ARS Norte, possuir, porquanto, podia e devia, face à dúvida gerada pelos resultados contraditórios dos dois primeiros exames a que a Autora se submeteu, prever e antecipar a eventual ocorrência de síndrome de Down no feto, como veio a ocorrer, portanto, fazer melhor, designadamente, optar - em tempo - pela realização de exames complementares de diagnóstico.
15- Pelo que houve, efectiva violação dos deveres gerais de cuidado, tanto mais que o resultado dos exames são uma obrigação de resultado e não de meios: «De qualquer modo, sendo o médico e serviço disponibilizado pela ARS Norte, é no âmbito da prestação de cuidados de saúde públicos que tal atuação ocorre e, em primeira linha, a omissão em causa imputável ao Réu BB como omissão ilícita e culposa que ocorreu neste caso como condição do dano.
16- Ora a violação das "leges artis", no presente caso era evitável, ou seja, o médico BB integrante dos serviços da co recorrida ARS Norte poderia e deveria ter agido de outro modo (ter optado por esclarecer os Autores quanto às dúvidas geradas pelos exames realizados e do exame complementar que poderia a grávida realizar, a amniocentese, com os riscos daí advenientes e, perante tais esclarecimentos, em primeiro lugar, serem os co Autores a decidir ou não pela realização do exame e, depois, decidir quanto ao prosseguimento da gravidez e, portanto, o comportamento voluntário e omissivo e ilícito é, no presente caso, gravemente censurável.
17- Com efeito, da circunstância de ter havido ilicitude decorre a violação do dever objetivo de cuidado sendo ainda claro que, nas apontadas circunstâncias, os serviços do co réu médico que podia e devia ter decidido, pelo menos e se não antes, pela possibilidade de realização do exame aquando do rastreio bioquímico, ou então antes, com a primeira ecografia».
18- Donde a responsabilidade solidária dos co recorridos tal como a relação material se encontra configurada pelos autores.
19- Pois que o médico BB no exercício e por ocasião da actividade médica e atento esta e sua relação profissional com a aqui co recorrente ARS Norte estava obrigado a elidir a presunção de culpa que pesava sobre o mesmo, o que não fez, quer quanto à obrigação de meios quer quanto à obrigação de resultados, como a falta de informação não fornecida, ao médico radiologista GG, aquando da realização da ecografia das 22 semanas.
20- Pelo que sempre deveriam e devem ser condenados, solidariamente os co recorridos pela verificada omissão dos deveres de cuidado que perpetrou, e que constituíram uma violação das legis artis médicas mostrando-se preenchidos, os requisitos da ilicitude, da culpa, do dano, (prejuízos morais para os pais e para a própria nascitura, como os decorrentes do nascimento do feto com malformações congénitas, nomeadamente o Síndrome de Down.
21- Aos autores foi negado o direito à informação por comportamento omissivo ilícito e culposo do co-réu BB que se traduziu na violação do dever objectivo de cuidado a que estava vinculado.
22- O médico BB no exercício da sua profissão, integrado no Serviço Nacional de Saúde estava obrigado, ao dever de esclarecimento: "O médico deve procurar esclarecer... a família, acerca dos métodos de diagnóstico ou de terapêutica que pretende realizar", o que como se comprovou, ele não fez.
23- E como autor de "actos médicos" estava sujeito às "Leges artis ad hoc" consistem em regras, segundo as quais o profissional, neste caso, de saúde se deverá orientar no desenvolvimento da sua actividade e as quais conferem indícios: particularidades da actividade médica, múltiplos factores que a influenciam; a complexidade de intervenções; a sua relevância em dado momento do tratamento do doente, etc. Entende-se por "leges artis ad hoc medicinae", a aplicação de regras gerais médicas a casos iguais ou parecidos, com vista a assegurar uma actuação com o cuidado objectivamente devido. Podem ainda ser consideradas como o critério valorativo de correcção de um determinado acto médico executado por um profissional de medicina (ciência ou arte médica) que tem em conta as particularidades do seu autor, profissão, complexidade da sua actividade e especialidade, assim como factores exógenos, como nomeadamente, o estado do paciente, a intervenção potencial dos seus familiares, a organização hospitalar e sanitária, para qualificar, como conforme ou desconforme à técnica exigida, o acto médico em análise (atendendo aos requisitos de legitimação e actuação médica lícita; eficácia do serviço prestado; a eventual responsabilidade do seu autor-médico em resultado da sua intervenção)".
24- A culpa pela respectiva omissão resultou provada pelas declarações de parte/depoimento de parte, do médico BB, em sede de audiência de discussão e julgamento, ele, independentemente de protocolo, em vigor, entre o Centro de Saúde ... e o Serviço Nacional de Saúde, ele médico assumiu que não actuou, por entender, erradamente, que não o devia fazer, conformando o seu comportamento, em tudo, de que do mesmo adviesse um resultado danoso, o que veio a comprovar-se.
25- Porque entendeu, em Novembro de 2003, ilícita e culposamente de que os resultados dos exames: "ecografia das 11 semanas e o resultado do rastreio bioquímico" que lhe foram presentes até àquela data, não o obrigavam a agir de modo diferente, tal como resulta do seu depoimento de parte, e consta na matéria de facto julgada como provada, no ponto 25 e ponto 26.
26- O médico BB não é um médico de medicina geral, mas sim um médico da especialidade de medicina geral e familiar, o qual pelo acompanhamento que faz das suas pacientes grávidas tem a obrigação de conhecer e dominar cientificamente, não só todas as técnicas de diagnóstico, para as mesmas, sendo que lhe cabe em especial: Fazer o acompanhamento regular do estado de saúde; Realizar avaliações gerais periódicas da saúde; Recorrer nas situações de doença comuns; Recorrer para avaliação e certificação médica para prática de desporto de lazer; Aconselhar sobre cuidados preventivos, vigilância da saúde e exames a realizar; Aconselhar sobre planeamento familiar; Aconselhar e decidir sobre a necessidade de referenciar para médicos de outras especialidades, de que destacamos, em especial esta última.
27- Pelo que tinha a capacidade e o dever, para em caso de dúvida esclarecer; objectivamente, os pais, pedindo, nomeadamente exames de diagnóstico complementar compatíveis com a situação clínica da grávida.
28- lndependentemente tal como a recorrente alega que o protocolo não definia normas ou resultados - padrão, o que aqui se não aceita, uma vez que o resultado padrão, de tais protocolos, existem sempre, na actuação concreta de cada médico e aqui nomeadamente existiam para o médico BB que não os observou, por se aferirem, segundo as legis artis e determinadas, pela vinculação do agente/órgão administrativo ao princípio da discricionariedade técnica, isto é, há ser a melhor solução, em ordem a evitar o resultado danoso.
Nestes termos e nos melhores de direito, se requer a V.ª Ex.ª se digne conceder provimento ao presente recurso, para determinação a existência de questões de que pela sua relevância jurídica ou social, se revestem de importância fundamental pois admitido o recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito";
e ainda por ter como fundamento jurídico a violação da lei substantiva e da lei processual;
pois existe o erro na apreciação das provas documentais e na fixação dos factos materiais da causa por verificação da ofensa de disposições expressas de lei processual;
e no que tange à procedência das inexistentes nulidades oficiosas da sentença do tribunal a quo, se decrete a nulidade das mesmas, por verificadas as invocadas nulidades de direito das inexistentes deficiência e excesso na sentença, com tal revogando o acórdão ad quem, repristinando a sentença do tribunal ad quo, tal como ela foi decidida e condenando a co recorrida ARS Norte nos termos da mesma, a nível dos danos patrimoniais a favor da co autora DD, na condenação da co recorrida a título de liquidação em execução de sentença, com a alteração dos montantes peticionados, a favor dos co recorrentes, a título de danos não patrimoniais e constantes do recurso subordinado;
sem prescindir, condenar solidariamente os co recorridos, nos montantes de cento e oitenta mil euros, a título de danos patrimoniais à co recorrente DD condenar no pagamento do montante de cinquenta mil euros a título de danos não patrimoniais à co recorrente DD;
condenar no pagamento do montante de quarenta mil euros a cada um dos co recorrentes pais e condená-los ainda a título de liquidação em execução de sentença sempre com juros a contar da citação."

*

1.5. A recorrida ARSN contra-alegou, concluindo:
«Quanto à admissão do recurso de revista

(…)
Quanto às questões de fundo para a revista
Não estamos perante matérias que relevem para aplicabilidade dos pressupostos do artigo 150º do CPTA
5º Por se tratar de matérias com elevada estabilidade no nosso Direito, seja a relativa à causa de pedir de uma ação que não é modificável pelo despacho saneador quando desacompanhada de acordo com partes ou da verificação dos pressupostos a que se referem as normas do artigo 265º nº1 do CPC
6º Sendo pacífico que a modificação da causa de pedir obedece a regras estritas e sobre as quais não há divergências, ou não estão colocadas, que justifiquem a atenção do Venerando STA;
Nem faz sentido manter-se um objeto recursivo - como as alegações patenteiam - onde subsiste a via do funcionamento anormal do serviço, a título de responsabilidade objetiva, ao lado da responsabilidade fundada na culpa do agente dos factos, pela contradição intrínseca que tal representa;
8º Nem estão apresentadas razões, factos conexos com normas que justifiquem a prolação de acórdão do Veneranda STA, na estreita margem que o nº 4 do artigo 150º da CPTA deixaria.
9º A ARSN, IP acompanha as doutas alegações e conclusões da interveniente A..., SA bem como as do réu Dr BB.
(...)"

1.6. O co-réu BB também contra-alegou, concluindo do modo seguinte:
«I- Concordamos na íntegra com o douto Acórdão, cujo teor é de uma louvável e inquestionável clarividência.
II- O mesmo não se pode dizer do recurso ora interposto, que, desde logo, vem invocar que o Acórdão ora em crise padece de nulidades que inexistem.
III- De igual modo, das alegações apresentadas resulta que em lado algum os Recorrentes referem ou explicam a especial motivação do recurso excecional de revista.
IV- Ora, é Jurisprudência pacífica deste STA que "O recurso de revista, com previsão legal no art. 150º do CPTA, tem carácter excepcional, destinando-se somente à apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.".
V- Cumpriria aos recorrentes alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf art. 144. º, n.° 2, do CPTA e art. 639. º n.°s 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis), não podendo o recurso ser admitido se os recorrentes não se desincumbiram desse ónus.
VI- Não bastará, assim, como os Recorrentes fazem, repetir que se verificam os pressupostos de admissão deste recurso excecional.
VII- Outrossim, teriam e deveriam os Recorrentes demonstrar claramente o porquê de se tratar de "questão que, pela sua importância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito". E não o fizeram.
VIII- Não pode admitir-se o recurso se os recorrentes invocam, como pressuposto específico do seu recebimento, o mesmo erro em que suposta e alegadamente - no prisma errado - dos recorrentes incorreram as instâncias anteriores.
IX- O recurso também não pode ser admitido se a questão nele suscitada se prende com a valoração da prova, pois, por expressa disposição legal, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (cf. art. 285.º n.°4, do CPPT).
X- O recurso de revista excecional visa funcionar não como um terceiro grau de recurso mas antes como válvula de escape e de segurança para situações especiais em que a questão a apreciar assuma relevância jurídica e social fundamental ou quando a admissão do recurso se revele necessária para uma melhor aplicação do direito.
XI- A douta decisão ora em crise refere, no seu ponto d-, que “com a presente fundamentação, confirmam a sentença recorrida na parte em que absolve o 1º Réu dos pedidos...”, verificando-se, portanto, quanto a este, uma dupla conforme que agora os Recorrentes, sem qualquer fundamento, querem ver “revista” utilizando ilegalmente um 3º grau de recurso completamente inadmissível.
XII- Sucede que, in casu, estes requisitos não estão presentes, uma vez que a Recorrente se limita a esgrimir a mesma fundamentação que dirigiu ao TCN e a contrapor à argumentação invocada pelas instâncias aquilo que já tinha argumentado anteriormente.
XIII- Acresce que é por demais evidente que a apreciação do recurso, tal como é apresentado pelos recorrentes, requer que se elabore juízo de valor sobre a forma como o TCN apreciou a matéria de facto o que está vedado ao STA como tribunal de revista.
XIV- Decorre do n°4 do artigo 150º do CPTA que «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova», o que também não ocorre no caso dos autos.
XV- E como se deixou igualmente exarado no acórdão do STA de 28/05/2014 (recurso n° 067/14), «...nas questões decididas pelo TCA com fundamento em matéria de facto que compromete inexoravelmente a análise das questões de direito e o sentido da decisão, está ultrapassado o interesse na discussão das questões jurídicas intrinsecamente ligadas àquela matéria de facto» (no mesmo sentido o acórdão do STA de 04/09/2013, recurso n° 0995/13.
XVI- E, assim acontecendo, deve este recurso ser liminarmente rejeitado com as legais consequências.
XVII- No que tange à alegada violação da lei substantiva e da processual por violação do caso julgado processual, começam os Recorrentes por dizer que "Na douta sentença proferida no Tribunal de Círculo (??)o senhor Juiz condensou a matéria de facto julgada alegada na p.i. pelos AA. do seguinte modo e que aqui reproduzimos" (os pontos de interrogação são nossos).
XVIII- Acontece que os AA., como é seu timbre desde o início do processo, são pouco ou nada rigorosos a reproduzir, o que no presente Recurso reiteram, intervalando passagens de acordo com a realidade com outras de mera ficção, chegando, até, afazer sínteses daquilo que supostamente o aqui co-R, contra alegou com uma atroz falta de rigor.
XIX- Mas o que mais ressalta é que o teor e conteúdo deste Recurso é exatamente o mesmo do seu Recurso (subordinado) anterior.
XX- Mudam algumas palavras mas a essência e bandeira são as mesmas, enredada e confusa, remetendo inconsequentemente para números que não existem, numa amálgama de factos e conceitos, ora ligados à Ré ARS ora ligados ao R. BB, difícil de ler e digerir.
XXI- De modo que, para além de se reiterar que os Recorrentes usam este recurso deforma indevida (como uma mera 3ª instância de recurso), para não se cair no mesmo erro, limitamo-nos a dizer, por uma questão mera economia processual, que se reitera, por corresponder inteiramente à verdade e realidade dos factos e do direito e por se manter perfeitamente atual, tudo aquilo que se disse e escalpelizou em sede de contra alegações apresentadas no TCN, cujo longo conteúdo de 294 artigos e 23 conclusões se reproduz integralmente para os legais efeitos.
XXII- Com uma pequena grande diferença: é que entretanto foi proferida douta decisão pelo TCN de uma transparência e rigor que não nos cansamos de enaltecer e elogiar.
XXIII- Assim, para além de em relação à Ré ARSN o douto Acórdão ora em crise declarar "...nula a parte da sentença em que a 1ª instância nela conhece da responsabilidade civil da mesma por anormal funcionamento dos serviços e com base nesta causa de pedir não alegada pelos Autores na petição inicial para suportar os pedidos condena a Recorrente a pagar aos autores as importâncias supra referidas, por condenação em objecto diverso (art. 609°, n° 1 do CPC) e excesso de pronúncia nos termos da al. D), n° 1, art. 615º do CPC." absolvendo-a do pedido,
XXIV- mais refere, em relação ao R. BB e ao recurso subordinado interposto pelos AA., que " A sorte deste recurso está fatalmente votada ao insucesso, tendo em consideração a decisão que acima prolatamos, em que se concluiu claudicar o requisito de ilicitude, o que necessariamente leva à improcedência do pedido.
Ademais, sempre se dirá, que, ainda que este Tribunal ad quem considerasse que, em face dos factos provados e não provados, o 1 ° Réu agiu de forma ilícita e culposa, no domínio do DL N° 48051, de 21/11/67 - vide artigos 2º e 3º-, a responsabilidade seria exclusiva da Administração, no caso a ARS, apenas tendo a mesmo direito de regresso, caso se concluísse que os atos praticados pelo funcionário, no caso, o médico, o foram com negligência grave. Na vigência deste diploma, apenas havia lugar à responsabilidade solidária da Administração no caso de atos praticados com dolo.
Não tendo o Réu BB agido de forma ilícita e culposa, nem sendo a sua ação causal ao surgimento dos danos ocorridos, não se verificam em relação a si os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, pelo que não pode ser responsabilizado pelos Autores.",
XXXVIII- pelo que " no mais, com a presente fundamentação, confirma a sentença recorrida na parte em que absolve o 1º Réu dos pedidos.".
XXXIX- Esta transcrição (ipsis verbis) de um pequeno trecho da douta decisão ora em mérito, definirá, sucintamente, a falta de razão e incoerência do recurso interposto pelos AA., com a qual corroboramos integralmente.
XL- Foram violadas, entre outras, as normas constantes dos arts. 144º e 150º do CPTA, art 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e art. 285.º, nº 4, do CPPT e DL N° 48051, de 21/11/67.
Desta forma, deve o presente recurso improceder, com que se fará a habitual JUSTIÇA!»

1.7. A interveniente A..., S.A, contra-alegou, concluindo que deve o recurso de revista excecional ser rejeitado pelo menos na parte respeitante às questões objeto da impugnação que versam sobre a eventual atuação ilícita e culposa do réu BB e sobre a sua absolvição dos pedidos e, sem prescindir, o recurso deve ser julgado improcedente, por não provado.


1.8. Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Outubro de 2023, foi admitida a revista, no essencial, porque: “(…) E, feita essa apreciação, tudo aponta para que o presente recurso de revista deva ser admitido. Na verdade é completamente diferente a solução jurídica a que chegaram os tribunais de instância, tendo um condenado apenas a ARSN, embora com admissão de conduta ilícita e culposa do médico, e o outro absolvido ambos os demandados, tendo, para o efeito, alterado a matéria de facto provada e não provada e declarado «nula» a sentença no seu corpo decisório fundamenta. No que tange à apreciação da violação das leges artis e à controversa faute de service nas suas várias dimensões, a questão mostra-se complexa, a exigir manuseio sagaz de princípios e de normas adjectivas, e, ainda, de lúcida subsunção dos factos provados às pertinentes normas substantiva. O tratamento que das mesmas foi feito no «acórdão recorrido» mostra-se susceptível de gerar dúvidas legítimas e que impõem a sua dilucidação pelo tribunal de revista".

1.9. Cumprido o art. 146.º, n.º 1, do CPTA, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público não se pronunciou.

1.10. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento do recurso.

2. Fundamentação
2.1.Matéria de facto

O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

"1. No dia 06/11/2003, a Autora Mãe, foi submetida a consulta por gravidez no Centro de Saúde ... e apresentava 23 anos de idade, nada havendo sido registado quanto a antecedentes pessoais - cfr. doc. n.º1 junto com a petição inicial.
2. A Autora menor, nasceu no dia ../../2004 - cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
3. Ao longo do acompanhamento da gravidez da Autora Mãe, foram efetuados os seguintes registos clínicos:
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-cfr. doc. n.º 2, junto com a petição inicial e docs. juntos em 04/02/2016.
4. Em 10/11/2003, submeteu-se a colheita de sangue para analise, da qual resultou o seguinte relatório:
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- cfr. docs. juntos em 26/06/2020.

5. No ano de 2003, na Maternidade ..., encontrava-se estabelecida o seguinte protocolo para rastreio bioquímico materno de anomalias congénitas:
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-Cfr. Docs. juntos pelo 1º Réu em 04/02/2016.
6. No ano de 2005, entre o Hospital ... e nos Centros de Saúde da circunscrição, encontrava-se estabelecido o seguinte protocolo de saúde materna e obstetrícia:
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- Cfr. docs. Juntos em 04/02/2016
7. Em 06/11/2003, a Autora Mãe foi submetida a ecografia da sua gravidez relativa ao primeiro trimestre, da qual resultou o seguinte relatório:
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-Cfr. Doc. nº 5, junto com a petição inicial
8. Em 18 de novembro de 2003, a Autora Mãe, no âmbito do controlo da sua gravidez, foi submetida a exame de rastreio de síndrome de Down, do qual resultou o seguinte relatório:
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- cfr. Doc. n.º 6 junto com a petição inicial.
9. Em 10 de janeiro de 2004, a Autora Mãe foi submetida a ecografia obstétrica, da qual resultou o seguinte relatório:
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10. Em 10 de março de 2004, a Autora Mãe foi submetida a ecografia obstétrica, da qual resultou o seguinte relatório:

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- cfr. Docs. juntos em 09/03/2016.
11. A Autora menor foi internada no Hospital ..., após o seu nascimento, em ../../2004, com a alta em 07 de maio de 2004, por hipotonia —problemas de alimentação no recém-nascido e do que resultou o seguinte relatório de alta
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- cfr. doc. n.º 3, junto com a petição inicial.
12. Em 04 de maio de 2004, à Autora menor foi realizado estudo de culturas sincronizadas de linfócitos, da qual resultou o seguinte relatório:
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- cfr. Doc. nº 4, junto com a petição inicial.
13. Com data de 09 de outubro de 2008, o Hospital ... emitiu o seguinte relatório relativo ao nascimento da Autora menor:
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-cfr. Docs. juntos em 18/04/2016.
14. Entre a B..., SA e o 1.º Réu, BB, foi celebrado acordo, que denominaram de contrato de seguro, com a apólice n.º ...00, pela qual o primeiro Réu transferiu para a B..., SA, responsabilidade civil resultante da sua atividade de medicina geral e familiar, nos seguintes termos:
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-cfr. Doc. junto com a contestação do 1º Réu.
15. A Inspeção Geral das Atividades em Saúde, instaurou contra o primeiro Réu BB, processo disciplinar cujo arquivamento foi determinado por Despacho de 31 de dezembro de 2010 e de cujo relatório resulta, entre o mais, o seguinte:
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-cfr. Docs. juntos em 03/04/2012.
16. Em 04/10/2012, foi proferida sentença no processo que os Autores marido e mulher, haviam instaurado no Tribunal Judicial de Vila Verde e pela qual pretendiam a efetivação de responsabilidade civil extracontratual contra a Santo Casa do Misericórdia de ... e Dr. GG, em virtude de este último ao realizar ecografia a Autora Mãe com 22 semanas de gestação e não detetou ma formação congénita do feto da menor DD e na qual foi decidida a sua improcedência cfr. Docs, juntos em 17/06/2015.
17. Da decisão que antecede foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que por seu acórdão de 17 de setembro de 2013, manteve a decisão recorrida cfr. Docs. juntos em 30/09/2015.
18. As Autoras Mãe e filha são assistidas medicamente no Centro de Saúde ..., tendo a Autora Mãe apresentado gravidez em consulta realizada em 01/04/2015 cfr. Docs. juntos em 31/03/2016.
19. Em 02 de dezembro de 2016, o Gabinete Médico-legal e Forense do ... emitiu o seguinte relatório da perícia realizada a Autora menor:
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-cfr. fls. 1115 e ss. (SITAF).
20. Em 17 de maio de 2017, o Hospital ..., emitiu o seguinte parecer pericial no âmbito da especialidade de Obstetrícia e Ginecologia:
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-cfr. fls. 1201 e ss. (SITAF).
21. Com data de 08 de novembro de 2017, o Conselho Técnico Científico do Instituto Nacional de Medicina Legal emitiu o seguinte relatório de consulto técnico científica:
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-cfr. Doc. de fls. 1215 e ss. (SITAF).
22. Na sequência do relatório que antecede, foram remetidos ao Conselho Médico Legal, o boletim de saúde de grávida, ficha clínica de grávida e avaliação de risco pré-natal e em face do que, aquele Conselho complementou o seu relatório nos seguintes termos:
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-cfr. fls. 1269 (SITAF).
23. O cálculo de risco de síndrome de Down em sede de rastreio bioquímico a que a Autora Mãe foi submetida, não levou em consideração a deteção de translucência da nuca do feto com 3.1, detetado na primeira ecografia a que a Autora Mãe se submeteu cfr. depoimento de FF
24. A deteção de translucência da nuca de 3.1 detetada na primeira ecografia de gravidez a que a Autora se submeteu, era motivo de alerta, e com o resultado negativo do rastreio bioquímico, ficaram mais ou menos sossegados e para remoção de dúvidas a amniocentese seria o indicado, mas o resultado do rastreio não deu essa indicação, mas a amniocentese era um risco muito grande e daí não optarem muitas vezes pela amniocentese - cfr. depoimento das testemunhas EE e FF
25. Com o pedido de realização da segunda ecografia a Autora Mãe referente às 20 semanas de gravidez, o Réu BB, não forneceu os elementos resultantes da primeira ecografia, bem assim, do resultado negativo do rastreio bioquímico cfr. declarações de parte do Réu BB e depoimento da testemunha GG.
26. O Réu BB, em face do resultado da primeira ecografia a que a Autora Mãe se submeteu, que apresentou translucência da nuca do feto de 3.1 e perante o resultado negativo para síndrome de Down do feto, resultante do rastreio bioquímico, não equacionou a possibilidade de realização de amniocentese, nem informou os Autores Pai e Mãe de tal possibilidade, informando-os dos respetivos riscos - cfr. declarações de parte dos Autores Pai e Mãe e depoimento de parte do Réu BB.
27. Em data não concretamente apurada, o Autor Pai, deslocou-se ao Centro de Saúde ... a fim de falar com o Réu BB - cfr. declarações de parte dos Autores Pai e Mãe e depoimento das testemunhas HH e II.
28. O Réu BB desempenhou a função de médico de família da Autora Mãe e demais família com ela relacionada - cfr. declarações de partes dos Autores Pai e Mãe.
29. Em face da patologia de que a Autora Menor padece (Síndrome de Down), necessidade de apoio de terceiros para as suas necessidades básicas, nomeadamente acompanhamento quer em casa, quer em saídas para a escola ou outras - cfr. declarações de partes dos Autores pai e Mãe e depoimento das testemunhas JJ, II, KK.
30. A Autora menor frequenta o ensino público, em regime de ensino especial - cfr. declarações de partes dos Autores Pai e Mãe e depoimento das testemunhas JJ, II, KK.
31. Perante a deteção de síndrome de Down com o nascimento da Autora menor, os Autores Pai e Mãe ficaram muito revoltados, tristes e amargurados, com necessidade de adaptar a sua vida a tais circunstâncias - cfr. declarações de partes dos Autores pai e Mãe e depoimento das testemunhas JJ, II, KK.
32. A Autora menor é apontada pelas demais crianças e colegas de escola como pessoa diferente, o que deixa os Pais e demais família angustiados, preocupados e tristes - cfr. declarações de partes dos Autores pai e Mãe e depoimento das testemunhas JJ, II, KK.
33. No âmbito da constituição da comissão de diagnóstico pré-natal e com vista a integração num centro de diagnóstico combinado, que funcionaria entre um serviço proposto pelo Hospital ..., entre outros à Ré ARS Norte, foi proposto que tal serviço se estende a todos os centros de saúde do distrito de Braga, mas não foi implementado, entre outros, no Centro de Saúde ..., onde a Autora Mãe era seguida na sua gravidez - cfr. depoimento da testemunha LL.
34. Por falta de resposta atempada da ARS Norte, o serviço identificado no ponto anterior não foi implementado no Centro de Saúde ..., onde a Autora era seguida na sua gravidez - cfr. depoimento da testemunha LL
35. O serviço de rastreio pré-natal combinado foi implementado em alguns centros de saúde do distrito de Braga e permitia a realização de diagnósticos e avaliação de exames deforma mais especializada, em ligação com centros de saúde do distrito de Braga-cfr. depoimento da testemunha LL.»
Factos não provados:
a) Que em face da primeira ecografia a que a Autora Mãe se submeteu durante a gravidez, bem assim do resultado negativo do rastreio bioquímico, estivesse, desde logo, na disposição de se submeter a interrupção voluntária da gravidez.
b) Que os Autores Pai e Mãe houvessem manifestado ao Réu BB vontade expressa e inequívoca de procederem à interrupção voluntária da gravidez, bem assim, a vontade expressa e inequívoca de a Autora Mãe se submeter a exame de amniocentese.

2.2. Matéria de direito

2.2.1. Objecto do recurso - questões a decidir

O acórdão recorrido anulou a sentença proferida em primeira instância e, em substituição, julgou a acção improcedente relativamente à ARS Norte, e manteve a absolvição do réu BB do pedido. Neste recurso, os Autores insurgem-se contra o acórdão recorrido e invocam; (i) "duas nulidades de direito do acórdão revidendo, por violação do artigo 615º n. ° 1 alíneas d) segunda parte e al. e) segunda parte e do Art. 5º n.° 1 e o Art. 607º n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do CPC." - conclusões 1ª a 15ª; (ii) erros de julgamento relativamente à matéria de facto; (iii) erros de julgamento relativamente à matéria de direito.

Para apreciar estes pontos, dada complexidade deste processo e das vicissitudes processuais nele ocorridas, impõe-se antes de mais um breve enquadramento jurídico e factual.

2.2.2. Enquadramento da posição das partes neste processo.

(i) Posição dos Autores

Os autores fundamentam a sua pretensão indemnizatória nos seguintes factos.

No dia ../../2004, nasceu com vida DD, do sexo feminino, filha de ambos, com síndrome de Down e cuja gravidez não foi voluntariamente interrompida, no prazo legal, devido à actuação negligente do 1.º co- réu, médico assistente no Centro de Saúde ..., extensão de ..., ....

Sustentam, para tanto, que o médico assistente, perante o resultado da 1.ª ecografia realizada no Hospital ..., em 2003/11/06, em cujo relatório a analista Dra. EE escreveu que «Deve ser efetuado rastreio bioquímico do 1.º trimestre em centro credenciado para o efeito com doseamento de PAPP-A e I. (líquido) fetal proteico no ventre materno», em consequência de se ter verificado que há " translucência da Nuca: 3,1mm”, e pese embora tenha sido indicada a realização do rastreio bioquímico, que o 1.º Réu providenciou, com resultado negativo, mas em cujo relatório se afirmava que «um rastreio negativo não exclui a possibilidade de Síndrome de Down», o referido médico assistente devia ter pedido a realização do teste da amniocentese e/ou colheita de vilosidades da placenta para confirmação diagnóstica, o que não fez, assim violando todas as regras de arte médica em ordem a prevenir efetivamente a doença Síndrome de Down e uma opção dos futuros pais.

Como tal, consideram que o direito à interrupção voluntária da gravidez foi-lhes vedado por culpa exclusiva do médico assistente, que violou gravemente os deveres de médico pelo desconhecimento das artes médicas aplicadas ao caso vertente, pois que, sabendo dos graves riscos de a nascitura vir a nascer com a doença de Síndrome de Down, conformou-se com esse resultado, nada fazendo para o contrariar.

E tudo, não obstante os AA., na semana de 06 de Novembro de 2003, isto é, com 12 semanas de gravidez, terem exposto ao médico assistente a vontade inequívoca de interrupção voluntária da gravidez, tendo-se o mesmo negado a colaborar com os AA., recusando o internamento da A. mulher para que pudesse interromper voluntariamente a sua gravidez.

Em suma, perante o resultado dos exames realizados, o médico - assistente, no imediato, devia pedir a realização do teste da amniocentese e/ou colheita de vilosidades da placenta para confirmação diagnostica, o que não fez, violando todas as regras da arte médica, em ordem a prevenir efectivamente a doença Síndrome de Down e uma opção dos futuros pais.

Em consequência desta omissão dos deveres de cuidado médico, a DD nunca será uma pessoa autónoma, mas a necessitar, durante toda a sua vida, de terceiras pessoas, (pais ou outrem) que a assistam médica, nutritiva, higiene, física, educativa ou socialmente, padecendo de dores incalculáveis que não podem ser contabilizadas, face à sua doença de malformação congénita, com necessidade de ser medicada durante toda a vida.

(ii) Posição do réu BB

Invocou a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade. Impugnou parte dos factos alegados pelos Autores, sustentando que a vigilância da parturiente e Autora iniciou-se em 02/10/2003, no Centro de Saúde ..., na extensão de ... e o risco obstétrico foi avaliado às oito semanas de gestação, pela aplicação do critério de Goodwin, sendo o mesmo classificado de baixo risco.

Que era médico assistente não só da parturiente, como da família desta, desde 1985, tendo assistido clinicamente as três gravidezes normais de uma irmã e da co- A. mulher e os membros da família da A. continuam a depositar no Réu, confiança e não conhece no seio da família qualquer caso de malformação congénita e que não conhece o Autor.

Que nunca lhe foi referido qualquer problema congénito ou outro na família do cônjuge da parturiente e que foram por si solicitados os exames preconizados pela Direcção Geral dos Cuidados de Saúde Primários para o 1º semestre de gravidez, análises e ecografia.

Os resultados analíticos foram normais e o exame ecográfico apresentou valores normais nos vários itens em consideração, seja na frequência cardíaca, seja no comprimento de Crânio Caudal da placenta, não tendo sido observados sinais directos de eventuais anomalias fetais.

Que, todavia, em resultado da translucência da nuca (espessura da quantidade de líquido acumulado, atrás da nuca do feto), a médica especialista do sector de ecografia do serviço de obstetrícia do Hospital ..., sugeriu o rastreio bioquímico do 1º semestre, mas não sugeriu amniocentese.

Que tendo o resultado do Laboratório de Genética e Diagnóstico Pré-Natal, do Prof. Doutor FF, que reviu esse rastreio, sido negativo e não havendo no historial clínico da grávida qualquer outra razão ou risco como a idade gestacional e materna, a etnia e peso da mãe, a presença de diabetes, o consumo de tabaco, entre outros, não se justificaria, na altura e face ao caso, a amniocentese.

Quanto à possibilidade de a Autora vir a realizar a interrupção voluntária da gravidez, de tal nunca falaram os Autores nas consultas e nem existiam seguros motivos para prever a existência de malformações congénitas, nem os Autores clarificaram ainda haver sido essa a sua vontade, nem em 06 de Novembro de 2003, os Autores expuseram essa vontade ao 1º Réu, porquanto, nessa altura, ainda não havia elementos para o efeito e mesmo que fosse essa a sua vontade, tal não seria permitido à luz do disposto no artigo 142.º, n.º 1, al. c) do Código Penal.

Que em 10/01/2014, a grávida realizou ecografia que não juntou aos autos e na qual o nascituro tinha 22 semanas e não foram encontradas ou apontadas pelo especialista em causa quaisquer problemas nos vários Itens em ponderação.

E até às 24 semanas - momento até quando podia, legalmente, ocorrer a IVG, o Réu tinha em seu poder uma avaliação clínica de baixo risco, um rastreio bioquímico (englobando ecografia do 1° semestre) negativo e uma ecografia de 2º trimestre normal. Em 10/03/2004, quando o nascituro tinha a idade ecográfica de 29 semanas e 5 dias, novo exame deste tipo foi realizado no Departamento de Imagiologia do Hospital ..., cujos resultados foram normais - com "Gestação favorável e compatível com as semanas de amenorreia". E no item anatomia fetal (cabeça), há uma chamada de atenção para uma "certa deformidade da região anterior do ovoide", o que não é indicativo ou conclusivo quanto ao Síndrome de Down.

E esse Síndrome apenas foi detectado após o nascimento da DD, quando na unidade de Citogenética, onde deu entrada no dia 04/05/2004, foi realizado o exame a que se refere o documento n.º 4 junto com a petição inicial, o que também não foi verificável à nascença, mas sim "a posteriori", no serviço de Neonatologia, onde deu entrada após o parto ocorrido em 01 de maio de 2014 por "Problemas de alimentação no recém-nascido" e foi "internado por dificuldades em mamar."

E nesse serviço, as facies com estigmas de síndrome de Down, com fendas palpebrais características, implantação baixa dos pavilhões auriculares, nariz pequeno e pescoço curto foram detectadas, mas não é associada à sintomatologia que define Trissomia 21. Conclui que teve actuação com diligência e zelo a que estava obrigado, agindo segundo as regras da legis artis e os conhecimentos científicos e meios de diagnóstico ao seu alcance e então existentes.

Requereu a intervenção da B..., SA, com quem celebrou contrato de seguro de responsabilidade civil, com a apólice de seguro n.º ...00.

Conclui pela improcedência da presente ação.

(iii) Posição do réu ARS Norte

Sustenta o réu, em suma, que a IVG, a ser realizada no contexto legal do Serviço Nacional de Saúde, teria de observar os requisitos estabelecidos, designadamente na Portaria n.º 189/96, de 21/03, o que no caso não ocorreu, não tendo, assim, omitido o médico assistente e 1.º Réu o "atestado médico" exigível e nem a Autora Mãe, emitiu o necessário consentimento por escrito.

O que não obsta a que os Autores tomassem a iniciativa de, por si próprios, munidos dos documentos que agora exibem, pudessem procurar ajuda médica hospitalar, ou clínica, que consumasse o que agora apresentam como dados tão firmes e consistentes quanto à agora diagnosticada malformação congénita da DD.

E quando os Autores souberam do teor do resultado da 1ª ecografia e do exame realizado pelo Prof. FF, do Porto, podiam por si próprios e sem dependerem do médico do SNS, procurar realizar o "rastreio bioquímico” ali aconselhado, com a informação que detinham dos antecedentes genéticos da família e a tal deviam ser aconselhados os Autores pela médica Dr.ª EE e se assim o entendessem, mesmo perante outros médicos declarar que desejavam interromper a gravidez.

Também a amniocentese teria que ser realizada em hospital de especialidade, mediante os respectivos pressupostos, o que no caso estava comprometido, porque os Autores não revelaram a verdadeira história genética familiar do lado paterno. Os próprios Autores admitem na sua petição, artigo 36.º, que a situação ocorreu, porque um dia, um médico radiologista não fez o seu serviço correctamente.

E os Autores insistem no facto de a ecografia de 2004/03/10 realizada pelo Dr. GG ter alcançado o diagnóstico correto, mas tardio, por relação a um outro que não se mostra claro e ecografias são recomendadas pelos médicos do SNS, como foram, mas são realizadas, sob convenção, pelos médicos do sector privado e em face do que conclui não existir qualquer omissão do SNS e em particular o médico 1° Réu.

E o 1º Réu pediu todos os exames estabelecidos pela Direcção Geral dos Cuidados de Saúde Primários para o primeiro trimestre de gravidez, incluindo análises e ecografia, que nada indicam que devesse determinar outras indicações ou exames senão os que foram determinados e a amniocentese, como método de diagnóstico pré-natal invasivo, não deve determinar-se senão quando se verifiquem os pressupostos que no caso não ocorriam.

Que a Autora às 12 semanas de gestação não requereu a IVG como forma de evitar o nascimento da filha quando só às 30 semanas de gestação se detectou a malformação e não estava ao alcance dos Réus controlar o atingimento do limite legal máximo de realização de uma IVG e que poderia ter sido realizada se os Autores o desejassem, ainda que em violação das regras penais, em interrupção da sequência causal do facto "gravidez" por relação ao dano "nascimento com deficiência".

Nenhum nexo causal existe entre a acção e ou omissão do 1º Réu e aquele desfecho danoso e a verificar-se, sempre seria provocado pela deficiente execução dos exames ecográficos e nunca pela deficiente avaliação dos exames pelo médico de clínica geral.

(iv) Ocorrências processuais relevantes

Em 22/09/2008, realizou-se audiência preliminar, na qual foi determinado que a presente acção passasse a seguir com o primeiro Réu, BB e na posição do Centro de Saúde, passasse a estar a Administração Regional de Saúde do Norte, IP. Admitiu-se a intervenção a título acessório da B..., SA, nos termos requeridos pelo primeiro Réu na sua contestação.

Citada, a B..., SA, apresentou contestação, alegando, em suma, que celebrou com o primeiro Réu um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...00, pelo qual garantiu a responsabilidade civil do tomador do seguro inerente à profissão de médico de medicina geral e familiar até ao montante de € 150,000,00, com franquia de 10%. Adere ao alegado pelo 1- Réu, e alegou que através da ação ordinária que corre termos pelo Tribunal Judicial de Vila Verde sob o nº 1044/05.1TBVVD, os autores imputam ao Hospital ... e ao médico Radiologista Dr. GG, a culpa pela ocorrência dos mesmos factos alegados na petição inicial dos presentes autos. Pugna pela improcedência da presente acção.
Em face da notícia da existência de acção a correr termos no Tribunal Judicial de Vila Verde, e após obtenção e informação sobre o estado daqueles autos, foi determinada a suspensão da instância nos presentes autos.

Em 17/06/2015, foi junta aos autos certidão da sentença proferida no processo que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Verde e em 18/09/2015, certidão do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu o recurso interposto daquela sentença.

Por Despacho de 16/11/2015, foi ordenada a cessação da suspensão dos presentes autos.

Em 28/01/2016, realizou-se audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, julgaram-se improcedentes as excepções invocadas, e fixou-se o objecto do litígio e os temas da prova.

Na respectiva acta ficou a constar, além do mais:

"(...)

Os Ilustres Mandatários das partes aceitam relativamente ao art.º 9º da P.l. que "a DD está e estava afeta de uma má formação congénita para toda a vida".

Os Réus e a Interveniente aceitam o alegado pelos Autores no art.º 17º da P.l. quando é dito "que os Autores na semana de 6 de novembro tinham uma vontade inequívoca de realizar a interrupção voluntária da gravidez.".

Por acordo, os Ilustres Mandatários aceitam que o Réu BB à data dos factos prestava serviço no Centro de Saúde ..., Extensão de ....

(...)

Objeto do litígio:

Discutida a causa com os Ilustres Mandatários das partes, a Mm.ª Juiz, nos termos do art.º 596º do CPC, fixou o seguinte objecto da acção:

Saber se assiste aos Autores o direito de exigir dos Réus o pagamento de indemnização com fundamento em alegada omissão de cuidados impostos pelas legis artis que não permitiu detetar o Síndrome de Down na nascitura.

Temas da prova:

De seguida, a Mm.ª Juiz fixou os seguintes temas de prova:

1 - Cumprimento pela Autora de todas as informações médico-legais que lhe foram solicitadas durante a gravidez

2 - Tempo da avaliação dos riscos de Síndrome de Down de acordo com os conhecimentos médicos, técnicos e científicos.

3 - Situação de translucência na nuca superior a 3,0ml enquanto real perigo de formação congénita e afectação de Síndrome de Down (art.º 15º da PI).

4 - Existência na família do co-autor marido de um caso de Síndrome de Down.

5 - Comunicação pelos Autores ao 1º Réu, na semana de 6 de novembro de 2003, da existência de tal caso.

6 - Exposição por parte dos Autores da vontade inequívoca em realizar a interrupção voluntária da gravidez (art.º 17º da P.I.).

7 - Negação de colaboração pelo Réu relativamente ao internamento da Autora e relativamente à interrupção voluntária da gravidez.

8 - Dever/obrigatoriedade por parte do 1ºRéu em pedir a realização do teste de amniocentese (art.º 20º e 21º da P.l. e 6°, 7º e 8º da réplica).

9 - Danos sofridos pela DD em virtude da omissão dos deveres de cuidado médico (art.º 24º ao art.º 31º da P.I.).

10 - Danos sofridos pelos Autores marido e mulher em virtude do nascimento da filha com Síndrome de Down.

11 - Pedido pelo 1 º Réu de todos os exames estabelecidos pela Direção Geral de Cuidados de Saúde Primários." Cfr. - fls. 699/708.

Os AA requereram a realização de exame médico-legal colegial na pessoa da autora DD - a realizar pelo IML Gabinete Médico Legal de Braga. A Ré ARS requereu a realização de perícia colegial e indicou o seu perito. Por Despacho de 11/10/2016, determinou-se a realização de perícia pelo Gabinete Médico Legal e Forense do Cávado do Instituto Nacional de Medicina Legal, cujo relatório foi junto aos autos em 09/12/2016.

Em face das recomendações do relatório pericial que antecede, por Despacho de 21/02/2017, foi determinado que o Gabinete Médico Legal procedesse às diligências necessárias com vista à satisfação de tais recomendações.

Em 29/05/2017, foi junto aos autos o Parecer pericial do Gabinete Médico Legal de obstetrícia e ginecologia, no qual, para além do mais são solicitados elementos adicionais. 1.14. Por Despacho de 28/05/2018, foi ordenada a remessa dos elementos adicionais ao Gabinete Médico Legal e em 20/02/2019, foi junto o parecer final.

Em 10/08/2021, foi proferida sentença, contendo essa sentença o julgamento de facto e de direito, onde se julgou parcialmente procedente a presente acção, a qual consta da seguinte parte dispositiva:

«Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, em consequência: 1. Condeno a Ré ARS do Norte a pagar aos Autores as seguintes quantias:
a) A cada um dos Autores Pai e Mãe, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a titulo de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; b) À Autora filha, a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; c) À Autora filha, a quantia de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) a título de donos patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; d) A quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais resultantes da perda de rendimento suportadas pelos Autores Pai e Mãe, nos termos do artigo 358.º, n.º 2 e ss. e 609.º, n.° 2 do Código do Processo Civil; As custas são suportadas pelos Autores e pela Ré ARS do Norte, no respetivo decaimento, e no que aos Autores respeita, em face da diferença do peticionado a título de danos não patrimoniais e o efetivamente concedido - artigo 527. º do CPC e artigo 26°, do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do Apoio Judiciário de que beneficia a Autora".

Da sentença da primeira instância foi interposto recurso pela ARS, Norte e recurso subordinado pelos autores.

O TCA Norte proferiu o acórdão, ora recorrido, decidindo o seguinte:

"Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em julgar a apelação procedente, no que tange ao recurso principal e improcedente no que respeita ao recurso subordinado e, em consequência:
a- ordenam a eliminação do elenco dos factos julgados provados na sentença dos pontos 33 a 35, por consubstanciarem factos essenciais de causa de pedir ("faute de Service") não alegados pelos autores na petição inicial;
b- aditam ao elenco dos factos não provados a facticidade supra descrita;
c- declaram nula a sentença recorrida no segmento em que conhece de causa de pedir - faute de Service - não invocada pelos Autores na petição inicial, incluindo, o segmento decisório em que com fundamento nessa causa de pedir (não alegada) se condena a Ré ARSN a pagar a cada um dos Autores Pai e Mãe, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; à Autora filha, a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento e a quantia de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; e a quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais resultantes da perda de rendimento suportadas pelos Autores Pai e Mãe, nos termos do artigo 358.º, n.°2 e ss. e 609n.º 2 do Código do Processo Civil;
d- no mais, com a presente fundamentação, confirmam a sentença recorrida na parte em que absolve o 1° Réu dos pedidos e absolvem ambos os Réus de todos os pedidos;

Custas do recurso principal e subordinado pelos autores (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC)."

2.2.3. Enquadramento da presente acção no âmbito das acções de responsabilidade civil.

A presente acção inclui-se no âmbito de uma problemática, que tem sido muito discutida, ligada à concepção, nascimento e vida indesejados. A doutrina e a jurisprudência têm distinguido, neste âmbito, três tipos de acções, com a seguinte terminologia dominante: wrongful Conception; wrongful birth e wrongful life. No presente processo estão em causa as duas últimas, ou seja, as relativas ao nascimento indevido e vida indevida. O Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 12 de Março de 2015, proferido no processo 1212/08.4TBBCL.S1 concedeu indemnização aos pais que, em caso de nascimento de uma criança com deficiência, reagiram contra o médico e hospital, por não terem sido feitos os exames pertinentes e desse modo terem sido impedidos de interromper voluntariamente a gravidez.
Esta decisão do STJ foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional que no acórdão n.º 55/2016, decidiu “não julgar inconstitucionais os artigos 483º, 798º e 799º do Código Civil, interpretados no sentido de abrangerem, nos termos gerais da responsabilidade civil contratual - no quadro de uma acção designada por nascimento indevido (por referência ao conceito usualmente identificado pela expressão wrongful birth) - uma pretensão indemnizatória dos pais de uma criança nascida com uma deficiência congénita, não atempadamente detectada ou relatada aos mesmos em função de erro médico, a serem ressarcidos (os pais) pelo dano resultante da privação do conhecimento dessa circunstância, no quadro das respectivas opções reprodutivas, quando esse conhecimento ainda apresentava potencialidade para determinar ou modelar essas opções".

PAULO MOTA PINTO (Ainda a Indemnização o "nascimento indevido" e "vida indevida") refuta os principais argumentos contra a indemnização devida nestes casos, no quadro da responsabilidade civil.

Afasta, em primeiro lugar, o entendimento de que a interrupção voluntária de gravidez, apesar de não punida no Direito Penal, continua a ser um ilícito para o direito civil, por entender que a perda da possibilidade de interromper a gravidez releva como "lesão à liberdade reprodutiva da mãe, nos casos e nos limites em que esta podia ser exercida" (pág. 554).

Em segundo lugar afasta as objecções "no plano ético-jurídico", aderindo aos fundamentos do acórdão do Tribunal Constitucional 55/2016. O que se impõe, diz o autor citado, em nome da dignidade humana é "aproveitar, também aqui, todas as potencialidades da ideia clássica de que "nasciturus pro jam nato haetur quotiens de commodis ejus agitur" (tenha-se o nascituro por nascido, na medida em que se trate dos seus interesses" (...) não no sentido de uma personalidade jurídica parcial, no que favoreça os interesses do nascituro, mas no sentido de que a "personalidade jurídica que lhes advirá pelo nascimento é à medida da respectiva personalidade humana".

Em terceiro lugar o autor afasta o argumento de que afinal “os pais poderiam ter optado por não interromper a gravidez". A pretensão indemnizatória assenta na remoção ilícita dessa possibilidade pelo comportamento dos médicos e, portanto, os pais teriam pelo menos tido essa opção.

Afasta ainda, em quarto lugar, o argumento de que afinal poderia "existir o direito à não vida", pela razão de que "ninguém pede para que uma vida concreta seja eliminada".
Concordamos com o entendimento acolhido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima citado, com a argumentação do acórdão do Tribunal Constitucional e argumentos do Prof. Paulo Mota Pinto. A ilicitude, nestes casos e nesta acção, advém da violação de um direito subjectivo (liberdade ou autodeterminação reprodutiva (negativa) dos pais, da violação de um dever profissional para com os pais visando a protecção da futura criança do ónus de viver com uma pesada condição humana. O dano decorre do nascimento com problemas de saúde "em consequência de erro médico", ou seja, o lesado é a pessoa que nasceu e também os pais. O nexo de causalidade "deve estabelecer-se entre a conduta profissional em causa e o evento lesivo na perda da faculdade optar, em exercício da autodeterminação reprodutiva, pela interrupção da gravidez. Quando estiverem em causa informações, o principal problema da causalidade entre a violação do dever de informação e as consequências da falta de informação - por exemplo, um diagnóstico pré-natal ou a falibilidade de uma vasectomia - reside na prova do comportamento do destinatário da informação, caso os deveres tivessem sido cumpridos" (ob. cit. pág. 572).
De referir ainda que, a ARS Norte e o réu BB não questionaram a ressarcibilidade dos danos causados pelo nascimento indevido e vida indevida. Questionaram, sim, a existência de erro médico (violação da leges artis) e portanto a ilicitude do comportamento do médico e do nexo de causalidade entre aquele comportamento e o dano. Podemos pois aceitar que, nos presentes autos, não está posta em causa a ressarcibilidade dos danos causados pelo nascimento de uma criança com problemas de saúde por não ter sido dado aos pais a oportunidade de optarem pela interrupção da gravidez. Está em causa sim, na situação concreta, saber se essa situação (não ter sido dada aos pais a oportunidade de conscientes dos riscos optarem pela interrupção voluntária da gravidez) decorreu de uma acção ou omissão ilícita, culposa e geradora dos danos peticionados.

2.2.4. Os fundamentos da decisão da primeira instância.

Vejamos, então, com mais detalhe, como a pretensão dos Atores foi apreciada na primeira instância.

A sentença disse o seguinte:

"(...)

Resulta da matéria de facto que a Autora Mãe foi seguida na sua gravidez no Centro de Saúde ..., perante o também Réu, Dr. BB, e no âmbito das consultas ali realizadas, foi avaliada a foram-lhe prescritos diversos exames, como ecografias e rastreio bioquímico que visava a despistagem de síndrome de Down do feto.
Porquanto na primeira ecografia realizada, que ocorreu no Hospital ..., foi detetado o valor de 3.1 de translucência da nuca, que indiciaria a existência de síndrome de Down no feto, o que determinou a realização de rastreio bioquímico que apresentou um designado resultado negativo, mas sem excluir tal hipótese em absoluto e que não integrou na avaliação de risco o facto de na primeira ecografia haver sito detetada translucência da nuca de 3.1.

E que para a realização da segunda ecografia, das 20 semanas, realizada às 22 semanas, não foi comunicado o resultado daqueles exames, por forma a criar alerta na procura de outros elementos atinentes à eventual deteção de anomalias com o feto.

Que perante tais circunstâncias o Réu BB não informou os Autores Pai e Mãe da dúvida gerada pelos resultados contraditórios dos primeiros exames e assim, colocar à consideração a possibilidade de realização de exame designado por amniocentese, exame este que seria o adequado à determinação da existência de deformações do feto e, acima de tudo de síndrome de Down, criando, assim, a possibilidade de os Autores decidirem, depois de devidamente informados sobre os riscos que tal exame comportava para o feto, pela sua realização ou não.

Não competia, pois, ao Réu BB, seguindo a convicção gerada pelo rastreio bioquímico negativo, mas que não afasta de todo a possibilidade de síndrome de Down no feto, e que não estava avaliado o respetivo risco com a introdução dos valores da translucência da nuca detetada na primeira ecografia, decidir pela não realização da amniocentese com base no fator da idade da Autora Mãe.

E os receios que se foram instalando na Autora Mãe, apesar de amenizados com o resultado da segunda ecografia, mas como vimos, alheada do contexto dos resultados dos exames anteriores, acabaram por se justificar com o nascimento da sua filha padecendo de síndrome de Down.

Na verdade, o Réu BB ao omitir um dever de informar os Autores da possibilidade de existência de síndrome de Down e de esclarecer, acima de tudo, a possibilidade de realização de amniocentese, com os riscos a tal exame inerentes, coartou aos Autores o direito de decidirem deforma esclarecida e inequívoca o destino da gravidez em causa.

E entenda-se que tal omissão do Réu BB poderá dever-se à falta de especialização de conhecimentos científicos, exigíveis a profissionais de saúde especificamente preparados para o efeito e que a atuação do Réu BB se conformou com as orientações plasmadas no que ao tipo e momento de realização de exames a uma grávida, contudo, era exigível que o sistema de saúde estive devidamente organizado de modo a permitir que em caso de dúvida como nos presentes, um profissional de saúde de medicina geral, em funções de planeamento familiar e acompanhamento de grávidas se pudesse socorrer de um serviço integrado de rastreio combinado e complementar de fácil e rápido acesso de modo a esbater as dúvidas que surgissem.

Só que no centro de saúde onde o Réu BB exercia as suas funções, tal serviço não estava disponibilizado, à semelhança de outros existentes no distrito de Braga. Dúvidas parecem não existir que, no caso dos autos seria recomendável que aos Autores fosse exposta e informada a possibilidade de realização da amniocentese de modo a que fossem dissipadas as dúvidas geradas pelos resultados contraditórios dos exames realizados e cujo pior cenário foi confirmado com o nascimento.

E a partir daí fosse os Autores a decidir, depois de devidamente esclarecidos de todos os riscos a decidir os termos que pretendiam ou não prosseguir com a gravidez.

E tal não aconteceu.

Julgamos, assim, que houve violação das leges artis com a ausência de informação aos Autores nos termos sobreditos. Ou seja, os Autores viram-se privados da informação necessária à eventual realização de exame recomendado para o esclarecimento de dúvidas sobre a existência de síndrome de Down no feto, por forma a que, mediante circunstâncias o ponderar clinicamente, pudessem decidir pelo prosseguimento ou não da gravidez, sendo esta omissão, portanto, o facto ilícito - cfr. em sentido idêntico, em casos semelhantes, os acórdãos do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 16/3/2005, proferido no recurso 01609/02 e de 10/09/2014, Processo 0812/13.

Com efeito, como resulta do Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 12/0372015, Processo n.º 1212/08.4TBBCL.G2.S1, "As wrongful birth actions surgem quando uma criança nasce mal-formada e os pais, em seu próprio nome, pretendem reagir contra o médico e/ou instituições hospitalares ou afins, por não terem efetuado os exames pertinentes, ou porque os interpretaram, erroneamente, ou porque não comunicaram os resultados verificados, sendo considerada ilícita a omissão do consentimento informado sobre essa deficiência que, eventualmente, os impediu de terem optado pela interrupção da gravidez, proveniente de um erro no diagnóstico pré- natal. Trata-se de um cenário que ocorre ou porque o médico não efectuou os exames pertinentes, ou porque os interpretou, erroneamente, ou porque não comunicou os resultados obtidos, não se mostrando, porém, responsável pela verificação da deficiência, propriamente dita, que surge, normalmente, desde o início da vida pré-natal. Contudo, a omissão do esclarecimento sobre essa deficiência é considerada ilícita, enquanto que o comportamento alternativo lícito do médico teria evitado, na perspectiva dos autores, o nascimento e, deste modo, a vida, gravemente, deficiente, porquanto os mesmos alegam que se tivessem sido informados das malformações que o embrião/feto desenvolveu durante a gestação, teriam optado por interromper a gravidez, imputando, assim, aos réus um erro no diagnóstico pré-natal.

Com efeito, os chamados diagnósticos pré-natais são exames que se destinam a detetar anomalias fetais, durante a gestação, assumindo várias finalidades, nomeadamente, a de tranquilizar ou preparar os progenitores acerca da saúde do feto, permitir, quando possível, o tratamento do feto, indicar o modo mais adequado para a realização do parto, determinar o tratamento a ser dirigido ao recém-nascido e, nos países onde o aborto é permitido, o diagnóstico de uma deficiência fetal incurável possibilita ainda o exercício do direito à interrupção voluntária da gravidez.

Pelo exposto, e à luz do critério previsto no n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil, temos que o direito reprova a conduta médica adotada no caso concreto, por violadora da leges artis, por se ter desviado do comportamento devido, cauteloso e exigível.

E traduz uma conduta culposa, atendendo às concretas circunstâncias do caso e aos conhecimentos médicos de que era suposto ao Réu BB, enquanto funcionário do Centro de Saúde ... e consequentemente da Ré ARS Norte, possuir, porquanto, podia e devia, face à dúvida gerada pelos resultados contraditórios dos dois primeiros exames a que a Autora se submeteu, prever e antecipar a eventual ocorrência de síndrome de Down no feto, como veio a ocorrer, portanto, fazer melhor, designadamente, optar - em tempo - pela realização de exames complementares de diagnóstico.

Entendendo-se que a realização de tais exames não evitariam a manifestação do síndrome de Down, mas, por certo, poderiam contribuir para que os Autores, de forma esclarecida, pudessem decidir o futuro da gravidez.

E o esclarecimento dos Autores quanto a tal possibilidade, quer da ocorrência do síndrome de Down, quer da realização da amniocentese e seus potenciais riscos, apresentava-se como comportamento diligente, responsável, ponderado, exigível aos médicos decisores.

E sopesando as limitações de um médico de clínica geral no exercido de funções de planeamento familiar e acompanhamento de grávidas e ausência de um serviço estruturado como o que existia em outros centros de saúde do distrito de Braga, é, por certo limitador da ação e decisão do Réu BB.

De qualquer modo, sendo o médico e serviço disponibilizado pela ARS Norte, é no âmbito da prestação de cuidados de saúde públicos que tal atuação ocorre e, em primeira linha, a omissão em causa imputável ao Réu BB como omissão ilícita e culposa que ocorreu neste caso como condição do dano, E a violação das leges artis, no presente coso era evitável, ou seja, os serviços do réu poderiam ter agido de outro modo (ter optado por esclarecer os Autores quanto às duvidas gerados pelos exames realizados e do exame complementar que poderia a grávida realizar, a amniocentese, com os riscos daí advenientes e, perante tais esclarecimentos, em primeiro lugar, serem os Autores a decidir ou não pela realização do exame e, depois, decidir quanto ao prosseguimento da gravidez) e, portanto, o comportamento ilícito é, no presente caso, censurável. Com efeito, da circunstância de ter havido ilicitude decorre a violação do dever objetivo de cuidado sendo ainda claro que, nas apontadas circunstâncias, os serviços do réu podiam e deviam ter decidido, pelo menos e se não antes, pela possibilidade de realização do exame aquando do rastreio bioquímico, ou então antes, com a primeira ecografia.

Que o Réu BB não equacionou tal possibilidade, nem informou os Autores para esse efeito

(…)"

2.2.4. Análise da fundamentação da sentença

A sentença na parte decisória não absolveu, nem condenou o médico BB. Não afastou, pelo menos expressamente, o dolo ou negligência grave da sua actuação. A existência do dolo é relevante pois, nestes só havendo dolo a responsabilidade é solidária (art. 3º, 2, do Dec. Lei 48.051, de 21 de Novembro de 1867) e, a existência de culpa grave é relevante para efeitos do direito de regresso (art. 2º, 2 do Dec. Lei 48.051),

Há ainda um outro aspecto da sentença - quanto aos factos - que deve ser referido e que, de certo modo, foi suscitado nas conclusões do recurso dos Autores para este Supremo Tribunal (conclusão 11): "Assim, mostra-se que houve acordo, entre todas as partes relativamente à fixação da matéria de facto materialmente controvertida, tal como configurada pelos autores/co recorrentes e admitida tal matéria de facto por acordo, não pode o tribunal ad quem suscitar a questão em termos de nulidade oficiosa".

A sentença deu como não provado o seguinte:

"Factos não provados:

"a) Que em face da primeira ecografia a que a Autora Mãe se submeteu durante a gravidez, bem assim do resultado negativo do rastreio bioquímico, estivesse, desde logo, na disposição de se submeter a interrupção voluntária da gravidez.

b) Que os Autores Pai e Mãe houvessem manifestado ao Réu BB vontade expressa e inequívoca de procederem à interrupção voluntária da gravidez, bem assim, a vontade expressa e inequívoca de a Autora Mãe se submeter a exame de amniocentese."

Contudo, como decorre da Acta de Audiência Prévia:

"Os Réus e a Interveniente aceitam o alegado pelos Autores no art.º 17º da P.l. quando é dito "que os Autores na semana de 6 de Novembro tinham uma vontade inequívoca de realizar a interrupção voluntária da gravidez.".

É evidente a contradição entre a alínea a) dos factos não provados, e o acordo das partes, no que respeita à vontade inequívoca de interrupção voluntária da gravidez na semana de 6 de Novembro de 2003.

A referida contradição não é todavia insanável, uma vez que, por força do disposto no art. 607º, n.º 5, do CPC a livre apreciação da prova não abrange os factos que estejam "plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes". Não poderia assim o julgador, com apelo à livre apreciação da prova, dar como não provado o facto acordado pelas partes. Desse modo, ao não respeitar a prova plena resultante do acordo das partes, a sentença violou o disposto no artigo 607º, n.º 5 do CPC.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Administrativo, nos recursos de revista, pode apreciar o erro na apreciação da prova, quando o mesmo resulte de ofensa a uma disposição expressa de lei que "fixe a força de determinado meio de prova" - art. 150º, 4º, do CPTA.

Consequentemente, por violação de lei expressa que fixa a força probatória da existência de um facto (art. 607º, 5 do CPC) deve alterar-se a matéria de facto no sentido de dar como provado por acordo das partes, o seguinte facto:
Os Autores na semana de 6 de Novembro de 2003, face ao resultado da ecografia, tinham uma vontade inequívoca de realizar a interrupção voluntária da gravidez, tal como foi alegado no art. 17º da petição inicial.

Consequentemente, deve dar-se como não escrita a alínea a) dos factos não provados, assim se desfazendo a contradição.

Para além das referidas "fragilidades" a sentença perdeu coerência quando introduziu no seu discurso fundamentador o "anormal funcionamento do serviço" da ARS Norte.

“(…)

E mostrando se provado que, pela via da impossibilidade de o Réu BB poder dispor, como outros centros de saúde do distrito de Braga, de serviço complementar de avaliação e rastreio e, assim, decidir deforma esclarecida e inequívoca pelo melhor caminho, quanto à necessidade ou utilidade de realização de outros exames complementares de diagnóstico, é patente o anormal funcionamento de um serviço de acompanhamento de grávidas no Centro de Saúde ... a que a Autora recorreu, ao não disponibilizar o conjunto de meios absolutamente imprescindíveis ao seu funcionamento.

(...)"

Este segmento da fundamentação da sentença não apresenta um recorte preciso da localização da ilicitude (violação das leges artis) manifestando clara ambiguidade, quanto ao facto ilícito, ou seja, não deixando claro se o facto ilícito gerador do dano decorre (i) da falta de informação dos riscos da gravidez ou (ii) dever de ordenar exames complementares dada a ausência de disponibilização dos meios de diagnóstico que pudessem confirmar a amplitude desse risco.

Com efeito, a ilicitude por violação do dever de informação é diferente da ilicitude por violação do dever de ordenar os exames complementares adequados. São deveres distintos, com finalidades diversas: (í) o dever de informar os pais sobre o risco de uma criança nascer com graves problemas de saúde destina-se a permitir aos pais uma decisão tempestiva e fundada sobre a interrupção voluntária da gravidez; (ii) o dever de determinar um exame complementar tem por finalidade dissipar as dúvidas sobre a maior ou menor probabilidade de um nascimento indesejado.

São em boa verdade dois deveres objectivos de cuidado, com alguma conexão entre si, mas ainda assim, autónomos, sendo que pode existir o primeiro (dever de informar sobre o risco) e não o segundo (dever de ordenar exames complementares), desde logo porque, por exemplo, por não estarem disponibilizados os meios de realização dos exames complementares.

A sentença, em determinado momento do seu discurso jurídico, localizou o dever de cuidado violado (dever de cuidado/leges artis) na ausência de informação sobre o perigo da criança nascer com síndrome de Down, quando disse:

"(…)

Julgamos, assim, que houve violação das leges artis com a ausência de informação aos Autores nos termos sobreditos. Ou seja, os Autores viram-se privados da informação necessária à eventual realização de exame recomendado para o esclarecimento de dúvidas sobre a existência de síndrome de Down no feto, por forma a que, mediante circunstâncias a ponderar clinicamente, pudessem decidir pelo prosseguimento ou não da gravidez, sendo esta omissão, portanto, o facto ilícito.

(...)"

Todavia, perdeu, coerência quando introduziu na controvérsia a "falta de serviço" e justificou a condenação da ARS Norte - IP por esta entidade não dispor de serviço complementar de avaliação e rastreiro, naquele local.

Ora, o dever de informar os pais do risco da criança poder vir a nascer com síndrome de Down não depende, rigorosamente nada, da organização (má ou boa) dos serviços da ARS Norte, IP, em .... Dependia apenas e só do resultado de uma ecografia, que detectou o valor de 3.1 de translucência da nuca, que indiciaria a existência de síndrome de Dawn no feto. Perante esse resultado, e perante o resultado do rastreio bioquímico, podia não ser exigível ao médico que ordenasse (desde logo) um exame complementar mais concludente, mas era, desde logo, exigível que informasse os pais do perigo e risco que os resultados da translucência da nuca já indicavam.

Em suma, apesar da sentença - quanto à localização e violação do dever objectivo de cuidado, traduzido no dever de informar - ter sido clara perdeu consistência quando introduziu na controvérsia a "falta de serviço". Foi precisamente esta falta de consistência da sentença que foi destacada no recurso da ARS Norte, alegando esta entidade (i) que a "falta de serviço" não podia ser conhecida por não ter sido incluída na causa de pedir alegando ainda (ii) que não existia o dever do médico referenciar a grávida para um exame de diagnóstico mais concludente (diagnóstico pré-natal (DPN) de amniocentese".

2.2.5. O acórdão do TCA Norte

No recurso para o TCA Norte a ARS Norte dirigiu-se essencialmente contra a sua condenação fundada no anormal funcionamento do serviço alegando que esta circunstância traduzia uma alteração da causa de pedir, inadmissível por não ter sido desde logo alegada na petição inicial.

O acórdão do TCA Norte veio a dar razão à ARS Norte e revogou a sentença, porque concluiu o seguinte:

i) Não era processualmente possível alterar a causa de pedir e condenar a ARS por "falta de serviço", quando os factos em que assentava tal causa de pedir não foram alegados na petição inicial e, por isso, retirou da matéria de facto os pontos 33, 34 e 35 dados como provados na sentença:

(ii) Alterou a matéria de facto aditando aos factos não provados os constantes das alíneas c) e d), ou seja:

"(c) que se impusesse ao médico de família, de acordo com a legis artis, que na posse dos elementos de que dispunha o 1.º Réu, ou seja, com uma ecografia do 1.º semestre onde se referia a existência de uma "TN de 3,1mm" e onde se recomendava a sujeição da grávido à realização de rastreio bioquímico a realizar por entidade credenciada para o efeito, e perante o resultado negativo desse rastreio, a imediata sujeição da gravida à realização de exame de amniocentese.
(d) que na família do A. marido existisse um caso de Síndrome de Down - sua sobrinha- e que essa informação tivesse sido dada ao médico assistente

(iii) Finalmente, entendeu que não havia violação das "leges artis" pelo médico assistente da Autora, por este não ter determinado o exame complementar mais concludente, conclusão a que chegou depois de ter introduzido os factos não provados os pontos c) e d), acima transcritos.

(iv) Afastou a responsabilidade civil fundada na violação do dever de informação por entender que não havia nexo de causalidade entre essa omissão e o nascimento da criança, uma vez que não se provou a vontade dos pais em interromper voluntariamente a gravidez.

2.2.6. Análise dos fundamentos do recurso e do acórdão recorrido

Os Autores insurgem-se contra o acórdão recorrido, suscitando três grupos de questões: (i) nulidades; (íii) erro de julgamento relativo à matéria de facto; (iii) erro de julgamento relativamente à matéria de direito.

Vejamos cada um deles.

2.2.6.1. Nulidade imputadas ao acórdão.

Os Autores insurgem-se contra o acórdão imputando-lhe, como já referimos, duas nulidades e erros de julgamento. Tais nulidades decorrem, em seu entender, da inexistência das nulidades que o acórdão recorrido entendeu existirem na sentença, ou seja, excesso de pronúncia relativamente à questão da falta de serviço e insuficiência da matéria de facto, relativamente à violação das "leges artis" pelo médico BB. Consideram, em suma, que o acórdão recorrido violou os artigos 615º, n.º 1, al. a), segunda parte e al. e) segunda parte e art. 607º, n.º3, n.º 4 e n.º 5 do CPC.

As nulidades imputadas ao acórdão referem-se à eliminação dos factos dados como provados nos pontos 33, 34 e 35 e ao aditamento dos factos sob as alíneas c) e d).

Como é bom de ver os Autores entendem que o acórdão errou ao julgar verificadas as nulidades da sentença da primeira instância e ter julgado por substituição, Podemos, portanto, sem qualquer dúvida, concluir que os Autores não estão a arguir nulidades, mas sim a imputar erros de julgamento ao acórdão recorrido e será com tal configuração que apreciaremos as questões suscitadas. Ou seja, vamos ver, dentro do âmbito de cognição deste Supremo Tribunal Administrativo relativamente ao julgamento da matéria de facto, se o acórdão decidiu bem relativamente à concretização da matéria de facto e aplicação do direito.

2.2.6.2. Questões sobre a matéria de facto

Temos aqui duas questões que o acórdão recorrido apreciou: (i) A eliminação de factos dados como provados sobre a organização dos serviços e a (ii) ausência de factos provados ou não provados, sobre as leges artis que, dada a sua autonomia, devem ser analisados separadamente.

i) Eliminação de factos dados provados.

Quanto ao primeiro aspecto (factos provados sobre a organização dos serviços) o acórdão entendeu que:

“(…)

Os Autores, como vimos, na petição iniciai limitaram-se a invocar como causa de pedir os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos exclusivamente por referência à actuação do 1º Réu, que consideram como tendo sido o único responsável pela não interrupção voluntária da gravidez, que veio a culminar no nascimento da filha de ambos com Síndrome de Down, sendo que os mesmos tinham, logo na petição inicial, de expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à ação.

Logo, tendo os Autores identificado a actuação de um único médico como a causa de pedir dos pedidos que formularam, e não tendo os Autores alegado como causa de pedir o "anormal funcionamento dos serviços da apelante ARS", e sendo aqueles factos dos pontos 33º a 35º essenciais dessa causa de pedir não alegada, é apodíctico que o Tribunal a quo ao julgar essa facticidade como provada na sentença sob sindicância incorreu em violação dos enunciados princípios do dispositivo e do contraditório, violando frontalmente o disposto nos arts. 5º, n.º 1, al. a) e 607º, nºs 3 e 4 do CPC, o que determina que se imponha ao Tribunal ad quem, eliminar, ainda que oficiosamente, essa matéria do elenco dos factos provados."

Os Autores alegam que não ocorreu qualquer excesso de pronúncia:

" 7-, Não se verifica a nulidade oficiosa por excesso de pronúncia do Sr. juiz a quo, consubstanciada nos pontos 33, 34 e 35 da matéria de facto julgada como prova, quando os autores/ co recorrentes não só alegaram devida e adequadamente, todos os factos relativos à causa de pedir na petição inicial e seu artigo 13º e consubstanciados nos factos "logo que primeira ecografia realizada no Hospital ..., em 2003/11/06, a analista Dr. EE escrevia no seu relatório "deve ser efectuado rastreio bioquímico do 1º trimestre em centro credenciado para o efeito de PAPP-A e 1, Líquido fetal proteico no ventre materno" e

8- E quando ainda se alegou que, c. f. r. artigo 19º que o aludido rastreio foi pedido e realizado na Genética Médico e diagnóstico Pré-Natal Prof. Doutor FF, em 2003/11/18, tendo-se escrito, por mero lapso de escrita que aqui se pede para se relevar, c .f .r. Doc 6, conforme determinação e segundo protocolos do Serviço Nacional de Saúde, sendo que os autores apresentaram uma relação material controvertida em que demandaram solidariamente, por terem legitimidade para tanto o réu BB e a ARS NORTE.

9- E quando é certo que no âmbito da audiência prévia em que se lavrou o despacho saneador e se determinou o objecto da acção e os competentes temas de prova, nenhuma das partes presentes suscitou quaisquer irregularidades ou nulidades que influíssem no sentido da decisão final.


(…)”


A argumentação dos Autores não é muito clara, mas em boa verdade julgamos que têm razão e que o acórdão recorrido não decidiu bem esta questão.

Vejamos porquê.

O Código de Processo Civil relativamente aos factos que podem servir de fundamento à pretensão do Autor distingue entre factos essenciais, factos instrumentais e factos concretizadores ou complementares. A referência a factos instrumentais e a factos complementares ou concretizadores era referida no Artigo 264.º do CPC antigo, sob a epígrafe "Principio dispositivo".


"Princípio dispositivo

1 - Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.

2-O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514° e 665.3 e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.

3 - Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório”.

O conteúdo deste passou para o art. 5º do Novo CPC, embora sem a referência ao "princípio dispositivo":


"Artigo 5.º (art.º 264.º/664.º CPC 1961)

Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal

1- Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.

2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito."

Este artigo 5º deve ser articulado com o art. 607º, n.º 4, segundo o qual:

“(…) - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência."

E ainda o art. 615º, 1, d) e e) que culmina com nulidade a sentença que conheça de questões de que não podia conhecer ou condene em pedido diverso.

Da articulação destes preceitos decorre a existência de quatro tipos de factos: (1) os essenciais que são aqueles que constituem a causa de pedir. Só estes factos dependem de alegação do autor para poderem ser conhecidos (art. 5º, 1 do CPC). Existem ainda os (2) factos instrumentais. (3) os factos concretizadores e (4) assim como os notórios, que não carecem de alegação e podem, portanto ser atendidos na sentença. Os factos instrumentais serão atendidos desde que resultem da discussão da causa e os concretizadores para além de resultarem da instrução e discussão da prova devem concretizar factos alegados e ter sido objecto de contraditório.

O acórdão recorrido entendeu que os factos dados como provados nos pontos 33. 34 e 35 eram factos essenciais de uma causa de pedir não alegada, mais precisamente, o mau funcionamento do serviço (falta de serviço), como fundamento da responsabilidade civil extracontratual. Sendo factos essenciais, os mesmos careciam de alegação logo na petição inicial e, não o tendo sido, jamais poderiam ser atendidos mesmo que resultassem da discussão da causa.

A primeira questão que nos surge é a de saber se o "anormal funcionamento do serviço", enquanto concerto operante no domínio da responsabilidade civil extracontratual, durante a vigência do Dec. Lei 48.051, pode ser qualificado como causa de pedir autónoma, que tenha de ser invocada separadamente da pretensão indemnizatória fundada na actuação de um concreto agente da Administração.

Note-se que, no actual Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado o anormal funcionamento do serviço tem regulamentação própria, no art.7º, nº 3 da Lei 67/2007: "O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.” Também existe ilicitude - nos termos do art. 9º, n.º 2, "quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7."

No regime do Dec. Lei 48.051, aplicável neste processo, não existia qualquer norma legal que distinguisse os casos em que o dano é causado pelo comportamento ilícito e culposo de um órgão ou agente, daqueles casos em que esse dano ocorria sem ser possível localizar ou provar o concreto comportamento humano que o gerou.

Por outro lado, nos presentes autos, os autores imputaram a um médico concreto a violação das "leges artis" (violação do dever de informar e de diagnosticar a tempo o risco de nascimento da criança com síndrome de Down) localizaram o dever violado no âmbito da sua actuação. Para avaliar a violação dos deveres do médico é sem dúvida relevante o meio logístico onde esse serviço é prestado. Portanto, para definir e avaliar o conteúdo e correspondente violação dos deveres do médico (quer de informação, quer de encaminhamento do paciente, quer de requisição de meios de diagnóstico) a organização dos serviços da ARSN, concretamente na extensão de ..., é também um facto instrumental relevante. A culpa ou o dolo imputados ao médico só podem ser aferidos, em boa verdade, perante o modo como os serviços estão organizados e com os meios que lhe são oferecidos. Estamos, assim, perante factos instrumentais relevantes para se poder aferir a ilicitude e culpa do concreto comportamento do médico, ao serviço da ARSN, sendo que foi com este enquadramento que a acção foi intentada.

Já acima destacamos que a sentença da primeira instância perdeu coerência e concludência quando apelou à falta de serviço, numa acção fundada na concreta imputação de omissão de deveres funcionais a um concreto médico. A intromissão na sentença da problemática da falta de serviço foi, assim, desnecessária, uma vez que a sentença tinha dado como provada a falta de informação do médico sobre os riscos da gravidez. Uma leitura atenta da sentença já permitia, sem dúvida, concluir que, bem vistas as coisas, fundou (também) o dever de indemnizar na violação do dever de informação dos pais sobre os riscos de nascimento de uma criança com síndrome de Down.
Ora, para o que agora interessa (atendibilidade de factos que resultaram da discussão da causa) os factos sobre a organização do serviço continuam a ser relevantes para podermos avaliar a ilicitude e a culpa do médico, e por essa via (não pela falta de serviço) se for caso disso, responsabilizar a entidade pública para quem o mesmo prestava o seu serviço.

De resto o acórdão recorrido ao apreciar a violação das "leges artis" pelo médico atendeu, além do mais, ao modo como "... funcionava a integração entre cuidados de saúde primários e cuidados diferenciados na área da circunscrição do Centro de Saúde onde o réu exercia funções de médico de família com o Hospital ..., como hospital de referência" (fls. 90 do acórdão recorrido). Ou seja, a factualidade dada como assente nos aludidos pontos 33, 34 e 35 era e foi, desde logo, relevante para avaliar a ilicitude do comportamento do médico ao não ter ordenado a realização da amniocentese.

Deste modo, e concluindo, os factos dados como provados, sobre a organização dos serviços da ARSN, e que resultaram da discussão da causa, na medida em que são concretizadores da causa de pedir (pressupostos da responsabilidade civil extracontratual) e instrumentais da ilicitude e culpa concretamente imputada ao médico, não podiam ser suprimidos pelo TCA Norte, que consequentemente, nesta parte não pode manter-se.

A manutenção de tais factos no elenco dos factos provados não significa que os mesmos pudessem ser atendidos para a condenação da ARS Norte com fundamento na falta de serviço. Contudo, esta é uma questão de direito que será oportunamente apreciada.

ii) Ausência de factos provados ou não provados e aditamento de factos

O acórdão do TCA Norte, depois de descrever a matéria de facto relacionada com a actividade do médico que assistiu a Autora, entendeu que o Tribunal "não julgou como provados, ou não provados alguns factos essenciais que foram alegados pelos Autores na petição inicial e cuja atendibilidade, atendendo ao objecto do recurso principal, é imprescindível".

Entendeu, assim e concretamente, que apesar do facto provado no ponto 26 (o médico "não equacionou a possibilidade de realização de amniocentese, nem informou os autores Pai e Mãe de tal possibilidade" impunha-se que o Tribunal tivesse respondido "à questão de saber se nas concretas circunstâncias em que o 1º réu actuou, ou seja perante aquele resultado da ecografia do 1º trimestre e o resultado do rastreio bioquímico, o mesmo estava obrigado a remeter a Autora para a realização de uma amniocentese, perante o que eram então as legis artis, o que não resulta provado, nem sequer não provado da fundamentação de facto da sentença".

Consequentemente, ao abrigo do disposto 662º, 2, c) do CPC aditou à matéria de facto os seguintes factos não provados:

“(…)

(c) que se impusesse ao médico de família, de acordo com a legis artis, que na posse dos elementos de que dispunha o 1º réu, ou seja, com uma ecografia do 1º semestre onde se referia a existência de um TN de 3,1 mm e onde se recomendava sujeição da grávida à realização de rastreio bioquímico a realizar por entidade credenciada para o efeito, e perante o resultado negativo deste rastreio, a imediata sujeição da grávida à realização de exame de amniocentese".

(d) que na família do Autor marido existisse um caso de Síndrome de Down - sua sobrinha - e que essa informação tivesse sido dada ao médico"

O STA, em recurso de revista, conhece apenas matéria de direito (art. 12º, 4 do ETAF e 150º, 2 e 4, do CPTA). Portanto, relativamente à convicção do TCA Norte sobre a prova, ou melhor, a não prova dos factos acima referidos, nada se dirá por se tratar de questão fora do âmbito de cognição deste STA.

2.2.6.2. Questões sobre matéria de direito - pressupostos da responsabilidade civil

O acórdão recorrido afastou a responsabilidade civil da ARS Norte por ter entendido que (i) a sentença era nula por ter condenado a ARS Norte com fundamento no anormal funcionamento do serviço, (ii) porque o co-réu BB não incorreu "na violação de qualquer legis artis" relativamente ao alegado dever de ordenar exames complementares e (iii) porque, relativamente ao alegado dever de informação dos riscos da gravidez da Autora/mãe, não havia nexo de causalidade.

(i) - Falta de serviço - nulidade da sentença da 1ª instância

Quanto ao fundamento da responsabilidade civil assente no anormal funcionamento do serviço, o acórdão, que nesta parte declarou nula a sentença, deve manter-se. Os Autores imputaram ao réu/médico a prática de concretos actos ilícitos causadores dos danos peticionados na presente acção e, era dentro deste enquadramento, que a responsabilidade civil extracontratual podia ser apreciada. Não foi efectivamente invocado o anormal funcionamento dos serviços com autonomia, isso é, independentemente do dolo ou culpa do médico/réu e, portanto, tal questão não integrava a causa de pedir. O juiz apenas pode conhecer das questões que lhe sejam colocadas, salvo se as mesmas forem de conhecimento oficioso (art. 608º, 2 do CPC, segundo o qual "o juiz (...) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.". A questão do anormal funcionamento de serviço não é de conhecimento oficioso e, portanto, o juiz não podia ocupar-se dela. O conhecimento de questões de que não podia conhecer torna nula a sentença, por excesso de pronúncia (art. 615º, 1, d) do CPC) como decidiu o TCA Norte. Nesta parte, sem prejuízo de se manterem os factos sob 33, 34 e 35, deve manter-se o acórdão recorrido.

(iii) violação das leges artis:

Relativamente à responsabilidade fundada na violação das "leges artis", o acórdão recorrido apreciou duas violações: (a) uma quanto ao dever de informação e (b) e outra quanto ao dever de determinar a realização de um exame específico (amniocentese).

Vejamos cada um destes aspectos.

(a) dever de determinar a realização de um exame específico.

Quanto ao dever de determinar a realização da amniocentese o acórdão disse o seguinte:

“(…)

Como já vimos, para se aferir do requisito da ilicitude é necessário que, no caso, os Autores tivessem alegado e provado factos com poder persuasivo bastante para num juízo corrente de probabilidade firmar o convencimento de que o resultado danoso verificado traduzido no nascimento da sua filha com Síndrome de Down foi antecedido de gestos clínicos do Réu praticados ou omitidos com desrespeito das regras de ordem técnica e/ou do dever geral de cuidado, próprios da atividade médica ( cfr. Ac. STA de 16/01/2014, Proc. 0445/13, in base de dados da DGSI.).

No caso dos autos, os Autores fundam a pretensa ilicitude da atuação do médico assistente BB, nos seguintes factos:
(i) perante o resultado da 1ª ecografia que indicou a existência na nascitura de uma “TN de 3,1mm” terem manifestado ao 1º Réu, na semana de 06/11/2003, ou seja, com 12 semanas de gravidez, a vontade inequívoca de interrupção voluntária da gravidez, o mesmo se ter negado a colaborar, negando-lhe o internamento para esse efeito, quando existia já um caso com Síndrome de Down na família- sobrinha, filha de uma irmã do Autor marido- (cfr. artigos 15.º a 18.° da p.i.);

(ii) perante o resultado negativo do rastreio bioquímico, que contudo «não exclui a possibilidade de Síndrome de Down», o 1.º Réu não ter pedido imediatamente a realização do teste de amniocentese e/ou colheita de vilosidades da placenta para confirmação diagnóstica (artigo 19.º e 20.º da p.i.);

(iii) que esse comportamento violou todas as regras da arte médica ( artigo 21° da p.i.).

E como vimos, não se provou que impendesse sobre o 1.º Réu, que perante aquelas circunstâncias, determinasse a sujeição da Autora a uma amniocentese.

E ao agir como agiu, não se provou que o mesmo tivesse violado a legis artis que ao tempo enquadrava a sua atuação enquanto médico de família em centro de saúde com intervenção na área do planeamento familiar e acompanhamento de grávidas.

Não se provou que fosse exigível/imposto/ esperado do Réu que perante a existência de uma 1ª ecografia onde se detetou a existência, no feto, de uma "TN de 3,1mm", em cujo relatório se recomendou a realização de um rastreio bioquímico, e que tendo o mesmo ordenado a realização desse exame, cujo resultado foi negativo, embora nesse mesmo exame se referisse que tal não exclui a existência, em absoluto, de Síndrome de Down, aquele tivesse de requerer a realização de um exame de amniocentese ou de remeter a Autora para uma consulta de diagnóstico prénatal no H....

(…)”

Relativamente a este aspecto (violação do dever de ordenar a realização de um exame de amniocentese ou de remeter a Autora para uma consulta de diagnóstico pré natal no H...) tendo em conta a matéria de facto dada como não provada e que se impõe a este STA, em recurso de revista, o acórdão é de manter.

Deve sublinhar-se, todavia, que o acórdão, neste segmento, apenas afastou a violação das leges artis relativamente ao dever de ordenar a realização da amniocentese: "(...) As considerações destes elementos de prova documentais, fortalecem a conclusão de que, na data em que o 1º Réu assistiu, como médico de família, a A. Mulher na sua gravidez, perante um rastreio bioquímico negativo e pese embora a existência de uma ecografia do 1º trimestre onde se indicava a existência de um TN de 3,1 mm, não se lhe impunha que sujeitasse a grávida a uma amniocentese e que, ao não determinar a realização desse exame, tivesse agido em desconformidade com a legis artis que ao tempo enquadrava a actuacão dos médicos de medicina geral e familiar naquela circunscrição" (fls. 96 do acórdão).

(b) dever de informação

Subsiste, portanto, um outro aspecto da ilicitude e da culpa, imputadas ao médico BB, reportada à violação do dever de informação.

Questão, de resto essencial, uma vez que a decisão da primeira instância já tinha localizado (também) a violação desse dever. É, portanto, neste ponto, ou seja na responsabilidade civil fundada na falta de informação, que se impõe analisar o entendimento do acórdão recorrido.

Vejamos.

O acórdão do TCA Norte também entendeu que o dever de informar não foi cumprido.

“(…)

Nem se mostra devidamente densificado a invocada violação do dever de cuidado, fora do dever de informar: a grávida realizou todos os exames ecográficos Standard previstos pela DGS como sejam as 3 ecografias de seguimento; nos tempos próprios, bem como o rastreio bioquímico indicado pela médica obstetra, que deu resultado negativo, não sendo à época exigível antecipar que pudesse ser um «falso negativo» e agir como se fosse positivo" (fls. 113 do acórdão).

(...)".

De resto a falta de informação do médico fora dada como provada no ponto 26 da matéria de facto:

"O Réu BB, em face do resultado da primeira ecografia a que a Autora Mãe se submeteu, que apresentou translucência da nuca do feto de 3.1 e perante o resultado negativo para síndrome de Down do feto, resultante do rastreio bioquímico, não equacionou a possibilidade de realização de amniocentese, nem informou os Autores Pai e Mãe de tal possibilidade, informando-os dos respetivos riscos" - facto n.º 26.

Contudo, apesar de não ter sido cumprido o dever de informar, o Acórdão afastou o nexo de causalidade entre aquele facto, traduzido na violação do dever de informar e o nascimento da criança (dano físico):

“(…)

Quando por relação à fixação e estabelecimento das ""legis artis"" ocorra haver diferenças de intervenções de médicos e serviços, incluindo contradições entre «fontes» mostra-se exigível uma fundamentação judicial para a opção tomada.

A imputada preterição do dever de informar não constitui causa adequada do dano físico ocorrido, por apenas repercutir sobre a lesão do direito à autonomia do doente, à autodeterminação em cuidados de saúde; a que acresce não ocorrer um facto cuja prova sempre se exigiria, para uma causalidade indireta - entre a omissão da informação e o dano da vida com deficiência - que era a demonstração de uma vontade de interromper a gravidez, o que não ocorre, como o reconhece a douta sentença no passo relativo aos factos não provados (página 66 da sentença).

A falta de informação ao doente nunca é causa adequada do dano físico, mas apenas da autodeterminação da doente em cuidados de saúde, mas entre a invocada falta de informação - estabelecida pela sentença entre ae a ecografia - e o nascimento da criança com trissomia 21 está a não ocorrência da vontade da grávida de interromper a gravidez, como resulta da prova estabelecida. Sendo que, pelo contrário, ficou a grávida esperançada com o resultado da 2ª ecografia.

(...)”

A sentença na parte referida, pelo acórdão, disse o seguinte:

“(…)

Factos não provados:

a) Que em face da primeira ecografia a que a Autora Mãe se submeteu durante a gravidez, bem assim do resultado negativo do rastreio bioquímico, estivesse, desde logo, na disposição de se submeter a interrupção voluntária da gravidez.

b) Que os Autores Pai e Mãe houvessem manifestado ao Réu BB vontade expressa e inequívoca de procederem à interrupção voluntária da gravidez, bem assim, a vontade expressa e inequívoca de a Autora Mãe se submeter a exame de amniocentese.

(...)"

Note-se, a este propósito que na Acta de Audiência Preliminar, realizada em 22 de Janeiro de 2016, ficou exarado o seguinte:

"Os Réus e a Interveniente aceitam o alegado pelos Autores no art.º 17º da P.I. quando é dito "que os Autores na semana de 6 de Novembro tinham uma vontade inequívoca de realizar a interrupção voluntária da gravidez,".

Como já referimos antes, a matéria de facto da sentença e acolhida nesta parte no acórdão recorrido, é contraditória, sendo a contradição sanada com a eliminação da al. a) dos factos não provados e com o aditamento aos factos provados da matéria acordada pelas partes na Audiência Prévia, ou seja: "Os Réus e a Interveniente aceitam o alegado pelos Autores no art.º 17º da P.I. quando é dito "que os Autores na semana de 6 de Novembro tinham uma vontade inequívoca de realizar a interrupção voluntária da gravidez." Sendo sanável a contradição, não se justifica o reenvio do processo ao Tribunal "a quo" (art. 682º, 2 e 3 do CPC).

Esta é, sem dúvida, a mais importante questão de mérito colocada a este Supremo Tribunal: há ou não nexo de causalidade entre a omissão do dever de informar os pais da criança e o nascimento desta com síndrome de Down?

O entendimento do acórdão recorrido é, como vimos, o de que falta um elo na cadeia causal iniciada com a falta de informação e terminada com o nascimento da criança, qual seja, a falta de prova sobre manifestação de vontade da mãe em interromper voluntariamente a gravidez.

Por via da falta desse necessário encadeamento de causas o acórdão concluiu:

“A falta de informação ao doente nunca é causa adequada do dano físico, mas apenas da autodeterminação da doente em cuidados de saúde, mas entre a invocada falta de informação - estabelecida pela sentença entre a 1ª e a 2ª ecografia - e o nascimento da criança com trissomia 21 está a não ocorrência da vontade da grávida de interromper a gravidez, como resulta da prova estabelecida."

Vejamos se é mesmo assim.

A sentença da primeira instância colocara a violação do dever de informação, nos seguintes termos:
“(…) Dúvidas parecem não existir que, no caso dos autos seria recomendável que aos Autores fosse exposta e informada a possibilidade de realização da amniocentese de modo a que fossem dissipadas as dúvidas geradas pelos resultados contraditórios dos exames realizados e cujo pior cenário foi confirmada com o nascimento. E a partir daí fosse os Autores a decidir, depois de devidamente esclarecidos de todos os riscos a decidir os termos que pretendiam ou não prosseguir com a gravidez. Julgamos, assim, que houve violação das leges artis com a ausência de informação aos Autores nos termos sobreditos.

(…)”

A questão é, portanto, a de saber se entre a referida falta de informação e o nascimento da criança existe causalidade adequada, por não ter sido manifestada, ou melhor, por se não provar que tivesse sido manifestada a vontade dos pais em interromper voluntariamente a gravidez - como concluiu o acórdão recorrido.

Vejamos.

Devemos, antes de mais, explicitar que a autodeterminação do doente em cuidados de saúde (autodeterminação consciente ao planeamento familiar) nada tem a ver com a vontade de interromper uma gravidez, quando ocorram riscos graves da malformação da criança. O Tribunal Constitucional no acórdão 55/2016 referiu-se expressamente a este aspecto:

“(…)

Como é evidente, o exercício "de uma maternidade e paternidade conscientes" acarreta consequências (positivas) quanto a esta problemática, na medida em que quanto mais esclarecida e ponderada é a concretização da vontade de ter um filho, menor é a probabilidade - no universo das pessoas que procriam - de uma gravidez vir a ser voluntariamente interrompida, independentemente das razões que fundem a interrupção. Todavia, esta asserção nada tem a ver com o fenómeno da interrupção da gravidez em caso de malformações evidenciadas pela nascitura, ocorrência que, aliás, já constituía causa de não punibilidade da interrupção da gravidez muito antes do movimento de despenalização - cfr. artigo 140.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal na redacção emergente da Lei n.º 6/84, de 11 de maio.

Pelo contrário, a associação entre planeamento familiar e a interrupção da gravidez faz-se, como é evidente, por referência a uma interrupção desmotivada, sem relação com perigos para a saúde da grávida ou do nascituro, designadamente no sentido de reduzir o número de gravidezes indesejadas (cfr., por exemplo, a nota descritiva n.º 351, sobre "planeamento familiar", da Organização Mundial de Saúde, disponível na página http://www.who.int/ e Carolyn Curtis, Douglas Huber e Tamarah Moss-Knight, "Postabortion Family Planning: Addressing the Cycle of Repeat Unintended Pregnancy and Abortion", in International Perspetives on Sexual and Reproductive Health, vol. 36, n.º 1 - março de 2010, disponível em www.guttmacher.org).

Uma hipótese - como é a dos autos - de uma gravidez desejada relativamente à qual se poderia ter colocado a possibilidade de optar por uma interrupção por motivos de malformação do feto em nada se relaciona com a formação esclarecida e informada da vontade de procriar ou com os meios que devem ser colocados à disposição das pessoas em vista do objectivo programático que subjaz ao artigo 67º, nºs 1 e 2, alínea d) da CRP.

(…)”

Não é, portanto, o direito a um planeamento familiar consciente que é lesado com a falta de informações sobre o risco de nascimento de criança com problemas de saúde. O direito ao planeamento familiar pode justificar a interrupção voluntária da gravidez "desmotivada", mas não radica nele a possibilidade de interromper a gravidez por malformações do feto. O que está em causa é, nestes casos, uma possível relação de causalidade entre a falta de informação sobre os riscos de nascimento de uma criança com síndrome de Down e os danos patrimoniais e não patrimoniais que esse nascimento causa aos pais e à criança.

Com este enquadramento, o argumento do acórdão recorrido, segundo o qual a falta de prova sobre a manifestação de vontade de interromper a gravidez afasta a causalidade adequada entre a violação do dever de informação e o nascimento "indesejado" não é pertinente.

Em primeiro lugar nunca este entendimento poderia ser usado (e mesmo assim a nosso ver erradamente) para a acção intentada pela criança. O direito à indemnização devida à criança que nasce com problemas de saúde graves e permanentes visa a compensação dos custos e sacrifícios que a sua vida, naquelas condições, lhe vai causar em confronto com uma vida sem esses problemas. Este dano ocorre ainda que os pais não tivessem querido interromper a gravidez. Portanto, pelo menos na acção intentada pela criança (que no caso também se verifica), o argumento da sentença nunca seria concludente.

Em segundo lugar a exteriorização da vontade de interromper a gravidez (não provada) é irrelevante nos casos em que a grávida não tenha sido informada dos riscos de nascimento de uma criança com malformações. Com efeito, antes de haver vontade de interromper, ou não, uma gravidez existe um momento ontologicamente anterior, que é o conhecimento do risco inerente a essa gravidez.

Ora, a formação da vontade de interromper voluntariamente a gravidez por malformações do feto, depende, sempre e necessariamente, da grávida estar devidamente informada sobre o perigo ou risco dessas ocorrências (no caso e mais concretamente, do perigo ou risco mais ou menos elevado da criança poder nascer com síndrome de Down).

Entender que só existe nexo causal - jurídico - entre a falta de informação sobre os riscos de um nascimento indesejado, quando a grávida tenha manifestado o desejo de interromper a gravidez, é exacto (para os pais, e apenas para estes) se os pais tiverem sido informados dos riscos de continuar com a gravidez. Só perante o conhecimento do risco, a grávida pode formar e manifestar vontade inequívoca de interromper ou prosseguir a gravidez.

Note-se que a sentença nesta parte tinha localizado a questão na violação do dever de informação: "Na verdade, o Réu BB ao omitir um dever de informar os Autores da possibilidade de existência de síndrome de Down e de esclarecer, acima de tudo, a possibilidade de realização de amniocentese, com os riscos a tal exame inerentes, coartou aos Autores o direito de decidirem de forma esclarecida e inequívoca o destino da gravidez em causa."

A violação do dever de informar coarctou aos autores o direito de decidirem de forma esclarecida o destino da gravidez em causa. E foi, de resto, com esta configuração que a sentença entendeu haver uma ligação entre a ilicitude (falta de informação) e o nascimento da criança naquela condição. A falta de informação impediu uma vontade esclarecida sobre o destino da gravidez.

Em terceiro lugar, julgamos que, em casos como o presente, também é relevante a vontade dos pais, quanto à interrupção voluntária da gravidez. Os pais poderiam ter aceitado o nascimento da criança com Síndrome de Down, mesmo sabendo desse risco. E se assim fosse, não seria admissível uma pretensão indemnizatória, pedida pelos pais. O que todavia já não é exacto é o relevo atribuído à falta de prova da manifestação de vontade em interromper a gravidez, quando a grávida não estava informada dos riscos dessa gravidez, A vontade em interromper, ou não, a gravidez, sem informação sobre os riscos, é sempre uma vontade conjectural, ou seja, a vontade que existiria se a grávida tivesse sido devidamente informada.

Ora a vontade conjectural das partes (diferente da vontade real que é matéria de facto) é matéria que pode ser apreciada no recurso de revista por ser matéria de direito. Como se disse no acórdão do STJ de 9-5-2006, proferido no processo 06A1003: "6) A interpretação da vontade real das partes é matéria de facto, só sendo sindicável pelo STJ o resultado interpretativo das instâncias se produzido ao arrepio do1 do artigo 236º ou do nº 1 do artigo 238º do Código Civil. 7) Apurar a vontade hipotética, virtual ou conjectural pode caber no âmbito da revista por envolver um juízo sobre matéria de direito".

Neste caso concreto julgamos ser possível apreender uma vontade conjectural dos pais no sentido de optarem pela interrupção voluntária da gravidez, caso tivessem sido informados dos riscos da gravidez. Com efeito, no relatório pericial dado como provado no ponto 19 é, além do mais, referido que a mãe regressou ao Hospital ..., no dia útil seguinte a 10-3-2004 (ecografia do 3º trimestre) por terem notado que no relatório da mesma fazia referência a "uma deformidade da cabeça". "(...) Tal facto deixou a mãe muito transtornada, dado que se os pais soubessem que iriam ter um filho com síndrome de Down teriam abortado" - pág. 54 do acórdão. A que acresce ainda e mais significativamente a prova por acordo das partes do facto alegado no art. 17º da petição inicial segundo o qual, na semana de 6 de Novembro de 2003, os pais tinham uma vontade inequívoca de interromper a gravidez.

Para além da referência expressa da mãe a uma vontade hipotética de interromper a gravidez, naquelas condições ("se soubesse") e o facto provado por acordo das partes (art. 17º da petição inicial) é inquestionável o desconforto e sofrimento dos pais, no caso de saberem o risco do nascimento da criança com síndrome de Down. A angústia dos pais perante a vida futura de uma criança com problemas de saúde graves, caso tivessem essa informação, é compatível com a intenção de interromper voluntariamente a gravidez e mostra-se enquadrado nos valores jurídicos acolhidos no nosso Direito, que não considera crime, naquelas condições, a interrupção voluntária da gravidez. Daí que a nosso ver se possa concluir que os pais, se tivessem sido devidamente informados a tempo, teriam optado pela interrupção voluntária da gravidez, ou pelo menos teriam considerado seriamente essa hipótese.

Em quarto lugar, segundo alguma doutrina e jurisprudência, a vontade conjectural dos pais no sentido de interromper voluntariamente a gravidez, nos casos em que não sejam devidamente informados dos riscos de malformação do feto, deve presumir-se e, portanto, só pode afastar-se com prova (ou pelo menos contraprova) de que se tivesse sido cumprido o dever de informação, os pais teriam optado pela continuação da gravidez. Efectivamente, como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2015, proferido no processo 1212/08.4TBBCL.G2.S1: “(…) a falta de informação faz funcionar a favor do credor da mesma, a presunção de que este se teria comportado de forma adequada, ou seja, no caso, que os pais teriam optado por abortar, caso soubessem da deficiência do filho”.

No mesmo sentido (aliás citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça) PAULO MOTA PINTO (Ainda a indemnização por nascimento indevido (wrongful birth) e vida indevida (wrongful life), pág. 572) nota que "o problema reside na prova do comportamento do destinatário da informação, caso os deveres tivessem sido cumpridos. A jurisprudência alemã ajuda nestes casos o credor da informação com uma presunção de que se teria comportado de forma adequada tendo em conta a informação (vermutung aufklarungsrichten Verhaltens), pelo que não teria deixado de adoptar as correspondentes condutas (por ex. a interrupção da gravidez, a abstenção de relações sexuais)".

O referido autor cita ainda, no mesmo sentido, CLAUS WILHELM CANARIS (nota 62):

"(…)

A decisão sobre a conduta a adoptar não dispondo de informação, isto é, uma decisão não informada, é um resultado diverso, na sua configuração concreta, da decisão que o interessado teria tomado com a informação, pelo que tem de afirmar-se a causalidade entre a violação do dever de informação e este resultado, consistente na concreta decisão não informada, ligando-se depois esta à lesão sofrida segundo as regras gerais da causalidade. Cabe, assim, ao devedor provar que um tal resultado diverso não teria (decisão não informada) conduzido ao mesmo dano (v, tb, pág. 17-8, para uma justificação alternativa, com fundamento no comportamento alternativo lícito - isto é, o devedor da informação que invoca que o credor se teria comportado de igual modo se ele o tivesse informado, isto é, se se tivesse comportado licitamente - que incumbe a prova das consequências deste).

(...)"

Em suma, de acordo com este entendimento, mesmo que seja discutível ver aqui uma presunção, julgamos ser de aceitar, pelo menos, uma inversão do ónus da prova, isto é, que cabia ao médico que não prestou as informações devidas, alegar e provar que se tivesse prestado essas informações (ou seja o risco da criança nascer com síndrome de Down) ainda assim os pais teriam optado pela continuação da gravidez; ou seja, cabia àquele que omitiu um dever de informar, a prova de que um seu comportamento alternativo lícito levaria ao mesmo resultado. Consequentemente, a falta de prova da manifestação de vontade de interromper a gravidez, sem que os pais estivessem devidamente informados das reais possibilidades da criança nascer com síndrome de Down, não afasta o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o nascimento da criança.

Consequentemente, não acompanhamos o acórdão recorrido quanto à falta de nexo causal entre a violação do dever de informar e o nascimento da criança com síndrome de Down, uma vez que podemos construir juridicamente (através de um "non liquet” interpretado contra o médico que não cumpriu o dever de informar) uma vontade hipotética dos pais, no sentido de que, se tivessem sido informados dos riscos, teriam optado pela interrupção voluntária da gravidez. Verifica-se, em suma, o nexo de causalidade adequada entre a falta de informação dos pais e o nascimento da criança.

Não foi apreciada pelo TCA Norte a verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, relativamente à violação do dever de informar os pais.

O conhecimento desses pressupostos está, todavia, excluído do âmbito de cognição do STA em recurso de revista. Com efeito nos termos do art.679º, do CPC "São aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação, com excepção do que se estabelece nos artigos 662.º e 665.º e do disposto nos artigos seguintes". O art. 665º, 2, do CPC, diz-nos que: "Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários".

Desta feita, não cabendo nos poderes do Supremo Tribunal Administrativo em recurso de revista, apreciar os pressupostos da responsabilidade civil que, por terem ficado prejudicados, não foram conhecidos, impõe-se revogar o acórdão recorrido, relativamente à não verificação do nexo de causalidade e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Norte para que sejam conhecidos os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - relativamente à omissão do dever de informar os pais do risco da criança poder nascer com síndrome de Down.

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes que compõem este Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente:


a) Revogar o acórdão recorrido quanto à eliminação dos factos dados como provados nos pontos 33, 34 e 35, que portanto devem manter-se no elenco dos factos provados;
b) Suprir a contradição entre o facto dado como não provado na al. a) dos factos não provados e o admitido por acordo na Audiência Prévia, nos termos acima referidos;
c) Revogar o acórdão recorrido relativamente ao segmento da decisão que julgou não verificado o nexo de causalidade entre a omissão de informar os pais do risco da criança poder nascer com Síndrome de Down e o seu nascimento nestas condições.
d) Ordenar a remessa dos autos ao TCA Norte para apreciar a verificação, ou não, dos demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual dos réus relativamente à violação do dever de informar;
e) Manter em tudo o mais o acórdão recorrido, isto é: quanto à inexistência do dever de ordenar exames complementares de diagnóstico e quanto à declaração de nulidade da sentença, por ter condenado o réu ARS Norte com fundamento no anormal funcionamento do serviço.

Custas no Supremo Tribunal Administrativo Norte pela ARS Norte e pelos Autores na proporção de metade, sem prejuízo do apoio judiciário concedido aos Autores.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024. – António Bento São Pedro (relator) - Cláudio Ramos Monteiro – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.