Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01382/14.2BEBRG 0528/17
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:IRC
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE DO EXERCÍCIO
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I – Nos termos do artigo 18.º do CIRC, os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica (n.º 1) e as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (n.º 2).
II – Tendo ficado provado que a inscrição no exercício fiscal de 2009 de um valor a título de “custo de exercícios anteriores”, no caso, do exercício fiscal de 2006, constitui o resultado de uma actuação deliberada de manipulação das contas desenvolvida pelo sujeito passivo tendo em vista alcançar um melhor posicionamento em concursos de obras públicas, há que concluir que não se mostra verificada a hipótese legal prevista no n.º 2 do citado artigo 18.º do CIRC, isto é, que a transferência de resultados de exercício não foi determinada pela imprevisibilidade nem pelo desconhecimento das componentes ate à data de encerramento do ano fiscal a que alegadamente respeitam.
III – A prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios pressupõe que, cumulativamente, esteja apurado que do afastamento daquele último não resulte prejuízo para o erário público e que o erro cometido na contabilização dos proveitos e/ou custos não resultou de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios.
Nº Convencional:JSTA000P32095
Nº do Documento:SA22024041001382/14
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A Impugnante, A..., S.A., doravante Recorrente, notificada da sentença em que, julgando-se parcialmente improcedente a Impugnação Judicial, foi mantida na ordem jurídica a liquidação impugnada na parte relativa à não consideração do custo fiscal para correcção de exercício anterior no valor de € 302.241,18 contabilizado no ano fiscal de 2009 - veio recorrer para este Supremo Tribunal.

1.2. Admitido o recurso, a Recorrente apresentou a respectiva motivação, aí concluindo nos seguintes termos:

«I. Com o devido respeito, e que é muito, entende a apelante que o douto Tribunal a quo se houve em violação da lei por erro sobre os pressupostos em violação do princípio da justiça e da proporcionalidade.

II. A recorrente colocou-se, no exercício de 2006, na situação de “responder” fiscalmente sobre expectativas de rendimento (de proveitos potenciais) de 2.759.723,07 € e não sobre rendimentos efectivos, tendo pago, por ter inscrito na sua contabilidade essa expectativa de rendimento em IRC 747.356,85 €, conforme doc. n.º 10 dos autos.

III. Pagou esse IRC nesse montante, tendo concorrido para o cálculo do montante a quantia de 302.241,18 € (factos provados sob o n.º 8-46 da douta sentença).

IV. Ora, veio a verificar-se que essas expectativas de rendimento não se verificaram na totalidade, tendo remanescido 302.242,18 € que não havia hipótese, por referência à data da apresentação do exercício de 2009, de se transformarem de potenciais em efectivos.

Por isso,

V. A recorrente, tal como inscreveu na sua contabilidade por referência ao exercício de 2006, os factos relevantes que determinaram a tributação por expectativa de rendimentos, no ano de 2009, pela sua definitiva não verificação, inscreveu na sua contabilidade os factos relevantes que necessariamente assumiram a natureza de custos (por oposição ao que tinha sucedido em 2006, que tiveram a natureza de proveitos),

VI. Pelo que a recorrente tinha direito à correcção em sentido inverso (diminuindo o montante das expectativas desses proveitos que se não verificavam à matéria tributável declarada) no ano de 2009, impondo-se esse entendimento como concretização do princípio da justiça.

VII. A impugnante não desconhece que existe o princípio da especialização económica dos exercícios,

VIII. Mas o princípio da especialização económica dos exercícios não pode sobrepor-se ao direito inalienável da impugnante não ser tributada por ganhos/proveitos que não obteve,

IX. E também não pode sobrepor-se ao direito constitucional ínsito no artigo 104., n.º 2 da CRP de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

X. Inicialmente, a AT insinuou que essa situação decorreria da anulação de serviços prestados mas não facturados, acabando por abandonar tal inusitada quanto descabida insinuação e acantonar-se num indeferimento a coberto do princípio da especialização económica dos exercícios, consagrado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º do CIRC.

XI. Desta forma, a AT reconheceu que essas meras expectativas não tinham que ser relevadas, do ponto de vista fiscal, no exercício de 2006, tanto mais que anulou a liquidação adicional de IVA ao ano de 2007, que corporiza o Anexo 2 ao citado doc. n.º 6, e o mesmo entendimento perpassa no ponto 3.2 da Informação n.º ...4 anexa do citado doc. n.º 1.

XII. E de tal reconhecimento resulta inequivocamente que a impugnante pagou imposto que não devia ter pago ou que não lhe era exigível no quadro normativo fiscal, que pagasse.

XIII. A impugnante, no exercício de 2009, considerou a não realização daquelas meras expectativas e levou tal montante de 302.241,18 € a perdas.

XIV. Ora, a AT não sancionou tal montante como uma perda ocorrida em 2009, o que leva ao bizarro raciocínio e conclusão de que a AT age de acordo com “dois pesos e duas medidas”, ou seja, reconheceu o carácter potencial dos proveitos como tal não relevantes do ponto de vista fiscal, tendo assumido, porém, que a perda ocorrida em 2009 não deveria concorrer para o apuramento do lucro tributável deste exercício, não obstante o ganho (potencial) relevado em 2006 ter concorrido para o apuramento do lucro tributável de 2006.

XV. O princípio da especialização económica dos exercícios/periodização do lucro tributável com tradução no SNC e no CIRC, como não podia deixar de ser, expressa o rigor com que a contabilidade e a fiscalidade devem assumir no sentido de que o resultado do período seja a expressão do balanceamento entre a totalidade dos ganhos e das perdas que ao mesmo sejam de imputar, com salvaguarda daqueles que, no termo do período, sejam manifestamente desconhecidos ou imprevisíveis.

XVI. O princípio da especialização não deve ser entendido e aplicado da forma dura e pura como está reflectido na douta sentença, devendo merecer alguma flexibilidade sempre que do respectivo incumprimento não resulte prejuízo para a economia do imposto em relação ao sujeito activo da relação jurídico-tributária, no caso a Fazenda Nacional.

XVII. Este o sentido da jurisprudência do STA, conforme, entre outras, as decisões constantes de:

Acórdão de 05.02.2003, Proc. n.º 01648/02

Acórdão de 25.01.2006, Proc. n.º 0830/05

Acórdão de 02.04.2008, Proc. n.º 0807/07

Acórdão de 25.06.2008, Proc. n.º 0291/08

Acórdão de 09.05.2012, Proc. n.º 0269/12

Acórdão de 08.08.2012, Proc. n.º 0806/12

Acórdão de 21.11.2012, Proc. n.º 0809/12

a jurisprudência referenciada aponta sempre no sentido de que não põe em causa o princípio da especialização económica dos exercícios, a imputação a um exercício, de custos ou ganhos referentes a outros exercícios, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, devendo o mesmo tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com previsão no art. 55º da LGT.

XVIII. O alcance das decisões jurisprudenciais apenas tem como sentido que, tendo o sujeito passivo incorrido em erros na aplicação do princípio da especialização, não serão de efectuar quaisquer correcções (pela Administração Fiscal) no apuramento do lucro tributável, sempre que dos referidos erros ele seja o único prejudicado.

XIX. Ora, foi precisamente o que aconteceu no caso em apreço, tendo da antecipação de ganhos, ainda por cima potenciais, saído como beneficiária tão somente a Fazenda Nacional, uma vez que tal determinou em 2006 o pagamento de imposto (aliás, muito superior, como é facto notório, ao devido).

XX. A impugnante não usufruiu quaisquer vantagens económicas ao contabilizar as referidas meras expectativas daquele valor de 302.241,18 €, em 2006, como proveitos potenciais,

XXI. Pois, de tal contabilização daquele valor de 302.241,18 €, resultou tão só pagamento efectivo de imposto, mas que não teve na matriz qualquer proveito.

XXII. Na realidade, o Acórdão 0291/2008, de 25.06.2008, da 2ª Secção do STA, defende objectivamente que:

i. “Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga qualquer vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça”.

para logo afirmar:

b. “Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça”.

concluindo no sentido de que:

c. “Consequentemente, serão de considerar anuláveis, por vício de violação da lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações injustas deste tipo”.

XXIII. Não se trata de situação em que a antecipação de ganhos beneficiasse o sujeito passivo, pois não se verifica

• A utilização do reporte de prejuízos fiscais que doutra forma se esgotaria;

• A utilização de deduções à colecta, nomeadamente crédito de imposto por dupla tributação internacional, benefícios fiscais, etc., que face à insuficiência da colecta se perderiam.

XXIV. O incumprimento em termos de SNC, penalizado de acordo com o previsto no art. 121º do RGIT, em nada interfere no sentido da jurisprudência, toda ela direccionada para o apuramento do lucro tributável.

XXV. Aliás, a própria doutrina administrativa, conforme Ofício Circulado n.º ...3, de 23.11, também é expressão do sentido da melhor jurisprudência, ao determinar que compete aos Serviços de Fiscalização no âmbito de acção inspectiva o controlo da matéria colectável do contribuinte, devendo os mesmos, sem prejuízo da penalidade ao caso aplicável, fazer as correcções adequadas ao resultado líquido do exercício a que os custos ou proveitos digam respeito, quando, nos termos do art. 18º do CIRC, não sejam consideradas componentes negativas ou positivas do lucro tributável do exercício da sua contabilização.

XXVI. Assim sendo, como é o caso, apenas são de efectuar correcções à matéria colectável no âmbito do princípio da periodização do lucro tributável quando do respectivo incumprimento resulte prejuízo para a Fazenda Nacional.

XXVII. Sendo este o sentido da jurisprudência do STA, com a particularidade de, havendo correcções, precisamente pelo facto do incumprimento determinar prejuízo para a Fazenda Nacional, dever a autoridade tributária proceder aos ajustamentos correlativos aos períodos de tributação a que os gastos ou ganhos digam respeito.

XXVIII. Resulta, assim, que se impõe, de acordo com os comandos legais ínsitos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP e 50.º e 55.º da LGT, considerar como perda ocorrida em 2009 a mera expectativa do montante de 302.241,18 €, contabilizada como proveito em 2006 e do qual se pagou o respectivo imposto.

XXIX. Doutra forma, o erro praticado pela impugnante em ter contabilizado em 2006 com relevância fiscal as meras expectativas/ganhos potenciais, e que deu lugar ao pagamento do imposto que pagou, que levou em consideração que essas expectativas correspondiam a proveitos efectivos, constituiria um enriquecimento sem causa para a AT.

XXX. Mas a Meritíssima Juiz, com o devido respeito, olvida e tem todo o interesse para a decisão, que não são resultados contabilísticos, mas resultados fiscais, ou seja, não foram cumpridos os princípios fiscais, mas não foram cumpridos para daí retirar vantagens fiscais e esta realidade inequívoca devia ter sido levada em linha de conta pela douta sentença e não foi.

XXXI. A Meritíssima Juiz ficou “impressionada” pela conduta errática da recorrente, mas não a sopesou com a realidade insofismável de que não houve qualquer comportamento da recorrente intencional para retirar vantagens fiscais, nem elas ocorreram, bem pelo contrário as vantagens fiscais que ocorreram foram para a Administração Fiscal e foram-no sem suporte real.

XXXII. A ilegalidade dos registos contabilísticos tem punição objectiva no artigo 121.º do RGIT, mas daí não se segue que a recorrente comprovadamente não deva ter o acolhimento do Tribunal na anulação da liquidação adicional de IRC no exercício de 2009.

XXXIII. Todavia, o gasto foi fiscal, porque o ganho também foi considerado para efeitos fiscais e, por isso, não é de afastar a violação “do princípio da tributação do rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da CRP.”

XXXIV. Por outro lado, a Meritíssima Juiz a quo não relevou o pagamento de imposto a mais pela recorrente, com direito à reposição da verdade fiscal.

XXXV. Embora seja facto que o caso em apreço não configura uma dupla tributação, o certo é que já era esse o entendimento plasmado na impugnação, que a recorrente pagou imposto a mais, porquanto os proveitos expressos na sua contabilidade no ano de 2006, se é certo que concorreram para o cálculo da matéria colectável desse ano, concorreram, face à factualidade provada nos autos, indevidamente (porque são ganhos potenciais), assistindo à recorrente o direito à reposição da justiça tributária, que, no caso em apreço, era possível de fazer-se como a recorrente fez, levando a custos extraordinários a quantia de 302.242,18 €.

XXXVI. Pelo que caso não se considere como perda ocorrida em 2009 aquele referido montante de 302.241,18 €, deve então declarar-se assistir à impugnante o direito a ver-lhe restituído o montante do imposto pago em 2006, a coberto da contabilização como proveitos potenciais daquele montante de 302.241,18 €, ordenando-se o cumprimento das diligências tributárias necessárias àquele desiderato.

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, não obstante ter sido notificada da interposição do recurso e da sua admissão, não contra-alegou.

1.4. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo foram os mesmos apresentados com “termo de vista” ao Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

1.5. Cumpre decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, é no essencial uma a questão a decidir, qual seja, a de saber se o Tribunal a quo errou ao julgar que é ilegal a contabilização, como custo, no exercício de 2009, de alegados “proveitos” inscritos no ano de 2006 e que não estão, no caso, verificados os pressupostos legitimadores de postergação do princípio de especialização dos exercícios em função dos princípios da justiça e da proporcionalidade.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1. A Impugnante foi objecto de uma inspecção tributária, realizada em cumprimento da ordem de serviço ...48, que incidiu sobre o exercício de 2009 – cfr. fls. 7 do procedimento administrativo apenso aos autos (doravante PA).

2. Através de requerimento apresentado em 06.05.2011, a Impugnante veio exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de correcções do Relatório de Inspecção, cfr. fls. 30 e ss. do PA.

3. Insurgindo-se, além do mais, contra a desconsideração da importância de € 302.241,18 “na justa medida em que se está perante o desreconhecimento de proveitos considerados em 2006 e, como tal, já tributados em IRC” e que do procedimento contabilístico utilizado “não resultou qualquer prejuízo para a economia do imposto, antes pelo contrário, uma vez que os proveitos antecipados fizeram parte integrante da matéria colectável do exercício em que foram contabilisticamente registados (2006)”;

4. Manifestou, ainda, a Impugnante a sua discordância, em sede de audição prévia, quanto à desconsideração do direito ao crédito de imposto, “uma vez que se trata de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos pela prestação de serviços efectivamente prestados, tendo a natureza de retenção na fonte a título definitivo (Imposto Industrial Antecipado) sobre rendimentos auferidos por entidade não residente, em conformidade com a legislação em vigor em Angola (Lei nº 7/97, de 10.10)”.

5. Através de requerimento apresentado em 23.05.2011, a ora Impugnante apresentou uma “adenda” ao instrumento de audição prévia, na qual refere a propósito da retenção na fonte à taxa de 5,25% efectuada pela sociedade “B..., LDA.”, com sede em ..., que o contribuinte “não deduziu, como cabia, no quadro 10 da Dec. Mod. 22 do IRC de 2009, a titulo de eliminação da dupla tributação internacional, o montante de € 8.458,95 que lhe foi retido por aquela entidade” e que “tal retenção advém da facturação de prestação de serviços de assistência Técnica efectuada àquela entidade durante o ano de 2009 e, essa sim, em vez do montante de € 5.121,70 relativo a retenção sobre rendimentos auferidos no ano de 2008, deveria ter sido incluída como dedução à colecta pelo montante supra de € 8.458,95” – cfr. fls. 101 e ss. do PA.

6. Em 23.05.2011, foi elaborado o relatório de inspecção, extraindo-se do mesmo o seguinte:

«Correcção da estimativa de facturação exercícios anteriores

O Sujeito Passivo procedeu à anulação de Proveitos contabilizados em anos anteriores (2006), a título de Correcção da Estimativa de Facturação de Anos anteriores da obra “... entre ... e ...”, no caso do Lançamento n° ...59 e da obra “ ...”, no caso do Lançamento ...67” (Contabilizou a débito a conta ...01, por contrapartida da conta ...00)

O Sujeito Passivo não apresenta algum documento justificativo da correcção, apresentando apenas documentos internos da contabilização de acréscimos de Proveitos contabilizados no exercício de 2006, relativamente a obras que, de acordo com os documentos apresentados em 31/12/2006, já estavam terminadas (Anexo I).

O Sujeito Passivo procedeu assim ao acréscimo nos Proveitos de 2006 dos montantes a facturar em 2007, no cumprimento do princípio da especialização dos exercícios.

Da análise aos elementos constantes do dossier fiscal de 2006, verifica-se que em 31/12/2006, a conta de acréscimos e diferimentos ...00 encontra-se saldada, isto é, não é deferido algum valor para os anos seguintes, passível de ser anulado. (conforme página 9 do Balancete Geral de 31/12/2006 - Anexo II). Em face dos elementos constantes da movimentação da conta ...00, verifica-se que esta foi movimentada a débito pelo valor acumulado de € 2.759.723,07 e a crédito exactamente pelo mesmo valor, apresentando um saldo final nulo, desconhecendo-se, assim, qual o efeito da movimentação desta conta no Resultado Líquido apurado no exercício de 2006.

De facto o saldo final da conta 2715, no montante de € 393.229,47 respeita a obras distintas das agora anuladas.

Por último, decorre do artº 7º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado CIVA (doravante designado apenas por CIVA), conjugado com os artigos 29° e 36° ambos do CIVA ao definir as regras respeitantes ao facto gerador do imposto, a obrigatoriedade da emissão da factura, respectivos prazos e exigibilidade do imposto, que se verificou no momento imediato ao encerramento da obra. Cabendo ao Contribuinte a faculdade, caso a factura sofra uma rectificação, da emissão da correspondente Nota de crédito.

Em face do exposto conclui-se que a referida anulação de proveitos, efectuada em 2009 não é aceite como custo extraordinário por falta de suporte documental e por não se tratar de uma situação compatível com as condições previstas para os custos e perdas, conforme descrito anteriormente.

III.4 Crédito de Imposto por Dupla Tributação Internacional

A. Sociedade B..., Lda – Angola

Deduziu indevidamente à colecta ao abrigo do art° 85° do CIRC (actual art.° 91°), a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, o imposto retido relativo a uma retenção na fonte, efectuada pela B..., Lda, a título de retenção na fonte à taxa de 5,25% efectuada nos termos da legislação angolana, Lei 7/97, de 10 de Outubro que estabelece um regime excepcional de tributação por retenção na fonte, em sede de imposto industrial incidente sobre as empreitadas.

Ora decorre da redacção do art.° 85° do CIRC, que a dedução à colecta é apenas aplicável quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde ao imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro ou à Fracção do IRC calculado antes da dedução (cfr art.° 91° CIRC).

Não será assim de aceitar a dedução à colecta efectuada tendo por base uma retenção na fonte de imposto que não respeita a imposto sobre o rendimento, no montante de € 5.127,70.

[…]

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO

O Sujeito Passivo foi notificado através do ofício ...53, de 20/04/2011 nos termos do disposto no artº 60º da Lei Geral Tributária e do artº 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, para no prazo de dez dias exercer o direito de audição face à proposta de correcções.

Apesar de recebido fora do prazo estabelecido para o exercício do direito de audição, (o prazo terminou no dia 3 de Maio tendo a petição do direito de audição dado entrada nesta Direcção no dia 6 de Maio do corrente), o conteúdo do mesmo será considerado para efeitos de elaboração do relatório final.

No exercício do direito de audição o Sujeito Passivo concorda com parte das correcções propostas no projecto de Relatório, discordando contudo das que a seguir se enumeram alegando resumidamente o seguinte:

[…]

Relativamente à desconsideração da importância de € 302.241,18 não concorda com a proposta de correcção alegando que o proveito foi em considerado em 2006 e como tal já foi tributado em sede de IRC.

Alega que o procedimento contabilístico adoptado pelo Sujeito Passivo não foi devidamente avaliado e compreendido pelo responsável pelo Projecto de Correcções, nomeadamente quanto ao facto do saldo da conta 27 se apresentar nulo. Com efeito, alega que no ano de 2006, tendo-se deparado o Sujeito Passivo com a necessidade de elaborar o seu balanço de forma a obter determinados indicadores de gestão, no sentido de criar as condições de estabilidade e confiança necessárias a salvaguarda da continuidade do exercício da sua actividade, a forma adoptada passou pela consideração de proveitos potenciais, que no ano de 2006 atingiram os € 2.759.723,07, os quais foram objecto de correcção nos anos subsequentes, em face da não confirmação dos pressupostos que determinaram a sua consideração como proveito antecipado.

Informa assim que contabilisticamente procedeu ao registo do proveito a crédito da conta 72 por débito da conta 27. Acrescenta igualmente que no final do exercício, os valores em causa considerados a débito da 27, foram transferidos, também através de documento interno para a conta 21, assim se determinando os indicadores de gestão, tendo em vista o referido anteriormente. Acrescentando ainda que no ano imediatamente a seguir foi efectuado o lançamento contabilístico inverso.

Para concluir que a manter-se a correcção pretendida no montante de € 302.241,18 tal configuraria um caso típico de dupla tributação, apenas se reconhecendo fundamento se com a referida correcção fosse assumido o competente ajustamento correlativo ao exercício de 2006.

Por último, remete para os documentos contabilísticos de suporte já apresentados no decurso da acção inspectiva, indicando que relativamente à importância de € 241.000,00 e de € 51.241,98 o desreconhecimento do proveito em 2009 foi efectuado dado não se terem confirmados os factos estimados, ou no caso da última verba apenas se confirmaram parte dos factos estimados.

[…]

Relativamente à retenção na fonte à taxa de 5,25% efectuada pela sociedade “B... Lda" com sede em ..., no montante de € 5.127,70, em virtude de se tratar de uma retenção efectuada sobre rendimentos auferidos pela prestação de serviços contabilizados em 2008, aceita a não dedutibilidade do crédito de imposto. Discorda contudo das razões invocadas no Projecto de Relatório, porquanto considera tratar-se de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos pela prestação de serviços efectivamente prestados, tendo a natureza de retenção na fonte a título definitivo (Imposto Industrial Antecipado) sobre rendimentos auferidos por entidade não residente, em conformidade com a legislação em vigor em Angola (Lei 7/97 de 10 de Outubro).

[…]

As alegações efectuadas pelo contribuinte em sede de exercício do direito de audição merecem-nos as seguintes considerações:

[…]

Correcção da estimativa de facturação exercícios anteriores

O Sujeito Passivo discorda da correcção proposta, contudo não apresenta nenhuma prova que permita justificar o facto de ter terminado as obras em causa e estas terem ficado por facturar. De facto, em nenhuma parte da contestação do Sujeito Passivo nem tão pouco no decurso do direito de audição é colocada em causa a existência de serviços prestados. (verifica-se que ambas as obras foram realizadas e os serviços encontravam-se terminados em 31/12/2006, conforme documentos em Anexo).

A questão reside apenas na pretensão do contribuinte de anular a tributação do proveito contabilizado em 2006, via consideração de um custo extraordinário em 2009 não apresentando o contribuinte nenhuma justificação para a anulação do proveito inerente à prestação de serviços efectuada, relativa às obras já terminadas em 31/12/2006 excepto o facto de não ter facturado a obra ao cliente.

A aceitabilidade do custo extraordinário dependeria da contabilização em 2009 do respectivo proveito, via emissão das facturas em falta e liquidação do respectivo IVA devido pelos serviços prestados. Este procedimento contabilístico permitiria anular a antecipação do Proveito contabilizada em 2006, via consideração de um custo extraordinário e a contabilização do proveito inerente à respectiva prestação de serviços. Em alternativa o contribuinte poderia ter emitido a respectiva factura debitando clientes e creditando a conta 27, procedendo à liquidação do IVA em falta.

De facto, decorre do art.° 7º do CIVA, conjugado com os art.°s 29° e 36° ambos do CIVA ao definir as regras respeitantes ao facto gerador do imposto, a obrigatoriedade da emissão da factura, respectivos prazos e exigibilidade do imposto, o que se verificou no momento imediato ao encerramento da obra (de acordo com a alínea b) do n.° 1 do artº 7º do CIVA o imposto é devido nas prestações de serviços, no momento da sua realização). Cabendo ao Contribuinte a faculdade, caso a factura sofra uma rectificação, da emissão da correspondente Nota de Crédito.

Tendo em consideração que, de acordo com o n.° 1 do art.° 36° do CIVA, o Sujeito Passivo teria até ao 5º dia útil seguinte para emitir a factura no caso das obras que terminaram em 31/12/2006, o Sujeito Passivo deveria ter emitido a respectiva factura o mais tardar até ../../2007, pelo que à data do apuramento de resultados de 2006, o Sujeito Passivo já teria conhecimento do acréscimo de proveitos a efectuar.

Mesmo relativamente às obras de carácter continuado decorre do no nº 9 do artº 7º do Código do IVA, nas condições aí previstas que o facto gerador de imposto e a exigibilidade do mesmo se verifica no prazo de 12 meses.

Pelo que a concluir-se estarmos em face de obras de carácter continuado nas condições da norma do CIVA acima referida, o IVA deveria ter sido liquidado e entregue ao Estado o mais tardar até ../../2007.

Verifica-se assim que relativamente às obras em apreço (... entre ... e ...”, e obra “ ...", não estamos em face de proveitos potenciais como afirma o contribuinte no direito de audição (ponto 9º da petição), constituindo ao invés, proveitos já realizados a aguardar facturação. Motivo pelo qual não se pode aceitar o argumento do contribuinte de não se terem verificado os pressupostos da sua consideração como proveito antecipado.

Do exposto resulta não existir algum ajustamento correlativo a efectuar decorrente da correcção do custo extraordinário.

Com efeito, a correcção efectuada ao custo extraordinário, não resulta alguma sobretributação pois o que se pretende é tão só manter a tributação inerente às prestações de serviços efectivamente realizadas, cujas obras terminaram a 31 de Dezembro de 2006 verificando-se, contudo que o Sujeito Passivo não procedeu à emissão das respectivas facturas não tendo procedido à correspondente liquidação e entrega do IVA devido por essas mesmas prestações de serviços.

De facto, decorre do art.º 205° do Código do Procedimento e Processo tributário (doravante designado apenas por CPPT) haverá duplicação de colecta quando, estando pago por inteiro um tributo se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.

Os conceitos de dupla tributação e de duplicação da colecta são distintos. No primeiro caso

Situação que sempre foi admitida pelas leis fiscais, está-se perante a incidência sobre o mesmo facto tributário de uma pluralidade de normas tributárias, No segundo caso está-se perante a aplicação da mesma norma legal, mais de uma vez, ao mesmo facto tributário.

Conclui-se assim, pela inexistência de duplicação de colecta pelo que não se justifica o ajustamento correlativo ao exercício de 2006.

No que respeita ao facto do saldo da conta 27 ter sido anulado em 31/12/2006 por contrapartida de uma conta de clientes, sem alguma correspondência à realidade, verifica-se que este procedimento, apesar de não estar previsto contabilisticamente, em nada altera as conclusões versadas no presente relatório, nomeadamente quanto ao facto das obras se encontrarem terminadas em 31/12/2006 encontrando-se a decorrer o período previsto no Código do IVA para a emissão da respectiva factura.

Já no que respeita a opção tomada pelo contribuinte de proceder à contabilização antecipada em 31/12/2006, dos serviços terminados a aguardar facturação, trata-se de uma situação com suporte legal, efectuada ao abrigo do princípio da especialização dos exercícios. O que não desobriga, contudo, a emissão subsequente da respectiva factura, o que não se verificou ou verificou-se parcialmente, no caso da obra da “...” e em consequência a contabilização do crédito da conta 27.

Conclui-se assim por indevida a anulação efectuada em 2009, via contabilização de um custo extraordinário porquanto o contribuinte pretende tão só anular, relativamente ao exercício de 2009, a tributação efectuada em 2006, dos serviços que se comprovou terem sido prestados até ao final de 2006 e que não foram facturados, pretende assim a consideração em 2009 da incobrabilidade de um crédito, que não contabilizou, sem que tenha sido cumprida nenhuma das condições previstas no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas para a sua aceitação como custo fiscal.

[…]

Crédito de Imposto por Dupla Tributação Internacional

Relativamente à retenção na fonte à taxa de 5,25% efectuada pela sociedade “B... Lda” com sede em ..., no montante de € 5.127,70, mantém-se a proposta de correcção pelos motivos apontados no ponto III.3.1 do presente relatório.

[…]

Adenda ao direito de audição:

O Sujeito Passivo veio no dia 23 de Maio apresentar uma adenda ao direito de audição na qual solicita a junção dos seguintes elementos:

Relativamente à retenção da fonte efectuada pela sociedade B... Lda, com sede em ..., solicita a consideração das verbas retidas na fonte em 2009 a título crédito de imposto por dupla tributação internacional em virtude de, por lapso não ter procedido à dedução à colecta dos montantes referidos.

As alegações efectuadas pelo contribuinte em sede da referida adenda ao exercício do direito de audição, apesar de terem dado entrada nesta Direcção fora do prazo legal estabelecido para o exercício do direito de audição, foram tidas em consideração, em virtude de, na data da sua entrada, o presente Relatório de Inspecção ainda não estar terminado.

Verifica-se contudo que os factos apresentados em nada alteram o motivo que levou à desconsideração do crédito de imposto por dupla tributação internacional uma vez que relativamente à retenção na fonte à taxa de 5,25% efectuada pela sociedade “B..., Lda”, com sede em ..., retenção esta, respeitante aos serviços prestados em 2009, a dedução à colecta a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional não é aceite pelos motivos já apontados no ponto III.3.1 do presente relatório. Ou seja, estamos em face de uma retenção na fonte, efectuada pela B..., Lda, que não foi contudo objecto de análise no decurso da presente acção inspectiva, a título de retenção na fonte à taxa de 5,25% efectuada nos termos da legislação angolana, Lei 7/97, de 10 de Outubro que estabelece um regime excepcional de tributação por retenção na fonte, em sede de imposto industrial incidente sobre as empreitadas.

Ora decorre da redacção do art.° 85° do CIRC, que a dedução à colecta é apenas aplicável quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde ao imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro ou à Fracção do IRC calculado antes da dedução (cfr art.° 91° CIRC), o que não se verifica nos casos em apreço.

[cfr. fls. 119 e ss. do PA]

7. Em função das correcções efectuadas à matéria tributável, a Administração Fiscal procedeu à liquidação adicional de IRC do ano de 2009, com o n° ...50, no montante de €296.786,31 - cfr. fls. 25 do PA.

8. Inconformada com a liquidação, a Impugnante deduziu reclamação graciosa que veio a ser parcialmente deferida, mas manteve as correcções em análise nos presentes autos, com a seguinte fundamentação:

«11. Quanto à retenção na fonte s/serviços prestados em Angola, no valor de 5.127,70 €, contesta, nos pontos 40° a 45° da reclamação graciosa, a não-aceitação da dedução efectuada a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, conforme dispõe o artigo 85° (actual 91°) do CIRC.

12. Concluindo no ponto 45° que, embora reconhecendo a desconsideração do crédito de imposto por dupla tributação internacional de 5.127,70 €, somente porque é relativo a serviços prestados no ano de 2008, pretende que lhe seja considerado o valor retido na fonte sobre os serviços efectivamente prestados durante o ano de 2009, no montante de 8.458,95 €.

13. Refira-se que, em obediência ao disposto no Art° 91° do CIRC (à data Art° 85° do mesmo normativo), a eventual dedução a tal título corresponderá à menor de duas parcelas: o imposto pago no estrangeiro ou a fracção do imposto liquidável em Portugal correspondente ao valor dos serviços prestados e que originaram a retenção.

14. Notificado o contribuinte para fazer a demonstração da fracção do "imposto português" decorrente da prestação dos referidos serviços, este trouxe elementos ao processo comprovativos de que o imposto retido em Angola corresponderia à menor das duas mencionadas parcelas e, consequentemente, o montante a levar em consideração.

15. Apesar de não existir Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o estado angolano, Portugal concede unilateralmente a eliminação desde que seja exibido documento válido para justificação desse crédito.

16. Face ao exposto, teremos então que nos debruçar sobre a validade do documento destinado à justificação do crédito de imposto.

17. Para justificar o montante do imposto pago em Angola, a reclamante entregou um documento emitido pela empresa angolana beneficiária dos serviços que originaram a retenção na fonte agora reclamada e mapa resumo dos serviços prestados no ano de 2009 (cfr. fls. 2 e 3 do Anexo 1 desta Informação).

18. O primeiro documento está titulado de "Comprovativo do Pagamento de Imposto Industrial - Retenções na Fonte ao abrigo da Lei 7/97 de 10 de Outubro” e refere o montante de imposto retido, identificando a base tributável e taxa envolvida, bem como o carimbo e “Visto” das autoridades fiscais angolanas confirmando o seu conteúdo.

19. Analisados então os documentos mencionados no Ponto 17., somos do parecer que eles não são representativos da situação fiscal final da reclamante relativamente à Administração Fiscal angolana. Eles apenas comprovam os montantes retidos pela empresa angolana, a natureza do rendimento que lhe deu origem e a norma legal que enquadra a situação.

20. Para poder justificar o montante a considerar como Imposto pago e, como tal, ser considerado a título de Crédito de Imposto por Dupla Tributação Internacional, teria que ter sido apresentada Nota de Liquidação emitida pelas autoridades fiscais angolanas ou certidão por elas emitida em que constasse o montante do rendimento em causa a quantia de imposto retida e considerada paga a título definitivo. Refira-se que um documento particular poderá configurar justificação válida para o efeito, desde que visado pela Administração Fiscal angolana, mas que demonstre inequivocamente a situação final do sujeito passivo - qual o montante de imposto retido definitivamente.

21. Assim sendo, face à argumentação apresentada e aos meios probatórios trazidos aos autos, julgamos não ter o sujeito passivo feito prova suficiente que o faça merecer o direito ao crédito de imposto que invoca. Como tal, julgamos ser de indeferir totalmente a pretensão da reclamante.

[…]

37. Quanto ao acréscimo na matéria colectável resultante da desconsideração como gasto fiscal da importância de 302.241,18 €, o contribuinte repõe nos pontos 13 a 27 da reclamação graciosa as razões já apresentadas no exercício do direito de audição ao projecto de relatório.

38. Em síntese, com o argumento de que as empresas detentoras de alvarás de construção têm de cumprir valores mínimos de liquidez geral e de autonomia financeira tendo em vista o acesso e a permanência na actividade da construção, reafirma que procedeu à contabilização como rendimentos do exercício de 2006 de ganhos potenciais no valor total de 2.759.723,07 € (cfr. pontos 14 a 19 da reclamação graciosa)

39. Refere também que, nos anos subsequentes, houvesse ou não trabalhos adicionais, os rendimentos potenciais anteriormente contabilizados eram assumidos como gastos e os trabalhos adicionais eram sempre objecto de facturação no período.

40. No caso em apreço, relativamente às obras com a “... em ...” e “EN...16 - Beneficiação entre ... e ...”, foram registados proveitos na conta “72” do POC no montante de 364.526,98 € (cfr. ponto 20 da reclamação graciosa).

41. A conclusão daquelas obras ocorreu, respectivamente, em 25.02.2006 e 15.12.2005, conforme “Folha de Rosto de Conta Final" anexa a esta informação (cfr. fls. 13 a 18 do Anexo 1 desta reclamação).

42. Em 2007, apenas foram contabilizados proveitos relativamente à "... em ...”, no montante de 62.285,80 € (cfr. ponto 21 da reclamação graciosa), o restante (302.241,18 €) foi objecto de anulação em 2009, através do reconhecimento do custo na conta “69” do POC (cfr. ponto 22 da reclamação graciosa).

43. Os elementos probatórios fornecidos pelo sujeito passivo não sustentam a efectivação de trabalhos adicionais nas referidas obras, para além dos mencionados nos parágrafos precedentes (cfr. fls. 12 a 35 do Anexo 1 desta reclamação).

44. A análise de informação enviada pelo dono da obra parece corroborar estas conclusões (cfr. fls. 36 a 48 do Anexo 1 desta reclamação).

45. Relativamente aos exercícios de 2006 a 2009, foram entregues extractos contabilísticos da conta “27 - Acréscimo de Proveitos”, utilizada para movimentação dos referidos proveitos potenciais (cfr. fls. 26 a 35 do Anexo 1 desta reclamação.

46. A revisão dos elementos identificados no ponto anterior permitiu concluir que, com excepção dos custos processados no exercício de 2009, e que são objecto de análise da presente reclamação, os proveitos registados em 2006 foram anulados no exercício seguinte através do lançamento inverso (débito conta “72” e crédito da conta “27”).

47. Em síntese, pela análise do enunciado nos pontos 37 a 46 desta informação, parece poder concluir-se que:

48. Em 2006, foram contabilizados proveitos “potenciais" no valor de 2.759.723,07 € que, com excepção dos custos agora reclamados (302.241,18 €), foram anulados no exercício seguinte.

49. Este procedimento teria como objectivo melhorar os valores mínimos de liquidez geral e de autonomia financeira, tendo em vista o acesso e permanência na actividade de construção.

50. Na parte agora reclamada (consequência directa dos proveitos registados nas duas obras atrás mencionadas) o resultado do exercício de 2006, no valor de 2.505.120,89 €, foi inflacionado positivamente em 364.526,98 €.

51. Em sentido inverso, o resultado apurado no exercício de 2009 foi reduzido em 302.241,18 €, através da assunção de um custo (extraordinário) pelo reconhecimento da não efectivação da totalidade dos proveitos registados em 2006 de 364.526,98 €.

52. Invoca o sujeito passivo no ponto 23 da reclamação graciosa os Acórdãos n.°s 01648/02, de 05.02.2003, 0830/05, de 25.01.2005 e 0291/08, de 25.06.2008 do STA, no sentido de subordinação do princípio da periodização ao princípio da justiça, previsto no artigo 55° da LGT.

53. Resumidamente, os Acórdãos acima indicados vieram definir que, “não havendo qualquer prejuízo para a Fazenda Pública (por todos os custos terem sido contabilizados, embora com erro no tocante aos exercícios respectivos), e tal não resultar de omissões voluntárias ou intencionais com vista a operar transferências de resultados entre exercícios, o princípio da especialização dos exercícios deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com previsão no art. 55.° da LGT".

54. Contudo, e atento à situação expressa e ao nível de materialidade em causa, devemos ter em atenção o princípio da especialização económica dos exercícios, nomeadamente o consagrado nos n.°s 1 e 2 do art. 18 ° do CIRC, isto é, devem ser incluídos apenas os custos e proveitos que, tendo sido contabilizados no exercício, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos quando do encerramento das contas dos exercícios a que respeitam.

55. Refira-se que o normativo referido no ponto precedente foi alvo de esclarecimento plasmado no ofício-circulado n.° ...3, de 23.11.93, da DSIRC (cfr. fl. 52/52 do Anexo 1 desta informação).

56. Constituindo os proveitos "potenciais” de 2006 um conjunto homogéneo e, tendo ocorrido na sua maior parte, a sua anulação no exercício seguinte (ver ponto 50 desta informação), não se vislumbra sustentabilidade para o tratamento defendido pelo obrigado tributário. Como tal, julgamos ser de indeferir totalmente a pretensão da reclamante». [cfr. fls. 314 e ss. e 355 do PA].

9. Em 29.10.2012, a Impugnante apresentou recurso hierárquico, que foi parcialmente atendido, mantendo contudo as correcções em crise nos presentes autos, com base nos seguintes fundamentos:

«3.1. Quanto ao crédito de imposto sobre os rendimentos pagos à recorrente pela sociedade “B..., Lda”, localizada em Angola, refere o sujeito passivo que para efeitos de prova da definitividade do imposto retido os documentos apresentados são os legalmente exigidos pelas autoridades desse país, sendo assim os únicos com curso legal nesse território.

Pese no entanto, a bondade deste argumento invocado pelo sujeito passivo, o facto é que o mesmo não é comprovado através de Declaração efectuada pela Administração Fiscal da República de Angola em que se ateste tal facto, nem o sujeito passivo apresenta provas de que efetuou diligências no sentido da obtenção de um documento que comprove isso mesmo.

Assim sendo, consideramos que a justificação apresentada não tem grande validade.

Neste sentido, o que resta são documentos em que se prova na verdade ter sido efetuada retenção na fonte de imposto mas que nada se sabe quanto à situação final desse mesmo imposto, ou seja, se foi arrecadado ou não a título definitivo pela Direcção Nacional de Impostos de Angola.

Nestes termos, não se pode dar como provado o crédito de imposto no montante de 5.127,70 € que o sujeito passivo “ A..., SA “ fez inscrever na sua ....

3.2. No que diz respeito à correcção no montante de 302.241,18€, vem o sujeito passivo requerer em sede do presente direito de audição que, não sendo aceite em 2009 o custo em questão então deve ser corrigido o resultado do exercício de 2006, sob pena de se assistir a uma dupla tributação.

Ora, relativamente a isto, parece-nos que o sujeito passivo não tem razão.

Com efeito, o procedimento efectuado pelo contribuinte de contabilizar proveitos potenciais num exercício, quando eles não se realizaram ou se realizam noutros exercícios, traduz-se numa prática de transferência de resultados entre exercícios que, não tem aceitação quer nas normas contabilísticas quer fiscais, registando uma clara violação do artigo 18° do CIRC em que se estipula que :

“Os proveitos e os custos, são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir - se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam."

O sujeito passivo, traz em abono da sua tese os Acórdãos do STA n°s 291/08, 830/05 e 1648/02, referindo que deve haver uma subordinação do princípio da especialização económica dos exercícios ao princípio da justiça, pretendendo assim justificar que, caso exista arrecadação indevida de imposto ele tem de ser devolvido.

Só que, que nas decisões atrás mencionadas, também é expressamente referido que:

“Não põe em causa o princípio da especialização económica dos exercícios, a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que, não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios.”

Situação válida também para os proveitos.

Ora, no caso que nos debruçamos, foi exactamente o que se verificou, o sujeito passivo de forma deliberada e intencional transferiu resultados de um exercício para o outro.

De notar que, o n° 2 do referido artigo 18º do CIRC, refere também que: “As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputáveis eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos."

Em face de tudo o antes exposto, somos de opinião que, efectivamente, não deve ser aceite como custo fiscal do exercício de 2009, o montante de 302.241,18 €. de acordo com o exposto, o projecto de decisão de deferimento parcial da petição de recurso hierárquico deve ser convolado em definitivo.» [cfr. fls. 212 e ss. do PA]

10. Na sequência da procedência parcial do recurso hierárquico foi emitida uma nova liquidação de IRC no valor de €140.385,33 - cfr. fls. 87 do suporte físico dos autos.

Mais se provou que:

11. A sociedade "B..., Lda.", com sede em ..., efectuou retenções na fonte à taxa de 5,25% sobre rendimentos auferidos pela Impugnante pela prestação de serviços de Assistência Técnica efectuada àquela entidade, no montante global de €8.458,95, o qual foi entregue nos cofres do estado angolano - cfr. documentos de fls. 104 a 109 do PA e fls. 75 a 78 do suporte físico dos autos.

12. A Impugnante procedeu à contabilização como rendimentos do exercício de 2006 de ganhos potenciais no valor de total de €2.759.723,07 - cfr. artigo 18 da reclamação graciosa apresentada pela aqui impugnante (verso de fls. 229 do PA);

13. Este procedimento assentava em expectativas de trabalhos a realizar no futuro relacionados com obras já concluídas (trabalhos adicionais).

14. E tinha como objectivo melhorar os valores mínimos de liquidez geral e de autonomia financeira, tendo em vista o acesso e permanência na actividade de construção - cfr. artigos 14° a 17° da reclamação graciosa (fls. 229 do PA).

15. Nos anos subsequentes, houvesse ou não trabalhos adicionais, os rendimentos potenciais anteriormente contabilizados eram assumidos como gastos e os trabalhos adicionais eram objecto de facturação e considerados como rendimento do período - cfr. artigo 18° da reclamação graciosa (verso de fls. 229 do PA).

16. No caso em apreço, relativamente às obras com a "... em ..." e "EN...16 - Beneficiação entre ... e ...", foram registados proveitos na conta "72" do POC no montante de 364.526,98€ - cfr. artigo 20 da reclamação graciosa.

17. A conclusão daquelas obras ocorreu, respectivamente, em 25.02.2006 e 15.12.2005 - cfr. ponto 41 do projecto de decisão da reclamação graciosa.

18. Em 2007, apenas foram contabilizados proveitos relativamente à "... em ...", no montante de 62.285,80€ e o restante (302.241,18€) foi objecto de anulação em 2009, através do reconhecimento do custo na conta "69" do POC - cf. artigo 22 da reclamação graciosa.

19. Não foram realizados trabalhos adicionais nas referidas obras, para além dos mencionados no n° anterior - cfr. ponto 43 e 44 do projecto de decisão da reclamação graciosa.

20. Os proveitos "potenciais" referidos no ponto 12. foram anulados no exercício seguinte, com excepção dos custos processados no exercício de 2009 e que são objecto da presente impugnação - cfr. pontos 45. e 46. Do projecto de decisão da reclamação graciosa.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Com a interposição do presente recurso pretende a Recorrente a revogação da sentença na parte em que, não acolhendo os seus argumentos, manteve a liquidação impugnada quanto ao valor de € 302.241,18 contabilizado como custo fiscal para correcção de exercício de ano anterior (ano de 2006).

3.2.2. A referia sentença, segundo a Recorrente, padece do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito e afronta os princípios da justiça, da proporcionalidade e da tributação segundo o rendimento real.

3.2.3. Concretizando. A Recorrente defende, tal como já o havia feito perante o Tribunal em 1ª instância, que o princípio da especialização económica dos exercícios não pode sobrepor-se ao direito inalienável da impugnante em não ser tributada por ganhos/proveitos que não obteve nem pode sobrepor-se ao direito constitucional ínsito no artigo 104.°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP)P de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real; que o desrespeito do princípio da especialização económica dos exercícios nunca deve determinar quaisquer correcções sempre que do diferimento de gastos e/ou antecipação de ganhos não resulte qualquer prejuízo para a Fazenda Nacional; que é incontroverso que a Fazenda Nacional não foi lesada com o desrespeito do princípio de especialização económica dos exercícios, antes pelo contrário, foi beneficiada por um pagamento (excessivo/por excesso) de imposto e que o respeito pela justiça material devida ao contribuinte se sobrepõe ao princípio da especialização económica dos exercícios.

3.2.4. Tudo, pois, para concluir - após invocar em abono da sua pretensão inúmeros acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo em que esta ponderação foi realizada e em que, segundo diz, ficou firmado o entendimento de que não resultando prejuízo para o erário público aquele princípio da especialização deve ceder perante os princípios da justiça e da proporcionalidade – que este Supremo Tribunal, em conformidade com o disposto nos artigos 266.°, n.º 2 da CRP e 50.° e 55.° da Lei Geral Tributária (LGT), deve revogar a sentença recorrida e reconhecer-lhe o direito a que a perda ocorrida em 2009, que substancia a mera expectativa do montante de 302.241,18 €, seja contabilizada como proveito em 2006 ou, assim se não entendendo, declarar-se que lhe assiste o direito à restituição do imposto pago em 2006, pela contabilização daquele montante, de € 302.241,18, como “proveitos potenciais”.

3.2.5. Vejamos, então, começando por salientar que em 1ª instância ficou provado que a Recorrente, no ano de 2009, inscreveu na rúbrica custos extraordinários o valor de € 302.241,28, sem que existam quaisquer documentos justificativos que justifiquem essa inscrição. E que essa inscrição teve por objectivo anular proveitos contabilizados em excesso no ano de 2006, altura em que, como confessado pela Recorrente, de forma deliberada e tendo em vista melhorar os dados financeiros da empresa e a manutenção da sua actividade comercial, inflacionou os proveitos obtidos.

3.2.6. Não tendo tal circunstancialismo de facto sido questionado em recurso, a única questão que se coloca, atenta a forma como se mostram formuladas as conclusões, é a de saber se o Tribunal a quo esteve bem ao validar o entendimento da Administração Tributária quando, ponderando, por um lado, a inexistência de fundamento legal para a transferência de resultados, designadamente por falta de documentos justificativos da operada transferência de custos e proveitos dos anos de 2006 para 2009, e, por outro lado, o princípio da especialização dos exercícios, não aceitou o referido valor como custo fiscal. E, outrossim, se também esteve bem ao concluir que no caso não estão verificados os pressupostos que a jurisprudência vem relevando a título excepcional como condição de que haja uma sobreposição dos princípios da justiça e da proporcionalidade sobre o princípio da especialização dos exercícios.

3.2.7. Adiantamos, desde já, que a Meritíssima Juíza julgou muito bem. Quer quando, não atendendo as alegações da ora Recorrente, julgou que não havia fundamento legal para que fosse relevado no exercício fiscal de 2009 o valor inscrito na contabilidade de € 302.241,18 como “custo de exercício de anos anteriores”, isto é, quando concluiu que a Recorrente não podia registar como custo no exercício de 2009 a anulação de um proveito estimado no exercício de 2006. Quer quando, apreciando criticamente a factualidade apurada, concluiu que não estamos no caso concreto perante situação em que o princípio de especialização dos exercícios deva ceder relativamente aos princípios constitucionais invocados pela Recorrente.

3.2.8. Quanto à questão da violação do princípio da especialização dos exercícios, cremos ser a mesma indiscutível, posição que, de resto, se bem analisarmos os fundamentos deste recurso e a não impugnação da matéria de facto apurada, a Recorrente não põe propriamente em causa.

Efectivamente, nos termos do artigo 18.º do CIRC «Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.» (n.º 1). E «As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.» (n.º 2).

Como a jurisprudência vem explicitando, o princípio da especialização ou autonomia dos exercícios consagrado no citado normativo, impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado. É uma regra contabilística e um princípio fiscal da tributação do rendimento.

Como se mencionou na sentença recorrida, bem, ao «servir como critério de imputação de proveitos e custos, o princípio da especialização dos exercícios impede desta forma uma espécie de "selecção" arbitrária de acordo com a conveniência (económica ou fiscal) do exercício relevante para a consideração dos factos tributáveis.». Ou seja, o legislador, ao consagrar o princípio da periodização dos exercício e ao detalhar «os princípios gerais bem como os casos particulares e excepções no que respeita à circunscrição do momento fiscalmente relevante para determinação das componentes positivas ou negativas do lucro tributável, maxime dos rendimentos e gastos», vinculou os contribuintes a imputarem os rendimentos e gastos ao período a que digam respeito, independentemente da sua materialização com o recebimento ou pagamento, do que resulta que o legislador elegeu como critério determinante o critério económico e não o critério financeiro.

E embora seja certo, como todos os interveniente processuais não deixam de referir, que o legislador admite que em determinadas situações esta regra possa não ser observada e que a jurisprudência e a doutrina há muito vêm sublinhando que não sendo este princípio absoluto pode e deve ceder em nome de valores ou princípios que em determinadas circunstâncias devam prevalecer, nem a hipótese legal nem a jurisprudência firmada devem, no caso, julgar-se verificadas.

Relativamente à hipótese legal, situação de imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas e das obras de carácter plurianual (prevista, conjugadamente, nos artigos 18°, nos 2 e 5 e 19° do CIRC), é evidente que não se verifica. Já o dissemos e insistimos: a inscrição no ano de 2009 do valor de € 302.241,18 a título de custos, como a Recorrente confessou e o probatório o confirma constitui o resultado de uma actuação de manipulação das contas com vista a ficar melhor posicionada em concursos de obras públicas, nomeadamente quanto ao rácio de liquidez, objectivos que são completamente alheios aos interesses da contabilidade e configura um ostensivo desrespeito das normas contabilísticas em vigor. Designadamente do princípio da prudência consagrado no Plano Oficial de Contabilidade (aprovado pelo Decreto-Lei n° 410/89, de 21 de Novembro e em vigor à data dos factos, que significa que “só é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer estimativas exigidas em condições de incerteza sem contudo, permitir a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou a deliberada quantificação de activos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso”), relevado pelo Direito da União Europeia, de que resulta que o reconhecimento dos custos potenciais apenas deve ser admitido quando existirem expectativas de os mesmos virem a ser suportados [artigo 31°, n° 1, alínea c) da 4.ª Directiva do Conselho de 25 de Julho de 1978 (Directiva 78/660/CEE)]. Não é, de todo, o que sucede no caso, uma vez que os factos provados demonstram bem que não foi essa a razão ou expectativas que determinaram a elaboração da contabilidade ou as inscrições em apreço. Normas contabilísticas e princípios que são imprescindíveis ao controlo do exercício fiscal dos sujeitos passivos.

Note-se, aliás, que constituindo os alegados “proveitos potenciais" registados em 2006 um conjunto homogéneo e tendo, pelo menos a maior parte, sido anulados no exercício seguinte, não se logra compreender a razão pela qual esse “custo” apenas veio a ser imputado ao exercício fiscal de 2009.

Como bem salienta o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, tendo ficado provado que não estamos perante ganhos potenciais incorrectamente valorados no exercício de 2006, nem, muito menos, “antecipação de resultados”, por não ter ficado estabelecida qualquer conexão daqueles proveitos com as operações realizadas pela empresa (designadamente com as obras a que se faz referência no ponto 16 do probatório), nem estamos verdadeiramente perante uma questão de “flexibilização do princípio da periodização do lucro tributável”, previsto no artigo 18° do CIRC, uma vez que a pretendida anulação de proveitos declarados em 2006 não assenta em qualquer facto conexo com a actividade desenvolvida pela empresa.

Serve o que ficou exposto para dizemos que, nesta situação, se colocam, no mínimo, sérias dúvidas quanto aos argumentos de base da própria pretensão recursiva, isto é, se existem razões para que seja efectuada uma ponderação dos princípios da especialização, da proporcionalidade, da capacidade e da justiça.

De todo o modo, e tendo em consideração os fundamentos do recurso apresentado, podemos afirmar com segurança que não se verifica o circunstancialismo que a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, particularmente este Supremo Tribunal Administrativo, vem elencando como constituindo razões legitimadoras do afastamento de tal princípio da especialização em respeito pelos princípios das capacidade contributiva, proporcionalidade e, em última ratio, da justiça.

Efectivamente, uma leitura cuidada da jurisprudência que a Recorrente cita abundantemente nas suas alegações, permitem concluir que o Supremo Tribunal Administrativo fez sempre depender a prevalência daqueles princípios, particularmente do princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 50.º da LGT, sobre o princípio da especialização dos exercícios do prévio julgamento de inexistência de prejuízo para o erário público e de estar verificado que o erro cometido na contabilização dos proveitos e/ou custos não resultou de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios.

É esta jurisprudência que emerge dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo em que a Recorrente sustenta a sua pretensão, pelo menos, dos indicados e que se mostram efectivamente pertinentes (como se constata do seu teor, já que se encontram integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), já que neles se pode ler (passamos a transcrever por ordem cronológica) que o princípio da especialização de exercícios deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça previsto no artigo 20.º da CRP e 55.º da LGT se «não havendo qualquer prejuízo para a FP (por todos os custos terem sido contabilizados, embora no tocante aos exercícios respectivos)» a transferência de resultados «não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios» (acórdão de 5-2-2003, proferido no processo n.º 1648/02); «não ofende» o princípio da especialização de exercícios» a não contabilização» que «não resultou de omissão voluntária e intencional» (acórdão de 25-1-2006, proferido no processo n.º 830/05); o princípio da especialização dos exercícios «visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram» devendo «tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios», como é o caso, da situação em que, «constituída uma provisão para crédito vencido, por lapso de contabilização, o sujeito passivo efectiva as reposições devidas pelos pagamentos parciais entretanto feitos, apenas e pela totalidade em determinado exercício e não, como era devido, de forma discriminada nos exercícios correspondentes em que esses pagamentos foram concretizados» (acórdão de 2-4-2008, proferido no processo n.º 807/07); «Em matéria de custos, o princípio da especialização dos exercícios – artigo 18.º do CIRC – traduz-se na consideração, como custo de determinado exercício, dos encargos que economicamente lhe sejam imputáveis», não pondo «em causa tal princípio a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios», por tal ser «exigido pelo princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 50.º da LGT», porém, nos termos do n.º 2 do mesmo dispositivo legal, “as componentes positivas ou negativas” não são “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” quando a sua não consideração, no exercício a que respeitam, se deve a erro contabilístico ou outro, do próprio contribuinte, já que tal norma há-de interpretar-se no sentido de que tais pressupostos, para serem relevantes, hão-de decorrer de situações externas que aquele não pode controlar. (acórdão de 25-6-2008, proferido no processo n.º 291/08); «O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram», sendo que, «não existe violação ao princípio da especialização dos exercícios» se não estamos perante situação em que se verificou a imputação de proveitos ou de encargos que não tenham tido lugar nos respectivos exercícios, e não consta do probatório, nem do relatório da inspecção, nem tão pouco vem alegado pela Fazenda pública, que as operações realizadas tenham tido em vista a manipulação de resultados» (acórdão de 9-5-2012, proferido no processo n.º 269/12).

Ora, no caso, como vimos já, para além de não se sabermos, com segurança, quais as razões que determinaram a Recorrente a repercutir apenas em 2009, a título de custos, parte dos “proveitos” inscritos em 2006 (e, consequentemente, que verdadeiras ou efectivas implicações essa distribuição dos “ proveitos” a título de “ custos” geraram em termos de apuramento da matéria tributável em cada um dos exercícios que medeia um e outro dos anos) é absolutamente seguro afirmar-se que não foram razões externas e incontroláveis que determinaram a elaboração da contabilidade nos termos apurados, que a contabilidade tal como apresentada não resultou de “ lapsos contabilísticos”. Nem a actuação da Recorrente pode ser definida como de boa-fé, designadamente por não ter sido determinada, como a jurisprudência também já aceitou, por uma interpretação séria e plausível dum comando complexo, assente em interpretações abertas e dúbias da sua estatuição.

No caso, como se provou, insista-se, o que se registou foi uma actuação deliberada e intencional de transferência de resultados tendo em vista a obtenção de vantagens, absolutamente alheia à verdade fiscal que aquela contabilidade devia assegurar. Daí que, no caso, se deva concluir que a actuação da Administração Fiscal, nos termos recortados no probatório, constitui um rigoroso cumprimento ou observância do preceituado no artigo 18.º do CIRC, totalmente conforme o entendimento que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo vem firmando no que respeita à ponderação de princípios e valores que estão legal e constitucionalmente consagrados.

Em suma, não reflectindo o registo contabilístico em causa um custo em que a Recorrente haja incorrido no exercício de 2009, nem estando verificadas circunstâncias que legitimem a transferência de resultados operada, há que concluir pela violação do artigo 18.º do CIRC e pela não verificação das alegadas violações do princípio da tributação do rendimento real consagrado no artigo 104°, n° 2 da CRP, do princípio da boa-fé, da justiça e da proporcionalidade invocadas pela Recorrente tendo em vista a revogação da sentença recorrida.

3.2.9. Considerando que a Recorrente pediu em recurso que este Supremo Tribunal Administrativo ordene que lhe seja restituído o montante do imposto pago em 2006, a coberto da contabilização como proveitos potenciais do montante de 302.241,18 €, "assim se pondo cobro a uma clara, injustificável e efectiva dupla tributação que, a manter-se, configuraria um claro e ostensivo abuso de direito e postergação dos fins da tributação, pelo menos na vertente da justiça material", impõe-se que façamos uma última nota, a qual serve, tão só, para indeferir esta pretensão.

Desde logo porque, como bem interpretou o Tribunal a quo, o pedido de restituição do montante de imposto alegadamente pago em 2006 extravasa o objecto da presente Impugnação, que se esgota na impugnação da liquidação do exercício de 2009, mais concretamente nas correcções efectuadas à matéria colectável que originaram esta liquidação.

Depois porque, como assertivamente conclui o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, não estamos, contrariamente ao que a Recorrente entende, perante uma situação de "dupla tributação", uma vez que «houve uma única tributação (única) de proveitos que a própria impugnante reconheceu na sua contabilidade no ano de 2006 e que, por isso, concorreram para o cálculo da matéria colectável desse ano».

Por fim, porque a ter havido excesso de proveitos contabilizados no exercício de 2006, a pretensão da Recorrente na correcção dessa situação deverá passar pelo pedido de revisão da tributação respeitante a esse período, acto tributário esse (IRC/2006) que, como já explicitamos, não está em causa nos autos, razão pela qual nunca este Supremo Tribunal poderia proferir qualquer decisão que o afectasse.

3.3. As custas processuais na presente instância de recurso serão suportadas pela Recorrente, integralmente vencida (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).

4. DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Abril de 2024. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.