Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0623/15.3BEMDL
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DECISÃO SUMÁRIA
REQUISITOS
NULIDADE
Sumário:I - A possibilidade de a fundamentação da decisão da questão de direito na sentença a proferir em processo de impugnação judicial ser “sumária” e por “remissão para decisão precedente, de que se junte cópia” (cfr. n.º 5 do art. 94.º do CPTA), não dispensa o juiz de observar outros requisitos da sentença, v.g., a fixação das questões que ao tribunal cumpre solucionar e a discriminação da matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (cfr. art. 123.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPPT).
II - Se a “decisão sumária” não observou estes requisitos e se não é inequívoco se resolveu mais do que uma questão e, na afirmativa, em que sentido, bem como se nela não foi fixada a factualidade pertinente à decisão, deve a mesma, em sede de recurso, ser anulada oficiosamente e os autos devolvidos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão que respeite os referidos requisitos.
Nº Convencional:JSTA000P24341
Nº do Documento:SA2201903200623/15
Data de Entrada:01/28/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (doravante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima referida (adiante Recorrida ou Impugnante), anulou a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que lhe foi efectuada, relativamente ao ano de 2014 e a diversos artigos matriciais.

1.2 Admitido o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, a Recorrente apresentou as alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor:

«1. Por via do douto aresto sob recurso, o Mm.º Juiz [do Tribunal] a quo decidiu anular as liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis, relativas aos anos e 2011, 2012 e 2013, por considerar ineficazes as deliberações municipais que fixaram as taxas de imposto concretamente aplicadas nos actos impugnados;

2. Vício que, no entendimento do Tribunal recorrido, se estribou na falta de publicação da referida deliberação em boletim do município de Vila Pouca de Aguiar, tal configurando uma violação ao disposto no n.º 2 do artigo 119.º da CRP;

3. Ora, no entendimento da aqui Recorrente, a eficácia das citadas deliberações não está dependente da sua publicação [no] boletim municipal;

4. A publicação obrigatória não tem, necessariamente, de ser considerada um requisito de eficácia; efectivamente, a lei pode impor a publicação mas não associar à sua falta a cominação da ineficácia jurídica;

5. Inexiste razão substantiva que imponha a interpretação segundo a qual a publicação em boletim autárquico é condição de eficácia jurídica da deliberação em causa nos presentes autos;

6. Antes se impondo a conclusão oposta, isto é, que a publicação daquelas deliberações em boletim da autarquia não constitui um requisito da respectiva eficácia jurídica;

7. Seria uma solução claramente desproporcionada que a eficácia dos actos e decisões dos órgãos das autarquias locais ficasse dependente da publicação em documento oficial (o edital) e “ainda” em boletim da autarquia;

8. A exigência de publicação sob as formas acima referidas assume a natureza de condicional, só existindo se e quando se verifiquem certos requisitos, a constatar casuisticamente, e tendo em conta juízos de praticabilidade ou possibilidade de concretização da aludida publicação;

9. A publicação em boletim da autarquia não pode, pois, ser considerada condição ou requisito da eficácia dos actos autárquicos, mais concretamente, das deliberações controvertidas nos presentes autos;

10. A douta sentença que decidiu anular as liquidações impugnadas, com fundamento na ineficácia das referidas deliberações, em razão de estas não terem sido publicadas em boletim municipal, não se deverá manter na ordem jurídica, porquanto violou a mesma o disposto no n.º 2 do artigo 119.º da CRP e no artigo 56.º do RJAL;

11. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que, na reafirmação da legalidade dos actos tributários impugnados, declare a presente impugnação totalmente improcedente, na promoção da sempre sã e já acostumada Justiça».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido e rematando com conclusões do seguinte teor:

«1. A sentença recorrida não merece qualquer reparo ao ter considerado que “As deliberações da Assembleia Municipal de Vila Pouca de Aguiar que fixaram as taxas de IMI em causa a aplicar aos anos de 2011, 2012 e 2013 não foram publicadas em Boletim da Autarquia (…)”.

2. Porém, vem a Recorrente defender a tese segundo a qual a eficácia das deliberações não está dependente da sua tripla publicação: por edital, em boletim municipal e nos jornais regionais editados na área do respectivo município.

3. Nos presentes autos, e em face do quadro legal que rege esta matéria, a deliberação da assembleia municipal que fixa o valor da taxa de IMI a cobrar em cada ano, como qualquer deliberação da assembleia municipal, está sujeita a publicação obrigatória nos termos dos art. 119.º, n.º 2 da CRP e 56.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais sob pena de ineficácia.

4. Na verdade, estabelece o artigo 119.º, n.º 2 da Constituição que “a falta de publicidade (...) de qualquer acto de conteúdo genérico (...) do poder local, implica a sua ineficácia jurídica

5. Mais concretamente, o artigo 56.º, n.º 1 do Regime Jurídico das Autarquias Locais determina:
Para além da publicação em Diário da República quando a lei expressamente o determine, as deliberações dos órgãos das autarquias locais, bem como as decisões dos respectivos titulares destinadas a ter eficácia externa, devem ser publicadas em edital afixado nos lugares de estilo durante cinco dos 10 dias subsequentes à tomada da deliberação ou decisão, sem prejuízo do disposto em legislação especial”.

6. Assim sendo, de acordo com o disposto nos citados diplomas legais, o conteúdo da deliberação final que aprovou a taxa de IMI a aplicar nos anos de 2011, 2012 e 2013 encontra-se, sem excepções, sujeita às seguintes formalidades: (a) publicação integral no sítio da internet; (b) a publicação integral no Boletim da autarquia local; (c) a publicação integral em edital a afixar nos lugares de estilo; (d) a publicação integral em jornal regional editado na área do município (caso exista um jornal regional que cumpra os supra enunciados requisitos).

7. A deliberação da Assembleia Municipal que determinou a taxa de IMI referente ao ano de 2011, 2012 e 2013 não foi publicada nos termos prescritos pela lei.

8. Motivo pelo qual a deliberação da Assembleia Municipal que determinou a taxa de IMI a aplicar em 2011, 2012 e 2013 é ineficaz por falta de publicação, nos termos do artigo 119.º, n.º 2 da CRP, não podendo a liquidação de IMI ser imputada à Impugnante.

9. Em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a sentença recorrida que não merece qualquer censura nesta conclusão.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo o que é de lei e de JUSTIÇA!».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento, com a seguinte fundamentação: «[…]

Analisando a questão controvertida cumpre emitir parecer.
Na douta sentença “a quo” julgou-se totalmente procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IMI respeitante aos anos de 2011,2012 e 2013, por um lado, por as deliberações municipais de fixação das taxas de IMI a aplicar nos citados anos carecerem de publicação nos termos legais, já que só o foram através de edital e não nos termos prescritos no disposto nas disposições conjugadas dos artigos 119.º, n.º 2 da CRP e 56.º, n.º 1 do RJAL e por outro, por ter sido entendido que há falta de preenchimento dos pressupostos objectivos e subjectivos das liquidações impugnadas, por inexistência do conceito de prédio para efeitos de IMI, além do mais, apoiando-se em jurisprudência proferida, a propósito.
A recorrente circunscreve, porém, a matéria do recurso, no essencial, à eficácia das deliberações de fixação de taxa de IMI cujas publicações ocorreram em edital, entendendo que as mesmas se mostram eficazes e, como tal deveria a impugnação ter sido julgada em sentido contrário ao que foi.
Entendemos que não assiste razão à recorrente.
Em 1.º lugar, a eficácia das taxas em causa tal qual se mostram publicadas não podem ser oponíveis a terceiros por a sua eficácia não se mostrar dentro dos parâmetros legais, a saber, de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 119.º, n.º 2 da CRP (“in fine”) e 56.º, n.º 1 do RJAL.
E, em 2.º lugar, por as citadas taxas não terem campo de aplicação “in casu” já que os dispositivos sobre os quais a A.T. as fez incidir não serem de considerar como prédios para efeitos de IMI, como decorre da 2.ª parte do dispositivo da decisão recorrida o que tem acolhimento na jurisprudência dos tribunais superiores, desde logo deste STA (citando-se a título de ex. os acs.: de 07.06.2017 - proc. n.º 1417/16; de 15.03.2017 - proc. n.º 140/15 e de 11.10.2017 - proc. n.º 0360/17) e TCA/S, a cuja fundamentação se adere sem reserva.
Assim sendo, bem se andou na douta decisão, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos, pois fez correcta interpretação e aplicação do direito aos factos em causa».

1.5 Colhidos os vistos das Conselheiras adjuntas, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida tem o seguinte teor, que aqui reproduzimos integralmente, por tal se nos afigurar pertinente à decisão a proferir:

«Proc. n.º 623/15.3BEMDL
RELATÓRIO
A……, LDA., pessoa colectiva n.º……, com sede na Rua ……, …-…., ……vem, apresentar impugnação judicial dos actos de liquidação de IMI de 2011, 2012 e 203, com o valor global de 5.604,50 €.
Sucintamente invoca ineficácia das deliberações que fixaram as taxas de IMI relativamente às liquidações impugnadas, falta de fundamentação, falta de preenchimento dos pressupostos objectivos e subjectivos das liquidações impugnadas – inexistência de prédio para efeitos de IMI; violação do princípio da equivalência e da igualdade.
A AT contesta, em resumo, que inexistem os vícios alegados e que a liquidação se deve manter.
O Dig. Mag. do MP foi de parecer que a impugnação deve ser julgada procedente.

Com relevância para a decisão, e, também, para a aplicação do disposto no art. 94.º, n.º 5 do CPTA, provou-se:
1. Que as deliberações da Assembleia Municipal de Vila Pouca de Aguiar que fixaram as taxas de IMI a aplicar ao ano de 2011, 2012 e 2013 não foram publicadas em Boletim da autarquia.
Cfr. art.º 17.º da contestação da AT e, à contrário, docs. 4, 5 e 6 deste articulado.

*
As questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos infra identificados, para os quais se remete, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 94.º, n.º 5 do CPTA, aplicável por remissão do art. 2.º, al. c) do CPPT, julgo a impugnação procedente.
Custas pela AT
Registe e notifique
Junte cópia das decisões proferidas nos processos: 345/13.0BEMDL; 342/14.8BEMDL; 477/14.7BEMDL; 494/14.7BEMDL; 91/15.0BEMDL; 424/15.9BEMDL; 426/15.5BEMDL; 29/16.7BEMDL e 241/16.9BEMDL.
Quanto às demais questões, designadamente, falta de preenchimento dos pressupostos objectivos e subjectivos das liquidações impugnadas - inexistência de prédio para efeitos de IMI, falta de fundamentação e violação dos princípios da equivalência e da igualdade, junte cópia das decisões proferidas nos processos: 192/14.1BEMDL; 194/14.0BEMDL; 195/14.4BEMDL; 196/14.4BEMDL; 197/14.2BEMDL; 198/14.0BEMDL; 202/14.2BEMDL; 203/14.0BEMDL; 241/14.3BEMDL; 276/15.9BEMDL; 280/15.7BEMDL; 311/14.8BEMDL; 316/15.1BEMDL; 327/14.4BEMDL; 328/14.2BEMDL; 345/14.2BEMDL; 346/14.0BEMDL 353/14.3BEMDL; 354/14.1BEMDL e 349/14.5BEMDL».

2.1.2 Não foram juntas aos autos as cópias das decisões supra referidas.


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A DECISÃO RECORRIDA

Na presente impugnação judicial está em causa a legalidade das liquidações de IMI efectuadas com referência a aerogeradores e subestações que foram inscritos oficiosamente na matriz predial cada um como um prédio e que constituem, cada conjunto, um parque eólico.
Em síntese, a Impugnante sustentou que os actos tributários impugnados (as referidas liquidações de IMI e respectivos juros compensatórios) enfermam dos seguintes vícios:
i) falta de fundamentação, uma vez que antes das liquidações impugnadas não foi dado conhecimento à Impugnante do modo como foi calculado o VPT;
ii) a ineficácia das deliberações da assembleia municipal que fixaram as taxas de IMI dos anos em causa por falta de publicação;
iii) erro nos pressupostos de facto e direito relativos à incidência subjectiva e objectiva, pois a) os terrenos baldios não podem ser subsumidos ao conceito de prédio do CIMI e, b) contrariamente ao que entende a AT – que cada um daqueles aerogeradores e subestação deve ser tido como um prédio para efeitos da incidência de IMI e, por isso, os inscreveu oficiosamente na matriz predial e liquidou o IMI respectivo –, apenas o conjunto pode ser tido como um prédio;
iv) violação do princípio da equivalência;
v) violação do princípio da igualdade.
Como pode verificar-se da leitura da sentença recorrida (e por isso entendemos relevante reproduzi-la na íntegra, o que fizemos supra em 2.1.1), nesta,
a) na parte reservada à exposição dos fundamentos de facto, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela deu como provado um único facto: que as deliberações municipais que fixaram as taxas de IMI para os anos de 2010, 2011 e 2011 não foram publicadas em boletim da autarquia; não foi registado qualquer outro facto como provado ou não provado; de seguida, sem qualquer outra consideração,
b) o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela deixou escrito: «As questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos infra identificados, para os quais se remete, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 94.º, n.º 5 do CPTA, aplicável por remissão do art. 2.º, al. c) do CPPT, julgo a impugnação procedente».
Segue-se-lhe a condenação da AT nas custas do processo e a ordem, que não foi cumprida, para junção aos autos de cópia das decisões proferidas em outros nove processos. O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela ordenou ainda a junção de cópia das decisões proferidas em outros vinte processos, «[q]uanto às demais questões, designadamente, falta de preenchimento dos pressupostos objectivos e subjectivos das liquidações impugnadas - inexistência de prédio para efeitos de IMI, falta de fundamentação e violação dos princípios da equivalência e da igualdade».
Como procuraremos demonstrar de seguida, a sentença foi lavrada em termos que não permitem a sua sindicância e que demandam a sua anulação.

2.2.2 ALGUNS REQUISITOS DA DECISÃO SUMÁRIA

Antes do mais, refira-se que não se questiona a possibilidade de decidir a impugnação judicial por decisão sumária, prevista no n.º 5 do art. 94.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi da alínea c) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dando de barato a existência dos respectivos requisitos no caso, que «a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado».
Essa faculdade que assiste ao juiz concretiza-se em que «a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, de que se junte cópia». Mas essa possibilidade de a questão de direito ser decidida por remissão para uma anterior decisão, não dispensa o cumprimento de outros requisitos da sentença, a saber e no que ora nos interessa: o juiz «fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar» e «discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões» (cfr. art. 123.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPPT), sendo que, relativamente à matéria de facto sobre a qual deve incidir o julgamento, deverá ser toda a que for «relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida» [cfr. art. 511.º, n.º 1, do CPC na sua redacção anterior à que foi aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto ( A remissão é para essa versão do CPC, em vigor à data em que o CPPT foi aprovado (1 de Janeiro de 2000, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, diploma que o aprovou), uma vez que neste último Código não está previsto o despacho saneador nem o despacho de prova (cfr. art. 596.º do CPC e art. 89.º-A do CPTA).)].
Sempre no que ora nos interessa considerar, o juiz deve também apreciar todas as questões jurídicas suscitadas e as que sejam de conhecimento oficioso, cuja resolução não deva considerar-se prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC ( A remissão é para o CPC, e não para o CPTA, uma vez que no processo de impugnação judicial, contrariamente ao que sucede nos processos impugnatórios regulados pelo CPTA (cujo art. 95.º, n.º 2, impõe o conhecimento de todos os vícios invocados contra o acto impugnado), no âmbito do processo de impugnação judicial previsto no CPPT, como decorre do estabelecimento de uma ordem no conhecimento dos vícios do acto impugnado (cfr. art. 124.º do CPPT), pois «conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do acto impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se assim não fosse, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao acto, seria indiferente a ordem do conhecimento// Isto significa, assim, que reconhecimento da existência de um vício leva a considerar prejudicados o conhecimento dos restantes» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 17 ao art. 124.º, pág. 340). Note-se que a crítica que este Autor faz a essa prática, que reconhece ser a que vem sendo seguida pelos tribunais tributários, não vale na situação sub judice, pois dos vícios invocados apenas a falta de fundamentação não impediria a renovação do acto.)], devendo os vícios do acto impugnado ser conhecidos pela ordem estabelecida no art. 124.º do CPPT.
Feitos estes considerandos de carácter geral, regressemos ao caso sub judice.
Salvo o devido respeito, a sentença que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela proferiu por decisão sumária não respeita os requisitos a que aludimos. Vejamos:
Desde logo, nela não se identificaram as questões a dirimir, não podendo valer como tal a mera enunciação no relatório dos fundamentos invocados pela Impugnante.
Depois, no julgamento da matéria de facto, foi registado um único facto, respeitante à não publicação, no boletim municipal, das deliberações da assembleia municipal que fixaram as taxas do IMI para os anos em causa.
Em seguida, o Juiz, afirmando que «[a]s questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos indicados», remeteu para esses processos e julgou a impugnação improcedente.
Finalmente, não foram juntas as sentenças para que o Juiz remeteu.
Ora, estas irregularidades comprometem irremediavelmente a compreensão da sentença.
Desde logo, não sabemos que questões se propôs o Tribunal apreciar e decidir, qual foi a questão ou questões efectivamente decididas e, sendo mais do que uma, em que sentido foi decidida cada uma delas, mas apenas que a impugnação judicial foi julgada procedente.
Nem se diga que as questões apreciadas e decididas foram as mesmas que foram apreciadas e decididas nas sentenças para que se remeteu na decisão recorrida.
Antes do mais, porque o Juiz não deveria ter remetido para mais do que uma sentença. Na verdade, se o requisito para que seja proferida decisão sumária é, no caso, a simplicidade da questão de direito a resolver, em virtude de existir jurisprudência que tenha apreciado a questão de modo uniforme e reiterado – e para demonstrar a verificação desse requisito se compreende a menção de várias sentenças – já não nos parece admissível que a remissão a que alude o n.º 5 do art. 94.º do CPTA possa ser feita para mais do que uma sentença por cada questão (a norma refere «remissão para decisão anterior»), sob pena de se colocar sobre as partes e sobre o tribunal de recurso o ónus de as estudar todas, sem qualquer limitação.
Depois, e decisivamente, porque, se foram decididas várias questões, se impunha a referência expressa ao sentido da decisão relativamente a cada uma delas: se foi julgada procedente, se foi julgada improcedente ou se foi tida por prejudicada pela decisão dada a questão anteriormente decidida.
Nem se diga que esta posição que ora assumimos peca por formalista, pois já pudemos verificar diversas interpretações sobre o âmbito da decisão sumária, nos presentes autos e noutros em que o Juiz seguiu idêntico procedimento: assim, enquanto alguns interpretaram a sentença como tendo decidido exclusivamente a questão da falta de publicidade da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI ( Parece ter sido esse o sentido em que a interpretaram o Procurador-Geral Adjunto no parecer proferido no processo com o n.º 427/15.3BEMDL e a Recorrida, tanto mais que esta, tendo contra-alegado o recurso, nada refere quanto às demais questões, sendo legítimo pressupor que entende que, na procedência do recurso, os autos deverão regressar ao Tribunal a quo, a fim de estas serem conhecidas.), outros entenderam que foram apreciadas outras questões; entre estes últimos, também há divergência de interpretações, pois uns consideraram que todas as questões foram decididas no sentido da procedência ( Veja-se o parecer proferido pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo no processo com o n.º 425/15.7BEMDL.) e outros que umas questões foram julgadas procedentes e outras improcedentes ( Veja-se o parecer da Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal proferido neste processo. ). O que demonstra à saciedade a inadequação do procedimento adoptado na decisão recorrida.
É certo que, se a questão da publicidade das deliberações da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI foi apreciada e decidida em sentido favorável à AT – e, neste ponto, todos parecem concordar – mal se compreenderia que o Juiz tivesse prosseguido na apreciação de outras questões, ao invés de dá-las como prejudicadas pela decisão daquela questão. Na verdade, porque a ilegalidade em causa obstaria a que a AT praticasse de novo o acto, nenhum motivo haveria para que o Juiz prosseguisse com a apreciação dos demais vícios invocados ( Ver nota 3 supra.).
Seja como for, esta obscuridade da decisão e a referida equivocidade quanto às questões que nela foram decididas e quanto ao sentido da respectiva decisão, impõe a sua anulação oficiosa e que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, em que sejam respeitados os requisitos que consideramos não terem sido observados na decisão ora recorrida.
Sem prejuízo do que deixámos dito, mesmo a admitir-se que a única questão apreciada e decidida foi a da falta de eficácia das deliberações da assembleia municipal que fixaram a taxa do IMI para cada um dos anos em causa por não ter sido publicitada nos termos prescritos na lei – o que colhe algum apoio no facto de o único facto dado como assente respeitar a essa questão – sempre teríamos de concluir que não foi levado ao probatório qualquer elemento sobre os actos tributários impugnados que permita aferir qual a taxa ou taxas aplicadas pela AT e, designadamente, se foi essa a taxa objecto das deliberações e se estas foram ou não comunicadas à AT, pois se não foi comunicada e independentemente das eventuais irregularidades no procedimento de publicação e seus efeitos, nos termos do citado preceito legal a taxa a aplicar será a correspondente ao valor mais baixo; ou seja, para a correcta apreciação da questão da falta de publicidade suscitada pela Impugnante e que cumpre apreciar e decidir a matéria de facto assente na sentença recorrida revela-se manifestamente insuficiente, motivo pelo qual se impõe a sua ampliação nos termos supra assinalados.
O que sempre imporia também a anulação da decisão recorrida e o regresso dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a fim de aí ser proferida nova decisão, depois de efectuado o julgamento da matéria de facto pertinente.
Tudo visto, entendemos ser de anular a sentença.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A possibilidade de a fundamentação da decisão da questão de direito na sentença a proferir em processo de impugnação judicial ser “sumária” e por “remissão para decisão precedente, de que se junte cópia” (cfr. n.º 5 do art. 94.º do CPTA), não dispensa o juiz de observar outros requisitos da sentença, v.g., a fixação das questões que ao tribunal cumpre solucionar e a discriminação da matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (cfr. art. 123.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPPT).

II - Se a “decisão sumária” não observou estes requisitos e se não é inequívoco se resolveu mais do que uma questão e, na afirmativa, em que sentido, bem como se nela não foi fixada a factualidade pertinente à decisão, deve a mesma, em sede de recurso, ser anulada oficiosamente e os autos devolvidos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão que respeite os referidos requisitos.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a fim de aí ser proferida nova sentença.

Custas pela Recorrente que, não havendo ganho da causa, é quem tira proveito da decisão (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC).

*
Lisboa, 20 de Março de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.