Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:010/20.1BEMDL-A
Data do Acordão:12/10/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
CPTA
FUMUS BONI JURIS
Sumário:I - Haverá excesso de pronúncia, previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) in fine do CPC, quando se conclua que o Tribunal recorrido “conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento”.
II - O artigo 95.º, n.º 3 do CPTA não é aplicável às providências cautelares, incluindo às que sejam instrumentais de processos impugnatórios.
III - O fumus boni iuris pressupõe um juízo positivo no plano da probabilidade da existência do direito que se pretende fazer valer, cabendo ao Requerente (é um ónus seu) trazer ao processo factos e argumentos que preencham esse juízo de probabilidade.
IV - Como tem vindo a ser reiterado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, para a formação do juízo de probabilidade em sede fumus boni iuris não basta alegar fundamentos que em abstracto sejam susceptíveis de conduzir à anulação ou declaração de nulidade do acto impugnado, é necessário alegar fundamentos que, «in concreto», possuam a seriedade bastante para que, no juízo esquemático e provisório inerente à índole dos autos, permitam considerar provável o sucesso da causa principal.
Nº Convencional:JSTA000P26918
Nº do Documento:SAP20201210010/20
Data de Entrada:08/04/2020
Recorrente:REN – REDE ELÉCTRICA NACIONAL, SA E OUTROS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE MONDIM DE BASTO E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 3 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1- A Presidência do Conselho de Ministros e a REN – Rede Eléctrica Nacional, SA, ambos com os sinais nos autos, inconformadas com o acórdão de 18 de Junho de 2020 deste STA, proferido em acção cautelar em 1ª Instância, recorrem para o Pleno da Secção do STA, apresentando as seguintes conclusões:

A – Presidência do Conselho de Ministros

1. Em causa nestes autos está uma resolução do Conselho do Ministros que, nos termos da LBS do RJIGT, suspendeu um plano director municipal para possibilitar a expansão da rede nacional de transporte de electricidade e adoptou medidas preventivas, com fundamento na protecção ambiental (redução de emissões de gases com efeito de estufa) e na segurança e independência energética.
2. O Acórdão recorrido deferiu a providência cautelar (i) com base em prejuízos que não resultam do ato suspendendo, cuja verificação simplesmente presumiu, (ii) com fundamento na ilegalidade de normas contidas no RJIGT, na natureza antecipatória das medidas preventivas adoptadas e no princípio da autonomia local, (iii) considerando, ao nível da ponderação de interesses, que o interesse público energético não prevalecia em relação aos interesses locais invocados. Contudo, em todas estas fases de aplicação dos pressupostos de decretamento de providências cautelares, o Tribunal procedeu a uma errada interpretação e aplicação das normas.
3. Os prejuízos alegados pelo Recorrente e reconhecidos no Acórdão não são susceptíveis de resultar do ato suspendendo, mas sim de um eventual ato futuro de licenciamento, que é um ato em tudo distinto daquele que está em causa nos presentes autos - no regime jurídico, nos pressupostos, e até na entidade com competência para o praticar. O único efeito do acto cuja suspensão de eficácia se requer é a continuação do procedimento de licenciamento, que não é, em si, susceptível de lesar nenhum interesse público.
4. Não há qualquer indício que se vá proceder à execução do projecto sem o necessário licenciamento.
5. Portanto, o Acórdão recorrido viola o disposto no artigo 120º, nº 1, do CPTA, uma vez que o acto suspendendo é autónomo do acto de licenciamento, pelo que os prejuízos não resultam, nem é provável que resultem, do acto, e o que se exige é a probabilidade de verificação de danos resultantes do ato em causa, e não de outros actos eventuais futuros com ele relacionados.
6. Mesmo que assim não fosse, o Acórdão presume a existência dos prejuízos alegados pelo Requerente e faz juízos de prognose, de natureza técnica não-jurídica, sem qualquer fundamento abstracto ou concreto, sem que nada nesse sentido, nem indiciariamente, resulte da matéria dada como provada, desconsiderando a análise feita pela Comissão de Avaliação no âmbito do procedimento de avaliação de impacto ambiental e as conclusões a que aí se chegou quanto à probabilidade de ocorrência desses prejuízos.
7. O Acórdão presume, sem fundamentar, que as medidas preventivas adoptadas são de natureza antecipatória, quando uma análise detalhada do ato permite facilmente concluir que as medidas adoptadas são puramente conservatórias, limitando-se a proibir certas acções.
8. É o ato de suspensão do PDM que habilita o prosseguimento do procedimento de licenciamento, algo que poderia ocorrer sem que tivessem sido decretadas quaisquer medidas preventivas, o que demonstra que, também aqui, o Acórdão confunde os efeitos de actos distintos, neste caso formalmente contidos na mesma resolução.
9. O Acórdão afasta a norma constante do artigo 134º nº 8, do RJIGT, que habilita a adopção de medidas para execução de empreendimentos de relevante interesse público, com fundamento na sua ilegalidade por desconformidade o artigo 52º da LBS, mas não se retira da LBS o afastamento tout court das medidas preventivas antecipatórias, mas apenas da sua limitação a situações de excepcionalidade, como é o caso.
10. O Acórdão também procede a uma errada aplicação das normas ao caso ao considerar que não há fundamento para impor ao Requerente a revisão do PDM tendo em conta a execução do projecto, porque ignora que, por existir um programa setorial - Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico, que até se refere no Acórdão -, esse dever já impendia sobre o Município aquando da recente revisão que fez ao PDM, nos termos do artigo 22º nº 2, do RJIGT.
11. O Acórdão viola o disposto no artigo 120º, nº 2, do CPTA, por desconsiderar a existência de um interesse público ambiental nacional e internacional de combate às alterações climáticas, limitando a sua apreciação ao interesse energético, o que é especialmente grave atendendo a que o artigo 9°, nº 2, do RJIGT elege o interesse ambiental como o primeiro dos interesses que se devem considerar prevalecentes na ponderação de interesses no que toca ao uso do solo.
12. Não se procedeu no Acórdão à ponderação dos interesses em concreto, o que também consubstancia uma violação ao imposto pelo artigo 120º nº 2, do CPTA, dado que, conforme foi demonstrado pormenorizadamente na Oposição, os únicos interesses que podem estar em causa com o licenciamento do projecto que, uma vez mais, não é o acto suspendendo - são relativos à paisagem e ao património arqueológico, estando em causa com o deferimento da providência o interesse ambiental de redução de emissões de gases com efeito de estufa e a independência e segurança energéticas, que não podem deixar de prevalecer.
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B - REN – Rede Eléctrica Nacional, SA

1. O Acórdão aqui em crise efetuou uma interpretação e aplicação das normas da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e dos princípios gerais de direito, nomeadamente do princípio da autonomia local em que se motiva, não consentânea com o bloco de legalidade em matéria de ordenamento do território, em especial com a Constituição da República Portuguesa (CRP) que assume claramente que o ordenamento do território e o urbanismo são domínios abertos à intervenção concorrente do Estado e das Autarquias Locais por força do disposto no artigo 65.°, n.° 4 da CRP.
2. O acórdão recorrido enferma de nulidade, por excesso de pronúncia, substituindo-se ao Autor na identificação das causas de pedir e dos prejuízos, e erro de julgamento, por violação da lei substantiva e processual, no que concerne ao preenchimento dos requisitos para o decretamento da providência e contradição entre os fundamentos utilizados, e por extravasar o poder jurisdicional em violação do princípio da separação de poderes.
3. Toda a fundamentação do Acórdão na parte respeitante ao requisito legal do fumus boni iuris assenta numa pretensa violação pelo ato suspendendo de disposições legais da LBPSOTU, nomeadamente artigo 9.°, 46.°, 52.°, 53.°, do RJIGT, nomeadamente artigo 3.° e no princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, sem que tais vícios tenham sido alegados pelo Município no requerimento inicial. Se é certo que na interpretação e aplicação do direito o tribunal não está condicionado às alegações das partes, também não se pode substituir a estas no efeito jurídico por estas pretendido, nem pode ele próprio oficiosamente aportar os fundamentos do pedido substituindo-se ao que é um ónus do requerente (v. artigo 114.°, n.° 1 alínea g) do CPTA).
4. As providências cautelares não têm por objeto o julgamento da legalidade do ato suspendendo, mas apenas a apreciação da verificação ou não verificação dos requisitos legais previstos para o seu decretamento, requisitos esses que têm sede essencial no disposto no artigo 120.° do CPTA, designadamente a demonstração por parte do Requerente da probabilidade de procedência da ação principal.
5. Não podia o Tribunal para preenchimento do requisito do fumus boni iuris atender a outras causas prováveis de invalidade do ato suspendendo e a fundamentos não alegados. Tendo-o feito, o acórdão recorrido violou o princípio do dispositivo e fez errada interpretação e aplicação do artigo 114.°, n.° 1 al. g) do CPTA) e, no mesmo passo, incorreu em excesso de pronúncia, conhecendo de fundamentos cujo conhecimento lhe estava vedado. De acordo com o preceituado no artigo 615.°/l/d) do CPC, aplicável ao contencioso administrativo ex vi do artigo l.° do CPTA, a sentença é nula, além de outros casos, quando o juiz "conheça de questões de que não podia tomar conhecimento."
6. Ao julgar verificada a existência de fumus boni iuris por entender indiciada a violação dos artigos 46.° e 52.° da LBPSOTU, dos artigos 3.° e 126.° do RJIGT, bem como do princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, ilegalidades não invocadas pelo Requerente no r.i, o acórdão recorrido violou o princípio do dispositivo e o artigo 114.°, al g) do CPTA, pois não pode o tribunal substituir-se ao Requerente da providência na indicação dos fundamentos do pedido.
7. Tendo decidido nos apontados termos, com base num juízo de probabilidade da procedência de causas de invalidade não alegadas como fundamento do pedido cautelar, o acórdão é nulo por excesso de pronúncia, nos termos dos artigos 615.° e 666.° do CPC, vício que importa suprir pelo Tribunal a quo.
8. Ainda que às providências cautelares instrumentais de processos impugnatórios seja de aplicar o disposto no artigo 95.°, n.° 3 do CPTA, no que não se crê e apenas por razões de patrocínio se equaciona, ainda assim haveria excesso de pronúncia, na medida em que não foi exercido o contraditório, o que sempre impediria que o Acórdão para preenchimento do fumus boni iuris se fundamentasse em causas de pedir não alegadas.
9. O acórdão recorrido é nulo, pois ainda que aqui fosse aplicado o disposto no artigo 95.°, n.° 2, do CPTA, não poderia o Tribunal decidir o preenchimento do requisito do fumus boni iuris com base na provável procedência de causas de invalidade não alegadas sem que, previamente, tenha ocorrido o exercício do contraditório, violando desse modo o disposto no artigo 95.° do CPTA, o que gera a nulidade da decisão por excesso de pronúncia (v. artigo 615.°/l/d) do CPC, aplicável ex vi do artigo l.° do CPTA), vício que importa suprir pelo Tribunal a quo.
10. Padece igualmente de excesso de pronúncia o acórdão recorrido ao considerar como prováveis os prejuízos "tendo em conta a desflorestação e a desmatação necessária ao atravessamento das linhas, as alterações que o seu traçado imporá à modelação dos terrenos, e o impacto das obras de construção civil que tem de ser realizadas para a execução de um projeto desta natureza, nomeadamente para construção dos apoios das linhas elétricas, das subestações, dos estaleiros, dos parqueamentos, dos depósitos e dos respetivos caminhos de acesso" quando tais prejuízos não foram, em momento algum, alegados pelo Município Requerente da Providência.
11. Com efeito, ao considerar como fundamento da decisão cautelar os prejuízos resultantes de "desflorestação e a desmatação necessária ao atravessamento das linhas, as alterações que o seu traçado imporá à modelação dos terrenos, e o impacto das obras de construção civil que tem de ser realizadas para a execução de um projeto desta natureza, nomeadamente para construção dos apoios das linhas elétricas, das subestações, dos estaleiros, dos parqueamentos, dos depósitos e dos respetivos caminhos de acesso, não alegados pelo requerente no r.i., o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia, pois não pode o Tribunal substituir-se à parte na alegação dos prejuízos suscetíveis de preencher o requisito do periculum in mora, [v. artigo 615.°/l/d) do CPC, aplicável ex vi do artigo l.° do CPTA], vício que importa suprir pelo Tribunal a quo.
12. No que concerne à interpretação e aplicação da LBPSOTU e do RJIGT operada pelo Acórdão, o Tribunal erra em vários aspetos que conduzem a uma decisão errada e injusta.
13. Quando o plano territorial é posterior ao programa territorial tem a obrigação de acolher as suas orientações e que, quando o programa territorial é superveniente ao plano territorial, este tem obrigatoriamente que se atualizar em face das opções tomadas nos programas territoriais.
14. Trata-se, pois, do reconhecimento de que o ordenamento do território é um domínio aberto à intervenção concorrente do Estado e das autarquias locais, conforme constitucionalmente reconhecido no artigo 65.°, n.° 4 da CRP, o que não é observado na presente decisão.
15. Sem prejuízo da coordenação entre os diversos níveis de planeamento e dos diversos interesses públicos em presença, o regime constante da LBPSSOTU e do RJIGT continua a consagrar o princípio da hierarquia dos diversos planos e programas, o que exige que os Municípios observem e concretizem as orientações decorrentes de outros níveis de planeamento de âmbito nacional, regional e sectorial.
16. Resulta evidente o erro de interpretação patente na decisão recorrida quanto à relação entre planos e programas territoriais, nomeadamente omitindo qualquer referência à obrigação que o Município tinha de, no âmbito da revisão do Plano Diretor Municipal, acolher as decisões de localização de infra estruturas públicas consagradas em decisões do Estado e nomeadamente do Plano de Barragens que, aliás, a decisão reconhece tratar- se de um programa setorial.
17. Ao PDM de Mondim de Basto cabia acolher estas decisões de localização, o que ao não ocorrer determina a ilegalidade por violação do disposto no citado artigo 44.° da LBPSOTU com a consequência prevista no artigo 129.°, n.° 1 do RJIGT.
18. Considerando a visão redutora do acórdão quanto aos poderes do Estado em matéria de ordenamento do território - reduzida à elaboração de programas territoriais - não se percebe como pode a decisão ignorar que esta infraestrutura está prevista em diversos instrumentos desde, pelo menos 2007.
19. Ainda quanto a este aspeto importa referir que, de acordo com o artigo 39.°, n.° 2, alínea c) do RJIGT, as decisões sobre a localização de grandes empreendimentos públicos com incidência territorial são verdadeiros instrumentos de planeamento, exigindo-se que os Municípios se adequem a essas decisões, sejam elas prévias, como é no presente caso, ou supervenientes ao plano municipal, não o fazendo, as normas do plano serão nulas nos termos do artigo 129.°, n.° 1 do RJIGT.
20. Considerando que o PNBEPH constitui um instrumento da política energética portuguesa, lançado por decisão governamental e aprovado em Dezembro de 2007, tendo por objetivo aproveitar o potencial hidroeléctrico nacional ainda por explorar, através do estabelecimento de rigorosos critérios de seleção dos locais para implantação de novos grandes aproveitamentos hidroeléctricos, ponderando de uma forma integrada componentes ambientais, sociais e económicas, cabia ao Município em 2015 compatibilizar a sua estratégia territorial com este instrumento e não o inverso.
21. O referido artigo 46.°, n.° 4, da LBPSOTU apenas é aplicável aos programas territoriais aprovados após a sua entrada em vigor, o que não ocorre com o PNBEPH. Aqui, existindo, previamente à revisão do PDM de Mondim de Basto, um programa setorial, é aplicável o disposto no artigo 44.°, n.° 4 da LBPSOTU que exige que o plano municipal desenvolva e concretize as orientações definidas nos programas territoriais preexistentes com os quais se dava compatibilizar.
22. Não pode o Tribunal ao mesmo tempo que limita as atribuições do Estado em matéria de ordenamento do território à elaboração de programas, ignorar que o programa setorial, que até cita, é prévio à revisão do PDM e que o Município se encontrava vinculado, por via do disposto no artigo 44.°, n.° 4, da LBPSOTU a desenvolver e concretizar as suas orientações e não a ignorá-lo, como fez.
23. Reconhecendo a existência de um programa, setorial não poderia o Tribunal considerar que não existe suporte para a transformação da realidade sem a adoção de um programa que suporte juridicamente essa transformação.
24. O artigo 126.°, n.° 1, alínea a) do RJIGT prescreve que a suspensão, total ou parcial, de planos intermunicipais e municipais é determinada por resolução do conselho de ministros, em casos excecionais de reconhecido interesse nacional e regional, ouvidas as câmaras municipais abrangidas.
25. Os requisitos para aplicação desta figura e neste caso serão dois: i) casos de reconhecido interesse nacional e regional; ii) ouvidas as câmaras municipais envolvidas.
26. Não resulta da citada disposição legal a restrição que consta do Acórdão recorrido que refere que esta disposição legal apenas pode ser utilizada para "impedir a transformação da realidade, por efeito da aplicação de um plano intermunicipal ou municipal, ponha em causa aqueles interesses, mas não para viabilizar a transformação da realidade sem a adoção de um plano ou programa que suporte juridicamente essa transformação, ou que legalmente imponha a atualização do plano municipal". Trata-se de uma interpretação que não tem qualquer acolhimento na letra da lei e estamos em crer também no espírito do legislador.
27. As situações excecionais de reconhecido interesse nacional ou regional tanto podem bastar-se com o impedir da transformação da realidade como exigir a transformação da realidade de forma a concretizar esse interesse nacional e regional como tal reconhecido pela Administração.
28. Com a interpretação plasmada no Acórdão recorrido, é eliminada a flexibilidade consagrada na citada disposição legal - artigo 126.°, n.° 1, alínea a) - em violação da mesma disposição legal.
29. A norma constante do artigo 126.°, n.° 1, alínea a) do RJIGT é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 9.°, al. e), 65.°, n.° 4, 182.° e 199.°, alíneas a) e c) da CRP, na dimensão normativa que lhe foi conferida pela decisão recorrida, não reconhecendo ao Estado a possibilidade de intervir no território sempre que um interesse público determine recorrer ao mecanismo da suspensão total ou parcial de planos municipais quando a tal se oponham municípios identificando interesses locais contrapostos.
30. Não é razoável defender que a utilização de um mecanismo legal, como a suspensão do plano, configura uma violação do princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, porquanto trata-se da aplicação de um instrumento legalmente previsto para o efeito. Aliás, se assim fosse, todos os casos de suspensão de planos ou até outros atos administrativos que determinam alterações dos planos, como por exemplo a desafetação dos fins de utilidade pública que determinam a alteração simplificada dos planos municipais um procedimento, seriam atos administrativos violadores deste princípio.
31. A suspensão é um mecanismo que permite flexibilizar a gestão do território cuja dinâmica efetiva nem sempre é compatível com os procedimentos de elaboração e de dinâmica dos instrumentos de gestão territorial.
32. A suspensão pelo Governo de um plano territorial não configura qualquer violação do princípio da inderrogabilidade dos regulamentos, sob pena da figura da suspensão ficar reduzida a um procedimento inútil.
33. Não podia o Tribunal desaplicar os artigos 134.°, n.° 8, e 137.°, n.° 3, do RJIGT, que expressamente admitem o estabelecimento de medidas preventivas no caso em presença, os quais são totalmente compatíveis com a LBPSOTU, procedendo ao seu desenvolvimento e concretização.
34. O acórdão recorrido padece de erro nos fundamentos de direito ao desaplicar, sem qualquer fundamento de inconstitucionalidade ou ilegalidade, as normas do RJIGT que expressamente admitem o estabelecimento de medidas preventivas tendo em vista a "a execução de empreendimentos de relevante interesse público", violando assim o disposto nos artigos 134.°, n.° 8 e 137.°, n.° 3 do RJIGT.
35. O Acórdão recorrido faz uma interpretação contra legem, inadmissível em face do princípio da legalidade. Com o presente Acórdão pretendeu o julgador substituir ao legislador, sustentando uma decisão sem qualquer respaldo na lei em ofensa ao princípio da separação de poderes.
36. Na dimensão normativa que a decisão recorrida confere à norma constante do artigo 52.°, n.° 2 da LBPSOTU, a mesma impediria ao Governo, estando em causa um interesses público nacional de relevo, lançar mão de medidas preventivas que permitissem a "execução de empreendimento de relevante interesse público", o que resulta na inconstitucionalidade material de tal norma, por violação dos artigos 6.°, 9.°, als. e) e g), 65.°, n.° 4 , 182.° e 199.°, alíneas a) e c) da CRP.
37. O reconhecimento do principio da autonomia local, não permite aos Municípios ultrapassar os limites materiais da sua esfera de intervenção, dificultando a instalação de infraestruturas de interesse público com a invocação de objetivos planificatórios colidentes, e muito menos sujeitar a implementação de infraestruturas de interesse público a outro tipo de limitações, porquanto essa aferição não cabe no âmbito da autonomia do poder local, salvo se tal decorrer da necessidade de salvaguarda de outro interesse público igualmente relevante, o que não foi invocado pela Requerente.
38. Aos Municípios, cabe um papel decisivo na definição do regime jurídico do solo, mas o interesse público de ordenamento do território é transversal aos vários níveis da Administração Pública e no que respeita à definição e implementação da RNT esta corporiza um interesse público nacional, da competência do Estado, ainda que à sua prossecução tenha sido associada a contra-interessada através da celebração de contrato de concessão.
39. A competência municipal discricionária para, no âmbito dos planos municipais, conformar o seu território esgota-se na definição dos interesses públicos locais a concretizar, não lhe cabendo entrar na definição e concretização de outras cuja competência originária está atribuída a outras entidades públicas, nomeadamente no que concerne aos interesses públicos nacionais.
40. Andou mal o julgador ao considerar que o ato suspendendo viola o princípio da autonomia local, sem atentar ao correto sentido deste princípio em matéria de ordenamento do território.
41. O Tribunal não poderia ter considerado que o requisito do fumus boni iuris se encontrava preenchido, não só porque o fez com base em fundamentos não alegados, o que viola o princípio do dispositivo em matéria de providências cautelares, mas por ter considerado como provável a procedência da ação com fundamentos contrários ao quadro legal vigente e em violação expressa de disposições da LBPSOTU.
42. O acórdão recorrido padece de erro nos fundamentos de direito ao considerar preenchido o requisito do fumus boni iuris, pois, independentemente da convicção do Juiz, não é provável a procedência da ação principal.
43. O fundado receio a que a lei se refere é o receio suportado na alegação de factos concretos que possibilitem o exercício do contraditório e que permitam ao Tribunal afirmar, com objetividade, a seriedade e atualidade da ameaça invocada e a necessidade de adoção de medidas em vista a evitar o prejuízo.
44. Foi totalmente ignorado pelo Tribunal que foi a prevenção e a precaução que conduziram ao estabelecimento de valores de referência de exposição dos campos eletromagnéticos, quer ao nível nacional, quer ao nível europeu, limites cuja observância garante elevado nível de proteção.
45. Andou mal o Tribunal ao considerar verificado o requisito do periculum in mora com base em suposições, receios e ideias vagas que não cumprem o requisito legal, para além de que eventuais prejuízos resultantes da implantação da "Linha" sempre serão reversíveis e suscetíveis de compensação, não se encontrando preenchido o pressuposto legal.
46. No que concretamente respeita ao requisito da ponderação de interesses, o Tribunal bastou-se com a afirmação da sua convicção de que "estamos em presença de um conflito de interesses públicos, sendo que, no nosso quadro constitucional de autonomia local e de descentralização administrativa, não é possível, em abstrato, e à priori, estabelecer uma regra de prevalência de interesses públicos nacionais ou regionais públicos locais" e que é no quadro das relações entre programas e planos que essa ponderação se faz, concluindo que "os danos que resultarão da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que seriam causados pela sua recusa."
47. Estamos em crer que o Tribunal se bastou com uma visão absoluta do princípio da autonomia local descurando da ponderação dos interesses concretamente envolvidos, nomeadamente as vantagens para a vida das populações e para o ambiente com o contribuído para a redução do carbono.
48. Na verdade, o Requerente, aqui recorrido, apresentou-se neste pleito em defesa dos interesses próprios do Município e de interesses difusos medidos apenas à escala local, da autarquia de Mondim de Basto, colocando-se à margem da pluralidade dos demais interesses e direitos envolvidos na instalação de uma infraestrutura nacional com esta ordem de grandeza.
49. No outro prato da balança, estão em causa interesses públicos de primeira grandeza e à escala nacional, relacionados também eles com a defesa do ambiente, do ordenamento do território, da saúde, da economia, da sociedade, do turismo, etc., interesses estes que são acautelados e defendidos pela observância dos exaustivos procedimentos de controlo que a Requerida está obrigada a respeitar e respeitou como demonstrado.
50. O Acórdão proferido não ponderou os interesses públicos de primeira grandeza relacionados com o progresso social e com a segurança e o bem- estar coletivo a uma escala que transcende, em muito, a escala de Mondim de Basto e a própria escala regional, envolvendo interesses nacionais e, inclusivamente compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português.
51. Os interesses públicos expostos sobrelevam de modo inequívoco os interesses localizados invocados pelo Requerente e sempre deveriam ter conduzido o Tribunal, fazendo uma correta exegese e aplicação ao caso concreto do princípio da proporcionalidade, não se bastante com proclamações teóricas absolutista do pode locai, negar provimento às pretensões deduzidas no corrente processo, como determina o artigo 120.°, n.° 2, do CPTA, não o tendo feito, resulta evidente, que o Tribunal errou e decidiu em clara violação da citada disposição legal e do princípio da proporcionalidade.

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2- O Recorrido Município de Mondim de Basto contra-alegou, concluindo como segue:

A – contra-alegações ao recurso interposto pela Presidência do Conselho de Ministros

A. O Acórdão de 22-06-2020 do Supremo Tribunal Administrativo dá como cumpridos os três requisitos essenciais patentes no art.-120.e do CPTA necessários para o provimento de uma Providência cautelar: (i) periculum in mora; (ii) fumus boni iuris e (iii) princípio da proporcionalidade.
B. Entende o Ilustre Supremo Tribunal, quanto ao periculum in mora, que pelo descrito nos autos não é «(...) difícil reconhecer que existe um fundado receio de que a demora na obtenção de uma decisão final no processo principal cause prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação (...)»
C. E isto porque, considera e bem, que o que o ato suspendendo vem fazer é atribuir uma nova caracterização aos solos de Mondim de Basto que facilitem e agilizem o licenciamento (dado como certo) das obras relativas às Linhas de Muito Alta Tensão;
D. Existe, assim, um fundado receio que, a demora na decisão final, impl ique uma construção imediata de acesso; estaleiros; postes de eletricidade destruindo, destarte e de imediato, fauna e flora, descaracterizando a paisagem de Mondim de Basto, colocando - de imediato - em risco várias atividades económicas como a do turismo; vôo livre e parapente; bem como a destruição de peças arqueológicas que, aliás, a própria Resolução reconhece como de destruição inevitável;
E. Começando, de imediato, os níveis de ruído insuportáveis à permanência constante por parte dos habitantes de Mondim de Basto;
F. Níveis sonoros esses que foram avaliados, a pedido da entidade com interesse em construir - A REN -, por uma empresa não acreditada para o efeito e que, segundo um estudo pedido à posteriori pela própria Câmara de Mondim de Basto, agora já a uma empresa acreditada, contem várias imprecisões e erros.
G. Fundado receio esse que também se sedimenta nos perigos para a Saúde Pública que, apesar de ainda por contabilizar na totalidade, acarretam riscos reconhecidos por todos mas que se parece querer fazer olvidar para a construção - a todo o custo - da mesma Linha de Muito Alta Tensão.
H. E que, assentando o nº 1 do artº 120 num juízo de probabilidade os mesmo estava mais do que verificado.
I. Apesar de, incompreensivelmente, nas suas alegações, a Presidência do Conselho de Ministros considerar que «(...) a continuação do procedimento de licenciamento, que não é, em si, susceptível de lesar nenhum interesse público.»
J. Dizendo, mais, nas suas conclusões que «(...) Não há qualquer indício que se vá proceder à execução do projeto sem o necessário licenciamento.»
K. Em tom desafiador diga-se que, depois do absoluto atropelo jurídico do princípio da autonomia das autarquias locais; do princípio da segurança jurídica da administração e cidadãos; do princípio da inderrogabilidade singular de regulamentos; do desrespeito pelo principio da discricionariedade reconhecido legal, doutrinal e jurisprudencialmente no ordenamento do território atribuído às autarquias locais, já pouco surpreenderia neste "pode tudo" para a construção das Linhas de Muito Alta Tensão.
L. Mas que, aliás, constitui, como bem sabe a Presidência do Conselho de Ministros porque não pode desconhecer, uma inverdade.
M. Isto porque, o ato suspendendo, a RCM 178/2019, no seu corpo de texto, como, aliás, já dito anteriormente, reconhece que a sua utilidade é adaptar os solos a futuros "novos usos" caminhando, inegavelmente, para a certeza no Licenciamento.
N. E como diz, e muito bem, o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo: "(...) o que a RCM nº 178/2019 faz é suspender a legalidade para permitir que a realidade possa ser ilegalmente alterada (...);
O. Considera, ainda, o Ilustre Supremo Tribunal Administrativo, quanto à verificação do fumus boni iuris que se verifica o requisito dado que é "(...) provável que a pretensão formulada pelo Requerente no processo principal venha a ser julgada procedente (...)"
P. A construção da Linha de Muito Alta Tensão ficou, de entre outros requisitos, subordinada à obtenção do Reconhecimento de Interesse Municipal pelo DCAPE e pelo próprio PDM de Mondim de Basto - cfr. art.- 38/2/c)
Q. Reconhecimento, esse que, diga-se e reafirme-se, nunca foi pedido por parte alguma à autarquia de Mondim de Basto;
R. Não obstante as várias tentativas e contactos que a autarquia teve para agilizar o processo; encontrar traçados alternativos e chamar à discussão da então revisão do PDM os principais interessados;
S. Que, como também vimos, nunca marcaram presença nem se fizeram representar;
T. Indo, mesmo, mais longe e dizendo que não estava prevista qualquer obra para os territórios de Mondim de Basto ligado às Linhas de Muito Alta Tensão;
U. Não o fazendo e não demonstrando qualquer interesse pela revisão do plano de ordenamento do território mais importante de uma autarquia local criou - com toda a naturalidade - a expectativa fundada de que não teria qualquer interesse em se estabelecer naquele território com a construção das Linhas de Muito Alta Tensão;
V. Vindo, para suprir este obstáculo, como por toque de mago, a Presidência do Conselho de Ministros através da RCM 178/2019, fazer desaparecer o principal obstáculo a implantação das Linhas de Muito Alta Tensão no território de Mondim de Basto;
W. Suspendendo de forma parcial, unilateralmente, o PDM de Mondim de Basto, durante dois anos, para permitir que o licenciamento da Linha de Muito Alta Tensão fosse conhecer bom porto.
X. Sem qualquer fundamento legal, esta RCM 178/2019 quer permitir a construção de uma Linha de Alta Tensão num território em que, para acontecer, tem de suspender o mais importante plano gestão e organização territorial;
Y. E fá-lo em detrimento e desrespeito absoluto e numa clara violação ao princípio constitucional da autonomia local e ao princípio da segurança jurídica dos cidadãos e da administração pública local;
Z. Constituindo, para além de um perigo para a saúde das populações e acarretando enorme prejuízos para economia e para a morfologia do território de Mondim de Basto um ataque cerrado a alguns dos mais importantes e basilares pilares do Estado de Direito Democrático.
AA. Por fim, conclui o Douto Acórdão que "(...) feita a ponderação exigida pelo n.º2 do artigo 120.º do CPTA, os danos que resultarão da concessão da providência não se mostram superiores àqueles causados pela sua recusa";
BB. E tanto assim o é que nas suas alegações, a Presidência do Conselho de Ministros, nunca em momento algum demonstra os verdadeiros prejuízos que a afectam com a suspensão da RCM 178/2019;
CC. Coisa diferente do que acontece com o Município de Mondim de Basto que, para além dos danos físicos de ter "plantados" postes de electricidade e toda a infraestrutura em volta necessária para a sua concretização, demonstra também os danos que podem surgir no ordenamento jurídico numa violação desta natureza;
DD. Aliás, como reconhece o próprio Ilustre Supremo Tribunal Administrativo, "(...) sendo que no nosso quadro constitucional de autonomia local e de descentralização administrativa, não é possível, em abstrato, e à priori, estabelecer uma regra de prevalência de interesses públicos nacionais ou regionais sobre interesses públicos locais.» [Negrito e Sublinhado nossos]
EE. Entendimento diferente tem a Presidência do Conselho de Ministros.
FF. Que, apesar de desconhecer em exactidão os danos que podem ser causados na saúde das populações de Mondim de Basto - agravando esse desconhecimento, no caso do ruído, tendo por base um estudo feito por uma empresa que não estava, à altura, acreditava pelo IPAC I.P e que apresenta várias deficiências de raciocínio e erros;
GG. Mesmo sabendo isto, parece querer fazer valer a ideia de que a concretização de uma Linha de Muito Alta Tensão - em que, um dos principais escopos é alimentar uma barragem que já "nem vai sair do papel" tem uma importância superior à vida e à saúde das populações que nesse território habitam e que, para além de puderem ficar privadas dos seus meios de sustento - economicamente - podem ainda vir a ter graves problemas a nível de saúde;
HH. Com todos estes factores tidos em conta entendeu o Ilustre Supremo Tribunal Administrativo, e muito bem, deferir a Providência Cautelar até resolução da causa principal;
II. Algo que, em momento algum, nas suas alegações, a Presidência de Conselho de Ministros conseguiu refutar e demonstrar que não seria o sentido correto na longa estrada que é a da prossecução boa justiça.
*
B – Contra-alegações ao recurso interposto pela REN – Rede Eléctrica Nacional, SA

A. O Acórdão de 22-06-2020 do Supremo Tribunal Administrativo dá como cumpridos os três requisitos essenciais patentes no artº 120º do CPTA necessários para o provimento de uma providência cautelar: (i) periculum in mora (ii) fumus boni iuris e (iii) princípio da proporcionalidade.
B. Entende o Ilustre Supremo Tribunal, quanto ao periculum in mora, que pelo descrito nos autos não é «(...) difícil reconhecer que existe um fundado receio de que a demora na obtenção de uma decisão final no processo principal cause prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação (...)»
C. E isto porque, considera e bem, que o que o ato suspendendo vem fazer é atribuir uma nova caracterização aos solos de Mondim de Basto que facilitem e agilizem o licenciamento (dado como certo) das obras relativas às Linhas de Muito Alta Tensão;
D. Existe, assim, um fundado receio que, a demora na decisão final, implique uma construção imediata de acesso; estaleiros; postes de eletricidade destruindo, destarte e de imediato, fauna e flora, descaracterizando a paisagem de Mondim de Basto, colocando - de imediato - em risco várias atividades económicas como a do turismo; vôo livre e parapente; bem como a destruição de peças arqueológicas que, aliás, a própria Resolução reconhece como de destruição inevitável;
E. Começando, de imediato, os níveis de ruído insuportáveis à permanência constante por parte dos habitantes de Mondim de Basto;
F. Níveis sonoros esses que foram avaliados, a pedido da entidade com interesse em construir - A REN -, por uma empresa não acreditada para o efeito e que, segundo um estudo pedido a posteriori pela própria Câmara de Mondim de Basto, agora já a uma empresa acreditada, contem várias imprecisões e erros.
G. Fundado receio esse que também se sedimenta nos perigos para a Saúde Pública que, apesar de ainda por contabilizar na totalidade, acarretam riscos reconhecidos por todos mas que se parece querer fazer olvidar para a construção - a todo o custo - da mesma Linha de Muito Alta Tensão.
H. E que, assentando o nº 1 do artº 120º num juízo de probabilidade os mesmo estava mais do que verificado.
I. Nunca conseguindo a REN demonstrar, nas suas alegações, o motivo pelo qual os interesses defendidos pela autarquia de Mondim de Basto devem ser relegados para segundo plano;
J. Aliás, olvidando, em parte, os documentos comprovativos desses mesmos prejuízos;
K. Fazendo, no seu esquecimento, crer que eles nunca tinham sido alegados;
L. O que, não constitui, como o Ilustre Supremo Tribunal Administrativo viu - e bem - a verdade;
M. Aliás, o que constitui verdade é que a REN nunca consegui demonstrar o motivo de considerar as suas pretensões de, como afirma, «(...) primeira grandeza (...)»
N. Dando a entender, aliás, que as mesmas se superam aos interesses pela Saúde Pública das populações;
O. Quando nem base legal tem para fazer determinada afirmação;
P. Dado o RJIGT não reconhecer tal prevalência como o Douto Acórdão também o diz «(...) o nº 2 do mesmo artigo, não obstante, ressalva a prevalência de determinados interesses, entre os quais não figuram, porém, os interesses da política energética defendidos (...)»
Q. Não tendo base legal para o querer fazer a não ser a RCM 197/2019 que vem, como diz o Ilustre Supremo Tribunal Administrativo, «(...) o que a RCM n.9 178/2019 faz é suspender a legalidade para permitir que a realidade possa ser ilegalmente alterada (...);
R. Querendo, a REN, através deste atropelo jurídico, "plantar" os seus postes de muito alta tensão - bem como toda a infraestrutura inerente - criando prejuízos alguns irreparáveis e outros de muito difícil reparação.
S. Considera, ainda, o Ilustre Supremo Tribunal Administrativo, quanto à verificação do fumus boni iuris que se verifica o requisito dado que é «(...) provável que a pretensão formulada pelo Requerente no processo principal venha a ser julgada procedente (...)»
T. A construção da Linha de Muito Alta Tensão ficou, de entre outros requisitos, subordinada à obtenção do Reconhecimento de Interesse Municipal pelo DCAPE e pelo próprio PDM de Mondim de Basto - cfr. artº 38/2/c)
U. Reconhecimento, esse que, diga-se e reafirme-se nunca foi pedido pela REN à autarquia de Mondim de Basto;
V. Não obstante as várias tentativas e contactos que a autarquia teve para agilizar o processo; encontrar traçados alternativos e chamar à discussão da então revisão do PDM os principais interessados;
W. Que, como também vimos, nunca marcaram presença nem se fizeram representar;
X. Indo, mesmo, mais longe e dizendo que não estava prevista qualquer obra para os territórios de Mondim de Basto ligado às Linhas de Muito Alta Tensão;
Y. Não colhendo aceitação, de forma alguma, a afirmação - por parte da REN - de que o município de Mondim de Basto não só não cooperou como ainda obstaculizou à construção das Linhas de Muito Alta Tensão.
Z. Quando o Município sempre se mostrou disponível para encontrar traçados alternativos - que não passassem a menos de 80m de algumas populações, por exemplo.
AA. Traçados alternativos esses que a REN nunca se mostrou preocupada em encontrar;
BB. Nem a cooperar com o Município de Mondim de Basto.
CC. Vindo, para suprir o principal obstáculo ao licenciamento, como por toque de mago, a Presidência do Conselho de Ministros através da RCM 178/2019, fazer desaparecer o principal obstáculo a implantação das Linhas de Muito Alta Tensão no território de Mondim de Basto;
DD. Suspendendo de forma parcial, unilateralmente, o PDM de Mondim de Basto, durante dois anos, para permitir que o licenciamento da Linha de Muito Alta Tensão fosse conhecer bom porto.
EE. E fá-lo em detrimento e desrespeito absoluto e numa clara violação ao princípio constitucional da autonomia local e ao princípio da segurança jurídica dos cidadãos e da administração pública local;
FF. Constituindo, para além de um perigo para a saúde das populações e acarretando enorme prejuízos para economia e para a morfologia do território de Mondim de Basto um ataque cerrado a alguns dos mais importantes e basilares pilares do Estado de Direito Democrático.
GG. Autonomias e princípios esses que a REN nunca consegue demonstrar onde foram cumpridos e/ou onde existiu excesso de pronúncia ou erro no julgamento.
HH. Excesso de pronúncia esse que tenta usar como vício para atacar o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo por ter conhecido da LBPSOTU
II. Mas excesso esse que, como já vimos, é um perfeito dislate jurídico sem qualquer fundamentação legal.
JJ. Por fim, conclui o Douto Acórdão que «(..) feita a ponderação exigida pelo nº 2 do artigo 120º do CPTA, os danos que resultarão da concessão da providência não se mostram superiores àqueles causados pela sua recusa»;
KK. E tanto assim o é que nas suas alegações, a REN, nunca em momento algum demonstra os verdadeiros prejuízos que afectam o seu putativo licenciamento e construção das Linhas de Muito Alta Tensão;
LL. Muito menos que sejam superiores aos interesses das populações de Mondim de Basto;
MM. Que, coisa diferente do que acontece com o Município de Mondim de Basto, para além dos danos físicos de ter "plantados" postes de electricidade e toda a infraestrutura em volta necessária para a sua concretização, demonstra também os danos que podem surgir no ordenamento jurídico numa violação desta natureza;
NN. Aliás, como reconhece o próprio Ilustre Supremo Tribunal Administrativo, «(...) sendo que no nosso quadro constitucional de autonomia local e de descentralização administrativa, não é possível, em abstrato, e à priori, estabelecer uma regra de prevalência de interesses públicos nacionais ou regionais sobre interesses públicos locais.» [Negrito e Sublinhado nossos]
OO. Que, como já vimos, nem a própria lei estabelece essa superioridade no que concerne à política energética que a REN defende.
PP. E que, no caso concreto, esta política energética pode estar "condenada" desde o início.
QQ. Ora, senão vejamos a sua principal função: alimentar uma barragem que já "nem vai sair do papel".
RR. Como pode vir a REN, sabendo disto, dizer que, mesmo assim, tem uma importância superior à vida e à saúde das populações que nesse território habitam e que, para além de puderem ficar privadas dos seus meios de sustento - economicamente - podem ainda vir a ter graves problemas a nível de saúde;
SS. Não pode e, por esse motivo, ao longo dos seus cinco argumentos não o consegue fazer.
TT. Com todos estes factores tidos em conta entendeu o Ilustre Supremo Tribunal Administrativo, e muito bem, deferir a Providência Cautelar até resolução da causa principal;
UU. Algo que, em momento algum, nas suas alegações, REN conseguiu refutar e demonstrar que não seria o sentido correto na longa estrada que é a da prossecução boa justiça.

*
3- O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do “provimento parcial dos recursos entendendo-se que o acórdão recorrido deve ser revogado e indeferida a providência cautelar requerida.”.
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4- Substituídos os vistos legais pela entrega das competentes cópias aos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.




II – Fundamentação


1. De facto


A. Em 23 de outubro de 2019 foi publicada no DR, Iª série, a Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n° 178/2019, com o seguinte teor;
«O Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico (PNBEPH) contempla dez aproveitamentos hidroelétricos, nos quais se incluem o de Gouvães, nos rios Torno/Tâmega, bem como os de Alto Tâmega e Daivões, no rio Tâmega.
O PNBEPH constitui-se como uma alavanca importante para o cumprimento dos objectivos nacionais de redução de emissões de gases com efeito de estufa, designadamente os fixados no Pacote Energia-Clima, bem como para os objetivos da Estratégia Nacional para a produção de energia por fontes renováveis.
O conjunto de centrais de Gouvães, Daivões e Alto Tâmega tem a sua localização numa zona do território nacional onde, no presente, não existem infraestruturas da rede nacional de transporte de eletricidades (RNT) que possibilitem a integração e transporte da energia destes aproveitamentos hidroelétricos.
Face a esta limitação e tendo em consideração o elevado montante de potência instalada previsto para este conjunto de centrais, ascendendo a cerca de 1150 MW, nos estudos de rede desenvolvidos no âmbito do PNBEPH foi identificada a necessidade de expansão da RNT com o futuro eixo 400 kV Ribeira de Pena-Feira, no qual a nova subestação de Ribeira de Pena constitui o ponto da RNT onde serão diretamente ligadas as referidas centrais.
Neste enquadramento, a abertura da futura subestação da RNT em Ribeira de Pena tem como um dos seus principais objetivos reduzir, na medida do possível e tecnicamente razoável, a distância das infraestruturas da RNT relativamente aos mencionados aproveitamentos hidroelétricos, minimizando deste modo o impacto da ligação à rede destes centros eletroprodutores, mediante uma redução da extensão necessária de novas linhas.
Adicionalmente, a subestação de Ribeira de Pena poderá vir a consubstanciar também um futuro ponto de receção de nova geração renovável a ó0 kV, assim como providenciar um melhor apoio aos consumos da rede local de distribuição, com a instalação, mais tarde, de transformação a 400/60 kV.
Simultaneamente, a região de Trás-os-Montes, constitui uma zona do país caracterizada por um potencial eólico significativo, estimando-se que novos projetos de produção eólica possam vir a instalar- se futuramente nesta região. Atendendo a este potencial e à insuficiência de capacidade local na RNT para receção de nova produção, foi identificado o interesse no reforço da atual rede de 220 kV na zona, mediante a constituição de uma ligação a 220 kV entre as atuais subestações de Vila Pouca de Aguiar e do Carrapatelo. Essa ligação, quando implementada, no seu traçado entre Ribeira de Pena e Carrapatelo tirará partido do eixo Ribeira de Pena-Feira, através de uma partilha de apoios.
A Linha Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar a 220/400 kV, no troço entre a subestação do Carrapatelo e a subestação de Ribeira de Pena, abrange áreas do concelho Mondim de Basto, em que é aplicável o Plano Diretor Municipal de Mondim de Basto, publicado pelo Aviso n° 11884/2015, publicado no Diário da República, 2ª série, n.° 203, de 16 de outubro. De acordo com a planta de ordenamento do referido plano diretor municipal, a Linha Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar, a 220/400 kV, no troço entre a subestação do Carrapatelo e a subestação de Ribeira de Pena, localiza-se em espaços cujas utilizações exigem uma compatibilidade com os usos que agora se pretendem atribuir para a execução desta linha, tomando-se necessário proceder à suspensão parcial daqueles instrumentos de gestão territorial.
Por outro lado, face ao risco de ocorrência de alterações na ocupação, uso e transformação de solos que possam comprometer a futura concretização da Linha Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar, a 220/400 kV, no troço entre a subestação do Carrapatelo e a subestação de Ribeira de Pena, ou torná-la mais difícil ou onerosa, é necessário estabelecer medidas preventivas que acautelem a necessidade de programação e a possibilidade de execução desta.
Portugal não possui reservas significativas de combustíveis fósseis, pelo que os recursos energéticos endógenos exploráveis se resumem às energias renováveis, de entre as quais sobressaem as energias hídrica e eólica, pela sua maturidade tecnológica e competitividade de custos para o sistema energético nacional. A exploração destes recursos permitirá, por conseguinte, o aumento da segurança energética e a redução de emissões, pelo que as infraestruturas de transporte são essenciais e de reconhecido interesse nacional, sendo que os impactos resultantes da prática dos atos acima referidos são social e economicamente mais relevantes do que os inconvenientes que eventualmente resultem das medidas preventivas ora estabelecidas, que são indispensáveis para a execução do projeto.
Na seleção destas medidas foram tidos em conta, além do interesse nacional inerente à concretização da linha, também os demais interesses em presença, razão pela qual houve o cuidado de permitir que, na área abrangida, possam continuar a ser desenvolvidas as atividades agrícolas e florestais inerentes ao solo rural.
O projeto da Linha do Carrapatelo -Vila Pouca de Aguiar, a 220/400 kV, obteve uma Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada.
Foi ouvido o município de Mondim de Basto.
Foi promovida a audição da Comunidade lntermunicipal do Ave.
Assim:
Nos termos dos n°s 2 e 3 do artigo 52° da Lei n° 31/2014, de 30 de maio, na sua redação atual, da alínea a) do n° 1 do artigo 126°, do n° 8 do artigo 134.º, do n.° 3 do artigo 137.º, dos artigos 139.°, 140.° e 141.° do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n° 80/2015, de 14 de maio, e da alínea g) do artigo 199.° da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Suspender, pelo prazo de dois anos, nas áreas identificadas na planta constante do anexo à presente resolução e da qual faz parte integrante, a eficácia das disposições do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Mondim de Basto aplicáveis nas áreas classificadas como:
a) «Espaço Agrícola» constantes dos artigos 19.º, 26.º e 27.º;
b) «Espaço Florestal de Conservação» constantes dos artigos 19.º, 29.º, 31.º e 32.º;
c) «Espaço Florestal de Produção» constantes dos artigos 19.º, 29.º, 34.º e 35.º;
d) «Espaço Natural» constantes dos artigos 19.º, 37.º e 38.º
2 - Sujeitar as áreas referidas no número anterior, pelo prazo de dois anos, a medidas preventivas que consistem na proibição das ações referidas no n.° 4 do artigo 134.º do Decreto-Lei n.° 80/2015, de 14 de maio, sendo aplicável o disposto nos n°s 5 e 6 do mesmo artigo.
3 - Excecionar do disposto no número anterior todos os atos e ações destinados à execução da Linha Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar, a 220/400 kV, no troço entre a subestação do Carrapatelo e a subestação de Ribeira de Pena.
4 - Determinar que o disposto no n° 2 não se aplica às atividades agrícolas e florestais compatíveis com o solo rústico que não impliquem a construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou a instalação de estabelecimentos industriais.
5 - Estabelecer que a fiscalização do cumprimento do disposto na presente resolução compete à Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., e à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte.
6 - Determinar que a Linha Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar, a 220/400 kV, no troço entre a subestação do Carrapatelo e a subestação de Ribeira de Pena, deve ser considerada na elaboração, alteração ou revisão de todos os instrumentos de gestão territorial com incidência nas áreas identificadas na planta constante do anexo à presente resolução.
7 - Determinar que a presente resolução produz efeitos no dia seguinte ao da sua publicação.
ANEXO (a que se referem os n°s 1 e 6) Extrato da planta que identifica as áreas do Plano Diretor Municipal de Mondim de Basto abrangidas pela suspensão parcial e sujeitas a medidas preventivas [...]»
B. Dá-se por reproduzido o teor da exposição apresentada pela Câmara Municipal de Mondim de Basto, datada de 19.04.2013, no âmbito da consulta pública do procedimento de avaliação de impacte ambiental n° 2621 - cfr. fls. 21 a 29 dos amos [processo físico]
C. Dá-se por reproduzido o teor da declaração parcialmente desfavorável de avaliação impacte ambiental (AIA) n° 2363 de 30.09.2011, relativa ao Eixo da Rede Nacional de Transportes (RNT) entre Carrapatelo, Fridão, Ribeira de Pena e Vila Pouca de Aguiar - fls. 30 a 37 dos autos [processo fisico];
D. Dá-se por reproduzido o “Título único Ambiental” e a decisão sobre a Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (Anexo ao TUA) - cfr. fls. 38 a 50 [processo físico]
E. Dá-se por reproduzida a pronúncia que o Município de Mondim de Bastos, na qualidade de contrainteressado no procedimento de verificação da conformidade ambiental do projeto de execução da Linha de Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar, intentado pela REN, dirigiu ao Secretário de Estado do Ambiente - cfr. fls. 51 a 62 dos autos [processo físico];
F. Dá-se por reproduzido o Parecer final/Comissão de Acompanhamento referente ao PDM de Mondim de Basto, elaborado em setembro de 2014 - cfr. fls. 63 a 76 dos autos [processo físico];
G. Dá-se por reproduzido o teor da declaração do Presidente do Clube de Parapente de Basto - cfr. fls. 135 dos autos [processo físico];
H. Dá-se por reproduzido o teor da tomada de posição da Federação Portuguesa de Voo Livre -cfr. fls. nó dos amos [processo físico];
I. Dá-se por reproduzido o Relatório de Ensaio/Medição dos Níveis de pressão Sonora, datado de 18.06.2015 - cfr. fls. 138 a 160 [processo físico];
J. Dá-se por reproduzido o teor do Relatório de Ensaio/Medição dos Níveis de Pressão Sonora elaborado em 14.06.2018 - cfr. fls.161 a 189 [processo físico];
K. Dá-se por reproduzido o teor do documento denominado “Análise Técnica a Documentação de Ruído” elaborado a solicitação do Município de Mondim de Basto - cfr. fls. 190 a 191 dos autos [processo físico];
L. Dá-se por reproduzido o teor das cartas enviadas pela REN-S.A. ao Presidente da Câmara Municipal de Mondim de Basto, com data de 09.06.2010 e de 16.02.201 1 - cfr. fls. 236 e 237 dos autos [processo físico];
M. Dá-se por reproduzido o teor da declaração de avaliação de impacto ambiental n° 2621 relativa ao “Eixo da RNT entre Carrapatelo, Fridão, Ribeira de Penas e Vila Pouca de Aguiar, a 400KV - reformulação dos troços 4, 5, 6, e 10 das Localizações para a Subestação de Ribeira de Penas”, cuja DIA favorável condicionada foi emitida a 12.07.2013 - cfr. fls. 248 a 258 [processo físico];
N. Dá-se por reproduzido o teor dos documentos emitidos pela Agência Portuguesa do Ambiente - cfr. fls. 259 a 273 [documento físico];
O. Dá-se por reproduzido o teor do Parecer da Comissão Técnica de Avaliação - Estudo (prévio) de Impacte Ambiental - cfr. fls. 298 a 345 dos autos [processo físico];
P. Dá-se por reproduzido o teor da informação prestada pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte à Agência Portuguesa do Ambiente 25.03.2013, cujo teor se dá aqui por reproduzido [processo físico], bem como a troca de correspondência entre a Câmara Municipal de Mondim de Basto e a REN - cfr. fls. 347 a 355 dos autos [processo físico];
Q. Dá-se por reproduzido o teor da Resolução Fundamentada emitida pelo Secretário de Estado Adjunto e da Energia - cfr. fls. 364 v° a 368 dos autos [processo físico];
R. Dá-se por reproduzido o teor da informação dirigida pela Agência Portuguesa do Ambiente à Chefe de Gabinete do Ministro do Ambiente e respetivos anexos, com data de 15.07.2019 - cfr. fls. 435 e 436 [processo físico];
S. Em 18.07.2019 foi enviado ao Presidente da Câmara Municipal de Mondim de Basto, proposta de resolução do Conselho de Ministros, para que aquele se pronunciasse, nos termos do disposto na al. a) do n° 1 do art° 126° do DL n° 80/2015 de 14.05 - cfr. fls. 437 a 440 dos autos [processo físico];
T. Na mesma data, foi ainda enviado pela Chefe de Gabinete da Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, carta dirigida ao Presidente do Conselho Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal do Ave, nos termos e para os efeitos do disposto na norma citada no ponto anterior, solicitando pronúncia sobre a proposta de suspensão do PDM de Mondim de Basto - cfr. fls. 443 a 446 que aqui se dão por reproduzidas [processo físico];
U. Em 14.08.2019 o Presidente do Conselho Intermunicipal manifestou a preocupação da CIM do Ave com a implementação de uma linha de alta tensão que possa colocar em causa projetos de âmbito municipal/ou intermunicipal - cfr. fls. 447 cujo teor se dá aqui por reproduzido;
V. Em 14.08.2019 o Presidente da CM de Mondim de Basto dirigiu resposta à proposta de suspensão do PDM à Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza - cfr. fis. 448 e 449, cujo teor se dá aqui por reproduzido.


2. De direito

Entre os diversos fundamentos dos recursos a respeito de erros de julgamento do acórdão recorrido na interpretação e aplicação do disposto no artigo 120.º do CPTA, avulta a arguição pela REN de nulidade daquele aresto por excesso de pronúncia, a qual se impõe conhecer em primeiro lugar.


2.1. Da nulidade por excesso de pronúncia

2.1.1. A Recorrente REN alega, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido enferma de nulidade por excesso de pronúncia, atento o facto de na apreciação que faz do requisito legal do fumus boni iuris: “apreciar uma pretensa violação pelo acto suspendendo de disposições legais da LBPSOTU, nomeadamente artigo 9.°, 46.°, 52.°, 53.°, do RJIGT, nomeadamente artigo 3.° e no princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, sem que tais vícios tenham sido alegados pelo Município no requerimento inicial”. Por esta razão, concluiu a Recorrente que ao “atender a outras causas prováveis de invalidade do ato suspendendo e a fundamentos não alegados (…) o acórdão recorrido violou o princípio do dispositivo e fez errada interpretação e aplicação do artigo 114.º, n.° 1 al. g) do CPTA) e, no mesmo passo, incorreu em excesso de pronúncia, conhecendo de fundamentos cujo conhecimento lhe estava vedado”.

A Recorrente alega ainda, em complemento, que o disposto no n.º 3 do artigo 95.º do CPTA [“[N]os processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo contraditório”] não é aplicável às providências cautelares, mesmo que instrumentais de processos impugnatórios, e, ainda que se pudesse entender de outra forma, sempre haveria nulidade do acórdão por não ter sido exercido o contraditório.

E tem, como veremos, razão a Recorrente.

Com efeito, compulsados os fundamentos apresentados pelo Município de Mondim de Basto no requerimento inicial, verifica-se que o mesmo apenas sustentou o fumus boni iuris na violação [por parte da Resolução do Conselho de Ministros, à qual atribuiu a natureza jurídica de acto administrativo] i) do princípio constitucional da autonomia do poder local, na dimensão de ingerência do Estado na gestão dos interesses locais das populações e da respectiva saúde e bem-estar no âmbito da gestão dos solos (artigos 68.º a 75.º do R. I.) e da discricionariedade de planeamento (artigos 95.º a 103.º do R. I.); ii) do princípio da segurança jurídica, atenta a confiança jurídica gerada pelo conteúdo das normas do PDM em vigor, cuja validade e eficácia são reconhecidas pela APA, mesmo perante o projecto em causa, condicionando-o, por isso, à obtenção do reconhecimento de interesse municipal (artigos 76.º-77.º e 104.º a 114.º todos do R.I.); e iii) na ilegitimidade do uso da Resolução do Conselho de Ministros (abuso de forma) para “solucionar” (ou ingerir-se por esta via) um diferendo que estava pendente no âmbito de um recurso tutelar interposto pela REN relativamente à decisão sobre a conformidade ambiental do projecto de execução daquela infra-estrutura (artigos 78.º a 94.º do R.I.).

Já o acórdão recorrido fundamenta amplamente a “elevada probabilidade [de] as pretensões formuladas pelo Requerente” serem julgadas procedentes na acção principal nos seguintes argumentos a respeito do requisito do fumus boni iuris: i) “pese embora a construção da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar seja necessária para operacionalizar os aproveitamentos hidroeléctricos de Gouvães, nos rios Torno/Tâmega, e os de Alto Tâmega e Daivões, também no rio Tâmega, ambos contemplados num programa setorial — o Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) — a mesma não está diretamente suportada num instrumento de gestão territorial que viabilize a sua concretização, ou que imponha aos órgãos dos municípios por ela atravessados, nomeadamente o de Mondim de Basto, o dever de promover a atualização do regime de uso solo definido nos respectivos planos diretores municipais, com essa especifica finalidade”; ii) “a suspensão do PDM de Mondim de Basto pelo prazo de dois anos, para permitir a construção do empreendimento em questão, sem que a realização desse empreendimento esteja ou venha a estar, ela própria, suportada num outro instrumento de gestão territorial (…) não tem suporte legal e viola o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos; iii) “admitir que a Câmara Municipal fica, obrigada a promover a alteração ou a revisão do PDM de Mondim de Basto por efeito da adoção das medidas preventivas estabelecidas por esta RCM (…) viola claramente o princípio da autonomia local, que não consente, exceto ao nível da adequação normativa entre instrumentos de gestão territorial, nos termos previstos e regulados na LBPSOTU e no RJIGT, a substituição da vontade dos órgãos municipais pela do Governo, quer quanto à oportunidade, quer quanto à conformação do conteúdo dos planos municipais”; e iv) “a legitimidade da resolução suspendenda é ainda diminuída pela circunstância de o processo de revisão do PDM de Mondim de Basto ter ocorrido há relativamente pouco tempo, tendo sido concluído em 2015, num momento em que aqueles aproveitamentos hidroelétricos, e a linha de muito alta tensão em questão, já se encontravam previstos pelos respetivos instrumentos de política energética, sem que o Governo tenha adotado os procedimentos administrativos e praticado os atos devidos para assegurar que aquele plano incorporasse as opções de política de ordenamento do território, e de política setorial, necessárias à prossecução de interesses públicos nacionais ou regionais” (v. ponto 19 do acórdão recorrido).

Das transcrições anteriores resulta relativamente claro que o Município alegou como fundamento do fumus boni iuris a violação do princípio da autonomia do poder local por ingerência do Estado na gestão dos interesses locais das populações e da respectiva saúde e bem-estar no âmbito da gestão dos solos e por desrespeito da discricionariedade de planeamento municipal, ou seja, o município argumentou apenas no plano da constitucionalidade [não apresentando dimensões concretizadoras (vícios concretos) daquela violação no plano da legalidade], por considerar que o Estado não poderia impor-lhe a obrigação de suportar a implantação daquelas infra-estruturas no seu território, contra o que ele (Município) entendia ser o bem-estar da população expresso através do seu poder de representação e defesa dos interesses locais e da sua margem de livre conformação do conteúdo dos planos municipais de ordenamento do território. Já o acórdão optou, expressamente, por reconduzir a questão ao plano da legalidade ― como resulta verbalmente da seguinte passagem: “[o] quadro normativo descrito permite compreender que é no quadro das relações entre instrumentos de gestão territorial, nomeadamente entre planos e programas, que se assegura a prevalência dos interesses públicos nacionais ou regionais sobre os interesses locais, estabelecendo relações de subordinação dos planos aos programas, e impondo-lhes um dever de atualização do seu regime de uso do solo sempre que aqueles programas sejam aprovados, revistos ou alterados” ― para chegar depois à violação da autonomia do poder local por falta de adopção/aprovação pelo Estado-Governo dos instrumentos de gestão territorial necessários para assegurar a prevalência da afectação do solo à implantação daquela infra-estrutura e à legítima subordinação do poder municipal de ordenamento do território àquela vinculação de interesse nacional.

Ao decidir assim, o acórdão recorrido conhece, efectivamente, de um fundamento do fumus boni iuris que não vinha alegado pelo Município Requerente e que também não foi expressamente suscitado nos articulados de oposição àquele apresentados pelos Requeridos.

Porém, como também alega o Recorrente, para que se possa reconduzir esta decisão a um excesso de pronúncia, previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) in fine do CPC, é necessário que se conclua que o Tribunal recorrido “conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento”. É neste contexto que surge a questão da possível aplicação ou não às providências cautelares instrumentais de processos impugnatórios do disposto no n.º 3 do artigo 95.º do CPTA: “[N]os processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório”. Em outras palavras, importa saber se no âmbito deste tipo de providências cautelares o Tribunal se deve considerar estritamente vinculado ao princípio da limitação pela causa de pedir e, portanto, aos fundamentos do pedido apesentados pelas partes (sendo um ónus do Requerente apresentar os fundamentos que suportam a probabilidade do sucesso da sua pretensão na acção principal) ou se, pelo contrário, o elemento objectivista do modelo de contencioso movido a um acto que vem acolhido no referido artigo 95.º, n.º 3 do CPTA se deve, ou pelo menos pode, considerar extensível também às providências cautelares instrumentos de processos impugnatórios.

A resposta à questão antes formulada não pode deixar de ser negativa pelas razões que sumariamente elencamos: i) primeiro, porque essa possibilidade (a de conhecer fundamentos do pedido que não venham alegados) não se encontra legalmente prevista no âmbito das providências cautelares (o âmbito de aplicação do artigo 95.º, n.º 3 do CPTA limita-se ao julgamento dos processos impugnatórios), pelo que falha o pressuposto essencial da legalidade que seria necessário para legitimar essa intervenção do juiz; ii) segundo, porque o carácter urgente do processo, a análise perfunctória da probabilidade do sucesso que o Requerente alcançará na causa principal e o juízo de ponderação entre os interesses em presença que o Tribunal tem de fazer segundo o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º do CTPA, não se compaginam com a busca pelo juiz (ou mesmo a simples identificação e promoção do contraditório) de fundamentos de invalidade do acto não alegados pelas partes; iii) terceiro, porque essa intervenção judicial na identificação de causas de invalidade não alegadas pelas partes é contrária ao princípio do dispositivo, que caracteriza e informa as providências cautelares, incluindo as que são instrumentais dos processos impugnatórios, pois as providências cautelares destinam-se apenas a acautelar o efeito útil da decisão no processo principal para o respectivo requerente, sendo o seu interesse (ou aquele que ele representa) que por esta via se acautela e não o interesse público geral da prevalência da legalidade na actuação administrativa, ou mesmo o da resolução global do litígio, sendo estes últimos aqueles que o referido artigo 95.º, n.º 3 do CPTA pretende acolher, e que, pela sua natureza, só tem sentido que sejam acautelados em sede de acção principal; e iv) por último, porque existe uma diferença de objecto entre a providência cautelar e a acção principal num processo impugnatório, pois na primeira, como já dissemos, assegura-se que o interesse que o Requerente pretende vir a fazer valer na acção principal não perde utilidade e no segundo julga-se a legalidade do acto – e sendo já questionável por uma parte significativa da doutrina o abandono do papel processual de “supra partes” que o juiz deve assumir no âmbito da acção processual, menos ainda se poderia compreender que ele (o juiz), no âmbito da acção cautelar, se apresentasse como “auxiliar do Requerente”, não só no contexto da defesa dos interesses que o mesmo pretendesse valer naquele meio cautelar (desvirtuando assim, à partida, um juízo que é chamado a realizar afinal a respeito da ponderação dos interesses em presença, no âmbito do artigo 120.º, n.º 2 do CPTA), mas ainda na futura acção principal, deixando indicações sobre novos vícios que aí devessem ser invocados.

A propósito deste último argumento, cumpre ainda lembrar que o actual n.º 3 do artigo 95.º do CPTA é um resquício do modelo processual objectivista, consubstanciando uma derrogação ao princípio da limitação do juiz pela causa de pedir, pelo que há-de ser interpretado e aplicado hoje, mesmo nas acções administrativas respeitantes a impugnações de actos administrativos, cum grano salis, como concluiu este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 28 de Outubro de 2009 (proc. 0121/09); desde logo, o juiz só poderá identificar causas de invalidade geradoras de anulação e não alegadas pelas partes se do processo constarem todos os factos necessários para o respectivo julgamento.

2.1.2. A Recorrente REN alega também nulidade por excesso de pronúncia a respeito do conhecimento no acórdão recorrido dos fundamentos do periculum in mora. Com efeito, afirma nas conclusões 10.ª e 11.ª com que remata as suas alegações que o acórdão recorrido não poderia ter considerado como prováveis «[…] os prejuízos “tendo em conta a desflorestação e a desmatação necessária ao atravessamento das linhas, as alterações que o seu traçado imporá à modelação dos terrenos, e o impacto das obras de construção civil que tem de ser realizadas para a execução de um projeto desta natureza, nomeadamente para construção dos apoios das linhas elétricas, das subestações, dos estaleiros, dos parqueamentos, dos depósitos e dos respetivos caminhos de acesso” quando tais prejuízos não foram, em momento algum, alegados pelo Município Requerente da Providência […]» e que «[…]não pode o Tribunal substituir-se à parte na alegação dos prejuízos suscetíveis de preencher o requisito do periculum in mora, [v. artigo 615.º/1/d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA] […]».

E também em relação a esta alegação tem razão a Recorrente, porquanto compulsado o requerimento inicial nada nele autonomiza como fundamento do periculum in mora, ou seja, para sustentar o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”. E mesmo a alegação de “problemas de bem-estar, saúde, fauna e flora, promoção e organização do território, afectação da utilização e modificação dos solos” decorrentes da construção da linha, que ali surgem referenciados entre os fundamentos da probabilidade de sucesso da acção principal (para sustentar o fumus boni iuris) (v. artigo 75.º do requerimento inicial) afigura-se demasiado vaga e imprecisa para que dela se possa retirar o conteúdo concreto que veio a ser densificado pelo acórdão recorrido na determinação do preenchimento deste requisito processual.

Assim, também quanto a este segundo fundamento de nulidade por excesso de pronúncia deverá proceder o alegado pela Recorrente.

Ora, tomando por base todas as razões antes aduzidas, teremos de concluir que o acórdão recorrido enferma da alegada nulidade por excesso de pronúncia na avaliação que faz dos pressupostos do artigo 120.º do CPTA.

Sendo julgada procedente a nulidade por excesso de pronúncia cabe a este Tribunal, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 684.º do CPC, suprir aquela nulidade e modificar a decisão recorrida na parte em que está inquinada pelo referido vício.

2.2. Da verificação in casu dos pressupostos do artigo 120.º do CPTA

As providências cautelares só podem ser decretadas se o tribunal, numa apreciação perfunctória e provisória, características da tutela cautelar, puder formar um juízo de probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a formular na acção principal. E como este Supremo Tribunal vem afirmando, « “[P]rovável” é o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça. E, no domínio jurídico em que ora nos situamos, isso exige que algum dos vícios atribuídos pelo requerente ao acto suspendendo se apresente já – na análise perfunctória típica deste género de processos – com a solidez bastante para que conjecturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do acto» [cfr. neste sentido, por todos, acórdão de 15 de Setembro de 2016 (proc. 0979/16)].
Cabe lembrar que o artigo 120.º do CPTA faz depender o deferimento das providências cautelares da existência cumulativa dos dois requisitos positivos enunciados no n.º 1, o “periculum in mora” e o “fumus boni iuris”, e ainda, segundo o n.º 2, da inexistência de danos superiores decorrentes da adopção da providência relativamente àqueles que possam resultar da sua não adopção, no âmbito do juízo de ponderação “dos interesses públicos e privados em presença”, sendo este juízo subsequente à verificação dos dois requisitos cumulativos antes mencionados.
Comecemos, então, por aferir da verificação do fumus boni iuris, relativamente ao qual se identificou, no aresto recorrido, o excesso de pronúncia.

O fumus boni iuris, já o dissemos, pressupõe um juízo positivo no plano da probabilidade da existência do direito que se pretende fazer valer, cabendo ao Requerente (é um ónus seu) trazer ao processo factos e argumentos que preencham esse juízo de probabilidade.
Na formação desse juízo de probabilidade, e como também tem sido sublinhado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, não basta alegar fundamentos (vícios do acto, no caso de providências impugnatórias) que em abstracto sejam susceptíveis de conduzir à anulação ou declaração de nulidade do acto impugnado, é necessário alegar fundamentos que, «(…) «in concreto», possuam a seriedade bastante para que, no juízo esquemático e provisório inerente à índole dos autos, permitam considerar provável o sucesso da causa principal (…)» (v., por todos, o aresto supra mencionado).
Exige-se, portanto, que o Requerente concretize as ilegalidades em que fundamenta o juízo de censura da medida impugnada; e estas têm de se apresentar com a solidez bastante para que o julgador possa ajuizar da sua presença in casu, bem como da sua pertinência.
E é essa concretização e solidez que não identificamos nas razões invocadas pelo Requerente para sustentar o fumus boni iuris.
Senão vejamos.
Alega o Requerente, em primeiro lugar, como vimos, a violação do princípio constitucional da autonomia do poder local, na dimensão de ingerência do Estado na gestão dos interesses locais das populações e da respectiva saúde e bem-estar no domínio da gestão dos solos (artigos 68.º a 75.º do R. I.) e da discricionariedade de planeamento (artigos 95.º a 103.º do R. I.).
Porém, o Município não identifica em que medida é que a suspensão do PDM, nos moldes em que foi determinada, irá comprometer projectos ou opções territoriais municipais de aproveitamento do solo, nem mesmo em que medida as alternativas que alega ter proposto, mas que igualmente não especifica, podem acautelar melhor a gestão territorial a que ele pretende dar execução ou a defesa dos interesses locais que representa. E era um ónus seu – já o dissemos – proceder a esta concretização, designadamente através da identificação de ilegalidades decorrentes da adopção das medidas preventivas cuja suspensão vem requerer; tanto mais que nem o projecto, nem as medidas suspendendas são uma novidade para o Município, seja por ele ter sido ouvido acerca do projecto da Linha do Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar no âmbito da avaliação de impacte ambiental do projecto de licenciamento (ponto B da matéria de facto assente), seja por ter sido também consultado sobre a suspensão pelo período de 2 anos do Regulamento do PDM, como se afirma na Resolução do Conselho de Ministros e não é por ele contestado.
A alegação da violação do princípio da autonomia do poder local, nos termos em que vem formulada – i) “risco de impacte negativo nas populações”; ii) “consequências para a saúde e bem-estar das mesmas”; iii) “problemas de bem-estar, saúde, fauna e flora, promoção e organização do território, afectação da utilização e modificação dos solos”; iv) “lesão da confiança dos cidadãos e ainda v) discricionariedade de planeamento municipal – não apresenta, em termos perfunctórios, qualquer fundamento válido que juridicamente a demonstre e suporte.

Alega em segundo lugar o Requerente que existe também violação do princípio da segurança jurídica, atenta a confiança jurídica gerada pelo conteúdo das normas do PDM em vigor, cuja validade e eficácia são reconhecidas pela APA, mesmo perante o projecto em causa, condicionando-o, por isso, à obtenção do reconhecimento de interesse municipal (artigos 76.º-77.º e 104.º a 114.º todos do R.I.). A este respeito importa destrinçar duas dimensões: em primeiro lugar, que na gestão territorial confluem normalmente interesses locais e supramunicipais (nacionais e até, por vezes, transfronteiriços) e que as regras legais disciplinam a relação entre eles e as suas formas de harmonização (artigos 26.º a 29.º do RJICT), bem como o modo de operacionalizar essas relações entre planos, pelo que a confiança jurídica na estabilidade das soluções vertidas num PDM depende da legalidade e legitimidade das mesmas, designadamente da respectiva conformidade com os planos hierarquicamente superiores e com a compatibilização de usos com planos e programas com os quais o PDM se deva coordenar (artigo 27.º, n.º 2 do RJIGT). Assim, este argumento só poderia ser acolhido como fundamento apto a demonstrar o fumus boni iuris, ainda que numa análise perfunctória (repetimos), se o Município tivesse concretizado em que medida é que aquela confiança legítima se teria de ter por violada, ou seja, porque é que os destinatários das normas do PDM deveriam confiar em que as opções aí definidas para o aproveitamento do solo não teriam de “ceder” perante a implantação de um projecto de interesse nacional, cuja construção estava projectada em fase anterior à revisão do PDM. E sobre isto o Município nada diz, pelo que também não pode aceitar-se este argumento como válido para suportar a probabilidade de sucesso da acção principal.

Por último, o Município alega ainda como fundamento da probabilidade de sucesso da acção principal a ilegitimidade do uso da Resolução do Conselho de Ministros para solucionar um diferendo que estava pendente no âmbito de um recurso tutelar interposto pela REN relativamente à decisão sobre a conformidade ambiental do projecto de execução daquela infra-estrutura (artigos 78.º a 94.º do R.I.). Associando a este aparente “vício” de abuso de forma pelo Governo um também aparente “vício de abuso do direito” decorrente da não participação activa da REN no procedimento de revisão do PDM, o que teria gerado no Município uma expectativa de que aquele corredor da linha teria sido abandonado. Porém, neste arrazoado não se concretiza igualmente o preenchimento dos requisitos do abuso de direito. Do que vem alegado pelo Requerente não conseguimos desde logo descortinar em que medida é que o atraso na decisão do meio de impugnação administrativa do acto respeitante à execução do projecto e à sua conformidade com a DIA, que se reporta ao procedimento de licenciamento do projecto, e que é, portanto, uma questão diferente da medida preventiva de suspensão do plano, se reflecte na (in)validade das medidas aprovadas pela Resolução do Conselho de Ministros.
E mesmo que a intenção do Requerente neste ponto fosse a de demonstrar que o atraso na decisão da impugnação administrativa se prende com a circunstância de o Município ter uma probabilidade séria de vir aí a obter vencimento, fica por alegar e mostrar em que medida é que o indeferimento da pretensão da REN naquela impugnação administrativa se traduz na ilegalidade da adopção da medida preventiva. Também quanto a este fundamento não procede a sustentação do fumus boni iuris.

Não estando preenchido in casu o requisito do fumus boni iuris a medida de cautelar não poderia proceder ainda que se concluísse estar demonstrado o periculum in mora. Mas quanto a este ponto vale a pena acrescentar que também em relação a esse requisito a formulação adoptada pelo Município de Mondim de Basto não se afigura suficientemente fundamentada.
Seja quando alega os perigos abstractos que decorrem da previsível implantação da infra-estrutura para a saúde e para o bem estar das populações, a que associa problemas na fauna e na flora –, perigos que o Requerente, de resto, invoca no articulado como fundamentos do fumus boni iuris –, uma vez que os apresenta como perigos abstractos e não como perigos concretos que se sobreponham, inclusive, às medidas preventivas adoptadas pela REN no projecto, a que acresce o facto de os mesmos corresponderem a eventuais perigos que devem ser acautelados em sede de licenciamento do projecto e não propriamente no âmbito dos actos e procedimentos respeitantes à determinação da respectiva localização no território. Não se esqueça que o Município nada refere quanto a eventuais erros ou omissões relativos a uma avaliação ambiental estratégica dos planos urbanísticos onde a localização daquele projecto poderia e deveria ter sido analisada e discutida.
Seja ainda quanto à irreversibilidade que poderia resultar de um licenciamento do projecto que pudesse ocorrer na pendência da acção principal, fosse quanto a uma futura remoção das infra-estruturas, fosse quanto à perda de chance de realização de qualquer projecto municipal.

E mesmo quanto ao juízo de ponderação dos interesses em presença, o Requerente olvida e não toma em consideração, nem refuta, que as medidas adoptadas se apresentam como instrumento de conciliação entre o interesse nacional inerente à concretização da linha e os demais interesses em presença; uma ponderação que surge consubstanciada no cuidado de permitir que, na área abrangida, possam continuar a ser desenvolvidas as actividades agrícolas e florestais inerentes ao solo rural.

De todas as razões precedente resulta que o Requerente não logrou preencher os requisitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º do CPTA, fundamentalmente, que não estão preenchidos os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, ou seja, não logrou demonstrar a existência de forte possibilidade de a acção principal (já intentada) vir a obter provimento, sendo a falta de preenchimento deste requisito suficiente para decidir pela improcedência da providência requerida, atento o facto de estarmos perante requisitos de verificação cumulativa; mas a ele soma-se, também, a falta de concretização e densificação do que seria a situação de facto consumado ou os prejuízos de difícil reparação.
Decidida a improcedência do primeiro pedido, fica igualmente prejudicado o conhecimento dos pedidos formulados em b) e c) do Requerimento inicial, atento o facto de serem pedidos decorrentes/consequentes do primeiro.



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III - Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento aos recursos e indeferir a providência cautelar.
Custas pelo Requerente e aqui Recorrido em ambas as instâncias.

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A relatora por vencimento consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, tem voto de conformidade com o presente Acórdão dos Senhores Juízes Conselheiros Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa, Jorge Artur Madeira dos Santos, José Augusto Araújo Veloso, José Francisco Fonseca da Paz e Ana Paula Soares Leite Martins Portela, estando os restantes juízes que integram a presente formação vencidos ou parcialmente vencidos nos termos das declarações de voto juntas.


REC. Nº 10/20.1BEMDL-A

Voto de Vencido:
Salvo o devido respeito pela solução que obteve vencimento, negaria provimento aos recursos interpostos pela Presidência do Conselho de Ministros e REN – Rede Eléctrica Nacional, SA, confirmando o acórdão proferido conforme projecto apresentado na qualidade de Relatora.
*
Nos itens 2 a 11 das conclusões do recurso interposto pela REN – Rede Eléctrica Nacional, SA vem assacado o acórdão de incorrer em violação primária de direito adjectivo por nulidade assente em excesso de pronúncia em matéria de fumus boni iuris e periculum in mora, posto que,
· “Ao julgar verificada a existência de fumus boni iuris por entender indiciada a violação dos artigos 46.º e 52.° da LBPSOTU, dos artigos 3.° e 126.° do RJIGT, bem como do princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, ilegalidades não invocadas pelo Requerente no r.i, o acórdão recorrido violou o princípio do dispositivo e o artigo 114.°, al g) do CPTA, pois não pode o tribunal substituir-se ao Requerente da providência na indicação dos fundamentos do pedido.”
· “Ainda que às providências cautelares instrumentais de processos impugnatórios seja de aplicar o disposto no artigo 95.°, n.° 3 do CPTA, no que não se crê e apenas por razões de patrocínio se equaciona, ainda assim haveria excesso de pronúncia, na medida em que não foi exercido o contraditório, o que sempre impediria que o Acórdão para preenchimento do fumus boni iuris se fundamentasse em causas de pedir não alegadas.”
· “ao considerar como fundamento da decisão cautelar os prejuízos resultantes de "desflorestação e a desmatação necessária ao atravessamento das linhas, as alterações que o seu traçado imporá à modelação dos terrenos, e o impacto das obras de construção civil que tem de ser realizadas para a execução de um projeto desta natureza, nomeadamente para construção dos apoios das linhas elétricas, das subestações, dos estaleiros, dos parqueamentos, dos depósitos e dos respetivos caminhos de acesso, não alegados pelo requerente no r.i., o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia, pois não pode o Tribunal substituir-se à parte na alegação dos prejuízos suscetíveis de preencher o requisito do periculum in mora,”
*
Diz-se que há excesso de pronúncia, artºs. 95º nº 1 CPTA e 615º nº 1 e) CPC, quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.
Todavia, em concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva, além do dever de pronúncia sobre todas as causas de invalidade invocadas (questões) dispõe o artº 95º nº 3 CPTA que nos processos impugnatórios o juiz deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, tendo, assim, título legal para identificar novos vícios susceptíveis de determinar a anulação do acto.
Trata-se de uma clara derrogação do princípio da limitação do juiz pela causa de pedir, no sentido paritário com o princípio do conhecimento oficioso do direito e sem adstrição às razões de direito invocadas pelas partes.
Coloca o Recorrente o problema jurídico do alcance do preceito aos processos cautelares instrumentais da causa principal.
A resposta a dar é no sentido positivo, atendendo a que um dos traços distintivos fundamentais da tutela cautelar reside na instrumentalidade do processo cautelar face ao processo principal, servindo-lhe de escora, em ordem a, precisamente, garantir a utilidade da acção em que se discute o fundo da causa e preservar o direito ou interesse ameaçado pelo periculum in mora, o que evidencia a razão pela qual “(..) no contencioso administrativo a apreciação do fumus boni iuris requer não apenas a emissão de um juízo sobre a aparência da existência de um direito ou interesse do particular a merecer tutela, como também da probabilidade da ilegalidade da actuação lesiva do mesmo. (..)”, ilegalidade essa cuja verificação há-de configurar o objecto da causa principal. (Ana Gouveia Martins, A tutela cautelar no contencioso administrativo – em especial nos procedimentos de formação dos contratos, Coimbra Editora/2005, pág.43 nota (40).)
Neste sentido, a probabilidade de o acto suspendendo se mostrar viciado faz parte da análise em sede de fumus boni iuris significa que nos processos impugnatórios o princípio da tutela jurisdicional efectiva na dimensão estabelecida no artº 95º nº 3 CPTA há-de cobrir também as formas adjectivas de tutela provisória cautelar dos interesses prosseguidos pelas partes a prosseguir na acção principal.
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Quanto ao segmento fundamentador do pressuposto cautela do periculum in mora traduzido na consideração da probabilidade de prejuízos derivados do processo de construção das torres de suporta das linhas de muito alta tensão, trata-se de matéria de facto que faz parte do conhecimento geral.
Trata-se de equipamentos de volumetria muito apreciável, constituídos por bases de sustentação para nelas implantar as estruturas metálicas de suporte das linhas de muito alta tensão e que a generalidade das pessoas conhece, seja quando viaja de comboio seja quando se desloca em carro próprio pela província, pelo que o processo da sua construção na vertente da movimentação de terras e de alterações no terreno, bem como a extensão no tempo necessária a uma obra de engenharia deste calibre, constituem factos do ponto de vista adjectivo assumem a natureza de factos notórios, nos termos e para os efeitos do artº 412º nº 1 CPC, não necessitando de alegação das partes para ser carreados e adquiridos no processo.
Pelo exposto improcede a causa de nulidade de sentença invocada por excesso de pronúncia, trazida a recurso nos itens 2 a 11 das conclusões.

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Atentas as conclusões sob os itens 7 a 10 do recurso interposto pela Presidência do Conselho de Ministros e itens 1, 12 a 45 do recurso interposto pela REN – Rede Eléctrica Nacional, SA, no que importa ao pressuposto cautelar do fumus boni iuris as questões centrais suscitadas em ambos os recursos são duas: (i) o regime de usos do solo e (ii) a suspensão do PDM de Mondim de Basto de 2015 pela Resolução do Conselho de Ministros de 10.10.2019, acompanhada das medidas preventivas nela determinadas.
O nº 1 da Resolução circunscreve o âmbito suspensivo do PDM/1995 de Mondim de Basto às disposições regulamentares respeitantes à qualificação do solo nas categorias seguintes – vd. alínea A do probatório.
a) «Espaço Agrícola» constantes dos artigos 19.º, 26.º e 27.º;
b) «Espaço Florestal de Conservação» constantes dos artigos 19.º, 29.º, 31.° e 32.°;
c) «Espaço Florestal de Produção» constantes dos artigos 19.º, 29.º, 34.º e 35.º;
d) «Espaço Natural» constantes dos artigos 19.º, 37.º e 38


a. instrumentos de gestão territorial – tipicidade - eficácia pluri-subjectiva – regime do uso do solo;

O PDM de Mondim de Basto de 2015, aprovado pelo Aviso nº 11884/2015 de 16.10 publicado no DR II Série nº 203 na sequência da abertura do procedimento de revisão do PDM/1995 por deliberação camarária de 27.06.2001, tem a natureza jurídica de instrumento de gestão territorial de âmbito municipal, tipificado e beneficiário de eficácia pluri-subjectiva, conforme artºs 2º nºs 1/5 e 3º nº 2 DL 80/2015, 14.Maio (RJIGT) e 38º e 46º nº 2 Lei 31/2014, 30.05 (Lei de Bases/2014).
O princípio da tipicidade no domínio do planeamento do território significa, conforme doutrina da especialidade, que “(..) o ordenamento jurídico português está concebido, neste âmbito, como um conjunto articulado de instrumentos de gestão territorial (instrumentos de planeamento) tipificadamente identificados pelo legislador quer quanto ao seu conteúdo, quer quanto aos respectivos efeitos, quer, ainda, quanto ao procedimento da sua elaboração, que a Administração deverá utilizar consoante a finalidade que pretende atingir. (..)”, realidade imposta pela Lei 48/98, 11.98 (Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo) concretizada pelo RJIGT/1999 (DL 380/99, 22.09) na medida em que toda a tipologia admissível de instrumentos de gestão territorial passa a constar taxativamente do sistema normativo.
Mas mais.
Na citada Lei de Bases/1998 o legislador determinou de forma expressa que “Todos os instrumentos de natureza legal ou regulamentar com incidência territorial actualmente existentes deverão ser reconduzidos, no âmbito do sistema de planeamento estabelecido pela presente lei, ao tipo de instrumento de gestão territorial que se revele adequado à sua vocação específica.”, assim “(..) fechando a hipótese de, em legislação avulsa, se criarem novos tipos de planos (cfr. artº 34º da então Lei de Bases).(..)”.
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Atendendo a que a tipologia dos planos municipais e intermunicipais constitui o único meio de planeamento com potencialidades atribuídas por lei para produzir efeitos directa e imediatamente vinculativos dos particulares, a eficácia pluri-subjectiva significa que “(..) todas as normas relativas à ocupação, uso e transformação dos solos para lhes poderem ser opostas têm de ser vertidas num destes instrumentos. Fica, assim, afastada a possibilidade de invocação de outros instrumentos planificadores como fundamento para o indeferimento das suas concretas pretensões (..)” e significa também que o plano municipal, na veste de instrumento de gestão territorial simultaneamente estratégico e regulamentar respeitante a todo o território do município (artºs 95º/1/2 RJIGT e 43º/3 Lei de Bases/2014), bem como o plano intermunicipal, têm carácter vinculativo perante a entidade pública que procedeu à sua aprovação e todas as demais entidades responsáveis pela elaboração de outros níveis de planeamento, v.g. no tocante ao regime de usos do solo neles definido através da respectiva classificação entre solo rústico e solo urbano e qualificação através da definição do seu aproveitamento mediante a recondução a categorias em função do uso dominante (artºs. 70º, 71º e 74º RJIG, 9º e 10º nºs. 1 a 4 Lei de Bases/2014 e Dec. Reg. 15/2015, 19.08).
Em síntese, cabe aos planos municipais e intermunicipais (planos territoriais – artº 2º nº 4 b), c) d) e nº 5 RJIGT/2015), “(..) a definição do regime do uso do solo, que corresponde à função que a doutrina costuma designar de conformação do território. Esta é alcançada essencialmente com recurso à técnica urbanística do zonamento – em causa está um zonamento funcional que procede à definição dos destinos e vocações de cada uma das parcelas do território –, sendo através dela que a entidade planeadora procede às escolhas fundamentais atinentes à localização de funções e das actividades humanas a prever – habitacionais, actividades económicas (industriais, turísticas, comerciais e de serviços), etc.(..)” (Fernanda Paula Oliveira, Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial – comentado, Almedina/2016, págs.19/21, 321 e 179.)
O que significa que o modelo de ocupação territorial e as concretas determinações contidas no regulamento e na planta de ordenamento com as limitações impostas pela planta de condicionantes (artº 97º nº 1 a), b), c) RJIGT/2015) relativas à ocupação, uso e transformação do solo inscritas nos planos municipais e intermunicipais vinculam directa e imediatamente tanto entidades públicas como particulares.


b. autonomia local – poderes de planeamento;

É exactamente nas matérias de planeamento e definição do modelo de ocupação territorial expressas no regulamento e na planta de ordenamento dos planos municipais através da concreta classificação e qualificação dos solos e da definição do seu regime de uso que as competências decisórias da Administração autárquica integram o núcleo de poderes que enformam a autonomia local.
Poderes próprios, e não poderes de mera garantia institucional, especificamente traduzidos nos planos municipais ao abrigo do princípio constitucional reconhecido no artº 65º nº 4 CRP.
Como nos diz a doutrina que vimos seguindo, “(..) a própria Constituição aponta neste sentido ao reconhecer expressamente aos municípios poderes decisórios (e não de mera participação) em matéria de planeamento (artigo 65º nº 4), o que significa a necessidade de a lei lhes atribuir um núcleo de poderes planificatórios que terão de ser exercidos em regime de autonomia e sob a sua responsabilidade própria, ainda que sujeitos a limites e exercidos em coordenação com as demais Administrações Públicas (..)
(..) a ideia de comparticipação de várias entidades numa mesma matéria considerada globalmente (no caso, em matéria de ordenamento do território e de urbanismo) não é incompatível com a ideia de atribuição de um conjunto de decisões dentro dessa matéria mais vasta à responsabilidade própria (autónoma) de uma delas. (..)
(..) as decisões sobre a concreta classificação e qualificação dos solos e a definição do seu regime de uso correspondem ao exercício de um poder próprio dos municípios, ainda que, por tocar interesses públicos diferenciados, possa ser condicionado (mas não definido) pelas opções de outras entidades. (..) Por isso, grande parte da intervenção das restantes entidades na tarefa de planeamento municipal ou é de cooperação (igualdade de atribuições) ou é de coordenação (que pressupõe o respeito pela autonomia do município). (..)” (Fernanda Paula Oliveira, RJIGT – comentado, Almedina/2016, págs. 206-208.)
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Com referência ao quadro legal dos instrumentos de planeamento territorial acima exposto, impõe-se deixar claro que o Plano de Desenvolvimento e Investimento da Rede de Transporte de Electricidade (PDIRT) – 2010-2017 (2022) da ora Recorrente REN–Rede Eléctrica Nacional, SA, não se reconduz a qualquer das modalidades de instrumentos de planeamento e gestão do território tipificados na Lei de Bases/1998 (Lei 48/98, 11.98) tipologia concretizada pelo RJIGT/1999 (DL 380/99, 22.09).
Desde logo porque a ora Recorrente REN – Rede Eléctrica Nacional, SA é um operador da Rede Nacional de Transporte de Electricidade (RNT), na qualidade jurídica de sociedade concessionária da actividade de transporte de electricidade pela RNT, pelo que não detém competência atribuída por lei para a elaboração de planos de gestão territorial, v.g. os designados programas ou planos na tipologia da Lei de Bases/2014 e RJIGT/2015.
O PDIRT apenas releva no domínio do planeamento de investimento na actividade económica concessória que constitui o objecto empresarial da REN, sendo óbvio que não tem a natureza jurídica de instrumento de ordenamento do território com incidência no espaço nacional ou regional, posto que não se trata de um projecto de investimento no transporte de energia elaborado e aprovado pela Administração Pública, segundo uma ordenação de actos previstos em procedimento regulado por lei, no caso, no RJIGT/1999.
De modo que não se acompanha, por falha de base normativa, o entendimento sustentado pela ora Recorrente REN nas alegações de recurso e na conclusão sob o item 45 no sentido de a Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar, a 220/400 kV prevista no PDIRT significar que, do ponto de vista jurídico, a decisão de construção daquela linha por parte da REN se mostra concretizada num instrumento de planeamento territorial.
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Quanto ao Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNEBEPH) é expressamente considerado na Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 178/2019 como constituindo o instrumento jurídico de planeamento que contempla “…dez aproveitamentos hidroelétricos, nos quais se incluem o de Gouvães, nos rios Torno/Tâmega, bem como os de Alto Tâmega e Daivões, no rio Tâmega …”, enquadramento com que se concorda, posto que se trata de um instrumento de gestão territorial que participa do quadro legal tipificado na medida em que se reconduz ao modelo do plano sectorial previsto no RJIGT/1999 (artº 35º nº 1 e 2 c) DL 380/99), hoje programa sectorial (artº 39º nºs 1 e 2 c) DL 80/2015) atendendo à reformulação operada pelo RJIGT/2015.
Todavia, é uma realidade evidenciada ao longo de todo o seu extenso conteúdo, que o Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNEBEPH) não faz a menor referência concreta à incidência de localização e traçado no território da mencionada “… Linha Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar a 220/400 kV, no troço entre a subestação do Carrapatelo e a subestação de Ribeira de Pena, abrange[ndo] áreas do concelho Mondim de Basto, em que é aplicável o Plano Diretor Municipal de Mondim de Basto, publicado pelo Aviso n° 11884/2015, publicado no Diário da República, 2ª série, n.° 203, de 16 de Outubro. ..”, seja sob a forma de directriz definidora de um objectivo seja, muito menos, de decisão com um conteúdo preciso sobre a ocupação do solo.
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Ora, desta omissão de conteúdo do PNEBEPH relativamente à opção de implantação no território do Município de Mondim de Basto do empreendimento da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar emergem duas consequências, atento o quadro jurídico do sistema de ordenamento do território que vem de ser exposto.
Primeiro, significa que o PNEBEPH de modo algum pode ser considerado como o instrumento jurídico de planeamento que concretiza a decisão de execução da Linha Carrapatelo -Vila Pouca de Aguiar a 220/400 kV no troço entre a subestação do Carrapatelo e a subestação de Ribeira de Pena, nos termos da tipologia fechada dos instrumentos de gestão territorial prevista no RJIGT/1999 (artºs 2º e 35º nº 1 e 2 c) DL 380/99) ou no vigente RJIGT/2015 (artºs 2º e 39º nºs 1 e 2 c) DL 80/2015) e Lei de Bases de 2014 (artºs 38º a 44º Lei 31/2014).
Segundo, assente que o PNEBEPH não apresenta qualquer concretização de incidência territorial do corredor de implantação da Linha Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar a 220/400 kV no troço entre a subestação do Carrapatelo e a subestação de Ribeira de Pena, consequentemente, também não é instrumento idóneo para fundamentar a suspensão do PDM de Mondim de Basto nos termos previstos pelo artº 1º da Resolução, a saber,
“… De acordo com a planta de ordenamento do referido plano diretor municipal, a Linha Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar, a 220/400 kV, no troço entre a subestação do Carrapatelo e a subestação de Ribeira de Pena, localiza-se em espaços cujas utilizações exigem uma compatibilidade com os usos que agora se pretendem atribuir para a execução desta linha, tomando-se necessário proceder à suspensão parcial daqueles instrumentos de gestão territorial. (..)”.
Consequências expressamente assinaladas no discurso jurídico fundamentador do acórdão sob recurso, no segmento que se transcreve:
“(..) pese embora a construção da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar seja necessária para operacionalizar os aproveitamentos hidroeléctricos de Gouvães nos rios Torno/Tâmega, e os de Alto Tâmega e Daivões, também no rio Tâmega, ambos contemplados no programa sectorial - o Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNEBEPH) - a mesma não está directamente suportada num instrumento de gestão territorial que viabilize a sua concretização, ou que imponha aos órgãos dos municípios por ela atravessados, nomeadamente o de Mondim de Bastos, o dever de promover a actualização do regime de uso do solo definido nos respectivos planos directores municipais, com essa específica finalidade.
Enquanto essa actualização não for legalmente obrigatória, e não for realizada, a REN e as demais entidades públicas e privadas estão vinculadas ao regime de uso do solo definido naqueles planos – artºs. 46º/ 1 e 2 da LBPSOTU e 3º/1 e 2 do RJIGT (..)
(..) Ora, a suspensão do PDM de Mondim de Basto pelo prazo de dois anos para permitir a construção do empreendimento em questão, sem que a realização desse empreendimento esteja ou venha a estar, ela própria, suportada num instrumento de gestão territorial, cuja aprovação tenha por efeito legal obrigar a Câmara à actualização do seu plano, nos termos do nº 4 do artº 46º da LBPSOTU e do artº 28º do RJIGT, não tem suporte legal e viola o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos. (..)”
Por conseguinte, cabe analisar à luz do RJIGT o enquadramento do PNEBEPH no âmbito dos planos sectoriais (artº 35º DL 380/99) actualmente programas sectoriais (artº 39º DL 80/2015), embora não se desconheça enquadramento distinto que, todavia, não se acompanha atenta a função delimitadora de programas e planos que deriva da consagração do princípio da tipicidade fechada, nos termos expostos.


c. programas sectoriais – incidência territorial concretizada - incompatibilidade de usos;

No que respeita especificamente aos programas sectoriais (artº 2º nº 2 b) RJIGT), trata-se de instrumentos de gestão territorial de nível nacional cuja finalidade de interesse público a lei desdobra tanto para a definição de estratégias programáticas como para acolher a decisão concreta sobre a ocupação do solo materializada na localização de um empreendimento público com incidência territorial (artºs 39º nºs. 1, 2 a) e c), 46º/1 RJIGT; artºs. 38º nº 1 a) e 40º nº 3 Lei de Bases/2014), cabe ter presente que estas decisões concretas sobre a ocupação do solo “(..) ainda que determinando uma localização e um conteúdo precisos para um determinado projecto ou actividade, não são directamente vinculativas dos particulares, apenas produzindo efeitos por via da integração daquela opção num plano (..)
A qualificação de um instrumento com incidência territorial como programa sectorial tem como consequência imediata a impossibilidade de o mesmo poder produzir efeitos directos e imediatos em relação aos particulares – motivo pelo qual quando se lhes pretende atribuir este tipo de eficácia (ou a algumas das suas determinações), os mesmos terão de ser integrados nos planos municipais ou intermunicipais – e de dever ficar sujeito aos princípios basilares de elaboração deste tipo de instrumentos de gestão territorial, designadamente em matéria de acompanhamento, participação e publicação. (..)” (Fernanda Paula Oliveira, RJIGT – comentado, Almedina/2016, págs. 139/141.)
A consagração no artº 2º nº 1 RJIGT do princípio da tipicidade em sede de planeamento do território - de acordo com o qual a Administração apenas pode elaborar os planos que a lei prevê de modo típico -, bem como a atribuição de eficácia pluri-subjectiva aos planos territoriais, artºs 3º nº 2 RJIGT e 46º nº 2 Lei de Bases/2014, tem como consequência que o projecto da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar tem que ter a respectiva incidência territorial concretizada num programa sectorial, em conformidade com a finalidade e conteúdo material e documental deste instrumento de planeamento dados pelos artºs 39º nº 1 e nº 2 c), 40º d) e 41º nº 1 RJIGT, e em linha com a principiologia a que tanto as politicas públicas como as actuações administrativas em matéria de solos estão subordinadas, concretamente o princípio da coordenação e compatibilização das diversas políticas públicas com incidência territorial, nos termos do artº 3º nº 1 d) Lei de Bases/2014 (Lei 31/2014, 30.05).
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Nomeadamente, o artº 41º nº 1 RJIGT impõe expressamente que a incidência territorial do empreendimento público objecto da decisão concreta inscrita no programa sectorial deva ser documentada através das peças gráficas representativas da sua localização no território, de modo a explicitar a respectiva implantação no terreno e tendo por escopo, dentre o mais, prevenir a existência de diversas tipologias de instrumentos de planeamento com usos incompatíveis entre si no tocante às mesmas áreas do território nacional.
Prevenir o que se passa no caso do corredor de implantação da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar e do PDM/2015 de Mondim de Basto no que respeita ao território municipal objecto do âmbito suspensivo determinado na Resolução do Conselho de Ministros de 10.10.2019, situação evidenciada na peça gráfica constante do Anexo a esta Resolução (fls. 20 do processo físico) a saber, as disposições regulamentares do citado plano territorial respeitantes à qualificação do solo rústico nas categorias seguintes – vd. alínea A do probatório.
a) «Espaço Agrícola» constantes dos artigos 19.º, 26.º e 27.º;
b) «Espaço Florestal de Conservação» constantes dos artigos 19.º, 29.º, 31.º e 32.º;
c) «Espaço Florestal de Produção» constantes dos artigos 19.º, 29.º, 34.º e 35.º;
d) «Espaço Natural» constantes dos artigos 19.º, 37.º e 38
Para além da inexistência de concretização em instrumento de planeamento do projecto da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar, existe um conflito por incompatibilidade de usos absolutamente evidente, que é exactamente a razão que está na base da emissão da Resolução do Conselho de Ministros em causa nos autos.
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De facto, relativamente ao território objecto dos normativos a suspender pela Resolução do Conselho de Ministros e evidenciado na planta em anexo, o PDM de Mondim de Basto, enquanto instrumento de planificação do território municipal da competência própria do Município, não afecta aquelas áreas de solo rústico à categoria de “Espaço destinado a equipamentos, infraestruturas e outras estruturas ou ocupações”, critério de uso dominante do solo constante do artº 17º nº 1 f) iii) Dec. Regulamentar 15/2015, 19.08.
O mesmo é dizer que os usos dominantes das categorias de solos de “Espaço Agrícola, Florestal de Conservação, Florestal de Produção e Espaço Natural” (artº 17º nº 1 a), b), d), e) D.Reg. 15/2015) a que se referem os normativos regulamentares do PDM de Mondim de Basto objecto da suspensão, naquelas específicas áreas não permitem a localização do corredor de implantação da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar.
O que é expressamente reconhecido no nº 1º da Resolução do Conselho de Ministros, onde se explicita que,
“(..) [a] planta de ordenamento do referido plano director municipal, a Linha Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar, a 220/400 kV, no troço entre a subestação do Carrapatelo e a subestação de Ribeira de Pena localiza-se em espaços cujas utilizações exigem uma compatibilidade com os usos que agora se pretendem atribuir para a execução desta linha, tomando-se necessário proceder à suspensão parcial daqueles instrumentos de gestão territorial. (..)”.
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Questão diversa seria se, aquando da revisão do PDM de Mondim de Basto de 1995, a implantação da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar entre as subestações do Carrapatelo a Ribeira de Pena fosse uma definição de estratégias programáticas ou uma decisão concreta sobre a ocupação do solo inscrita no Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico que, como já referido, constitui um instrumento de planeamento recondutível ao quadro legal tipificado na modalidade de plano sectorial previsto no RJIGT/1999 (artº 35º nº 1 e 2 c) DL 380/99), hoje programa sectorial no RJIGT/2015 (artº 39º nºs 1 e 2 c) DL 80/2015), o que não se verifica como vem sendo dito, desde logo, no segmento fundamentador do acórdão sob recurso.
Se assim fora, em obediência ao princípio da hierarquia entre instrumentos de gestão territorial e na medida em que o procedimento de revisão do plano municipal se mostra sujeito às regras de procedimento definidas para a respectiva elaboração, o Município de Mondim de Basto, ora Recorrido, teria de ter procedido à adaptação do plano director municipal levando em conta as disposições constantes do instrumento de planeamento de hierarquia superior ou seja, no plano sectorial (hoje, programa sectorial), concretamente a adaptação, mediante alterações a introduzir nas disposições sobre ocupação, uso e transformação do solo, em função da definição de estratégias programáticas ou da decisão concreta sobre a ocupação do solo vertida no PNEBEPH, atenta a sua natureza de plano sectorial (hoje, programa sectorial), conforme disposto no artº 44º nº 3 da Lei de Bases/2014.
Sendo exactamente este o objectivo da Comissão de Acompanhamento prevista no artº 75º-A RJIGT/99 (na versão do DL 46/2009) constituída pelas entidades públicas portadoras de interesses diferenciados do município.
No caso da revisão do PDM de Mondim de Basto de 1995 esta Comissão de Acompanhamento foi constituída tendo emitido o Parecer Final a 17.Setembro.2014, constante de fls. 63 a 76 do processo físico, dela fazendo parte a ora Recorrente REN – Rede Eléctrica Nacional, SA.
Todavia, no Parecer Final relativamente ao corredor de implantação da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar nada ficou exarado por parte da REN em contrário das categorias dos solos nos termos qualificados nas peças regulamentares do PDM de Mondim de Basto segundo as categorias de solo rústico de “Espaço Agrícola, Florestal de Conservação, Florestal de Produção e Espaço Natural” e não na categoria de “Espaço destinado a equipamentos, infraestruturas e outras estruturas ou ocupações”, sendo que são essas disposições regulamentares que são agora objecto de suspensão pelo nº 1º da Resolução do Conselho de Ministros de 10.10.2019 – vd. Parecer Final de 17.Setembro.2014, fls. 63 a 76 do processo físico, levado ao item F) do probatório.


d. procedimentos de dinâmica - suspensão do plano – medidas preventivas antecipatórias;

De quanto vem dito, maxime a circunstância de o projecto da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar não estar directamente suportada num instrumento de gestão territorial significa que no caso falta o pressuposto legal para efeitos da actualização do regime de uso do solo definido no PDM de Mondim de Basto com aquela específica finalidade.
E significa também que o meio jurídico adequado para obter, como se diz na Resolução do Conselho de Ministros, “uma compatibilidade com os usos que agora se pretendem atribuir para a execução desta linha” não é a suspensão do plano territorial acompanhada da instituição de medidas preventivas com efeito antecipatório, medidas preventivas essas que no caso concreto têm por finalidade única garantir a outrance a possibilidade de concretização daquele projecto, operação urbanística claramente proibida pelas normas do plano municipal em vigor determinativas da classificação e qualificação dos solos e da definição do seu regime de uso, v.g. nas categorias do solo rústico.
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Na hipótese de se verificar como necessária a modificação do regime vigente de qualificação do solo rústico nas categorias estabelecidas em plano director municipal, em razão das opções constantes de um instrumento de gestão territorial de ordem hierárquica superior, como é o caso de um programa sectorial, tal operação de compatibilidade usos do solo obriga ao desencadeamento do procedimento de alteração adequado, de conformidade com os pressupostos constantes dos artºs.119º e sgst. do RJIGT (procedimentos de dinâmica) que no caso concreto se verifiquem.
Efectivamente, no que tange aos programas territoriais, exactamente porque são desprovidos de eficácia directa em relação aos particulares, carecem da alteração do plano municipal como única forma de assegurar que as opções vertidas naqueles programas passem a ser directamente vinculativas para os particulares (artºs. 28º nº 1 e 121º nº 1 b) RJIGT).

Todavia, no caso presente tanto a suspensão fundada no artº 126º nº 1 a) como as medidas preventivas decretadas com base nos artºs. 134º nº 8 e 137º nº 3 todos do RJIGT são alheias à finalidade de evitar que, na mesma área territorial, se encontrem em vigor planos e programas de gestão territorial com disposições contraditórias.
E são alheias porque, o plano territorial com eficácia pluri-subjectiva existe - é o PDM de Mondim de Basto - mas não existe o programa territorial, posto que tanto o Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNEBEPH) expressamente considerado na Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 178/2019 como o Plano de Desenvolvimento e Investimento da Rede de Transporte de Electricidade (PDIRT) – 2010-2017 (2022) da ora Recorrente REN–Rede Eléctrica Nacional, SA, pelas razões específicas atinentes a cada um e já acima expostas, são insusceptíveis de ser considerados como instrumentos jurídicos de planeamento concretizadores da decisão de execução da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar.
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Relativamente aos casos excepcionais de reconhecido interesse nacional que desencadeiam a suspensão do plano municipal por resolução do Conselho de Ministros nos termos do artº 126º nº 1 a) RJIGT, diz-nos a doutrina que “(..) É o que sucederá, por exemplo, sempre que, por força de programas de nível nacional ou regional, os municípios não promovam a alteração das disposições dos seus planos desconformes ou incompatíveis com aqueles. (..)
(..) o procedimento de suspensão não se apresenta como um procedimento de dinâmica tout court, mas apenas como um procedimento de funções cautelares dos interesses públicos a salvaguardar (evitar a vigência de normas manifestamente desadequadas da realidade enquanto estão a ser elaboradas – e devem ser elaboradas – normas alternativas). E para evitar, entretanto, vazios de regulamentação e salvaguardar os procedimentos de dinâmica desencadeados na sequência da suspensão, a lei obriga à adopção de medidas preventivas (que perdem, nestes casos, precisamente uma das suas marcas características: a sua facultatividade). (..) Por isso afirmamos não ser a suspensão, por si só, um instrumento de dinâmica, devendo antes estar sempre associado a um outro procedimento, tendendo, esse sim, de forma directa, a introduzir modificações ao planeamento vigente. (..)” (Fernanda Paula Oliveira, RJIGT – comentado, Almedina/2016, págs. 382/383.)
Nesta equação, o caso dos autos só tem um dos lados, a suspensão do plano municipal, falhando o outro, o programa nacional ou regional que contém a opção do evento subsumível no caso excepcional de reconhecido interesse nacional a que alude o artº 126º nº 1 a) RJIGT.
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Pela mesma razão falha qualquer hipótese de subsunção do caso concreto na previsão do artº 134º nº 8 RJIGT no tocante às medidas preventivas decretadas, a aprovar por resolução do Conselho de Ministros conforme disposição expressa do artº 137º nº 3 RJIGT.
A inexistência de instrumento de gestão territorial, maxime de um programa sectorial, que concretize a opção de construção da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar, tem como consequência que as medidas preventivas decretadas na Resolução do Conselho de Ministros não se destinam a salvaguardar o efeito antecipatório da futura adaptação do PDM de Mondim de Basto na parte às opções vertidas num programa sectorial quanto à construção da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo-Vila Pouca de Aguiar, mas a salvaguardar a operação urbanística da execução da obra de construção da mencionada linha, o que não tem apoio legal.
Neste sentido, acompanha-se o entendimento expresso no segmento fundamentador do acórdão sob recurso, (..) a suspensão do PDM de Mondim de Basto pelo prazo de dois anos para permitir a construção do empreendimento em questão, sem que a realização desse empreendimento esteja ou venha a estar, ela própria, suportada num instrumento de gestão territorial, cuja aprovação tenha por efeito legal obrigar a Câmara à actualização do seu plano, nos termos do nº 4 do artº 46º da LBPSOTU e do artº 28º do RJIGT, não tem suporte legal e viola o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos. (..)”.
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Exactamente pela inexistência de concretização em instrumento de planeamento numa das modalidades tipificadas na lei, evidencia-se em grau de forte verosimilhança o pressuposto do fumus boni iuris (artº 120º nº 1 CPTA) tal como afirmado no acórdão sob recurso, isto é, não só a probabilidade de existência do direito alegado pelo ora Recorrido Município de Mondim de Basto como a provável ilegalidade do agir administrativo expresso na Resolução do Conselho de Ministros de 10.10.2019 com a suspensão do plano territorial e medidas preventivas decretadas, o que significa a provável procedência da acção principal de que esta acção cautelar é instrumental.
Pelo exposto improcedem as questões trazidas às conclusões nos itens 7 a 10 do recurso interposto pela Presidência do Conselho de Ministros e itens 1, 12 a 45 do recurso interposto pela REN – Rede Eléctrica Nacional, SA.

e. periculum in mora;

Nos itens 1 a 6 das conclusões de recurso interposto pela Presidência do Conselho de Ministros e item 45 do recurso interposto pela REN – Rede Eléctrica Nacional, SA vem assacado o acórdão proferido de incorrer em erro de julgamento em matéria de periculum in mora, posto que,
· “os prejuízos alegados pelo Recorrente e reconhecidos no Acórdão não são susceptíveis de resultar do ato suspendendo, mas sim de um eventual ato futuro de licenciamento”
· “único efeito do acto cuja suspensão de eficácia se requer é a continuação do procedimento de licenciamento”
· “o acto suspendendo é autónomo do acto de licenciamento, pelo que os prejuízos não resultam, nem é provável que resultem, do acto”
· o periculum in mora foi considerado “com base em suposições, receios e ideias vagas”
· “para além de que eventuais prejuízos resultantes da implantação da "Linha" sempre serão reversíveis e suscetíveis de compensação”

Todavia, quanto a este pressuposto cautelar (artº 120º nº 1, 1ª parte, CPTA) também não assiste razão aos Recorrentes.
No acórdão sob recurso a tónica do periculum in mora foi claramente colocada tendo por referência a suspensão do PDM de Mondim de Basto e as medidas preventivas decretadas na Resolução do Conselho de Ministros de 10.10.2019.
Em primeiro lugar, o periculum in mora tinha de ser, e foi, reportado e aferido em relação aos dois actos, a suspensão do plano territorial e as medidas preventivas decretadas, porque estas deixam de ser facultativas na circunstância do artº 126º nº 1 a) RJIGT, isto é, nos casos de suspensão de planos territoriais por Resolução do Conselho de Ministros “para evitar vazios de regulamentação e salvaguardar os procedimentos de dinâmica desencadeados na sequência da suspensão, a lei obriga à adopção de medidas preventivas”, como já mencionado supra.
Em segundo lugar, a suspensão das citadas disposições regulamentares do PDM de Mondim de Basto que qualificam o solo rústico em “Espaço Agrícola, Florestal de Conservação, Florestal de Produção e Espaço Natural” tem em vista a construção da Linha de Muito Alta Tensão entre o Carrapatelo e Vila Pouca de Aguiar, objectiva da Resolução plasmado no texto dado que esta Linha
“ .. localiza-se em espaços cujas utilizações exigem uma compatibilidade com os usos que agora se pretendem atribuir para a execução desta linha, tomando-se necessário proceder à suspensão parcial daqueles instrumentos de gestão territorial.”
Portanto não tem sustentação a tese de que os efeitos jurídicos modificativos da Resolução do Conselho de Ministros consubstanciados na suspensão do PDM de Mondim de Basto e medidas preventivas decretadas se resumem ao plano normativo e não repercutem os efeitos jurídicos declarados na realidade dos usos do solo municipal que esse plano normativo modifica, na veste de acto jurídico suspensivo.
Os prejuízos não estão no domínio do acto de controlo prévio da operação urbanística que é o licenciamento do projecto industrial.
Os prejuízos estão no domínio da construção das torres que, como é do conhecimento geral e constitui, como já referido supra, facto notório nos termos e para os efeitos do artº 412º nº 1 CPC, têm uma enorme volumetria na base de sustentação e implantação das estruturas metálicas que suportam e ao longo das quais corre a Linha de Muito Alta Tensão.
Como salienta o acórdão sob recurso no segmento que se transcreve:
“(..) Literalmente, o que a RCM nº 178/2019 faz é suspender a legalidade para permitir que a realidade possa ser ilegalmente alterada, sem verdadeiramente cuidar das consequências dessa alteração, e da sua adequação ao sistema de gestão territorial.
O que iria muito provavelmente suceder se, entretanto, aquela resolução não for suspensa, é que findos os dois anos nela previstos, o regime de uso do solo estabelecido no PDM retomaria a sua plena vigência, não obstante terem sido entretanto “plantados” postes de eletricidade de muito alta tensão em solos nele qualificados como agrícolas e florestais.
Por outro lado, e como alega o Requerente, admitir que a Câmara Municipal fica obrigada a promover a alteração ou a revisão do PDM de Mondim de Basto por efeito da adoção das medidas preventivas estabelecidas por esta RCM, como se sugere no seu ponto nº 6 - para adequá-lo à realidade ilegalmente alterada pela construção do empreendimento em questão -, viola claramente o princípio da autonomia local, que não consente, exceto ao nível da adequação normativa entre instrumentos de gestão territorial, nos termos previstos e regulados na LBPSOTU e no RJIGT, a substituição da vontade dos órgãos municipais pela do Governo, quer quanto à oportunidade, quer quanto à conformação do conteúdo dos planos municipais - artigos 65º/4 e 242º/1 da CRP, e 9º da LBPSOTU. (..)”.

É uma evidência que a construção ao longo do corredor de implantação da Linha de Muito Alta Tensão destas enormes estruturas metálicas, os mencionados “postes de electricidade de muito alta tensão”, origina um impacto de movimentação e alteração dos terrenos em grau muito elevado, cuja dimensão é subsumível no conceito normativo de “constituição de uma situação de facto consumado” (artº 120º nº 1 CPTA).
De facto, uma vez o corredor de implantação das torres construído, não é razoável supor que, na previsão de procedência da causa principal, as enormes estruturas metálicas mais as bases em que se incorporam, as linhas da rede eléctrica e toda a demais parafernália de engenharia no terreno, iriam ser removidos para outra localização, não sendo despiciendo o enorme montante de custos económicos desta “desmontagem” mais a “remontagem” noutro sítio, o que tornaria inviável a operação por constituir um total absurdo.
Donde, a situação que se perspectiva é de impossibilidade de restauração natural do ex ante isto é, de no plano dos factos proceder à reintegração da legalidade, o que significa que nesta dimensão, os prejuízos não são reversíveis.
Quanto à hipótese de os prejuízos resultantes da implantação da Linha de Muito Alta Tensão serem susceptíveis de compensação cabe referir que a inscrição do conceito normativo de “constituição de uma situação de facto consumado” no artº 120º nº 1 CPTA para aferir do periculum in mora significa “(..) uma clara inflexão em relação ao direito anteriormente vigente … a clara rejeição do entendimento .. de que a tutela cautelar só se justificaria quando houvesse o risco de produção de danos que, pelo seu carácter variável, aleatório ou difuso, não fossem passíveis de avaliação pecuniária. Pelo contrário deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade de restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente. (..)” (Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina/2017, 4ª ed. págs. 971-972.)
Neste sentido a argumentação de optar pela via ressarcitória não tem, nas presentes circunstâncias, acolhimento legal.
Pelo exposto improcedem as questões constantes dos itens 1 a 6 do recurso interposto pela Presidência do Conselho de Ministros e do item 45 do recurso interposto pela REN – Rede Eléctrica Nacional, SA.


f. ponderação de interesses/danos;

Dispõe o artº 120º nº 2 CPTA que, se do probatório resultar, em critério de aplicação do princípio da proporcionalidade, um juízo concludente de que a adopção da providência provocará danos na esfera jurídica dos requeridos (ao interesse público e/ou interesses de eventuais terceiros) desproporcionados em relação àqueles danos cuja produção se pretende evitar (na esfera jurídica do requerente), nestas circunstâncias a providência cautelar deve ser recusada.
Nos itens 11 e 12 das conclusões de recurso interposto pela Presidência do Conselho de Ministros e itens 46 a 51 do recurso interposto pela REN – Rede Eléctrica Nacional, SA vem assacado o acórdão proferido de incorrer em erro de julgamento no tocante à cláusula de salvaguarda constante do artº 120º nº 2 CPTA relativa à ponderação de interesses/danos entre Requerente e Requeridos, porque,
· “desconsidera a existência de um interesse público ambiental nacional e internacional de combate às alterações climáticas”
· “limitando a sua apreciação ao interesse energético, o que é especialmente grave atendendo a que o artigo 9°, nº 2, do RJIGT elege o interesse ambiental como o primeiro dos interesses que se devem considerar prevalecentes na ponderação de interesses no que toca ao uso do solo”
· “bastou[-se] com uma visão absoluta do princípio da autonomia local”
· “não ponderou os interesses públicos de primeira grandeza relacionados com o progresso social e com a segurança e o bem-estar coletivo a uma escala que transcende, em muito, a escala de Mondim de Basto e a própria escala regional”

Também quanto a esta questão da cláusula de salvaguarda não assiste razão aos Recorrentes, desde logo porque o critério de ponderação dos interesses públicos conflituantes em matéria de planeamento do território foi expressamente consagrado pelo legislador no artº 9º nºs. 1 e 2 RJIGT, sendo que a pronúncia sobre o mesmo é expressa no acórdão sob recurso conforme segmento que se transcreve:
“(..) como ficou claro no regime legal atrás descrito, é no quadro da elaboração de planos e programas, nos diferentes âmbitos do sistema de gestão territorial, que a identificação e a hierarquização daqueles interesses se processam.
É isso que se dispõe, aliás, de forma expressa, no nº 1 do artigo 9º do RJIGT, quando se afirma que «nas áreas territoriais em que convergem interesses públicos incompatíveis entre si, deve ser dada prioridade àqueles cuja prossecução determine o mais adequado uso do solo, em termos ambientais, económicos, sociais e culturais», independentemente, portanto, da sua natureza ou âmbito territorial de expressão.
O nº 2 do mesmo artigo, não obstante, ressalva a prevalência de determinados interesses, entre os quais não figuram, porém, os interesses de política energética defendidos pelos Requeridos.
Pelo que, feita a ponderação exigida pelo nº 2 do artigo 120º do CPTA, os danos que resultarão da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que seriam causados pela sua recusa. (..)”
Todavia, como nos diz a doutrina que vimos seguindo, o artº 9º RJIGT não esgota todas as hipóteses de solução de conflitos entre interesses públicos incompatíveis em matéria de instrumentos de gestão do território, pelo que, em função das circunstâncias de cada caso concreto, cabe levar em linha de conta as relações de hierarquia entre os instrumentos de gestão territorial fixadas no RJIGT/2015 e na Lei de Bases/2014.
A que acresce um aspecto, de natureza técnico-jurídica, que coloca o problema segundo parâmetros de legalidade estrita.
Estando em causa “(..) o exercício de atribuições de diferentes entidades públicas … e tratando-se de um interesse que se encontra atribuído pelo ordenamento jurídico a uma determinada entidade, não pode outra, na elaboração do instrumento de gestão territorial da sua responsabilidade, interferir na esfera de actuação daquela. (..) o igual valor de partida dos interesses públicos tocados pelos instrumentos de gestão territorial (..) [constitui] uma regra que não pode por em causa a esfera de atribuições de cada entidade administrativa com intervenção no território. (..)” (Fernanda Paula Oliveira, RJIGT – comentado, Almedina/2016, pág. 65.)
O que significa que no caso dos autos o Governo no exercício da competência administrativa conforme as atribuições que por lei lhe incumbem, não pode interferir nas atribuições da Administração Local, v.g. no domínio do regime do uso do solo, fora do quadro legal dos procedimentos de dinâmica previstos no RJIGT/2015 que permitam introduzir nos instrumentos de planeamento vigentes (planos e programas) as modificações necessárias.
Tanto mais que, como já referido, o núcleo de poderes e competências da Administração autárquica que enformam a autonomia local (artº 65º nº 4 CRP) é integrado pelas matérias de planeamento e definição do modelo de ocupação territorial expressas no regulamento e na planta de ordenamento dos planos municipais através da concreta classificação e qualificação dos solos e da definição do seu regime de uso.
De modo que, a omissão de conteúdo do Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico - PNEBEPH relativamente à opção de implantação no território do Município de Mondim de Basto do empreendimento da Linha de Muito Alta Tensão Carrapatelo – Vila Pouca de Aguiar tem como consequência que, no concreto, o programa sectorial em causa não é instrumento de planeamento idóneo para fundamentar a suspensão do PDM de Mondim de Basto e medidas provisórias para estabelecer “uma compatibilidade com os usos que agora se pretendem atribuir para a execução desta linha” nos termos previstos pelo artº 1º da Resolução do Conselho de Ministros de 10.10.2019.
*
Tal como afirmado no acórdão sob recurso evidencia-se em grau de forte verosimilhança o pressuposto do fumus boni iuris (artº 120º nº 1 CPTA), ou seja, não só a probabilidade de existência do direito alegado pelo ora Recorrido Município de Mondim de Basto como a provável ilegalidade do agir administrativo expresso na Resolução do Conselho de Ministros de 10.10.2019 com a suspensão do plano territorial e medidas preventivas decretadas, o que significa a provável procedência da acção principal de que esta acção cautelar é instrumental.
Pelo exposto improcedem as questões constantes dos itens 11 e 12 do recurso interposto pela Presidência do Conselho de Ministros e dos itens 46 a 51 do recurso interposto pela REN – Rede Eléctrica Nacional, SA.
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Pelas razões expostas, negaria provimento aos recursos interpostos pela Presidência do Conselho de Ministros e REN – Rede Eléctrica Nacional, SA, confirmando o acórdão proferido.


Lisboa, 10.DEZ.2020

(Cristina Santos – Relatora vencida)


VOTO DE VENCIDO

Votei vencida pelas seguintes razões que de seguida se expõem:
Com as últimas alterações legislativas introduzidas no âmbito do processo civil – de aplicação subsidiária no âmbito do processo administrativo, com grande alcance a partir da reforma do CPTA em 2015 –, tem-se assistido a um reforço ou acréscimo dos poderes dos juízes com vista a facilitar a descoberta da verdade material e a adopção de uma decisão justa. Desde a reforma de 1995/96 que o legislador ordinário tem vindo a optar por e a delinear um perfil de juiz mais proactivo, por exemplo, tornando-o responsável por realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, as diligências probatórias necessárias ao apuramento da verdade. De forma mais específica, permitindo-lhe, entre outros, fundar a sua decisão em factos instrumentais não alegados pelas partes mas adquiridos nos autos através de indagação oficiosa (em clara relativização do princípio preclusivo); atribuindo-lhe a faculdade de alterar a forma normal de notificação das partes quando a urgência do processo o justifique (v.g., notificação pela via mais adequada em função da particularidade do caso concreto); atribuindo-lhe a possibilidade de adaptação da tramitação processual. Por este motivo, mesmo que se queira falar no abandono de um modelo mais objectivista do processo, sempre haverá que temperar essa afirmação com esta assinalada orientação legislativa e, além disso, sempre haverá que não esquecer as críticas, não assim tão longínquas, à hipervalorização do princípio dispositivo no passado e nem o novo destaque dado ao princípio inquisitório.
Dito isto, começaríamos por salientar que, não obstante a argumentação do requerente cautelar se sustentar no plano da constitucionalidade, isso não significa necessariamente que a convocação e o atendimento pelo julgador de fundamentos legais não expressamente aduzidos pelas partes há-de significar necessariamente que ele incorreu em excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC. Efectivamente, haverá que averiguar se os fundamentos aparentemente novos não consubstanciam, ainda, ou afinal, ilações de direito a extrair desses fundamentos de inconstitucionalidade. A título exemplificativo, o argumento constitucional da autonomia local e da consequente impossibilidade de aprovar determinado tipo de projectos de âmbito nacional sem o reconhecimento do interesse municipal pode levar o julgador a materializar essa argumentação convocando as normas legais relacionadas com o modo de conjugação dos distintos instrumentos jurídicos de gestão territorial.
Mas, mais importante, e embora reconheçamos a complexidade e dificuldade da questão, e, bem assim, o mérito da posição contrária, não podemos acompanhar o projecto na parte em que afasta a aplicação da faculdade, rectius, do dever contido no artigo 95.º, n.º 3, do CPTA (qual seja, o dever de “identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares”) aos processos cautelares relacionados com acções impugnatórias de actos administrativos. Esta é uma questão que contende com o princípio dispositivo, outrora constante do artigo 264.º do CPC, então com a epígrafe “Princípio dispositivo”, e actualmente tendo refracções em vários artigos do mesmo código, como no 3.º, 5.º e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC – aquele artigo 5.º com nova epígrafe, qual seja, a de “Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”, desparecendo a alusão expressa ao princípio dispositivo.

Antes de tudo, entendemos que não é forçosa a sua não aceitação pelo facto de o mencionado dever não estar previsto especificamente no âmbito dos processos cautelares, pois, a ser assim, há uma série de aspectos e regras gerais do julgamento que não estão especificamente consagrados na parte relativa à regulamentação das providências cautelares e que, pela mesma razão, também não lhe poderiam ser aplicados.
Acresce a isto que não há nenhuma norma que proíba o cumprimento deste dever no âmbito dos processos cautelares. A este argumento deve juntar-se aqueloutro que dá conta da circunstância de o legislador ordinário ter conferido ao julgador uma maior liberdade em sede de processos cautelares do que nas acções principais que, em geral, lhe correspondem, disso sendo expressivo testemunho o facto de o juiz poder decretar providência distinta daquela que foi deduzida pelo requerente cautelar. É verdade que se trata de faculdade que tem mais que ver com o pedido do que com a causa de pedir, mas ambas serão expressão do mesmo fenómeno ou realidade.
Ainda mais, a atribuição deste dever de identificação ao julgador cautelar acaba por assegurar um melhor o efeito útil às providências cautelares impugnatórias. Pois que, a não ser assim, o julgador cautelar ficaria de “mãos atadas”, não podendo decretar uma providência, quando, em sede cautelar, já está em condições de antecipar que na acção principal – porque aí com toda a certeza já poderá lançar mão do dever em apreço para trazer aos autos outras causas de invalidade – vai decidir num determinado sentido tendo em consideração, desde logo, essas outras causas de invalidade não articuladas pelas partes. Salientando-se que o n.º 3 do artigo 95.º do CPTA permite ao julgador identificar novas causas de invalidade em sede da causa principal, fica esvaziada de sentido a crítica de que, a admitir-se este dever em sede cautelar, isso poderá beneficiar uma das partes, chamando-lhe a atenção para novas causas de invalidade. Ou o julgador as identifica ou não. Se não as puder trazer para os autos em sede cautelar, sempre o poderá fazer no âmbito da acção principal, relembrando nós o acima mencionado quanto à questão do efeito útil das providência cautelares.
Quanto ao argumento de que a transposição deste dever para as providências cautelares irá pôr em causa a urgência deste tipo de processos, também ele não é, de modo algum, absoluto. E, na verdade, pode ocorrer exactamente o contrário. Basta pensar que o julgador tenha dado conta de um vício flagrante que facilitaria e tornaria mais rápido o seu juízo baseado na summaria cognitio. A urgência dos processos cautelares implica uma sumariedade procedimental e uma sumariedade material, sendo que o julgador cautelar não deve levar a cabo um conhecimento pleno do mérito da causa, antes se devendo conter e contentar com um juízo de probabilidade e verosimilhança. Ora, haver mais causas de invalidade a julgar não tem necessariamente que ser sinónimo de mais trabalho para o julgador ou de prolongamento temporal da sua actuação, podendo contrariamente, como se viu, facilitar a sua tarefa, que, como salientado, não é a da formação de uma convicção plena mas a de identificação de outras causas de invalidade.
Quanto à ideia de que existe uma diferença de objecto entre a providência cautelar e a acção principal, não podemos deixar de considerar não ser de a subscrever com essa absolutidade. Antes de mais, sempre seria necessário distinguir entre as providências conservatórias e as antecipatórias, sendo nas primeiras que se verifica de forma mais nítida uma diferença entre o pedido deduzido no processo cautelar e aquele que é deduzido na acção principal, e, concomitantemente, entre a tutela obtida mediante o decretamento de uma providência cautelar e a tutela obtida na acção principal. Mas mesmo naquele primeiro tipo de providências o que se verifica é que o interesse material, no essencial, é um só, embora a medida ou decisão adoptadas a final não sejam exactamente as mesmas. Assim, a suspensão da eficácia de um acto administrativo não pode deixar de ser vista como uma ‘antecipação’ da declaração de invalidade desse acto, do mesmo modo que a suspensão de uma deliberação social pode ser vista como uma ‘antecipação’ da ulterior deliberação de declaração da sua invalidade. Tal, aliás, como o arresto e a sua posterior conversão em penhora que pretendem tutelar o mesmo direito de crédito. Em síntese, e como sublinham, entre outros, Lebre de Freitas e Rui Pinto, as medidas cautelares conservatórias acabam em última análise por antecipar, ainda que em parte, a decisão final a proferir na causa principal ou, se se quiser, os efeitos das medidas cautelares conservatórias acabam por antecipar os efeitos da decisão final da correspondente acção.
Por último, se a manutenção do dever constante do n.º 3 do artigo 95.º do CPTA se trata de resquício do modelo processual objectivista, a verdade é que o legislador de 2015 entendeu mantê-lo, certamente porque o julgou útil na medida em está em causa um dever que vai facilitar a descoberta da verdade e uma mais justa composição dos litígios. Em sentido próximo apontam Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, que vêem neste n.º 3 uma “concretização prática ao princípio da tutela jurisdicional efetiva” (cfr. M. Aroso de Almeida / Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo Administrativo, Coimbra, 2018, p. 765). Acresce a isto que, na medida em que se mantenha a dita solução jurídica, haverá que aplicá-la, ainda que com ela não se concorde, sob pena de violação do princípio da legalidade e da separação dos poderes.
Em suma, estamos em crer que são mais os argumentos a favor da aplicação do dever de identificação de novas causas de invalidade no âmbito dos processos cautelares do que os argumentos contrários, pelo que, como acima assinalado, não acompanhamos o acórdão neste ponto fundamental e prévio. Devia, então, o pressuposto do fumus boni juris ter sido analisado de acordo, também, com os fundamentos de invalidade identificados oficiosamente pelo julgador.
***
Num outro plano, também nunca poderíamos acompanhar aquela parte do acórdão em que é tratada e decidida a questão da violação do princípio da protecção da confiança, atendendo aos argumentos aduzidos pelo requerente cautelar/recorrido. Não me parece que a expectativa/confiança do requerente cautelar seja propriamente a de que um plano municipal não tenha que ceder perante um plano/programa hierarquicamente superior. Na realidade, o requerente cautelar sustenta que era preciso um reconhecimento municipal que não chegou a ser pedido, e, além disso, que não houve intervenção das entidades nacionais na discussão do PDM de Mondim de Basto, daí se tendo gerado a confiança de que as mesmas se tinham desinteressado do projecto. Ou seja, não apenas ele não coloca a questão da violação da confiança numa simples questão de hierarquia entre planos e programas, como ele sustenta essa expectativa/confiança em dados concretos.

Maria Benedita Urbano


Vencido.

- Quanto à aplicabilidade do disposto no art. 95º nº 3 do CPTA:
Discordo da decisão sobre a não aplicação ao caso do disposto no art. 95º nº 3 do CPTA.

Os argumentos principais utilizados no Acórdão são os de a norma estar prevista para os "processos impugnatórios" e não para as "providências cautelares", e de contrariedade ao princípio do dispositivo.

Porém, tais argumentos parecem-me irrelevar pois, a meu ver, o que está em causa não é; em rigor, se o disposto no art. 95º nº 3 se aplica às providências cautelares, mas sim se tal previsão normativa se aplica à ação principal de que a providência cautelar em causa é instrumental.

Ora, quando assim é - ou seja, nas providências cautelares, como a aqui em causa, instrumentais de uma ação impugnatória -, não se pode ignorar um eventual vício (do ato suspendendo, a impugnar na ação), acaso não invocado; que se torne manifesto aos olhos do juiz da providência.

Não - insiste-se - porque o disposto no art. 95º nº 3 seja, ou não, aplicável em processo cautelar, mas apenas, e simplesmente, por força do próprio art. 120º nº 1 do CPTA (pressupondo, claro, a aplicabilidade do disposto no art. 95º nº 3 na ação principal).

Na verdade, nesse caso, prefigurando o juiz uma situação de clara ilegalidade do ato em causa, que determinará certamente a procedência da ação principal, ainda que o Autor não tivesse invocado na providência nem venha a invocar na ação o vício em questão (art. 95º nº 3), a situação parece-me plenamente subsumível à previsão do art. 120º nº 1 do CPTA: «(…) as providências cautelares são adotadas quando (…) seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo [principal] venha a ser julgada procedente».

Assim, parece-me irrelevante (e, até; conveniente) que a lei não preveja a aplicabilidade da norma em causa nos processos cautelares, visto que o que releva é se a mesma é, ou não, aplicável na ação principal correspondente.

Quanto ao argumento da natureza urgente e perfunctória do processo cautelar; não vejo qualquer obstáculo de princípio: também as exceções aí merecem contraditório e, se o juiz não tiver como certo o "fumus" derivado desse vício não invocado (designadamente, por não conterem os autos elementos necessários e suficientes) não o declarará. Aliás, nem é obrigado a "aperceber-se" de vício não invocado ...

Pelo contrário, o que já considero incongruente (e, como disse, contra ao art. 120º nº 1 do CPTA), é o juiz decidir-se pela não verificação do "fumus" numa situação, e num momento, em que esteja absolutamente convencido que, na ação principal, o vício em causa vai de certeza proceder, venha ou não a ser invocado pelo Autor impugnante (neste último caso, por aplicação do art. 95º nº 3 do CPTA).

E, ainda que se possa considerar a norma do art. 95º nº 3 do CPTA como um "resquício do modelo processual objectivista", o certo é que foi opção do legislador manter tal “resquício”, pelo que há que retirar daqui as devidas consequências, designadamente quanto à instrumentalidade das providências cautelares face às correspondentes ações principais (impugnatórias) e quanto à congruência dos respetivos regimes.

- Quanto aos restantes requisitos da providência ("periculum" e ponderação de interesses, já que, por força do vício não invocado, resultaria comprovado o “fumus”) acompanharia, antes, o decidido no Acórdão recorrido, aderindo à sua fundamentação, pelo que o manteria.

Lisboa, 10/12/2020.
Adriano Cunha