Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0394/17.9BEALM
Data do Acordão:09/27/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24925
Nº do Documento:SA1201909270394/17
Data de Entrada:07/12/2019
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………… e B………… intentaram, no TAF de Almada, contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, acção administrativa pedindo a anulação do despacho, de 16.11.2016, da Sr.ª Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que (1) considerou inadmissíveis os pedidos de protecção que lhe apresentaram e que ordenou a sua remessa para Espanha e que (2) o processo respeitante a esse pedido fosse apreciado em Portugal.

O TAF julgou a acção procedente e o TCA, para onde a Ré apelou, negou provimento ao recurso.
O MAI interpôs recurso de revista dessa decisão para este Supremo o qual foi admitido por Acórdão desta Formação.
Por Acórdão da Secção, de 04.04.2019, foi concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida e ordenada a baixa do processo ao TCA para que se procedesse à apreciação das questões que não haviam sido conhecidas. E na sequência dessa decisão o TCA por Acórdão de 09.05.2019, concedeu provimento ao recurso e julgou a acção improcedente.

É desse Acórdão que os Autores vêm recorrer justificando a admissão desta revista com a relevância jurídica e social da questão e com a necessária intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito (art.º 150.ºdo CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF anulou o acto impugnado por ter entendido que o pedido de protecção internacional que os Autores haviam formulado foi deferido tacitamente.
Na verdade, o facto de a determinação da competência do Estado membro situar-se numa fase ex ante, o facto é que de acordo com o disposto no artigo 20º da Lei nº 27/2008, de 30/06, a decisão fundamentada sobre os pedidos inadmissíveis (no caso em apreço, por se verificar que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional - cfr artigo 19º A nº 1 a)) teria que ser notificada no devido prazo legal, sob pena de deferimento tácito de acordo com a nova definição de deferimento tácito que vigora no nosso ordenamento jurídico cessando assim a responsabilidade do Estado Espanhol conforme é previsto no Regulamento da União Europeia nº 604/2013.
Face ao exposto, considerando que a notificação do indeferimento de protecção internacional não foi expedida dentro do prazo legal, ocorreu a presunção legal de que a pretensão está conforme com o ordenamento jurídico, pelo que os actos impugnados são ilegais e devem ser removidos da ordem jurídica de acordo com o disposto no artigo 163º nº 1 do CPA.”

Decisão que, depois de ser confirmada pelo TCA, foi revogada por Acórdão da Secção deste Supremo que entendeu que “na situação vertente não ocorreu formação de deferimento tácito quanto à admissibilidade dos pedidos de proteção internacional que haviam sido deduzidos pelos requerentes, aqui recorridos, pelo que assiste razão ao R., aqui recorrente, nas críticas que dirige ao juízo firmado pelo «TCA/S», juízo esse que, à luz da fundamentação antecedente, não poderá, assim, ser mantido.”

Ordenada a baixa dos autos ao TCA para que aí se conhecessem as questões cuja apreciação não fora feita, este acabou por julgar a acção improcedente com um discurso de que destaca:
Referem os AA que o SEF foi insensível às razões humanitárias e à vontade (...) associada à vida familiar, invocando para o efeito o disposto no art.º 17º e os considerandos 14 e 17 do Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento e do Conselho, de 26 de Junho de 2013.
Porém, ainda que se indicie a defendida insensibilidade aos princípios humanitários plasmados no Regulamento (UE) por parte do SEF, tal consideração não é susceptível de conduzir à anulação dos actos impugnados, pois que os tribunais não exercem a actividade administrativa, estando em causa a pretendida aplicação das cláusulas discricionárias previstas no art.º 17º desse Regulamento e a interpretação da mesma segundo o disposto nos invocados Considerandos que visam a protecção pela vida familiar, o que apenas poderá ser decidido pelos Estados-membros, o que não sucedeu no caso concreto, verificando-se também que não compete aos AA. a escolha do país que deverá apreciar o pedido de protecção internacional.”

3. Os Recorrentes requerem a admissão desta revista para a qual formulam, entre outras, as seguintes conclusões:
7ª Saliente-se que os recorrentes tiveram de sair precipitadamente da Ucrânia de modo a evitar que o A............ fosse incorporado nas forças armadas, para combater, contra a sua vontade, numa guerra fratricida, procurando proteção em Portugal, único pais estrangeiro onde tinham e têm família designadamente, o pai do A............, dois tios e dois primos, todos com nacionalidade portuguesa, o que lhes proporciona melhores condições de subsistência, proteção e de integração social.
8ª Porém, a embaixada de Portugal na Ucrânia demorava de cerca de dois meses a emitir os vistos de entrada, decidiram procurar a concessão dos vistos de forma mais célere em embaixadas de outros países da União Europeia e verificaram que na embaixada de Espanha os mesmos lhes eram concedidos no prazo de uma semana.
14ª O facto de os recorrentes terem em Portugal familiares próximos que os acolhem e apoiam devia ser suficiente para o SEF tomar logo a cargo a análise do pedido de proteção internacional, em obediência aos já citados princípios da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade previstos no nº 2 do art.º 266º da CRP e nos art.°s 7 n.º 2 e 8 ambos do CPA.
16ª Por sua vez, referindo-se à questão humanitária, o considerando (17) estabelece que: “Os Estados-Membros deverão ter a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial por razões humanitárias e compassivas a fim de permitir reunir membros da família, familiares ou outros parentes, e de analisar um pedido de proteção internacional que lhes tenha sido apresentado, ou a outro Estado-Membro, mesmo que tal análise não seja da sua responsabilidade nos termos dos critérios vinculativos previstos no presente regulamento” sublinhado nosso.
17ª Ainda em homenagem àqueles princípios, o art.º 17º do Regulamento (UE) prevê cláusulas discricionárias derrogativas do art.º 3º, nº 1, dando a possibilidade de cada Estado-Membro poder decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado, mesmo que essa análise não seja da sua competência.
18ª Neste caso concreto, face às razões humanitárias e familiares já invocadas, o Estado português deveria ter apreciado os pedidos de proteção internacional apresentados pelos recorrentes fazendo jus aos princípios humanitários plasmados no Regulamento (UE).

4. Conforme resulta do antecedente relato o que ora está em causa é saber se o SEF decidiu acertadamente quando se declarou incompetente para apreciar a pretensão dos Recorrentes por essa competência pertencer à Espanha, onde o pedido de protecção internacional foi formulado em primeiro lugar. Decisão que Recorrentes censuram por entenderem que as razões humanitárias contempladas na legislação europeia deveriam ser aplicadas no caso presente, o que obrigaria o Estado português a apreciar e deferir a sua pretensão.
Só que o Acórdão recorrido, apesar entender que se indiciava “a defendida insensibilidade aos princípios humanitários plasmados no Regulamento (UE) por parte do SEF, tal consideração não é susceptível de conduzir à anulação dos actos impugnados, pois que os tribunais não exercem a actividade administrativa” e, estando em causa a aplicação de cláusulas discricionárias, não cumpria sindicar a bondade do acto impugnado.
Ora, in casu, tudo indica que essa decisão não merece a crítica que lhe é dirigida.
Não se justifica, pois, admitir o recurso devendo manter-se a regra da excepcionalidade das revistas.
Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Sem custas, por isenção dos recorrentes (art. 84º da Lei n.º 27/2008).
Porto, 27 de Setembro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.