Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0812/08.7BEPRT
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28508
Nº do Documento:SA2202111100812/08
Data de Entrada:09/15/2021
Recorrente:A................., SA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – A………………….., S.A., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 144.º e 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de março de 2021, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgara totalmente improcedente a acção administrativa especial por si deduzida de anulação de ato administrativo e, cumulativamente, de condenação à prática de ato administrativo devido, em substituição, do ato praticado, tendo por objeto o despacho do subdiretor-geral dos impostos para a área da justiça tributária de 10.12.2007, que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento liminar do pedido de prova do preço efetivo, apresentado pela ora Recorrente em 16.05.2007, nos termos do disposto no, à data, artigo 129.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), com referência à alienação das frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal inscritas na matriz predial urbana sob os artigos …….. e ……… ambas da freguesia de Santo António dos Olivais, concelho de Coimbra.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1.ª Entende a Recorrente que estão verificados os requisitos de que depende a admissão do presente recurso de revista;

2.ª Em face do decidido em segundo grau de jurisdição, considera a Recorrente verificar-se a violação de lei processual e de lei substantiva na interpretação dos artigos 64.º e 139.º, em concreto n.º 6, do Código do IRC, em conjugação com os princípios da reserva à intimidade da vida privada (cf. artigo 26.º, n.º 1, da CRP), do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP), da proporcionalidade (cf. artigo 18.º, n.º 2, da CRP), da tributação das empresas pelo rendimento real (cf. artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade tributária (cf. artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, todos da CRP), bem como com o artigo 63.º-B da LGT e ainda com o artigo 73.º também da LGT, o que justifica a interposição do presente recurso de revista nos termos do artigo 150.º do CPTA;

3.ª A questão que importa ver respondida, para uma melhor interpretação do direito, é a de saber se, numa situação como a da Recorrente, em que está em causa a prova do preço efetivo praticado na alienação de imóveis, tendo sido apresentado o requerimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, acompanhado de meios de prova idóneos para a demonstração do preço efetivamente praticado, as autorizações de acesso à informação bancária da Recorrente e dos seus administradores devem ser consideradas como condição sine qua non para a admissão do pedido, cuja falta implica, de modo automático (sem qualquer tipo de escrutínio e apreciação) o seu imediato indeferimento (que, na prática, configura uma verdadeira decisão de arquivamento), como entenderam a administração tributária e o Tribunal a quo, ou, como entende o Recorrente, a apresentação das referidas autorizações de acesso à informação bancária não é requisito essencial para a admissão do referido pedido, pelo que a sua falta de apresentação não poderá constituir, por si só, fundamento do indeferimento automático daquele procedimento?;

4.ª De modo mais simples, pretende o Recorrente confirmar se é legalmente admissível uma interpretação e aplicação “cegas” do n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC no sentido de se exigir, ab initio e em qualquer situação, a apresentação dos documentos de autorização de acesso à informação bancária dos administradores do sujeito passivo requerente num procedimento de prova do preço efetivo, independentemente das especificidades do caso concreto e da eventual desnecessidade de tais documentos de autorização, na situação em particular por terem sido juntos meios de prova suficientes à demonstração do preço efetivamente praticado?;

5.ª Resulta evidente a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no caso em apreço, impondo-se a revista para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental;

6.ª No caso sub judice, a necessidade da revista para uma melhor aplicação do Direito assenta, desde logo, no facto de estar em causa a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, na qual aquele Tribunal, com o devido respeito, interpretou de modo incorreto o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, em função da situação concretamente determinada;

7.ª A decisão do Tribunal Central Administrativo Norte pronunciou-se no sentido de que o acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos seus administradores não é um ato discricionário da administração tributária, mas um meio de produção de prova, condição sine qua non para que o procedimento seja admitido e de que a norma constante do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC não incorre em violação dos princípios constitucionais da reserva à intimidade da vida privada (cf. artigo 26.º, n.º 1, da CRP), do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP), da proporcionalidade (cf. artigo 18.º, n.º 2, da CRP), da tributação das empresas pelo rendimento real (cf. artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade tributária (cf. artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, todos da CRP), pelo que concluiu, sem mais, que a decisão da administração tributária que indeferiu o pedido de prova de preço efetivo com o exclusivo fundamento de falta de junção dos documentos de autorização de acesso à informação bancária não é ilegal;

8.ª Não está em causa um simples erro de julgamento, mas um erro manifestamente ostensivo e grosseiro, aqui consubstanciado no facto de o Tribunal não interpretar cabalmente os vários regimes e princípios jurídicos que se convocam perante a presente situação, em concreto, a norma que consagra a proibição de presunções inilidíveis (artigo 73.º da LGT), o regime da derrogação do sigilo bancário (artigo 63.º-B da LGT) e os princípios da reserva à intimidade da vida privada (cf. artigo 26.º, n.º 1, da CRP), do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP), da proporcionalidade (cf. artigo 18.º, n.º 2, da CRP), da tributação das empresas pelo rendimento real (cf. artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade tributária (cf. artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, todos da CRP);

9.ª É claramente necessária a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para evitar que esta má interpretação do n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, conjugada com as restantes normas que se convocam, se consolide na ordem jurídica e que seja aplicável em todas as situações em que esteja em causa um pedido de prova de preço efetivo, potenciando situações de disparidade de tratamento entre contribuintes e criando situações em que são aplicadas interpretações de normas jurídicas manifestamente ilegais que contaminarão o sistema jurídico de más interpretações de direito, minando a sua credibilidade;

10.ª No que se refere à relevância jurídica fundamental, que se manifesta, por um lado, na complexidade das operações jurídicas indispensáveis à resolução do caso e, por outro lado, na capacidade de expansão da controvérsia, impõe-se ao Tribunal a interpretação de um conjunto de preceitos, recorrendo aos vários elementos interpretativos das normas;

11.ª Estando em causa interpretação de uma multiplicidade de normas e de regimes jurídicos, é necessário, além disso, ter em consideração o entendimento dos Tribunais, com especial enfoque nas finalidades do procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, em concreto da apreciação que os mesmos efetuam do eventual levantamento do sigilo bancário, não apenas do seu modus operandi como também do impacto que tal levantamento (ou não) terá na esfera do contribuinte e de terceiros, trata-se de interpretação particularmente complexa que o Tribunal Central Administrativo Norte, com o devido respeito, não efetuou cabalmente;

12.ª Não se trata de uma mera operação de interpretação de determinada norma jurídica, mas de uma interpretação integrada que, até à data e com o devido respeito, os tribunais superiores não efetuaram de forma completa e consistente;

13.ª Atendendo aos conceitos em presença e às disposições normativas aplicáveis, é inequívoco para a Recorrente a existência de uma complexidade jurídica superior à comum que justifica a admissão do presente recurso de revista;

14.ª Para além disso, saliente-se que não vigora até esta data uma corrente uniforme de jurisprudência proferida pelos tribunais superiores quanto a esta questão;

15.ª Atendendo a que a questão em apreço tem passado e é suscetível de passar pela jurisprudência dos tribunais superiores, entende a Recorrente que é evidente a possibilidade de repetição da questão em casos futuros, em termos de expansão da controvérsia;

16.ª A decisão sobre a questão não é meramente teórica e tem inerentes efeitos práticos, com claro reflexo para o contribuinte;

17.ª Estando em causa a interpretação de normas que permitem a ilisão de uma presunção de normas de incidência tributária, o entendimento acolhido irá inquestionavelmente bulir com o património dos contribuintes que poderá vir a ser afetado desnecessariamente e de modo desproporcional, ao arrepio do princípio da tributação pelo lucro real, da igualdade tributária, do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;

18.ª A firmar-se o entendimento do Tribunal Central Administrativo Norte, a Recorrente verá o seu património afetado uma vez que não lhe é permitida a prova do preço efetivamente praticado através de elementos idóneos inclusive juntos ao pedido apresentado perante a administração tributária e, nessa medida, será tributado sobre um rendimento superior ao que foi efetivamente por si auferido;

19.ª Atendendo a que esta é uma questão que não se encontra resolvida na jurisprudência considera a Recorrente que o risco de persistirem e ocorrerem diversas situações deste tipo é bastante elevado;

20.ª É por forma a evitar esta situação com relevante impacto ao nível da situação tributária dos contribuintes que se impõe a revista;

21.ª A questão interpretativa coloca-se, assim, numa abundância de situações e ao longo dos tempos, com referência a diversos contribuintes, pelo que se afigura inequívoca também a relevância social de importância fundamental;

22.ª Considera a Recorrente que a interpretação proferida nos presentes autos, em clara violação da lei, por perfilhar aceção contrária ao próprio espírito do legislador tributário, é suscetível de se aplicar em numerosos novos litígios administrativos e judiciais, e inclusivamente originá-los, gerando uma avultada incerteza e instabilidade e fazendo antever como objetivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo;

23.ª Estão, assim, preenchidos os requisitos necessários à admissibilidade do recurso previsto no artigo 150.º do CPTA;

24.ª Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o douto acórdão recorrido não apreendeu de modo cabal a questão suscitada nos presentes autos e decidiu em violação grosseira do disposto nos artigos 139.º do Código do IRC, conjugado com os princípios da reserva à intimidade da vida privada (cf. artigo 26.º, n.º 1, da CRP), do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP), da proporcionalidade (cf. artigo 18.º, n.º 2, da CRP), da tributação das empresas pelo rendimento real (cf. artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade tributária (cf. artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, todos da CRP), e, bem assim, dos artigos 63.º-B e 73.º da LGT;

25.ª No caso sub judice, terá de considerar-se que junção dos documentos de autorização de acesso à informação bancária não são condição sine qua non para a admissibilidade e apreciação do pedido de prova do preço efetivo, principalmente, nas situações em que sejam juntos outros meios de prova idóneos com vista à demonstração do preço efetivamente praticado, como foi o caso em apreço;

26.ª É esta a interpretação que mantém a coerência do sistema jurídico-tributário e que respeita a legalidade das normas e princípios aplicáveis;

27.ª Partindo da regra geral de interpretação da Lei consagrada no artigo 9.º do Código Civil, impõe-se concluir que em face da aplicação prática do expediente previsto no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, e atendendo aos elementos de interpretação teleológico, sistemático e até histórico, é evidente que os objetivos de combate à evasão e à fraude fiscal e o próprio direito do Estado de cobrar impostos não justificam, de forma alguma, o atropelo dos direitos do sujeito passivo e dos terceiros envolvidos à reserva à intimidade da sua vida privada, tal como o mesmo foi concretizado naquela norma;

28.ª O legislador pretendeu consagrar, naquele n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, um regime especial de derrogação do sigilo bancário, facultativo, com o objetivo de agilizar as diligências de prova do preço efetivo na eventualidade de os documentos juntos ao requerimento não serem prova suficiente daquele preço, motivo pelo qual somente se os documentos juntos não forem suficientes é que, uma vez que já se deu início ao procedimento de prova do preço efetivo, “(…) a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior (…)” (cf. n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC);

29.ª Embora o elemento literal de interpretação possa levar o intérprete a crer que se visou exigir ao sujeito passivo a apresentação das autorizações para aceder à sua informação bancária e à dos seus administradores, renunciando voluntariamente ao sigilo bancário e providenciado pela renúncia voluntária ao mesmo sigilo de um terceiro, seu administrador à data da transmissão, evidentemente que não é essa a interpretação correta daquela norma, sob pena de violação do direito à reserva da intimidade da vida privada;

30.ª A norma prevista no n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC segundo a interpretação de que a junção dos documentos de autorização de acesso à informação bancária são requisito essencial para a admissão e apreciação do pedido de prova do preço efetivo, incorre, igualmente, na violação do princípio do Estado de Direito e do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na medida em que encerra um efetivo condicionamento do mecanismo de ilisão de presunção visto que confronta o sujeito passivo com uma situação em que ou autoriza a derrogação do seu sigilo bancário e se vê refém da obtenção de terceiros as autorizações relativas a essa derrogação ou se vê irremediavelmente privado de afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;

31.ª Verifica-se ainda que o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC na interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo incorre também em violação do princípio da proporcionalidade, desde logo no que se refere às vertentes da adequação e da necessidade, porquanto, embora se reconheça que o eventual controlo e acesso à informação bancária do sujeito passivo e dos administradores poderá, em face do objetivo mediato de combate à evasão e à fraude fiscal que presidiu à consagração do regime legal previsto no artigo 139.º do Código do IRC, justificar aquele acesso, já nada poderá justificar que o mesmo se concretize da forma leviana que resulta da aplicação do n.º 6 daquele preceito se entender que as autorizações de acesso à informação bancária têm de ser juntas ao pedido, sob pena do seu imediato e automático indeferimento, sem qualquer tipo de análise dos restantes meios de prova apresentados pelo sujeito passivo;

32.ª A violação do princípio da proporcionalidade ocorre ainda, na sua outra vertente, mais estrita, especialmente tendo em consideração a circunstância de se exigir ao sujeito passivo que apresente, para efeitos da utilização do expediente previsto no artigo 139.º do Código do IRC, as autorizações de levantamento do sigilo bancário relativo a terceiros, quais sejam, os seus administradores é, a todos os títulos, inaceitável, porquanto não está sequer na sua esfera de decisão e de poderes o de autorizar o acesso à informação bancária daqueles administradores. Aliás, essa prova pode revelar-se de ainda mais difícil obtenção nas situações, muito frequentes, em que os administradores à data da transmissão dos imóveis já não são os mesmos da presente data, tendo deixado de manter qualquer vínculo com a sociedade;

33.ª Destaque-se que a norma em apreço é ainda inconstitucional por violação dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, e da igualdade tributária, uma vez do modo como foi interpretada (no sentido de que a junção das autorizações de acesso à informação bancária é um requisito indispensável ao conhecimento do pedido) tornam a presunção prevista no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC uma presunção inilidível;

34.ª Insista-se, caso o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC seja interpretado no sentido de se entender que os mencionados documentos de autorização constituem um requisito indispensável à própria apreciação do requerimento de demonstração do preço efetivo, então tal exigência traduzir-se-ia numa prova impossível e, por conseguinte, na inilidibilidade da presunção de rendimento, o que não pode ser aceite pelo ordenamento jurídico-tributário;

35.ª Existe uma desigualdade de tratamento na ilisão da mesma presunção de rendimento entre as pessoas coletivas e as pessoas singulares, visto que i) no caso das pessoas singulares, a ilisão da presunção depende somente da sua vontade, enquanto que, ii) no caso das pessoas coletivas, a ilisão da presunção depende não só da sua própria “vontade”, como também da dos seus administradores ou gerentes, com todos os constrangimentos já apontados supra;

36.ª Ao que acresce que a previsão e aplicação do n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, tal como preconizado pela administração tributária na situação sub judice, e confirmada pelos Tribunais, desrespeitou os princípios e os limites implícitos no artigo 63.º-B da LGT;

37.ª Em sentido contrário a todo o exposto nem se invoque a jurisprudência em que se apoiou a decisão do Tribunal Central Administrativo Norte, pois, aquela assenta, com o devido respeito, em pressupostos errados que inquinam a decisão, essencialmente porque não ponderam o verdadeiro impacto que o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC tem nos sujeitos passivos pelo simples facto de fazerem depender aquele procedimento de elementos de terceiros;

38.ª A interpretação do artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, merece especial ponderação por obrigar o sujeito passivo a juntar as autorizações de terceiros, fazendo depender a sua própria tributação de comportamentos e manifestações de vontade que não estão no seu controlo;

39.ª Os deveres que recaem sobre os administradores e/ou gerentes, elencados no CSC, designadamente no seu artigo 64.º, que consagra o dever de lealdade, não impõem que estes autorizem a derrogação do seu sigilo bancário;

40.ª O sujeito passivo que se vê afetado por uma presunção de rendimento é a empresa, e é esta que desencadeia o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, tendo em vista que a sua tributação ocorra em conformidade com o lucro real. Assim, sem prejuízo de os administradores se relacionarem com a empresa, a verdade é que são entidades distintas, com personalidades e vontades distintas, pelo que o argumento que tem vindo a ser difundido, de que a junção dos documentos de autorização de acesso à informação bancária é perfeitamente legítimo e configura um requisito essencial para a admissão e apreciação do requerimento apresentado nos termos do n.º 1 do artigo 139.º do Código do IRC por configurar um procedimento voluntário e desencadeado pelo sujeito passivo não colhe;

41.ª Mesmo existindo vontade do sujeito passivo em cumprir com todas os requisitos que a administração tributária exija, quando tais requisitos passam a ser exigidos por referência a entidades distintas do sujeito passivo (como os seus administradores), então, a aludida voluntariedade do procedimento deixa de ter qualquer relevância, pelo que fica sem efeito todo o argumento assente neste pressuposto;

42.ª Não pode considerar-se que, se o artigo 139.º, n.º 6, do Código do IRC, deverá ser interpretado no sentido de que é obrigatória a junção dos documentos de autorização de acesso à informação bancária sob pena de indeferimento liminar do pedido, então, essa junção consubstancia um ato voluntário consentido pelo sujeito passivo e pelos seus administradores. Não é verdade! Com efeito, se o sujeito passivo e os administradores não juntarem tais documentos, o pedido de prova do preço efetivo não é sequer apreciado, ficando o sujeito passivo prejudicado por ser tributado sobre rendimento meramente presumido, sem a possibilidade de ilidir tal presunção;

43.ª Ao contrário do referido na jurisprudência citada pelo Tribunal a quo, inexiste qualquer consentimento livre nas referidas “autorizações de acesso à informação bancária” outorgadas nestas circunstâncias;

44.ª Existindo cada vez mais legislação garantística do tratamento de dados pessoais, e sendo a informação bancária uma informação sensível, afigura-se compreensível e legítima a recusa em autorizar o acesso à informação bancária, mesmo sendo apenas nos termos do artigo 139.º do Código do IRC, pois como já se referiu, a prova do preço efetivo poderá ser alcançada mediante outros meios de prova menos lesivos dos seus direitos;

45.ª Não é legitimo nem encontra qualquer suporte legal o indeferimento do pedido de prova do preço efetivo por parte da administração tributária apenas pelo facto de não ser junta a documentação de acesso à informação bancária, pois, o efeito garantístico e de conformidade do sistema tributário que se pretendeu com o artigo 139.º do Código do IRC seria meramente ilusório e na prática o artigo 64.º, n.º 2, do Código do IRC consagraria uma verdadeira presunção inilidível;

46.ª Esta interpretação não tem qualquer sentido e vai ao arrepio da finalidade do procedimento em questão: a possibilidade de o contribuinte ilidir uma presunção de rendimento em obediência ao artigo 73.º da LGT e aos princípios da igualdade tributária (na vertente da capacidade contributiva) e da tributação pelo lucro real;

47.ª A interpretação segundo a qual o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC exige como condição sine qua non para a admissão e apreciação do pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis a junção das autorizações de acesso à informação bancária é manifestamente ilegal em violação do artigo 73.º da LGT e do artigo 63.º-B também da LGT e é ainda inconstitucional por violação dos princípios da reserva à intimidade da vida privada (cf. artigo 26.º, n.º 1, da CRP), do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (cf. artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP), da proporcionalidade (cf. artigo 18.º, n.º 2, da CRP), da tributação das empresas pelo rendimento real (cf. artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e da igualdade tributária (cf. artigos 13.º e 104.º, n.º 1 e n.º 2, todos da CRP), o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;

48.ª No que concerne à questão interpretativa que se pretende clarificar com o presente recurso de revista – saber se, numa situação como a da Recorrente, em que está em causa a prova do preço efetivo praticado na alienação de imóveis, tendo sido apresentado o requerimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, acompanhado de meios de prova idóneos para a demonstração do preço efetivamente praticado, as autorizações de acesso à informação bancária devem ser consideradas como condição sine qua non para a admissão do pedido de demonstração do preço efetivo, cuja falta implica (sem qualquer tipo de escrutínio e apreciação) o seu imediato indeferimento (que, na prática, configura uma verdadeira decisão arquivamento), como entenderam a administração tributária e o Tribunal a quo, ou, como entende a Recorrente, a apresentação das referidas autorizações de acesso à informação bancária não é requisito essencial para a admissão do referido pedido, pelo que a sua falta de apresentação não poderá constituir, por si só, fundamento do indeferimento automático daquele procedimento? –, é evidente que a resposta terá de ser a de que, o n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC não consagra uma obrigação de junção dos documentos de acesso à informação bancária, pelo que caso tais documentos não sejam juntos, isso não significa o imediato e automático indeferimento do pedido, devendo primeiramente ser analisados os restantes documentos tendentes à prova do preço efetivo juntos ao pedido pelo sujeito passivo, sob pena de se converter a presunção consagrada no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC numa presunção inilidível;

49.ª Em face do exposto, não pode acompanhar-se o entendimento do acórdão recorrido, impondo-se a sua revogação e a sua substituição por outro que julgue procedente o recurso.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido, devendo ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

2 – Contra-alegou a recorrida AT, pugnando pela não admissão do recurso, atenta a existência de jurisprudência do STA e do Tribunal Constitucional sobre a questão (na qual o acórdão do TCA Norte se apoia), e, caso a assim não se entenda, pelo não provimento do mesmo.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA não emitiu parecer sobre a admissibilidade da revista.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 22 a 31 da respectiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Dispõe o artigo 150.º do CPPT, na redacção aplicável, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA-Norte sob escrutínio negou provimento ao recurso interposto pela ora recorrente, decidindo que a sentença do TAF do Porto não enfermava das nulidades que lhe vinham imputadas nem de erro de julgamento de facto e de direito, não estando ferida de inconstitucionalidade a norma do n.º 6 do artigo 129.º do Código do IRC, na interpretação dele efectuada pelas instâncias.

Do assim decidido quanto ao erro de julgamento, requer a recorrente revista para reapreciação da questão de saber se, numa situação como a da Recorrente, em que está em causa a prova do preço efetivo praticado na alienação de imóveis, tendo sido apresentado o requerimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, acompanhado de meios de prova idóneos para a demonstração do preço efetivamente praticado, as autorizações de acesso à informação bancária da Recorrente e dos seus administradores devem ser consideradas como condição sine qua non para a admissão do pedido, cuja falta implica, de modo automático (sem qualquer tipo de escrutínio e apreciação) o seu imediato indeferimento (que, na prática, configura uma verdadeira decisão de arquivamento), como entenderam a administração tributária e o Tribunal a quo, ou, como entende o Recorrente, a apresentação das referidas autorizações de acesso à informação bancária não é requisito essencial para a admissão do referido pedido, pelo que a sua falta de apresentação não poderá constituir, por si só, fundamento do indeferimento automático daquele procedimento?, alegando que se trata de questão de importância jurídica e social fundamental, bem como que a admissão do recurso é necessário para melhor aplicação do Direito.

A questão colocada foi já, porém, tratada por este Supremo Tribunal e em data recente- cfr. o Acórdão deste STA de 20 de abril de 2020, proc. n.º 1639/10.1BELRA -, o que torna desnecessária a admissão da revista, pois o órgão de cúpula da jurisdição teve já ocasião de firmar o seu entendimento nessa matéria. Também o recurso não se mostra necessário para melhor aplicação do Direito, pois que o acórdão do TCA-Norte sindicado é concordante com a expressa por este STA.

Acresce que, como constitui jurisprudência pacífica da Secção, as questões de inconstitucionalidade não constituem objecto específico do recurso de revista, atenta a existência de possibilidade de recurso das partes para o Tribunal Constitucional.

Pelo exposto, em sintonia com o que tem sido decidido em casos idênticos – cfr. os Acórdãos desta formação de 13 de julho de 2021, processo n.º 3022/10.0BEPRT e de 6 de outubro de 2021, processos n.ºs 3147/10.1BEPRT, 1811/10.4BEPRT, 1066/12.6BEPRT e 1779/12.2BEPRT -, não se admitirá o recurso de revista.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.