Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0985/08
Data do Acordão:03/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
PAGAMENTO DA DÍVIDA EXEQUENDA
PRESCRIÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A sentença só será nula, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, quando se não tiver pronunciado sobre questões que devesse apreciar, uma vez que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 do artigo 660.º do CPC).
II - Não ocorre tal nulidade se o conhecimento das questões enunciadas na petição inicial ficou prejudicado pela inadmissibilidade da oposição.
III - O pagamento da dívida exequenda pelo responsável subsidiário não afecta os seus direitos de impugnação administrativa ou contenciosa previstos na lei (artigo 9.º da LGT), inclusivamente através de oposição à execução fiscal, quando esta for o meio processual adequado para essa impugnação [artigo 204.º, n.º 1, alíneas a), b) e h) do CPPT].
IV - Paga a dívida exequenda, não pode, depois, em sede de oposição à execução fiscal, conhecer-se da prescrição daquela dívida.
Nº Convencional:JSTA00065642
Nº do Documento:SA2200903250985
Data de Entrada:11/06/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BEJA PER SALTUM.
Indicações Eventuais:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART125 ART264 N1 ART269 ART204 N1 B H ART151 N1.
CPC96 ART660 N2 ART668 N1.
LGT98 ART9 N3 ART23 N5 ART22 N1 N4.
CCIV66 ART304.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC638/07 DE 2007/12/05.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VII PAG89.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença do Mmo. Juiz do TAF de Beja que julgou processualmente inadmissíveis os presentes autos de oposição por si deduzidos contra a execução fiscal instaurada no Serviço de Finanças de Estremoz para pagamento de contribuições ao CRSS de Évora, dos anos de 1990 e 1991, contra B…, Lda., e contra si revertida, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
A) O presente recurso tem por objecto a sentença de fls. (?) que, na sequência da citação da reversão, decidiu não ser a oposição o meio de reacção processualmente adequado.
B) Não lhe assiste, porém, razão pois a sentença “sub judice” enferma de manifesto erro na interpretação e aplicação do artigo 176.º, n.º 1, al. a) do CPPT.
C) Na verdade, deduzida oposição pelo ora Recorrente dentro do prazo legal, nos termos que lhe foram conferidos – a entidade que fez a citação colocou à sua disposição este meio de defesa – havendo ou não lugar ao pagamento da dívida exequenda, contrariamente ao vertido na douta sentença, não se extingue o processo de execução sob pena de inconstitucionalidade por violação do direito (fundamental) do acesso aos tribunais previsto no art.º 20.º da CRP.
D) A decisão recorrida efectuou, ainda, errada interpretação e aplicação da lei, em particular dos normativos constantes dos artigos 9.º, n.ºs 1 e 3, art.º 23.º, n.º 5 da LGT, art.º 160.º, n.º 3 e art.º 204.º do CPPT, e não se pronunciou sobre questões sobre as quais se deveria ter pronunciado, pelo que enferma do vício de nulidade nos termos previstos no art.º 125.º do CPPT e 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
E) Assim, a interpretação da norma legal, supra, invocada na douta sentença recorrida, sendo contrária à lei, por o direito à impugnação não ser renunciável (salvo nos casos expressamente previstos na lei), deverá ser anulada, determinando-se a revogação da sentença ora recorrida.
F) Consequentemente, deverão os autos prosseguir, concluindo-se, a final, pela procedência da oposição, pois não é aplicável à situação sub judice, na interpretação que lhe foi dada, o art.º176.º, n.º 1, al. a) do CPPT.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Na sentença recorrida, mostra-se assente a seguinte factualidade:
1.º- No SF de Estremoz foi instaurada execução fiscal para pagamento de contribuições ao CRSS de Évora, dos anos de 1990 e 1991, contra B…, Lda. – processo executivo apenso.
2.º- Por inexistência de bens penhoráveis, a execução foi revertida contra o oponente, por despacho de 19/07/2001 – processo executivo apenso.
3.º- O oponente pagou a quantia exequenda em 21/06/2005, sem qualquer menção do pagamento ser condicional – docs. fls. 68 e 71 do processo executivo apenso.
4.º- A oposição foi deduzida em 24/06/2005 – doc. fls. 5.
III – 1. Vem arguida a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos previstos nos artigos 125.º do CPPT, 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º1, alínea d) do CPC, por não se ter pronunciado a mesma sobre questões sobre as quais se deveria ter pronunciado.
A sentença recorrida só seria, porém, nula, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, se não se tivesse pronunciado sobre questões que devesse apreciar, uma vez que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 do artigo 660.º do CPC).
Ora, sucede no caso em apreço que o Mmo. Juiz “a quo” se não pronunciou sobre as questões suscitadas pelo oponente na petição de oposição que apresentou porquanto o conhecimento de tais questões ficou prejudicado pela solução da questão da inadmissibilidade da oposição, decorrente do pagamento prévio da quantia exequenda.
Daí que não se verifique, pois, a nulidade arguida.
2. A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se, ocorrendo pagamento da dívida exequenda por parte do responsável subsidiário, deve ser admitida a oposição à execução fiscal por este deduzida.
Considerou o Mmo. Juiz “a quo” que a oposição neste caso não seria admissível porque quando foi deduzida já o processo executivo, que com ela se visaria pôr termo, se extinguira pelo pagamento da quantia exequenda.
Na verdade, efectuado o pagamento voluntário da execução fiscal, esta extingue-se (arts. 264.º, n.º 1, e 269.º do CPPT), acarretando, em regra, a inutilidade superveniente da oposição, cujo objectivo mais frequente é, sem dúvida, apenas decidir se a execução deve ou não prosseguir contra a pessoa que se vem opor.
Porém, nem sempre será assim, pois, como diz Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, II volume, a fls. 89, “em certas situações, a oposição à execução fiscal pode ter por objecto a impugnação do acto de liquidação, designadamente nos casos em que o oponente pretende imputar àquele acto uma ilegalidade abstracta [alínea a) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT] e quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação [art.º 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT]”.
Por outro lado, como refere o mesmo autor, o pagamento efectuado pelo responsável subsidiário para beneficiar da isenção de custas e multa, nos termos do art.º 23.º, n.º 5 da LGT, não implica também a preclusão do seu direito de impugnar o acto de liquidação, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º da LGT, que expressamente estabelece que «o pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei».
O pagamento efectuado pelo responsável subsidiário dentro do prazo da oposição enquadra-se na previsão desta norma, já que a isenção de juros de mora e custas que o artigo 22.º, n.º 1 da LGT inclui no âmbito da responsabilidade subsidiária constitui, como qualquer isenção, um benefício.
Assim, é de concluir, pois, que o pagamento efectuado pelo responsável subsidiário no prazo da oposição não preclude o seu direito de impugnar a liquidação, que lhe garante o n.º 4 do artigo 22.º da LGT, direito esse que pode ser exercido por qualquer dos meios que a lei prevê para esse efeito, incluindo a oposição à execução fiscal, designadamente nos casos em que a lei não assegura qualquer outro meio de impugnação contenciosa ou esse for o meio adequado para o fazer.
Ora, no caso em apreço, tendo a execução por objecto a cobrança de dívidas à segurança social, sempre a oposição teria de ser admitida como meio de impugnação contenciosa do acto de liquidação, no âmbito da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, por ser o único previsto na lei para esse efeito.
Por outro lado, sendo a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para atacar a decisão relativa à reversão da execução fiscal, com o fundamento de o revertido não ser responsável pelo pagamento da dívida, nos termos da alínea b) do n.° 1 do art. 204.° do CPPT, pois todas as questões relacionadas com os pressupostos da responsabilidade subsidiária deverão ser apreciadas, por força do disposto no n.º 1 do artigo 151.º do CPPT, em processo de oposição, também por esse motivo a oposição deduzida pelo ora recorrente com tal fundamento, entre outros, teria de ser admitida.
Razão por que a decisão recorrida que assim não entendeu se não possa, por isso, manter.
3. Invoca o oponente, ora recorrente, como fundamentos da oposição apresentada para além da sua ilegitimidade ainda a prescrição das dívidas exequendas, pelo que, tendo pago estas, pretende agora também que lhe seja reconhecido o direito à restituição do valor indevidamente pago e ainda lhe sejam arbitrados juros indemnizatórios.
Quanto a isso se dirá, porém, que, paga a dívida exequenda, não pode, depois, em sede de oposição à execução fiscal, conhecer-se da prescrição daquela dívida.
Não significa isso que o oponente não possa eventualmente reaver a quantia paga, se se verificarem os requisitos de que a lei faz depender a repetição do que foi pago em cumprimento de obrigação prescrita, previstos no artigo 304.º do CC, designadamente o de ter sido efectuado pagamento não espontâneo.
Porém, trata-se de matéria que não cabe no âmbito do processo de oposição à execução fiscal que tem apenas a finalidade de apurar se a execução deve ou não prosseguir contra o oponente e não apreciar se devem ser reconhecidos direitos para o oponente emergentes do processo de execução fiscal (v., neste sentido, acórdão deste STA de 5/12/2007, proferido no recurso n.º 638/07).
Assim, estando já efectuado o pagamento voluntário no momento em que a oposição foi remetida ao Tribunal, não tinha este que apreciar tal fundamento de oposição, por tal ser actividade inútil para ser atingido o objectivo para o qual o processo de oposição à execução fiscal está vocacionado.
Já relativamente à invocada ilegitimidade constata-se que na sentença recorrida se não mostram fixados os factos necessários para o seu conhecimento e que terão resultado da prova produzida, impondo-se, por isso, a baixa dos autos à instância para ampliação da matéria de facto nesse domínio e ulterior apreciação desse fundamento.
IV – Termos que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e ordenar a baixa dos autos à instância para, após ampliação da matéria de facto pertinente, conhecimento da alegada ilegitimidade do oponente.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Março de 2009. – António Calhau (relator) – Jorge de Sousa – Miranda de Pacheco.