Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:085/06.6BELLE 0593/17
Data do Acordão:11/09/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23825
Nº do Documento:SA120181109085/06
Data de Entrada:05/19/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

1. A…………, B…………, C………… e D………… intentaram, no TAF de Loulé, contra o Sr. SECRETÁRIO DE ESTADO DO AMBIENTE e o INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA (ICN), entretanto extinto e substituído pelo INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA e FLORESTAS, I.P. (doravante ICNF), acção administrativa especial pedindo:
– a anulação da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) desfavorável proferida pelo Sr. Secretário de Estado do Ambiente, em 14/11/2005, que inviabilizou a construção do campo de Golfe designado por “Formosa Golfe”.
- o reconhecimento da formação tácita de uma DIA favorável ou a substituição de uma DIA desfavorável por uma favorável ou condicionalmente favorável.
- e condenação dos Réus a pagarem aos Autores uma indemnização pelos prejuízos que lhes causaram.

O TAF depois de, no despacho saneador, ter declarado que os Autores B…………, C………… e D………… careciam de legitimidade julgou a acção improcedente.
A Autora recorreu para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso do saneador, julgando aqueles Autores parte legítima, declarou a nulidade da sentença e, conhecendo em substituição, manteve o julgamento de improcedência da acção.

É desse Acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Colhe-se na M.F. que os Autores requereram à Câmara Municipal de Loulé o licenciamento de um projecto de construção de um campo de golfe o qual foi indeferido por o Sr. Secretário de Estado do Ambiente ter proferido, em 14/11/2005, uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) desfavorável.
Inconformados, impugnaram essa Declaração, no TAF de Loulé, pedindo não só a sua anulação mas também a condenação dos Réus a reconhecerem a formação tácita de uma DIA favorável ou a substituição da DIA desfavorável por uma favorável e no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados.

O TAF depois de, no saneador, declarar os AA B…………, C………… e D………… parte ilegítima, proferiu sentença julgando a acção improcedente.

Os Autores recorreram de ambas as decisões para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso do despacho saneador, julgando aqueles Autores parte legítima, declarou a nulidade da sentença e, conhecendo em substituição, manteve o julgamento de improcedência da acção. Julgamento fundado nas razões que se sumariam.
No tocante à legitimidade dos Autores:
“Os co-AA B…………, C………… e D…………, que o TAC considerou sem legitimidade processual …. efetivamente não a têm quanto aos pedidos relativos à DIA …. mas já têm legitimidade processual quanto ao pedido indemnizatório de acordo com o artigo 9º/1 do CPTA …. .
O que significa, como dissemos, que temos aqui vários autores numa ação com diferentes pedidos, sendo uns diretamente relevantes para a A empresa e um outro para os AA-pessoas singulares.
Ou seja, a coligação ativa constante da p.i. é lícita: os co-AA acionistas da co-A-empresa têm legitimidade processual ativa quanto ao pedido nº 2, que depende do cit. pedido nº 1.”

Quanto à nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
“Com efeito, esta questão, atinente ao princípio geral da igualdade, foi invocada na pet. i. (artigos 179 ss e 222 ss), mas não foi abordada na decisão recorrida.
Foi, assim, violado, o disposto no artigo 95º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que causa a nulidade da sentença (cfr. artigo 615º/1-d) do Código de Processo Civil).

Quanto à formação do deferimento tácito da DIA:
Dos normativos cits. resulta que o prazo de 120 dias apenas se inicia quando a Entidade competente para a AIA estiver munida de todos os elementos e informações que necessita para proceder à mesma.

Assim, aqui, o prazo de 120 dias iniciou-se com a receção em 06/06/2005 na CCDR de todos os elementos que haviam sido solicitados em 17/02/2005 à A., pelo que, atenta a suspensão durante a audiência prévia do projeto de decisão, conforme o nº 5 do art. 19º cit., e atenta a data da notificação da decisão definitiva de DIA, não se completaram 120 dias.
Não houve, assim, deferimento tácito da DIA. Improcede, pois, esta questão.”

No tocante à aplicação das normas dos Planos do PNRF e da Orla Costeira em função das características biofísicas da propriedade dos AA:
“Ora, o Tribunal Administrativo de Círculo não fez tal distinção.
O que fez foi situar no espaço o projeto para concluir que este, naquele local concreto (zona alta da zona húmida do Parque; Zona de Proteção Especial da Ria Formosa; Áreas Húmidas Ameaçadas pelas Cheias; Reserva Agrícola Nacional e Espaços Florestais - Áreas de Proteção; REN- Zonas Húmidas de Água Doce), não se enquadra no tipo de ações previstas para a classe de espaço onde incide a pretensão construtiva.
O essencial é que, como diz a sentença, o projeto em causa não estava de acordo com o já transcrito artigo 9º/2/4 do DR nº 2/91 (Plano de Ordenamento e Regulamento do PNRF).
É claro.
E isso não é incompatível com o artigo 7º do Decreto-Lei nº 373/87 (que criou o PNRF) … .
Além disso, o projeto não é tolerado pelo nº 3 do artigo 7º de tal Decreto-Lei, na parte referente a alteração da topografia.

Por outro lado, diz a recorrente, haveria uma violação dos artigos 1º e 9º/2-i) do Dec.-Lei n.º 196/89, de 14 de junho (RAN), atualmente artigos 2º e 22º/1 do Dec.-Lei n.º 73/2009 de 31 de março, pois que se tratam de terrenos agrícolas.
Não tem razão, de todo: não esteve em causa o regime jurídico da RAN, mas sim o regime jurídico do Parque e o do POOC.

A recorrente diz ainda que o POOC de Vilamoura - Vila Real de Santo António (RCM nº 103/2005) não se aplicaria aqui, pois entrou em vigor depois da informação prévia favorável de 26-3-2004 …..
No caso dos autos, o pedido de informação prévia foi favorável com condições, entre as quais a apresentação de EIA, mas a Câmara Municipal de Loulé, em sede de licenciamento da construção do campo de golfe, podia sempre indeferir o pedido de licenciamento com fundamento noutros aspetos, que não foram inicialmente analisados, como é o caso de o projeto obter uma DIA desfavorável.
Foi o que aconteceu aqui.
Com efeito, a informação prévia favorável válida constitui direitos a favor do requerente (cf. o artigo 17º do RJUE) no estrito âmbito do seu conteúdo; e não em geral, com referência a quaisquer outros aspetos de facto ou de direito a considerar, depois, aquando da emissão da licença. Como parece óbvio.
…..
A recorrente considera ainda que o cit. artigo 30º do R/POOC não se sobrepõe aos cits. artigos 1º e 9º do Decreto-Lei nº 196/89.
Trata-se de questão também não discutida na 1ª instância, pelo que não a podemos conhecer.
Além disso, ante a fundamentação do ato administrativo impugnado, que não se fundou no regime da RAN, seria matéria irrelevante.
Improcede, assim, este ponto das conclusões do recurso: a sentença não violou as normas invocadas no recurso.
……
Mas, seja como for, este projeto de campo de golfe, insiste a recorrente, respeita os artigos 12º/h)8 e 30º/29 do R/POOC de 2005 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2005). O projeto seria enquadrável em “ações de reabilitação paisagística, geomorfológica e ecológica” (artigo 12º/h)).
E também respeitaria “a conservação e a valorização ambiental das áreas”, bem como o “objetivo de valorização e recuperação paisagística e biofísica” (artigo 30º).
A entidade licenciadora entendeu que não.
…..
E nós não descortinamos, nem o recurso invoca, que princípios gerais de direito administrativo foram violados ou que erros notórios foram cometidos ao negar a licença pedida, considerando-se concretamente os cits. artigos 12º/h) e 30º”.

Quanto à afectação ao golfe da propriedade dos Autores:
“Diz a recorrente ainda que, como os solos da propriedade em questão se encontram na íntegra classificados como RAN e, por isso, legalmente afetos a agricultura …. a afetação ao golfe integrar-se-ia na exceção do artigo 9º/2-i) do Decreto-Lei nº 196/89 (RAN) ….
Trata-se de questão não discutida na 1ª instância, pelo que não a podemos conhecer.
Além disso, ante a fundamentação do ato administrativo impugnado, que não se fundou no regime da RAN, seria matéria irrelevante.”

Finalmente, e no tocante à violação dos princípios da boa fé e da confiança:
“Mas, tal como já foi referido, nomeadamente quanto à autorização concedida em 1999 pelo Presidente do ICN, tal ato é uma fase preliminar e embrionária de todo o procedimento de licenciamento da construção de um campo de golfe; e a validade desse ato não depende da decisão favorável ou não de DIA, uma vez que, os pressupostos em que os mesmos se fundam não podem ser e não são os mesmos.
Além disso, está claro que o âmbito e a eficácia jurídica daquelas autorizações prévias são totalmente distintos do âmbito e da eficácia jurídica da DIA, pelo que, além de ser temporalmente impossível, não se pode aferir a (i)legalidade da autorização prévia de localização em função da posterior DIA.
….
Portanto, a autorização prévia de localização não constitui quaisquer direitos, não tem eficácia externa, nem tem o potencial de criar expetativas jurídicas legítimas em relação ao sentido (futuro) da DIA.
Pelo que não é correto a recorrente falar em violação da boa fé (objetiva) e ou da tutela da confiança (legítima).
Mas, tendo ainda presente o invocado artigo 16º do RRCEE/2007 … devemos sublinhar que a DIA não impôs qualquer encargo, nem causou qualquer dano especial e anormal aos autores; a DIA limitou-se a ser desfavorável, a indeferir o pretendido pelos autores, nos termos legais normais, sem alterar planos de ordenamento do território e sem alterar a situação jurídica do solo em causa.”
Improcede, assim, também, este ponto das conclusões do recurso.

3. A questão suscitada nesta revista é a de saber se a Declaração de Impacte Ambiental desfavorável proferida, em 14/11/2005, pelo Sr. Secretário de Estado do Ambiente - que inviabilizou a construção do campo de Golfe que os Autores pretendiam levar a cabo - é ilegal em razão dos vícios que aqueles lhe imputam. Vícios esses que, na sua alegação, radicam, no fundamental, na circunstância da lei aplicável não ser a que, efectivamente, foi aplicada e, de nessa aplicação, não só não terem sido tomadas em conta as reais características do solo onde aquela estrutura iria ser construída como também se terem aplicado normas indevidas.
Ora, há que reconhecer que, in casu, a indagação da lei aplicável e a sua efectiva aplicação implicam operações com dificuldade jurídica que, designadamente, passam por saber se o projecto dos Autores está de harmonia com o Plano de Ordenamento que lhe é aplicável, se a utilização agrícola do seu prédio é compatível com a instalação de um campo de golf, se a readaptação daqueles terrenos a uma nova utilização não irá prejudicar o ambiente e o equilíbrio natural e se as leis aplicadas eram as que estavam efectivamente em vigor.
Acresce que foi atribuído à acção um valor superior a 9 milhões de euros e, além disso, que a construção de um campo de golfe pode potenciar a promoção do turismo numa região onde o mesmo é de capital importância. O que é, por si só, suficiente para se considerar que estamos perante uma causa que, pela sua relevância social, se reveste de importância fundamental.
Deste modo, quer pela grande relevância social da questão quer pela importância das questões jurídicas suscitadas, justifica-se a admissão da revista.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 9 de Novembro de 2018. – Costa Reis (relator) - Madeira dos Santos – São Pedro.