Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02715/17.5BELSB
Data do Acordão:05/16/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PEDIDO DE ASILO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24563
Nº do Documento:SA12019051602715/17
Data de Entrada:05/07/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:SEF - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do STA:

RELATÓRIO:
A………… intentou, no TAC de Lisboa, contra a Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, acção administrativa especial impugnando o seu despacho, de 17-05-2016, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária que lhe havia dirigido.

Aquele Tribunal julgou a acção improcedente.
E o TCA Sul, para onde o Autor apelou, não conheceu do objecto do recurso.
A Formação Preliminar admitiu a revista desse julgamento. E por Acórdão da secção, de 17-01-2019, essa revista mereceu provimento, o que determinou a baixa dos autos para aí se conhecer da apelação.
O TCA Sul, por Acórdão de 21-02-2019, confirmou a decisão do TAC.

É desse acórdão que vem a presente revista (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Autor viu recusada a sua entrada em território nacional quando se apresentou no posto de fronteira do Aeroporto de Lisboa, proveniente de Istambul, com um passaporte nigeriano e título de residência espanhol, por não apresentar documento de viagem válido e visto adequado para o efeito.
Requereu, então, a protecção internacional às autoridades portuguesas, o qual foi indeferido pela Directora Nacional do SEF.

Inconformado, instaurou a presente acção pedindo a anulação daquele acto de indeferimento.

O TAC julgou a acção improcedente com o seguinte discurso:
“…
O requerente não alegou no seu requerimento de asilo, nem no depoimento que produziu que tenha alguma vez exercido no Estado da sua nacionalidade e residência habitual, qualquer actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
O requerente não invocou qualquer receio fundamentado de perseguição em virtude da raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social.”
Acrescia que as suas declarações não retratavam “uma situação de receio fundado, uma vez que deixou a sua aldeia em 2012 e viveu 4 anos em Lagos, sem que tivesse existido qualquer incidente ou receio” já que o que delas resultava era que o único motivo que o levou a sair do seu país de origem foi ter sido ameaçado pelo tio, por questões relacionadas com a herança do título de rei da aldeia.” Inexistiam, assim, “quaisquer factos concretos que permitam concluir que sofre risco de ser perseguido ou de sofrer ofensa grave se regressar ao seu Estado de origem, pois, face às suas declarações, não se mostra credível o receio de sofrer ofensa grave.
.....
Assim, por identidade de raciocínio e argumentos já acima mencionados importa considerar inaplicável in casu a protecção subsidiária prevista naquele artigo, por se considerar improvável, à luz da ausência de credibilidade geral do relato do requerente, existir um risco razoável de este vir a sofrer ofensa grave, nomeadamente um atentado contra a sua vida ou integridade física, na eventualidade de regresso àquele país.
Pelo exposto, resta concluir pela total improcedência da presente acção, mantendo-se, consequentemente, o despacho impugnado, que indeferiu o pedido de asilo formulado pelo requerente e decidiu não admitir o pedido para efeitos de concessão da autorização de residência por razões humanitárias.”

O Recorrente apelou para o TCA Sul e este negou provimento ao recurso, pela seguinte ordem de razões:
“ ….
Como decorre do facto F), a decisão administrativa sindicada apresenta a forma escrita e cumpre as menções indicadas no art.° 151.° do CPA. Logo, a referida decisão não ofende tal preceito, sendo manifestante improcedente esta alegação.
Igualmente, a decisão administrativa sindicada não padece de vício de forma por falta de fundamentação.
.......
De facto, por um lado, o Recorrente não alegou que tenha exercido alguma das actividades indicadas no art.° 3.°, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, ou que tenha sido perseguido em função desse exercício. Por outro lado, o Recorrente invoca uma perseguição na sua aldeia Natal, por razões pessoais e familiares, em 2012, após a morte do seu Pai, mas fez um relato contraditório, vago, não detalhado e inconsistente quanto a essa situação. Tratando-se de uma perseguição alegadamente feita pelo seu Tio, um agente privado, o A. e Recorrente não aduziu ter feito qualquer queixa junto dos órgãos de autoridade do Estado Nigeriano, na sequência da qual tais órgãos não tivessem actuado. No restante, apenas expressou sentimentos subjectivos, por si sentidos, não alegando a ocorrência de qualquer ato de perseguição realmente ocorrido.
....
Quando interceptado no posto de fronteira, em Portugal, o A. e Recorrente também apresentou um passaporte com a identificação de outra pessoa, assim como apresentou um título de residência espanhol. Portanto, A. e Recorrente apresentou-se em Portugal com documentos falsos.
Quanto ao seu receio individual, não é mais que isso, um receio, que não está suportado com alegações concretas e circunstanciadas que justifiquem a existência de qualquer perseguição.
Portanto, ainda que o Recorrente expresse algum receio, subjectivamente sentido, porque tal receio não foi suportado em alegações circunstanciadas, certas, com que apresentem um mínimo de credibilidade, não se pode considerar nestes autos que o A. e Recorrente seja efectivamente perseguido e não possa regressar à Nigéria, ou aí regressando corra o risco de sofrer ofensa grave.
No caso dos autos, como se disse, o relato do Requerente foi ab initio incoerente e inconsistente e não veio alicerçado de quaisquer provas, quando tal seria possível face à situação relatada. Todo o relato do A. e Recorrente aponta para uma situação de emigração económica, desde logo porque é o próprio que afirma tal ocorrência no passado recente e o uso de documentos falsos para alcançar esse efeito. Logo, a invocação do princípio do benefício da dúvida não faz sentido no seu caso, porque lhe faltou cumprir um ónus inicial e básico: a de fazer um relato sem contradições, circunstanciado, coerente e credível.
.........
Assim, no caso sub judice, sem dúvida que terá de ficar arredada a aplicação do artigo 3°, da Lei n.° 27/2008, de 30.06, à situação do Recorrente.
..........
Como acima se expôs, nos presentes autos também não resulta que a situação do A. e Recorrente seja subsumível no regime subsidiário previsto no art.º 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06.
Não resulta provado nos autos que na Nigéria ocorra uma situação de sistemática violação dos direitos humanos, ou que regressando à Nigéria o A. corra o risco de sofrer uma ofensa grave. Frente à actualidade trazida aos autos, o A. e Recorrente poderá voltar à Nigéria, nomeadamente a Lagos, onde viveu a partir de 2012 e até 2016, sem ser alvo de quaisquer ofensas sistemáticas e graves, perpetuadas pelo Estado Nigeriano, ou por agentes privados.
.....
Falecem, assim, todas as invocações do Recorrente contra a sentença recorrida.”,

3. Como se acaba de ver, as instâncias consideraram, de forma unânime e com semelhante fundamentação, que o Autor não provou que, se tivesse de regressar ao seu país, seria objecto de perseguição em virtude da raça, nacionalidade, religião, opiniões políticas ou integração em grupo social, não se verificando, por isso, razões que impusessem o deferimento da sua pretensão de asilo ou de autorização de residência por protecção subsidiária.
E entenderam também que não provara que, no seu país de origem, se verificasse uma situação de grave insegurança ou sistemática violação de direitos humanos de molde a causar-lhe um sentimento de intranquilidade e de insegurança. E, portanto, que se tivesse de regressar ao seu país corria o perigo de ser perseguido ou morto.
O que significa que, de acordo com esses julgamentos, não se encontravam reunidos os pressupostos do deferimento do pedido de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias que o Autor dirigiu ao SEF.
Assim, tendo-se em atenção que se afigura que aqueles Tribunais enquadraram os factos provados nas normas aplicáveis com prudência e critério, o que indicia que andaram bem ao julgarem a acção improcedente. Ou seja, tudo indica que o Acórdão recorrido decidiu bem e que, sendo assim, não só não merece censura como não existe necessidade de uma nova reapreciação do direito.
E esta também não é exigida pela natureza do assunto que, embora possa ser relevante para o Recorrente, carece de importância jurídica ou social justificativa da admissão do recurso.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 16 de Maio de 2019. - Costa Reis (relator) – São Pedro – Madeira dos Santos.