Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01171/16
Data do Acordão:05/31/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:INVESTIMENTO
BENEFÍCIOS FISCAIS
ESTATUTO
Sumário:A partir de 1 de Janeiro de 2007, e atento o disposto na norma transitória prevista na alínea j) do artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles perderam a isenção de IMI e de IMT de que beneficiavam, passando apenas a beneficiar de redução de taxa daqueles impostos em 50%.
Nº Convencional:JSTA000P21931
Nº do Documento:SA22017053101171
Data de Entrada:10/19/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA - Tribunal Tributário de Lisboa
. 20 de Maio de 2016



Julgou improcedente a impugnação.
Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………………….., veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no processo n.º 1858/11.3BELRS de impugnação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico do indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra liquidação de IMI relativa ao ano de 2009, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. A Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (Orçamento de Estado para 2007) estabeleceu a manutenção, nos termos em que foram concedidos, dos benefícios fiscais constantes das partes II e III do EBF, cujo direito tivesse sido constituído até 31/12/2006;

2. Entre os benefícios, assim mantidos, está o estabelecido no então art.º 46.º do EBF – hoje, art.º 49.º, referente aos Fundos de Investimento Imobiliário;

3. Tendo o ora recorrente sido constituído antes de 31/12/2006, obteve direito aos benefícios consagrados no referido art.º 46º do EBF;

4. Assim, a redução ou alteração dos benefícios fiscais estabelecidos no art. 46.º do EBF não é aplicável ao ora recorrente, na medida em que ele, nos termos do art. 88.º, a), da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, manteve o benefício fiscal anteriormente constituído na sua esfera;

5. Por outro lado, mesmo à luz do art. 88.º, j) da mesma Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, o recorrente manteve a isenção total de IMI;

6. É que, nos termos do indicado no art. 88.º, j), da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, a nova redacção dada ao artº 46º do EBF apenas se aplicava aos fundos constituídos após 1/11/2006 ou que realizassem aumentos de capital após tal data, o que não é o caso do recorrente;

7. Por outro lado, como foi referido pelo Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no seu voto proferido no Processo Arbitral nº 150/2012 – T (Centro de Arbitragem Administrativa), a questão da aplicação no tempo destes benefícios atribuídos aos Fundos de Investimento Imobiliário, tem de ser interpretado de acordo com o estabelecido no art. 3.º do EBF;

8. Ora, o art. 3.º do EBF tem como antecedente o artº 14.º, n.º 1 da LGT, acabando por ser transposto, precisamente, para o art. 3.º do EBF;

9. Como chama a atenção o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, decorre da autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo para elaborar a LGT, que, em matéria de benefícios fiscais, o sentido era o de regular o período de vigência de tais benefícios, “em termos de assegurar a sua previsibilidade, em obediência ao princípio da segurança jurídica…”;

10. Ora, decorre do art. 3.º do EBF, que aí se estabelece não só um prazo máximo de duração dos benefícios, mas também um prazo mínimo durante o qual os contribuintes podem usufruí-lo;

11. Tributar, como fez a Administração Tributária, o ora recorrente, representa uma manifesta violação do princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático.

12. A douta sentença recorrida, interpretou, assim, erroneamente, os artºs 3.º e 46.º, do EBF, 88.º, da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12.

Requereu que seja o recurso interposto pela Recorrente julgado totalmente procedente, e revogada a sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso.

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

a) A presente impugnação tem por objecto a decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico n.° RHQ 00319/1 1, que apreciou o indeferimento da reclamação graciosa n.° 3247201004005333, cujo objecto, por sua vez, visava a liquidação de IMI (1.ª prestação), referente ao ano de 2009, no montante global de € 40. 111,23 (quarenta mil, cento e onze euros e vinte e três cêntimos), referente a vários prédios da propriedade da impugnante - liquidação de fls. 18 e seguintes dos autos, e decisões do procedimento de reclamação graciosa e do procedimento de recurso hierárquico, apensos aos autos.

b) Os prédios da propriedade da impugnante sobre os quais incidiu a liquidação são os identificados na liquidação de fls. 18 e segs. - citada liquidação.

c) A sociedade impugnante A…………. é um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado de subscrição particular, constituindo exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles - facto não controvertido.

d) Os imóveis, relativamente aos quais foi emitida a liquidação, descritos em b), são da propriedade da impugnante A……………, desde data anterior a 01/11/2006, estão inscritos na respectiva matriz em seu nome e beneficiavam da isenção conferida pelo artigo 46.º do EBF, na redacção anterior à que lhe foi conferida pela LOE 2007 - escrituras de compra e venda, juntas ao PA, citadas liquidações e facto não controvertido.

e) O recurso hierárquico interposto pela Impugnante foi indeferido, pelos termos e fundamentos que dele constam, transcrevendo-se, por elucidativos e com relevância para os autos, os seguintes: “A partir da data de entrada em vigor da nova redacção introduzida pela Lei n.º 53 -A/2006 de 29 de Dezembro, no artigo 46.º (actual artigo 49.°do Estatuto dos Benefícios Fiscais), os imóveis integrados fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções de IMI e IMT previstas no n. °1 do actual artigo 49.º do EBF sendo-lhes, todavia, aplicável uma redução de 50% das taxas desses impostos. A redacção desta norma suscita a dúvida quanto ao regime aplicável aos imóveis integrados em fundos mistos ou fechados de subscrição particular em que coexistem investidores qualificados e investidores não qualificados, devendo entender-se, no entanto, que a mera existência de investidores não qualificados é, só por si, suficiente para afastar a aplicação das isenções previstas no n.º 1, ficando esses imóveis sujeitos a tributação em sede de IMT e IMI por metade das taxas.
É que a aplicação do regime previsto no n.º 2 não se encontra subordinada à condição de que todas as unidades de participação no fundo em causa sejam subscritas por investidores não qualificados.
Esta interpretação surge completamente confirmada pela redacção da norma transitória contida na alínea j) do artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a qual determina que o regime previsto no novo n.º 2 do actual artigo 49.º do EBF seja aplicável quando os imóveis estejam integrados em fundos de investimento mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles:
i. constituídos após 1 de Novembro de 2006;
ii. que realizem aumentos de capital após essa data, ou
iii. cujas unidades de participação eram, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles.
Com efeito, caso tivesse sido intenção do legislador que o novo n.º 2 do actual artigo 49.º do EBF fosse aplicável aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados detidos exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles mal se compreenderia a individualização da terceira situação, cuja existência apenas se afigura fazer sentido como medida de salvaguarda destinada a manter a aplicação das isenções estabelecidas no n.º 1 do actual artigo 49.º do EBF relativamente aos fundos de investimento mistos ou fechados cujas unidades de participação fossem à data de 1 de Novembro de 2006 detidas quer por investidores qualificados quer por investidores não qualificados.
A alteração introduzida peça Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, surge neste contexto como uma disposição que, na esteira das observações formuladas pelo Grupo de Trabalho para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais, terá visado uma redução gradual dos benefícios concedidos aos fundos de investimento imobiliário, manifestando-se essa gradualidade quer através da distinção entre fundos de investimento abertos e fundos de investimento mistos ou fechados e, dentro destes, entre os exclusivamente detidos por investidores qualificados e os participados por investidores não qualificados, quer, ainda, através da criação de um regime transitório que, nomeadamente, salvaguardasse a continuidade da aplicação do regime até aí em vigor relativamente aos imóveis detidos por fundos de investimento que à data de 1 de Novembro de 2006 fossem simultaneamente participados por investidores qualificados e por investidores não qualificados.
Finalmente, refira-se que a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, veio através do seu artigo 109.º alterar o artigo 49.º do EBF revogando o seu n.º 2 e limitando a aplicação das isenções previstas no n.º 1 exclusivamente aos fundos de investimento imobiliário abertos, fundos de pensões e fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. decisão do indeferimento do recurso hierárquico, junta a fls. 47 a 51 do P.A..

f) A Impugnante não procedeu ao pagamento da liquidação em crise, tendo prestado garantia para suspender o processo de execução fiscal, que lhe foi instaurado para cobrança coerciva da quantia titulada pela liquidação — informação de fls. 40 e 4 1 do P.A..


Questão objecto de recurso:
1- Âmbito temporal de aplicação do art.º 46.º do EBF.

O presente recurso aponta à sentença recorrida erro de julgamento por errada interpretação do Estatuto dos Benefícios Fiscais aos perfilhar o entendimento de que o disposto no n.º 2 do artigo 46.º do EBF, aditado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 (Orçamento do Estado para 2007), é aplicável ao caso dos autos, com o consequente desaparecimento das isenções de os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular, como o recorrente, até à entrada em vigor desta Lei passando, apenas, a beneficiar de taxa de IMI reduzida a metade.
A mesma questão jurídica foi objecto de recente decisão deste Supremo Tribunal Administrativo, recurso n.º 1420/14, ainda não publicado, de 17 de Maio de 2017, em processo onde a aqui recorrente discutia o âmbito de aplicação temporal do mesmo benefício fiscal, apenas com referência ao ano de 2007, em termos a que aderimos completamente, sem que novos ou diversos elementos hajam sido aportados a este processo que demandem diversa ponderação, e sem que o facto de tratar-se, aqui do ano de 2009 resulte em qualquer deferente enquadramento jurídico, que, por economia de meios nos permitimos reproduzir: «(…) Com a Lei do Orçamento do Estado para 2007, que aditou ao então artigo 46.º do EBF um n.º 2, o legislador restringiu a isenção de IMI e de IMT de que até então beneficiavam, os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário – independentemente de serem abertos ou fechados, de subscrição pública ou particular, por investidores qualificados ou não qualificados-, prevendo especificamente, através do n.º 2 então aditado que: “Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade”.
Ou seja, ao invés da isenção de que até então beneficiavam todos os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário, o legislador estabeleceu para os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles uma redução a metade da taxa de IMI ou IMT, ao invés da anterior isenção.
Consta do probatório fixado que o impugnante é um fundo de investimento imobiliário fechado, constituído por subscrição particular por investidor não qualificado, tendo tido início de atividade em momento anterior a 01.11.2006 – cfr. o n.º 1 do probatório fixado na sentença recorrida -, daí que a partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro tenha perdido, para o futuro, a isenção de IMI de que gozava, passando apenas a beneficiar do direito à redução de 50% da taxa daquele imposto.
O regime transitório estabelecido pelo artigo 88.º da Lei 53-A/2006 para as alterações introduzidas por esta Lei ao Estatuto dos Benefícios Fiscais estabelece, quanto a esta concreta alteração do EBF – cfr. a alínea j) do artigo 88.º da citada Lei - que: O disposto no n.º 2 do artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais é aplicável, a partir da entrada em vigor da presente lei, aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles constituídos após 1 de Novembro de 2006 ou que realizem aumentos de capital após esta data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação eram, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles.
Ou seja, o legislador estabeleceu expressamente a aplicação da nova disposição legal, a partir da data da entrada em vigor da Lei (ou seja, 1 de Janeiro de 2007), aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles que (1) se constituíssem após 1 de Novembro de 2006, ou que (2) realizassem aumentos de capital depois dessa mesma data ou ainda (3) cujas unidades de participação fossem detidas exclusivamente, à data de 1 de Novembro de 2006, por investidores não qualificados.
Foi nesta última situação que a sentença recorrida enquadrou a impugnante, ora recorrente, o que se coaduna com o n.º 1 do probatório fixado e não merece censura. O legislador foi claro ao estabelecer a aplicabilidade imediata da nova redacção do n.º 2 do artigo 46.º do EBF os fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles em que se verificasse qualquer daquelas três situações, sendo que o recorrente, tendo embora sido constituído em data anterior a Novembro de 2006 e não tendo efectuado aumento de capital depois dessa data, teria as suas unidades de participação exclusivamente detidas por investidores não qualificados à data de Novembro de 2016, o que só por si determina que lhe fosse imediatamente aplicável o novo regime.
O legislador estabeleceu disposição transitória expressa para efeitos de aplicação no tempo do n.º 2 do artigo 46.º do EBF aos fundos de investimento imobiliário já constituídos, disposição esta que afasta - em razão da sua especialidade -, a aplicabilidade da regra geral estabelecida na alínea a) do mesmo artigo 88.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro para a generalidade das alterações ao EBF introduzidas por aquela Lei do OE e não objecto de normação especial e que sempre afastaria igualmente, por constituir disposição expressa em sentido contrário, a alegada regra de manutenção por um período mínimo de cinco anos dos benefícios fiscais concedidos.»
Também neste processo em que se analisam os mesmos preceitos legais apenas com a diferença de se reportarem ao ano de 2009 e sem que entretanto haja surgido qualquer alteração legislativa, se reafirma tudo quando foi dito no recurso n.º 1420/14 donde resulta ter a sentença recorrida feito um adequado enquadramento jurídico da relação material controvertida afastando a ocorrência do erro de julgamento que lhe era apontado, o que determina a sua confirmação.


Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).


Lisboa, 31 de Maio de 2017. - Ana Paula Lobo (relatora) - Isabel Marques da Silva - Pedro Delgado.