Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0351/05
Data do Acordão:12/14/2005
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:TRANSFUSÃO DE SANGUE.
INFECÇÃO COM O VÍRUS DA SIDA.
RESPONSABILIDADE CIVIL.
RESPONSABILIDADE PELO RISCO.
ACTIVIDADE EXCEPCIONALMENTE PERIGOSA.
PREJUÍZO ANORMAL
Sumário:I - A responsabilidade por factos ilícitos assenta nos pressupostos de responsabilidade civil previstos nos arts. 483.º e seg.s do CC, o que significa que a sua concretização depende da prática de um facto (ou da sua omissão), da ilicitude deste, da culpa do agente, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
II - O legislador previu que ao lado da responsabilidade por actos ilícitos - que garante o ressarcimento de todos os danos (qualquer que seja a sua gravidade) provocados pela condutas dos órgãos ou agentes dos entes públicos violadoras de normas legais ou regulamentares – pudesse operar a responsabilidade por actos lícitos, designadamente a responsabilidade pelo risco, destinada a reparar os sacrifícios causados a uma pessoa ou a um pequeno grupo de pessoas por actividades legítimas da Administração, só que neste caso fez depender essa operatividade da verificação de determinados pressupostos.
III – Os quais encontram-se especificados no art.º 8.º do DL 48.051 e estão associados ao funcionamento de serviços ou ao exercício de actividades excepcionalmente perigosas e à necessidade de delas resultarem prejuízos especiais ou anormais.
IV - Uma actividade é excepcionalmente perigosa quando for razoável esperar que dela possam, objectivamente, resultar graves danos, isto é, danos que superem os que eventualmente possam decorrer da normalidade das outras actividades e que os prejuízos são anormais ou especiais quando oneram pesada e especialmente algum ou alguns cidadãos e, consequentemente, ultrapassam os pequenos transtornos e prejuízos que são inerentes à actividade administrativa e sobrecarregam de forma mais ou menos igualitária todos eles.
V – Uma transfusão de sangue não é especialmente perigosa se for realizada numa data em que o vírus HIV é desconhecido da ciência médica e, em função desse desconhecimento, o receptor fica contaminado com aquele vírus. E não o é porque a qualificação de uma actividade como especialmente perigosa tem de ser contemporânea da sua realização e se no momento desta, atenta a dita ignorância, não era previsível que dela pudesse resultar a referida infecção esse acto médico, porque é comum e por regra seguro, não é uma actividade especialmente perigosa.
Nº Convencional:JSTA0006099
Nº do Documento:SA1200512140351
Recorrente:B... E OUTRO
Recorrido 1:HOSPITAL DE SANTO ANTÓNIO
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: A... e mulher B..., residentes na Rua ..., n.º..., ..., Matosinhos, intentaram, no TAC do Porto, acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra o Hospital de Santo António do Porto (HSAP) e o Estado Português, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 77.982.800$00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, alegando que, no pós-operatório de duas intervenções cirúrgicas realizadas nesse Hospital nos anos de 1986 e 1988, lhe foram feitas transfusões de sangue que determinaram a infectação do A. marido pelo síndroma de imunodeficiência adquirida, na patologia do sangue com o HIV 1 e o HIV 2.
O Hospital de Santo António contestou não só para arguir a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito dos AA. e excepcionar a ilegitimidade processual activa da co-autora mulher, como também para impugnar a veracidade dos factos alegados.
O Estado Português, por seu lado, excepcionou a sua legitimidade processual e a prescrição do direito dos sua AA. e impugnou os factos alegados na petição Inicial.
No Saneador o Sr. Juiz a quo concluiu pela inexistência de nulidades, pela legitimidade processual das partes, com excepção do Estado português que absolveu da instância, e pela prescrição do direito de indemnização dos AA o que determinou a absolvição do pedido do HSAP.
Decisão parcialmente revogada pelo Acórdão deste Tribunal de 31/10/00 (fls. 227/245), que, declarando que se não verificava a prescrição do referido direito, ordenou o prosseguimento dos autos para que se conhecesse do mérito da causa.
Por sentença de 15/09/2004 (fls. 465 a 476) a acção foi julgada improcedente e o HSA absolvido do pedido.
Inconformados com esse julgamento, os Autores agravaram para este Tribunal tendo concluído as suas alegações da seguinte forma :
1. Os recorrentes discordam da douta sentença proferida pelo juiz singular do processo, porque este aresto jurisdicional, na sua fundamentação, além de outras omissões relevantes, não atendeu às diversas dimensões constitucionais da responsabilidade civil do Estado, decorrentes dos artigos 17°, 18° e 22° da CRP, comprimir, ao limitando este preceito à responsabilidade do instituto público, ao plano subjectivo da culpa: o TAC aplicou lei inconstitucional.
2. Como decorre do ponto II-3 "CONHECENDO DE DIREITO", da alegação n.º 4 da douta sentença recorrida, o DL 48 051 de 21.Nov.67, nos termos da Constituição e do seu art.º 22°, encontra-se revogado e a sua aplicação, pura e simples, é ferida de inconstitucionalidade.
3. Na verdade, os autores não apresentaram alegações escritas sobre o aspecto jurídico, constam da petição inicial, foram enunciadas nas alegações orais sobre a matéria de facto e de direito, nas instâncias próprias e do parecer do MP as recorrentes não foram notificadas, não sendo de estranhar a sua posição processual, pois fora parte nesta acção, como consta das alegações 5 e 6;
4. O aresto em crise, mostra-se manifestamente infundado, uma peça pouco cuidada e carecida de profundidade, bem assim sem qualquer alusão ao fenómeno social da sida, como drama pessoal, da família e da sociedade, em contraponto com a sentença "Aquaparque", bem trabalhada, quer na sua apreciação, julgamento e ,fundamentação de facto e de direito, como se alega nos artigos 7, 8 e 9 da fundamentação.
5. A lei ordinária, DL n.º 48.051, funda-se sobretudo em motivos de ordem técnica e financeira do Estado Português, elaborada antes do 25 de Abril, de difícil interpretação e desajustada da Constituição de 1976, e a sentença descurou ainda por completo documentos tão essenciais do processo, quanto aos problemas preocupantes da Sida, como a Certidão da Assembleia da República, as preocupações espelhadas as conclusões do Provedor de Justiça dirigidas à Assembleia da República, parecer já junto, declarações históricas dos responsáveis mundiais, desde a Conferência realizada na África do Sul sobre a Sida até ao Presidente da República do Estado Português, sobre a necessidade da prevenção, estruturação de medidas de intervenção pública na Saúde, e protecção dos cidadãos na defesa da Sida.
6. Que não fora atendido pelo tribunal nem atendeu aos ensinamentos e à nova concepção evolutiva do Direito Administrativo, no quadro dos principais países europeus, diferenciação do regime de responsabilidade da Administração por actos de gestão pública, em relação às regras tradicionais do Direito Civil, a acentuação de cada vez maior responsabilização da Administração e a isenção parcial dos órgãos, agentes e representantes da Administração de responsabilidade pelos encargos decorrentes das suas faltas leves: como ensina o ilustre professor Freitas do Amaral.
7. Que a sentença, não fez o exame crítico das provas, nem apreciou correctamente a matéria fáctica, dada como provada, errou ao fundamentar a culpa, na concepção civilística, quando a apreciação deveria fundamentar a perspectiva da culpa administrativa "culpa do serviço ou falta do serviço", omissão de pronúncia ainda relevante quando desvaloriza as dimensões da responsabilidade da administração do HSA, na vertente da responsabilidade objectiva (risco) e por factos lícitos, como decorre da alegação 13.ª e suas alíneas, da fundamentação, que se remete.
8. Que, em suma, a sentença em crise, não cumpriu o disposto nos artigos 202/1 e 204° da CRP, conjugado com o n.º 2 do art.º 1 o do ETAF, por isso : no caso em apreço, não foi feita nem administrada a justiça, artigos 14° e 15° da alegação.
9. As recorrentes, na petição inicial, fizeram referência da referida lei, nos seus artigos 85°, 86°, 87°, 90° e 99° da petição inicial, invocaram expressamente o art.º 22° da CRP ao qual a referida lei ordinária se deveria adaptar, na parte que pudesse ser concretamente aplicada, entroncando neste artigo 22°, de forma alargada, a responsabilidade civil da Administração Pública, nasça a obrigação de indemnizar de um facto ilícito, de uma actuação lícita ou do princípio do risco, discordando da premissa maior do silogismo judiciário a que o meritíssimo juiz chegou a fls. 476 da sentença: como decorre dos artigos 19.º e 21.º das alegações e 86.º da petição inicial: improcedendo a acção.
10. A Dimensão da Culpa, na perspectiva interna. Cremos que, o HSAP deveria, nos termos da petição inicial, ser, ab initio, responsabilizado em sede de responsabilidade subjectiva ou culposa, fundada em culpa do serviço ou falta de serviço, por violação das regras de prudência geral, juízo de censura colectiva por parte da Administração Pública do Estado e em particular do Ministério da Saúde, por falta de coordenação e de articulação dos seus diversos departamentos, a ausência de fichas de identificação dos doentes e os registos destes ter sido feita do tipo "merceeiro", sendo os Hospitais, incluindo o HSA, "uma perfeita desgraça" do ponto de vista profissional: a este propósito os documentos e os art.ºs 31.º a 40.º, 84.º, 85.º, 96.º, 97.º a 99.º da fundamentação, para as quais se remete.
11. O que importa é reconhecer que a grande dimensão da Administração Pública (e da Saúde), a complexidade das suas funções (... ), e tantos outros factores de efeito análogo, transformam muitas vezes uma sucessão de pequenas faltas desculpáveis ou até de dificuldades e atrasos legítimos, num conjunto unitariamente qualificável, ex post, como facto ilícito culposo: refere Prof. Freitas do Amaral: dando como exemplos a queda da muralha do Porto acórdão STA de 28.1.66 e o acórdão do tribunal de conflitos de 10.07.1969, admitiram a responsabilidade exclusiva da Administração Pública, por se tratar de "casos de simples mau funcionamento dos serviços" sem haver na sua base um comportamento individual censurável: Actualmente temos, por ex., as situações do caso em análise e a queda da ponte de Vila Nova de Paiva.
12. Por ser manifesta a culpa do serviço ou a falta do serviço, bem como a falta de coordenação e de articulação entre o Ministério da Saúde, (o sr. Ministro nunca se interessou pelo assunto da contaminação do sangue...), e os titulares dos cargos e demais instituições hospitalares, como se descreve no artigo 35° da fundamentação: "pois, cada vez mais nos nossos dias nos sucede que o facto ilícito e culposo causador dos danos, sobretudo se revestir a forma de uma omissão, não possa ser imputado a um autor determinado ou a vários, antes o deve ser ao serviço público globalmente considerado: refere aquele Prof. Freitas do Amaral, pág. 503 vol. II, Lições de Direito Administrativo.
13. Na definição feliz de Rivero, citada pelo Prof. F. do Amaral (pág. 503 do vol. lI, já referido), emprega-se a expressão Culpa do Serviço ou Falta do Serviço, para significar: um facto "anómalo e colectivo de uma administração, em geral, mal gerida, de tal modo que é difícil descobrir os seus verdadeiros autores".
14. Culpa do Estado Português e do HSA, numa dimensão Europeia. Portugal tinha acabado de assinar o Tratado de Adesão (12/7/85) à Comunidade Económica Europeia - hoje União Europeia - após um percurso histórico, de instabilidade e complexidade política, económica e social, preparando gradualmente o processo de integração europeia desde a sua adesão teve lugar em 28/5/77 e efectivada em 17/10/78, e em 1/01/86 adquiriu o estatuto de pleno direito à comunidade europeia, como resulta dos artigos 85° a 93° da fundamentação, para os quais se remete.
15. Foram violadas por parte do Estado Português, em especial normas de direito administrativo, emergentes de regras de carácter comunitário e regras financeiras, provindas do Orçamento Geral do Estado e da Comunidade, os chamados "desvios de fundos": Como maus exemplos (e são muitos), no plano da aplicação dos fundos comunitários, ao nível político e jurídico, no campo europeu e interno, descreve-mo-los no referido artigo 9.º da fundamentação.
16. Que a Espanha será o Estado Membro da União Europeia, pelas razões aduzidas, de adesão simultânea e país fronteiro integrado na Península Ibéria, legado histórico entre os dois países e de amizades profundas e de continuidade geográfica, que servirá de padrão e critério, de boa aplicação dos fundos comunitários: a esta luz, a culpa, como elemento constitutivo da responsabilidade, não deverá, sem mais, ser apreciada, segundo o critério civilista de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, sendo este um homem medianamente sensato, avisado, razoável e capaz: como seria se a culpa fosse do órgão, desintegrado do demais, do todo europeu, do Instituto Público do HSAP e do Serviço de Hematologia e do Banco de Sangue deste Hospital. A esta luz deverá aferir-se e ser apreciada a Culpa do estado Português pela diligência e bónus pater famílias do Estado espanhol.
17. O Estado Português ao não proceder com a diligência e zelo devidos a outros Estados Membros, como a Espanha, deve considerar-se ter procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores aos estados que se achavam obrigados (...) deverá aqui radicar a culpa do Estado Português por falta do serviço público, competente e credível, em face de uma total descoordenação dos serviços nacional de saúde, pela má preparação das estruturas económicas culturais e sociais, e deficiente aplicação dos dinheiros públicos desafectados às instituições de saúde pública, em face das evidentes "trapalhadas" do funcionamento do Ministério de Saúde, dos Hospitais, em particular de Santo António, do Porto.
18. Assim integrada, em ambas as perspectivas, a culpa, como elemento constitutivo da responsabilidade do Estado Português e demais entidades públicas, nomeadamente ao nível institucional, da Administração Pública e Hospitalar, decorre do artigo 22° da CRP, com referências doutrinárias "às regras descobertas" ou a "norma de decisão", e a sua aplicação pelos tribunais, como garantes da independência, imparcialidade e vinculação ao direito, o art.º 483° e ss., o critério da culpa, avaliada de acordo com o artigo 487/2 do CC, articulado com as conclusões descritas e, por efeito, condenar o HSA a pagar a indemnização às recorrentes, por morte de seu marido e pai, todos os danos morais, sofrimento, direito à vida, danos emergentes e lucros cessantes, bem assim os danos morais e materiais sofridos pela co-autora B..., como consta da petição inicial e pedido subsequente.
19. (responsabilidade fundada no risco e em actos lícitos: artigos 8.º e 9.º sem limitações) Que, sempre em sede de responsabilidade objectiva, fundada no risco e ou em factos lícitos, de onde decorre prejuízos para terceiros, em consequência dos factos descritos na petição inicial e no n.º 2 do art.º 25.º desta fundamentação, os acontecimentos ocorridos nos Hospitais Portugueses, descritos no artigo 27°, o diploma legal referido no art.º 28° e as Recomendações à Assembleia da República, art.ºs 29° e 30° da fundamentação, para os quais se remete, justificaram a posição do Governo, embora descriminando portugueses (indemnizando os hemofílicos, deixando de fora os não hemofílicos), pondo em causa o princípio da igualdade, estabelecida no artigo 13° da CRP, com as Recomendações do Sr. Provedor de Justiça.
20. Dão-se ainda por reproduzidas as alíneas descritas no art.º 31 a da fundamentação, onde houve Estados da União Europeia, como em França, nos Estados Unidos e na Áustria, indemnizando os doentes infectados pela sida, por efeito de transfusões de sangue, durante os anos 1984, 1985 e 1986, anteriores à despistagem do Vírus, HIV 2, segundo o Prof. Doutor ..., em Audiência e Julgamento, descoberta pelo laboratório de Pasteur, tendo todos aqueles Estados indemnizado as suas vítimas "independentemente de culpa": obra sobre "O Custo Mundial de Saúde" de Denis Clair Lamber (1980-2000): Por volta de 1986, veio a ser politransfundido o sr. A..., que teve a necessidade de uma transfusão de sangue, por efeito de uma operação à coxartrose (cabeça femural), recebendo de um dador conhecido e identificado pelo Dr. ..., e veio a falecer por dádiva de sangue contaminado com o Vírus da Sida Hiv2.
21.Deverá ainda assim o Estado, por via o HSAP, como entidade pública, que presta serviço público, em estabelecimento público de saúde, responsabilizar-se por acções ou omissões de gestão pública de saúde, praticados no exercício e por causa do exercício das suas funções, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem, em responsabilidade que não se constitui apenas por força de factos casuais, com fundamento no risco, mas também fundada em actos lícitos, com fundamento no princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos: nos termos das conclusões supra e das conclusões que se seguem.
22. Que há agora uma área bastante alargada de situações e de casos concretos que, na ausência de culpa, o Estado Português e as entidades públicas responderão, não inserida no âmbito da responsabilidade civil, dos artigos 483/2 e 499 ss do CC, "nos casos especificados na lei" mas sim, numa perspectiva constitucional, sendo tal responsabilidade definida, por forma genérica, através de uma cláusula geral que é e será à luz do artigo 22° da Constituição, que deverá ser apreciada, em conexão com os artigos 8.° e 9.° do Decreto-Lei no. 48 051.
23. Este princípio de responsabilidade objectiva, prevista no artigo 8°., afasta do seu núcleo duro a responsabilidade culposa e institui um princípio regra, no campo da responsabilidade pelo risco diferente daquela que a lei civil consagra no instituto privado por tal responsabilidade. Assim, serão muitos os casos, como o dos autos, e não apenas as situações contadas no direito civil que, com a entrada em vigor do decreto-lei acima referido, caiem agora na previsão daquele artigo 8°.
24. A esta luz, em sede desta modalidade de responsabilidade objectiva, o HSAP deverá assumir o risco e o afirmamos na petição inicial, alegando neste articulado o próprio artigo 8° deste diploma., no número 98°, bem como decorre do pedido genérico de responsabilidade seguido da especificação dos danos e mais tarde, em pedido superveniente, por efeito da habilitação de herdeiros, por morte do co-autor A...: sobre o qual recai o dever de indemnizar as recorrentes, até ao montante de 598.557,400 (120.000.000$00), por alteração dos limites indemnizatórios constantes do artigo 508.° do Código Civil
25. Que, quer a responsabilidade objectiva (art.º 8°) quer a responsabilidade fundada em actos lícitos (art.º 9°) não pode estar limitada a requisitos de "especialidade" e de "anormalidade" para que o Estado Português e as demais entidades públicas, maxime o HSAP possam ser condenados a indemnizar os particulares ofendidos por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
26. Que os danos que o falecido sofreu na sua integridade física, com a perda da vida, por efeito da transfusão de sangue, infectado com o HIV 2, no HSAP, e o sofrimento da mulher, perdendo o emprego e ficando marcada com o síndroma depressivo ansioso, tais danos, pela sua elevada dignidade e valor legal, não se podem configurar com sendo integrados dentro do "mínimo de risco" que é próprio da vida em sociedade, mas deverão ser indemnizados à luz do texto constitucional, com o alcance dado aos artigos 17°, 18° e 22° da CRP, considerando o que a tal respeito se alega quanto ao pensamento nessa matéria da doutrina e da jurisprudência: a este propósito se remete o que fora alegado nos artigos 46 a 82, inc., das alegações.
27. Como decorre dos artigos 46° a 81° da fundamentação, do alcance do artigo 22° da CRP, se extrai ainda que é também um direito com dignidade constitucional, o direito à indemnização do particular, maxime dos recorrentes, por danos resultantes, na sua esfera jurídica, de actos lesivos dos seus direitos ou interesses praticados pelo Estado ou respectivos órgãos, e entidades públicas, em que a protecção constitucional se mostra eficaz se, entre outras coisas, se definir.
28. A responsabilidade solidária do Estado com os seus órgãos e agentes (art.º 22.°), o alargamento da responsabilidade do Estado aos actos administrativos e o reconhecimento da responsabilidade objectiva do Estado e dos entes públicos bem como por actos lícitos, segundo os artigos 17°, 18° e 22°, que consagram directamente, de forma preceptiva, não programática, sem carecer de mediação legislativa, o direito à indemnização, como direito fundamental de natureza análoga da CRP, interpretando o STA, a esta luz o disposto nos artigos 483° e ss., 499 e ss., 508°, com a nova redacção comunitária, 562° e ss. todos do CC, com o disposto nos artigos 8° e 9° do DL n.º 48 051.
29. Que o direito à reparação dos danos exige respeito e protecção por parte do Estado e dos demais poderes públicos, em particular pela Administração do HSAP, com orçamento próprio, constitui uma garantia de liberdade e de limitação do poder e postula uma atitude geral de respeito por parte das entidades públicas, como pessoas de bem: por isso, se deverá conferir provimento ao presente recurso.
30. A sentença, em crise, violou o disposto nos artigos, 483°, 487/2 do CC, 17°, 18°, 22°, 2002° e 204° da C.R.P. e o regime do capítulo I e Título II dos "direitos, liberdades e garantias" conjugados com os artigos 1°, 3°, 8° e 9° do Decreto-Lei n°. 49 051, na medida em que limita a indemnização à exigência da verificação dos requisitos "prejuízos especiais e anormais (.....)", por infringirem o disposto na Constituição e ou os princípios nela consignados
O HSAP contra alegou e, sem que formulasse conclusões, defendeu a manutenção do julgado.
O Ilustre Magistrado do MP pronunciou-se pelo não provimento do recurso.
FUNDAMENTAÇÃO
I. MATÉRIA DE FACTO.
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos :
1. O A., em 30.JAN.86, foi objecto de uma intervenção cirúrgica, em ortopedia, com transfusão de sangue, no Hospital de Santo António, no Porto;
2. Em 1988, o A. realizou outra intervenção cirúrgica, por Freocromacitoma, tendo sido politransfundido no pós operatório e durante o internamento;
3. No ano de 1994, como o A. sentisse alterações de comportamento e o seu organismo afectado na sua sistémica imunológica e intestinal, consultou a médica Dr.ª ..., em Leça da Palmeira;
4. Face às queixas apresentadas pelo A., essa médica determinou que o mesmo realizasse análises clínicas ao sangue;
5. O Autor efectuou análises clínicas ao sangue no laboratório Dr. ..., sita na Rua ..., Porto;
6. Dou por reproduzido para todos os efeitos legais o Relatório Clínico de Análises ao sangue elaborado pelo Dr. ..., datado de 14 .MAR. 94, junto aos autos a fls. 35;
7. O A. apresentou tal Relatório Clínico de Análises ao sangue à médica Dr.ª ...;
8. Esta médica, a pedido do A. elaborou a declaração médica constante de fls. 34, datada de 09.NOV.94, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
9. Dou por reproduzido para todos os efeitos legais o Relatório efectuado pelo Serviço de Hematologia Clínica do HSAP, constante de fls. 37 dos autos e datado de 12.JUL.95;
10. Em MAR.90, o A. foi diagnosticado como portador do vírus HIV 2;
11. Dou por reproduzido para todos os efeitos legais o Relatório efectuado pelo Serviço de Nefrologia - Unidade de Hemodiálise do HSAP, constante de fls. 38 dos autos e datado de 06.ABR.95;
12. Mediante solicitação do A., o então Director do HSAP, em 14.JUN.94, fez ao A. um relato da sua história clínica, tendo referido, designadamente, ter sido operado em 30.JAN.86, com transfusão de sangue testado para o HIV 1 e em 08.FEV.88, com transfusão de sangue negativo para HIV 1 e HIV 2, e concluído que a haver possibilidade de contaminação do A. por transfusão, a mesma não poderia ter ocorrido em 1988, mas em data anterior com referência à qual não havia possibilidade efectuar o teste para HIV 2 - Cfr. doc. de fls. 40 e 41;
13. O A. marido nasceu em 09./08/42 e a A. mulher nasceu em 27./02/42 - Cfr. doc. de 95.
14. Em consequência da intervenção cirúrgica referida em A), o A. teve episódio de icterícia, com alteração do trânsito intestinal, diarreias agudas e febres;
15. O A. encontra-se infectado pelo síndroma de Imunodeficiência adquirida, na patologia do sangue com HIV 2, em consequência de transfusão de sangue contaminado após a realização da intervenção cirúrgicas realizada no Hospital de Santo António, em 1986;
16. O A. foi objecto de transfusão sanguínea em 30.JAN.86, cujo dador era portador de HIV 2 +;
17. Tal dador havia doado sangue, entre outros, no HSAP, entre 1975 e 1986;
18. Somente em 1987, quando foi tecnicamente possível fazer o diagnóstico, foi possível saber que esse dador era portador de HIV 2+;
19. Em 1986, era impossível, em qualquer parte do mundo, saber que um indivíduo completamente saudável poderia ser portador de HIV 2+;
20. Tal vírus não era então conhecido;
21. O A. à data em que foi diagnosticado como portador do vírus HIV era trabalhador marítimo reformado, auferindo a pensão social de reforma de 51.970$00;
22. A partir daquela data, o A. deixou de exercer qualquer actividade profissional;
23. Para além disso, o A. tornou-se, a partir de então, uma pessoa isolada e abandonada pelos amigos;
24. À data em que foi diagnosticado o A. como portador do vírus HIV, a Autora mulher exercia as funções de empregada de limpeza, por conta de outrem, auferindo a remuneração mensal de 53 000$00;
25. Em virtude da doença de que padece o A., este teve necessidade de contratar uma terceira pessoa, nas deslocações ao médico, clínicas e hospitais e em todos os tratamentos exigíveis;
26. A pessoa escolhida para esse efeito foi a A. mulher;
27. A dor e o profundo sofrimento provocado pela doença do marido determinou a afectação da A. por um síndroma depressivo ansioso, a partir de 1990;
28. Tal doença levou a que a co-Autora deixasse a sua ocupação profissional de empregada de limpeza;
29. Em consequência da doença contraída pelo A. marido, despenderam com medicamentos uma quantia não os AA. determinada;
30. Entre 1986 e 1990, em deslocações ao Hospital de Santo António do Porto, motivadas pela referenciada doença, os AA. dispensarem a importância de montante não apurado;
31. Entre 09.MAI.96 e 31.DEZ.96, a A. mulher recebeu o subsídio de 39.900$00, por baixa médica; e
32. Os AA., desde a data em que foi diagnosticado ao A. o vírus HIV, ficaram profundamente afectados no seu bem estar físico psíquico, familiar e social.
II. O DIREITO
O presente recurso visa a revogação da sentença do TAF do Porto que julgou improcedente a acção que os Autores dirigiram contra o Hospital de Santo António do Porto (HSAP) com vista à sua condenação no pagamento de uma indemnização que os ressarcisse dos prejuízos sofridos em resultado do Autor marido ter sido nele infectado com o vírus HIV, através de transfusões sanguíneas, no período que se seguiu às intervenções cirúrgicas a que foi submetido.
Para assim decidir o Sr. Juiz a quo entendeu que a responsabilidade civil ora em causa era regulada pelo DL n.º 48.051, de 21/11/67, e que, sendo assim, e à semelhança do que acontecia na lei civil, o Hospital réu só poderia ser responsabilizado se “os actos culposamente praticados pelos titulares dos seus órgãos ou agentes, geradores de danos para com terceiros, tivessem sido praticados por aqueles no exercício das suas funções e por causa desse exercício, isto é, se se tratasse de actos funcionais.”
“Ora, no caso dos autos, o A. foi infectado pelo síndroma de imunodeficiência adquirida, na patologia do sangue com HIV 2, em consequência de transfusão de sangue contaminado após a realização da intervenção cirúrgicas realizada no HSA, em 1986, cujo dador era portador de HIV 2+.
Acontece que, somente em 1987, quando foi tecnicamente possível fazer o diagnóstico, foi possível saber que esse dador era portador de HIV 2+, sendo certo que, em 1986, era impossível, em qualquer parte do mundo, saber que um indivíduo completamente saudável poderia ser portador de HIV 2 +, porquanto tal vírus não era então conhecido.
A actuação do R., por intermédio de agentes seus, consubstanciada em terem politransfundido o Autor, em 30.JAN.86, no pós operatório e durante o internamento, com transfusão de sangue negativo para HIV 1 e positivo HIV 2 e testado para o HIV 1, único teste ao sangue então efectuado, uma vez que, somente a partir de 1987, foi tecnicamente possível fazer o diagnóstico do HIV 2+, sendo certo que, em 1986, era impossível, em qualquer parte do mundo, saber que um indivíduo completamente saudável poderia ser portador de HIV 2+, porquanto tal vírus não era então conhecido, não parece configurar-se, como uma acção ou uma omissão negligente, consistente em incumprimento de deveres funcionais a eles imputáveis e cuja violação envolvesse um juízo de censura ética traduzido na falta de diligência exigida a agentes prestadores de assistência médica ou de cuidados de saúde normalmente diligentes.
E não configurando tal acção ou omissão como ilícita e culposa, torna-se discipicienda a apreciação dos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito, porquanto a ocorrência desta pressupõe a verificação cumulativa de todos os respectivos pressupostos ou requisitos.
E não se verificando todos os pressupostos da responsabilidade civil, improcede a acção.”
Ou seja, o Sr. Juiz a quo entendeu que a procedência desta acção só podia ocorrer a coberto da responsabilidade civil por factos ilícitos, o que exigia que se provasse que os órgãos e/ou os funcionários do HSA tinham agido com ilicitude e culpa no exercício das suas funções e que fora essa circunstância a determinar a infecção do Autor com o vírus da SIDA.
E, porque assim, e porque essa culpa se não provara - mais não fosse porque à data da primeira transfusão a que aquele fora submetido ainda não era cientificamente possível diagnosticar o HIV 2 – havia que concluir que o HSA não praticara acções ou omissões ilícitas e culposas susceptíveis sustentar o pedido indemnizatório formulado. E daí a sua absolvição do pedido.
Decisão que os Recorrentes rejeitam pelas razões sumariadas nas conclusões deste recurso jurisdicional
E, porque assim, o mérito deste recurso consiste em saber se o pedido indemnizatório aqui formulado só podia ser satisfeito a coberto do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos e, respondendo-se positivamente a esta interrogação, se o Sr. Juiz a quo decidiu bem quando considerou que a prova recolhida nos autos demonstrava que a acção dos serviços do Hospital Réu estava isenta de culpa e de ilicitude.
Antes, porém, de abordarmos essa questão importa tratar da constitucionalidade dos art.ºs 8.º e 9.º do DL 48.051, não só por esta questão ter sido suscitada mas também por ser fundamental e, nessa medida, poder condicionar a apreciação da questão de fundo.
1. A constitucionalidade do DL 48.051, e designadamente a questão de saber se os seus art.s 8.º e 9.º ofendem, ou não, o disposto no art. 22º da C.R.P. - isto é, saber se este abrange apenas a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos ou se, também, contempla a responsabilidade objectiva - continua a ser controversa apesar do seu frequente tratamento pela doutrina e pela jurisprudência.
A este propósito pode ler-se o que se escreveu no douto Acórdão deste Tribunal de 13/01/2004 (rec. 40.581) onde se faz uma desenvolvida abordagem dessa questão.
Escreveu-se nesse Aresto :
“Façamos presente o texto da norma (art.22.º da CRP) :
O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
Para uns, tese perfilhada na sentença, a referência à responsabilidade solidária dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes, restringe o âmbito de aplicação da norma à responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos, pois só no domínio da responsabilidade subjectiva – culposa – se justifica a responsabilização daqueles (vd. neste sentido Dimas de Lacerda, in “Contencioso Administrativo”, Braga, p. 258 e Rui Medeiros, “Ensaio Sobre a Responsabilidade Civil do Estado Por Actos Legislativos”, p. 92 e segs.).
Para outros, não obstante aquela referência, a norma abarca também as hipóteses de responsabilidade civil por actos lícitos e pelo risco. Argumenta-se em defesa desta tese que :
(i) a não ser assim, ficaria lesado o princípio geral da reparação dos danos causados a outrem que o preceito constitucional consagra (G. Canotilho e V. Moreira, “CRP,” Anotada, 3ª ed., p. 169);
(ii) a regra da solidariedade deve aperceber-se à luz do sentido geral de garantia dos cidadãos, cabendo à lei regulamentar o direito de regresso contra os titulares de órgãos, funcionários e agentes, sendo que quando a ela se alude se não restringe o campo de aplicação do preceito que, com a referência à violação dos direitos liberdades e garantias está a prever a responsabilidade por factos ilícitos e com a referência ao prejuízo, a prever a responsabilidade por factos lícitos (Jorge Miranda, “Manual de Direito Constitucional”, IV, p. 269) e que
(iii) o termo solidariedade não tem a ver com a fonte do vínculo obrigacional, mas com o mero regime da obrigação, marca apenas a situação de garante do Estado, declarando-o também responsável pela prestação integral, a par com os titulares dos órgãos, funcionários e agentes “desde que sobre estes recaia igualmente a obrigação de indemnizar” e que, portanto, a referência à solidariedade não é obstáculo a que o preceito valha para todas as modalidades de responsabilidade extracontratual (Sinde Monteiro, in “Direito da Saúde e Bioética”, pp. 141/145).
A argumentação desta última tese, no seu conjunto, conduz a um resultado interpretativo que, seguramente, não põe em causa o direito geral dos cidadãos à reparação dos danos causados por outrem e o princípio da responsabilidade do Estado, que é um dos princípios estruturantes do Estado de direito democrático – art. 2º da C.R. P. – e, se não é líquido, é, pelo menos, um dos sentidos possíveis da norma.
Neste quadro, deve ser esse o sentido a atribuir à norma por ser o que maior eficácia lhe dá - princípio da máxima efectividade que, na lição de Gomes Canotilho, (in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª ed., p. 1210) é operativo em relação a toda e qualquer norma constitucional.
Para este sentido continua a propender este Professor (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª ed., p. 503), sendo que o Tribunal Constitucional não o excluiu (vd. Acórdãos n.ºs 153/90 – DR II Série, nº 207, de 1990.09.07 e 107/92 – DR nº 161 de 1992.07.15).
Esta mesma interpretação é ainda defendida por José Moreira da Silva, in “Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública”, coordenação de Fausto Quadros, pp. 155/156, Luís Guilherme Catarino, “A Responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça”, p. 158 e seg.s e Margarida Cortez, “Responsabilidade Civil da Administração Por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado”, pp. 23/2.
Este Supremo Tribunal já decidiu, também, no Aresto de 2000/02/02 (rec.º nº 44.443) que a responsabilidade decorrente do art. 22.º da C.R.P. para o Estado e demais entidades públicas “engloba a responsabilidade por actos lícitos e pelo risco, não só porque não excluída, como porque a referência a “... prejuízos para outrem”, sem restrição, leva a concluir nesse sentido
Nesta parte, divergimos da sentença recorrida. Porém, como veremos, nem por isso é forçoso que a solução a perfilhar no caso em apreço tenha que ser diversa.
2.2.5. É muito mais consensual a ideia que o art. 22º da C.R.P. não se limita a proclamar um princípio e que é, antes, uma norma preceptiva e directamente aplicável (G. e V. Moreira, ”Constituição”, Anotada, 3ª ed., p. 170, Rui Medeiros, “Ensaio Sobre A Responsabilidade Civil do Estado Por Actos Legislativos”, p. 121, Luís Guilherme Catarino, “A Responsabilidade do Estado Pela Administração da Justiça”, 171, José Luís Moreira da Silva, in “Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública”, coordenação de Fausto Quadros, pp. 158/159 e, entre outros, os acórdãos STJ de 1997.01.30 – CJSTJ, Ano IV, 1, pág. 107, de 1999.09.23, in BMJ 489, p. 320 e de 2003.09.25 – Proc.º nº 7069/02 e o acórdão STA de 2000.02.02 – rec.º nº 44 443; contra, Margarida Cortez, “Responsabilidade Civil da Administração Por Actos Administrativos Ilegais e Concurso De Omissão Culposa do Lesado”, pp. 30/31).
Quer isto dizer que na falta de lei ordinária concretizadora deve o Tribunal criar uma «norma de decisão» que assegure a reparação dos danos e que havendo lei, se esta infringir o disposto no preceito constitucional, deve o tribunal, para efectivar o direito em causa, decidir contra a lei e/ou em vez da lei.
Ora, é inequívoco que temos lei. O regime da responsabilidade objectiva do Estado e demais entidades públicas por actos da função administrativa está fixado no DL n.º 48.051, de 21/11/67. Portanto, só se esta lei ordinária não respeitar os parâmetros constitucionais é que surgirá a necessidade de, rejeitando-a, criar, em vez dela a norma de decisão.
Alegam os AA que as normas dos arts 8º e 9º deste diploma, que serviram de fundamento jurídico à decisão recorrida enfermam de inconstitucionalidade, considerando que impõem pressupostos rígidos – especialidade e anormalidade do dano – que são exigências reportadas ao carácter e volume do prejuízo, que o preceito constitucional – art. 22º - não alberga e que, assim, o subvertem.
Mas não têm razão.
A consagração de um princípio geral de responsabilidade objectiva do Estado e das autarquias locais, sob pena de gerar insolúveis problemas financeiros e a paralisação das respectivas actividades, impedindo o desempenho das tarefas fundamentais que lhes cumpre desenvolver, “aponta a necessidade de elementos-travão de uma total socialização dos prejuízos” (Gomes Canotilho, “O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos”, p. 270).
Dito isto, assentando aquele em preocupações de justiça distributiva e na salvaguarda do princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, tendo em conta os demais valores constitucionalmente relevantes de que se encontra envolvido (vd., em geral, os valores proeminentes indicados no art. 9º da CRP), a exigência de um dano anormal e especial não viola o disposto no art. 22º da C. R. P..
O primeiro, elimina do conjunto dos danos indemnizáveis, as meras bagatelas, os sacrifícios ligeiros que, sendo custos de sociabilidade, são compensados por outras vantagens proporcionadas pela actuação das máquinas estadual e local. O segundo, reserva o direito à indemnização aos danos que, não sendo generalizados, incidam desigualmente sobre um cidadão ou grupo de cidadãos, provocando uma rotura no princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos.
Estes dois pressupostos da responsabilidade objectiva, no seu conjunto, não desrespeitam a directiva constitucional. São afectações que o legislador ordinário considerou necessárias para evitar o colapso financeiro, pondo em risco todo o conjunto das tarefas fundamentais do Estado. Não desfiguram, no essencial, o direito geral à reparação dos danos e justificadas pela salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, mostram-se adequadas e proporcionadas aos valores e interesses em jogo, quer se entendam como elementos delimitadores do âmbito de protecção do art. 22º da C.R.P., quer como limites imanentes, quer como restrições não expressamente autorizadas, mas fundadas numa reserva geral imanente de ponderação e compatibilização com valores, bens ou interesses igualmente dignos de protecção (vide, quanto aos diferentes modelos de solução, a explanação de Jorge Reis Novais, “As Restrições Aos Direitos Fundamentais Não Expressamente Autorizadas Pela Constituição”, pp. 363 e segs.).
Concluindo: as normas em causa não padecem de inconstitucionalidade.”
Deste modo, e inexistindo razões para divergir do que se escreveu no douto Acórdão que, parcialmente, se transcreveu, importa concluir que os art.ºs 8.º e 9.º do DL 48.051 não padecem de inconstitucionalidade e que, por isso, o Estado e demais pessoas públicas podem ser demandadas com fundamento na responsabilidade civil por actos lícitos.
Resta, pois, apreciar se o Sr. Juiz a quo fez correcto julgamento quando decidiu que os Autores não tinham direito à pedida indemnização.
2. O instituto da responsabilidade civil opera quando os direitos de outrem ou os seus interesses legítimos são violados e, em função dessa violação, são provocados os danos cuja indemnização se reclama. O exercício desse instituto visa, assim, que o violador repare os danos que provocou e, concorrentemente, evitar que o lesado por efeito da acção, ou omissão, violadora fique prejudicado.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, incluindo os actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, rege-se, em tudo que não esteja previsto em leis especiais, pelo DL 48.051, de 21/11/1967. E deste diploma resulta que a responsabilidade civil extracontratual pode decorrer de (1) factos ilícitos (vd. os seus art.s 2.º e 3.º), de (2) actividades marcadas pelo risco (art.º 8.º) e de (3) factos lícitos danosos (art.º 9.º).
A responsabilidade por factos ilícitos assenta nos pressupostos de responsabilidade civil previstos nos arts. 483.º e seg.s do Código Civil, o que significa que a sua concretização depende da prática de um facto (ou da sua omissão), da ilicitude deste, da culpa do agente, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano (Vd., a título meramente exemplificativo, Acórdãos de 16/3/95 (rec. 36.993), de 21/3/96 (rec. 35.909), de 30/10/96 (rec. 35.412), de 13/10/98 (rec. 43.138), de 27/6/01 (rec. 46.977), de 26/9/02 (rec. 487/02, in AD n.º 492, pg. 1.567 ) de 6/11/02 (rec. 1.331/02), de 18/12/02 (rec. 1.683/02), de 10/03/04 (rec. 1.393/03) e de 7/4/05 (rec. 856/04).).
3. O Sr. Juiz a quo entendeu que a única forma de responsabilidade que poderia suportar o direito reivindicado pelos Autores era a da responsabilidade por factos ilícitos e daí que não tivesse apreciado a possibilidade daquele direito ser satisfeito com fundamento na responsabilidade pelo risco.
E, nessa conformidade, considerando que, in casu, não se provara a existência de factos ilícitos na conduta do Hospital réu uma vez que, em 1986 - ano em que ocorreu a transfusão que determinou a infecção – “era impossível, em qualquer parte do mundo, saber que um indivíduo completamente saudável poderia ser portador de HIV 2+, porquanto tal vírus não era então conhecido”, concluiu que a conduta dos titulares dos órgãos ou agentes daquele Hospital não se podia qualificar como ilícita e culposa e, consequentemente, pela impossibilidade da sua responsabilização ao abrigo daquele tipo de responsabilidade.
O que determinou a sua absolvição do pedido.
E diga-se, desde já, que se fosse verdade que os Autores apenas podiam escorar o seu pedido na responsabilidade civil por factos ilícitos a decisão do Sr. Juiz a quo não merecia qualquer censura, uma vez que estando demonstrada a impossibilidade de, face aos conhecimentos médico-científicos da época, conhecer e despistar o vírus em causa e, consequentemente, prevenir e evitar a sua transmissão, não se podia a falar de ilicitude e culpa do Hospital demandado, uma vez que, nestas circunstâncias, não era possível qualificar a sua actuação como negligente ou omissiva relativamente às regras de prudência e segurança exigíveis.
No entanto - como decorre do acima escrito - o facto da reclamada indemnização não poder ser satisfeita ao abrigo daquele tipo de responsabilidade não significa que a mesma não possa decorrer da responsabilidade civil pelo risco, nos termos dos art.º 8.º do DL n.º 48.051, uma vez que não só os Autores invocaram que a requerida indemnização fosse, também, paga ao abrigo deste tipo de responsabilidade – vd art.s 34.º, 37.º, 73.º, 83.º, 84.º e 86.º da petição inicial e conclusões 19.º a 30.º deste recurso jurisdicional – como também porque o citado diploma prevê, efectivamente, a possibilidade do dever reparatório do Estado e outros entes públicos ser estendido a situações em que se não verifica ilicitude e culpa no comportamento dos seus órgãos ou agentes.
Ponto é que essas situações reúnam os requisitos próprios da responsabilidade pelo risco.
Prescreve, com efeito, o citado art.º 8.º :
“O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítimas ou de terceiro, sendo neste caso a responsabilidade determinada segundo o grau de culpa de cada um”. – sublinhados nossos.
O que fica dito significa que o legislador previu que ao lado da responsabilidade por actos ilícitos - que garante o ressarcimento de todos os danos (qualquer que seja a sua gravidade) provocados pela condutas dos órgãos ou agentes dos entes públicos violadoras de normas legais ou regulamentares – pudesse operar a responsabilidade por actos lícitos destinada a reparar os sacrifícios causados a uma pessoa ou a um pequeno grupo de pessoas por actividades legítimas da Administração. Só que neste caso fez depender essa operatividade da reunião de certas e determinadas condições, às quais a doutrina e a jurisprudência tem chamado de elementos travão. – vd., a título exemplificativo, G. Canotilho “O Problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos”, pgs. 271/272, e Ac. deste STA de 29/05/2005 (rec. 688/03) e de 01/03/2005 (rec. 1.610/03).
Elementos esses que se encontram claramente especificados no transcrito art.º 8.º, os quais, como se verá, estão associados (1) ao funcionamento de serviços ou ao exercício de actividades excepcionalmente perigosas e à (2) necessidade de delas resultarem prejuízos especiais ou anormais.
E, porque assim, como se lê na sua parte final, essa responsabilidade deve ser afastada se tais prejuízos forem de imputar a casos de força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades ou a culpa das vítimas ou de terceiro.
Nesta conformidade, a interrogação que se nos coloca é a de saber se a transfusão sanguínea aqui em causa pode ser qualificada como uma actividade excepcionalmente perigosa e, sendo-o, se dela decorreram prejuízos especiais ou anormais, pois que só se assim for é que será possível ressarcir os danos que ela causou aos Autores ao abrigo da responsabilidade consagrada no citado normativo.
4. O legislador não fixou critérios nem definiu orientações que esclarecessem o que se devia entender por funcionamento de serviços ou actividades excepcionalmente perigosas ou por prejuízos especiais e anormais, pelo que terá de ser o intérprete a traçá-los em função das circunstâncias concretas de cada caso.
A doutrina e jurisprudência têm trabalhado esses critérios e desse labor resultou que, assentando a responsabilidade civil objectiva em preocupações de justiça distributiva e na salvaguarda do princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos( - Vd. Acórdão acima transcrito.), estas preocupações de justiça e do sentido da igualdade na repartição dos encargos públicos têm de ser consideradas na determinação do que se deve considerar por actividade excepcionalmente perigosa ou por prejuízos especiais ou anormais.
Sendo certo, por outro lado, que estas preocupações de justiça e equidade têm de ser conformadas com as realidades concretas das entidades públicas responsáveis pois que, se assim não for, poder-se-á colocar em risco a sua viabilidade ou, pelo menos, pôr em causa a sua normal actividade.
Deste modo, poderá afirmar-se que uma actividade é excepcionalmente perigosa quando for razoável esperar que dela possam resultar graves danos, isto é, danos que superem o que é normal esperar de uma qualquer outra actividade e que os prejuízos são anormais ou especiais quando ultrapassam os pequenos transtornos e prejuízos que são inerentes à actividade administrativa e que decorrem da natureza da própria actividade e se configuram como o custo a suportar pela integração social, ou seja, são danos que vão onerar pesada e especialmente penas algum ou alguns cidadãos, sobrecarregando-os de forma desigual em relação a todos os demais.
O que significa que o que caracteriza a excepcional perigosidade da actividade é a especial e significativa probabilidade dela importar, em si mesma e por si só, grave ou intensa lesão e o que qualifica a anormalidade ou a especialidade do prejuízo é o facto deste, pelo seu carácter e volume, exceder aquilo que é razoável fazer suportar ao cidadão normal socialmente integrado.
Por prejuízo anormal deve entender-se aquele que se revista de certo peso ou gravidade, em termos de ultrapassar os limites daquilo que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade, isto é, que extravase dos encargos sociais normais exigíveis como contrapartida da existência e funcionamento dos serviços públicos. Prejuízo especial é aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas que incide desigualmente sobre um grupo determinado.” – Acórdão deste STA de 05/11/2003 (rec. 1.100/02). No mesmo sentido podem ver-se, entre os mais recentes, os Acórdãos de 16/05/2002 (rec. 509/02), de 10/10/2002 (rec. 48.404), de 21/01/2003 (rec. 990/02), de 29/05/2003 (rec. 688/03), de 2/12/2002 (rec. 670/04) e de 01/03/2005 (rec. 1.610/03).
Nesta conformidade, e a coberto da responsabilidade pelo risco, só devem merecer tutela os danos provocados uma actividade que, objectivamente, encerre um perigo que exceda o que é normal na actividade administrativa e, além disso, que recaiam apenas sobre um único cidadão ou um grupo restrito de cidadãos e que pela sua intensidade ou volume se distinguem dos são normalmente suportado pelo cidadão comum. O que vale por dizer que, sob pena de se gerarem insolúveis problemas financeiros às pessoas públicas demandadas, inviabilizadores das suas actividades normais e correntes, serão de eliminar do conjunto dos danos indemnizáveisas meras bagatelas, os sacrifícios ligeiros que, sendo custos de sociabilidade, são compensados por outras vantagens proporcionadas pela actuação das máquinas estadual e local” - vd. Acórdão de 13/01/2004 acima parcialmente transcrito.
Pode, pois, concluir-se – como o Ac. deste Tribunal de 19/11/98 (rec. 43.751 - que “o Estado e demais pessoas colectivas públicas – a coberto do disposto no art.º 8.º do DL 48.051 - só são sancionados com a obrigação de indemnizar os prejuízos que, em função da sua natureza, volume, extensão e actualidade, sejam suficientemente graves e afectem determinado cidadão ou grupo de cidadãos, impondo-lhes um sacrifício iniquamente desigual em confronto com a generalidade das pessoas.” ( Sublinhado nosso.)
Posto isto vejamos se os danos ora reclamados reúnem as apontadas características.
5. Está assente que o Autor marido foi infectado com o vírus da SIDA em resultado de uma transfusão de sangue no pós operatório de uma cirurgia a que foi submetido no HSA e que, sendo aquele desconhecido na data em que ela se realizou, era impossível prevenir e evitar a sua propagação e, portanto, impedir a sua contaminação.vd. pontos 16.º a 21.º da matéria de facto.
Será que, nestas circunstâncias, a referida transfusão pode ser considerada uma actividade excepcionalmente perigosa e que o prejuízo dela decorrente é anormal e especial e, por isso, não deve ser suportado pelos Autores ?
Vejamos.
As transfusões sanguíneas constituem um tratamento médico vulgar desde há muitos anos, pelo que - muito embora cada caso seja específico e singular – pode afirmar-se que, desde que rodeadas dos cuidados e normas de segurança exigíveis, são, em princípio, actos médicos seguros, isto é, actos de que, por via de regra, não resultarão danos que atentem contra a vida ou afectem gravemente a saúde dos que a eles se submetem.
E, porque assim, e muito embora se admita que as mesmas envolvem sempre algum risco e, portanto, que a sua realização contém sempre uma dose não negligenciável de perigo, pode afirmar-se que os prejuízos dela esperáveis não podem, por regra, ser qualificados como prejuízos especiais e anormais.
E pode, também, afirmar-se que as mesmas, desde que rodeadas daqueles cuidados e normas de segurança, não se podem considerar como uma actividade excepcionalmente perigosa, uma vez que este conceito está reservado para aquelas actividades que, objectivamente, por si só e à partida, isto é, no momento em que são realizadas, se preveja que encerrem perigos muito mais intensos que as actividades correntes e vulgares e, portanto, actos de que seja razoável esperar que provoquem, com forte grau de probabilidade, lesão grave. É o caso, por exemplo, de certo tipo de cirurgias.
O que significa que não podemos qualificar como excepcionalmente perigosa uma actividade, quando esta é vulgar, corrente e, por norma, segura, muito embora a mesma possa, num ou noutro caso, esporadicamente, causar grave dano.
Ou seja, e revertendo ao caso dos autos, o facto de, por excepção, e por motivos inesperados e de previsão impossível, uma transfusão de sangue provocar a morte do doente ou colocar a sua saúde em sério risco e, consequentemente, não é suficiente para que a mesma possa ser qualificada como actividade excepcionalmente perigosa, pois que, como se disse, o que caracteriza a excepcional perigosidade da actividade é a significativa possibilidade dela importar, em si mesma e normalmente, lesão grave ou intensa. Ora, as transfusões sanguíneas, pelas razões expostas, não cabem nesta categoria de actos médicos.
5. 1. No caso sub judicio, ficou assente que o vírus que infectou o Autor marido era desconhecido na época em que ocorreu a fatídica transfusão e não foi alegado nem, tão pouco há notícia, de que ela tenha sido realizada com inobservância das legis artis próprias da época.
E, porque assim, e porque se tratava de um acto médico vulgar e corrente não era previsível que a mesma pudesse vir a provocar mais perigos do que aqueles que normalmente lhe estão associados, os quais, como é sabido, não incluem danos de uma intensidade tão forte como aqueles que afectaram o Autor marido. O que significa que a mesma, no momento em que foi realizada, não podia ser qualificada como uma actividade excepcionalmente perigosa.
Ou seja, a circunstância daquela infecção ter ocorrido não basta para que a mesma possa ser qualificada como uma actividade excepcionalmente perigosa, porque essa avaliação tem de ser contemporânea do momento em que o mesmo é realizado e não, posteriormente, em função dos conhecimentos que a ciência, entretanto, aportou ou dos resultados inesperados dela resultantes.
É certo que essa transfusão, mercê do citado desconhecimento e da consequente ignorância dos danos que a mesma podia causar, provocou aos Autores prejuízos anormais, visto não ser comum nem normal que uma transfusão de sangue provoque a morte ou doença grave na pessoa receptora, e especiais uma vez que, das muitas transfusões ocorridas no período em que ela ocorreu, poucas foram, felizmente, as que tiveram os desastrosos efeitos que o atingiram.
Só que não basta a verificação deste requisito – os prejuízos anormais ou especiais – para se poder fazer funcionar a responsabilidade pelo risco, uma vez que, como se disse, a operatividade deste tipo de responsabilidade depende da reunião de dois pressupostos : a ocorrência de prejuízos anormais ou especiais e destes terem sido causados por uma actividade excepcionalmente perigosa.
Nesta conformidade, e sendo forçoso concluir que a transfusão a que os autos se reportam não pode ser qualificada como uma actividade excepcionalmente perigosa e ter-se-á, também, de concluir que a sua realização e as graves consequências dela decorrentes não dão motivo a que, a coberto do que se dispõe no art.º 8.º do DL 48.051, se possa exigir do Hospital réu o pagamento de um qualquer pedido indemnizatório.
Não se pode, pois, censurar a sentença recorrida quando julgou a acção improcedente.
Termos em que acordam os Juizes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso e em confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pelos Autores.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2005. – Costa Reis (relator) – Azevedo Moreira – Rui Botelho