Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0831/15
Data do Acordão:05/11/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil.
Nº Convencional:JSTA000P20505
Nº do Documento:SA2201605110831
Data de Entrada:07/01/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……………….., com os sinais dos autos, vem, nos termos e para os efeitos do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13 de Novembro de 2014, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que, julgando verificada a ilegitimidade do ora recorrente para deduzir incidente de anulação de venda no âmbito da execução fiscal n.º 1384-2007/104480.0 e apensos, absolvera os demandados da instância.
O recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1ª – Os erros do Acórdão recorrido apontados no antecedente Capítulo I derivam, no entender do Recorrente, de lapso manifesto por parte deste Tribunal, conforme explicou no anterior ponto 1., podendo ser corrigido “por iniciativa de qualquer das partes ou do Tribunal – o que requer.
2ª – Efectivamente:
a) A nulidade processual (falta de incorporação nos autos de requerimento de 23/09/2014 e certidão que o instruía) invocada através de requerimento de 19/02/2014 nunca antes tinha sido suscitada pelo recorrente (que dela só ficou a conhecer após a leitura do Acórdão de Janeiro de 2010), muito menos apreciada por este TCA (nem era exigível que o recorrente a conhecesse, pois tinha em seu poder duplicado-recibo de entrega nos autos dos aludidos documentos).
b) Não se encontrava esgotado o poder jurisdicional deste TCA aquando da apresentação do requerimento de arguição de nulidade de 19/02/2014, pois, não nos encontramos perante caso que se subsuma à previsão do art. 150.º do CPTA e, nos termos definidos em Douto Acórdão do Pleno do STA de 05/05/2005 (procº nº 0198/05, in www.dgsi.pt) a arguição de nulidades processuais em 2.ª Instância deve ser realizada perante o próprio TCA e não em ulterior recurso de oposição de acórdãos:
“I – a arguição, em requerimento autónomo, da nulidade de um acórdão proferido em 2º grau de jurisdição difere para o momento da notificação da pronúncia que negue tal nulidade o «dies a quo» do prazo para, daquele primeiro aresto, se interpor recurso por oposição de julgados.”
c) No seu requerimento de arguição de nulidades o recorrente não juntou qualquer “documento novo”, mas sim duplicado-recibo de requerimento e documento que já deviam constar dos autos (pois comprovou dessa forma a sua entrega em 23/09/2008) – justamente para efeitos de comprovar a nulidade arguida e a falta de fidelidade documental do presente processo (como é possível que se aceite ser irrelevante que não constem dos autos peças que a este foram juntas?).
(sic) – Salvo o devido respeito – e que é muito – utilizando uma expressão popular, o recorrente falou no seu requerimento de arguição de nulidades em “alhos” e o Tribunal “a quo” respondeu em “bugalhos”, pelo que os lapsos e confusões enunciados em I e resumidos nas alíneas a) a c) do anterior ponto 1. consubstanciam obscuridade do Acórdão de 13/11/2014: o mesmo não versou sobre a realidade que lhe foi colocada à consideração pelo recorrente, não percebeu efectivamente, o que se estava a expor e ignorou que ainda gozava de poder jurisdicional para conhecer da nulidade processual que foi arguida – conforme explicado no Acórdão do Pleno do STA que antes se transcreveu.
3ª Do exposto na anterior conclusão decorre, assim, que o Acórdão de 13/11/2014 se encontra inquinado de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1 alíneas c) e d) do CPC – que expressamente se argui.
4ª – Dá-se, para o efeito a seguir invocado, por reproduzida toda a matéria até agora alegada, nomeadamente nas antecedentes conclusões 1.ª a 3.ª, sendo que.
a) Por um lado, os lapsos enunciados determinam erro nas normas jurídicas aplicáveis:
- Jamais deveria o Tribunal “a quo” ter considerado que o Acórdão de Janeiro de 2014 já tinha apreciado a questão da infidelidade do processo/nulidade por falta de incorporação nos autos de requerimento e documento apresentados em 23/09/2008 – pois jamais tal questão foi suscitada antes pelo recorrente (que dela só ficou a saber após ler no Acórdão de Janeiro de 2014 onde se lê que “…Este Tribunal, após minucioso exame, não conseguiu localizar tal documento no processo…”.
- Jamais deveria o Tribunal “a quo” ter considerado esgotado o seu poder jurisdicional, conforme se retira do Acórdão do Pleno do STA atrás transcrito e ter considerado transitado o Acórdão de Janeiro de 2014;
- Jamais deveria o Tribunal “a quo” ter considerado aplicável ao caso o regime dos artºs 524.º e 693º-B do CPC, absolutamente destituídos de qualquer razão de ser: não foi realizada a junção de qualquer “novo” documento pelo recorrente, mas sim apresentado duplicado-recibo referente a uma junção já realizada ANTES, em 23/09/2008, mas cujo suporte documental não consta dos autos – como ficou a saber o recorrente após ter sido notificado do Acórdão de Janeiro de 2014;
- Jamais deveria o Tribunal “a quo” ter ordenado o desentranhamento do requerimento de arguição de nulidades de 19/02/2014 e do duplicado-recibo de 23/09/2008 que o instruía pois, da forma em que determinou, não cumpriu o seu dever de julgar (art. 608.º do CPC) e violou o artº 20º, nº 4 da CRP: não se afigura justo nem equitativo que um processo judicial não integre todas as peças que as partes fizeram juntar ao mesmo e que, confrontado com a prova de tal falta, um Tribunal a ignore, em lugar de declarar imediatamente a nulidade processual e ordenar a regularização material dos autos.
b) Por outro lado, é realmente necessário esclarecer esta questão, com vista a uma melhor aplicação do Direito, pela seguinte ordem de razões:
- Deverá ficar claro o entendimento plasmado no Douto acórdão do Pleno do STA de 05/05/2005 transcrito nestas alegações, consagrando-se a adequabilidade de suscitar nulidades junto do TCA, antes da apresentação de recurso de oposição de julgados;
- O recorrente interpôs hoje recurso de oposição de julgados e não pode, atento o âmbito do mesmo, nele discutir outras questões – conforme bem refere o mesmo Douto acórdão do STA;
- Não pode qualquer Tribunal declarar uma ilegalidade tão grave como a que aqui fica denunciada: falta e incorporação material em processo judicial de peças comprovadamente entregues pelas partes, sob pena de violação grosseira do artº 20º, nº 4 da CRP, norma que, atentas as circunstâncias denunciadas, foi grosseiramente violada pelo Douto Acórdão recorrido.
- O Douto Acórdão recorrido aborda uma questão jurídica absolutamente NOVA relativamente ao Acórdão proferido em Janeiro de 2014 nos presentes autos, pelo que deverá ser sindicada a respectiva legalidade em sede de recurso;
- O Douto Acórdão recorrido viola o art. 149.º do CPPT, que estipula o dever do órgão da AT organizar devidamente o PEF e apresenta-lo em Juízo, não podendo a AT, sob pena de clamorosa litigância de má fé beneficiar do erro que cometeu ao dissipar o requerimento e documentos apresentados pelo recorrente em 23/09/2014 – diminuindo ilegitimamente as garantias de defesa e contraditório deste.
5ª – Em face do exposto, deve ser revogado o Acórdão de 13/11/2014 e deve o mesmo ser substituído por outro que:
b) Conheça das questões suscitadas no requerimento do recorrente de 19/02/2014 – pois, contrariamente ao considerado – mantém-se o seu poder jurisdicional para o efeito;
c)Declare procedentes as nulidades apontadas no referido requerimento – que efectivamente existem – não se refugiando em inadmissíveis argumentos formais para fazer esquecer uma realidade inadmissível em qualquer sistema jurídico moderno:
- o recorrente juntou aos autos uma peça em 23/09/2008, ficando com o respectivo duplicado em seu poder, logo, convicto da incorporação da mesma nos autos;
- essa peça, porém, não foi efectivamente incorporada nos autos (ter-se-á extraviado?)
- só através do Acórdão de Janeiro de 2014 deste TCA, tomou o recorrente conhecimento de tal falta de incorporação;
- argui a correspondente nulidade, de harmonia com o disposto no STA no Acórdão do seu Pleno de 05/05/2005 que transcreveu no presente requerimento;
- é dever constitucional deste Tribunal (artº 20º, nº 4 da CRP) reparar um erro ao qual é alheio o recorrente, declarando a nulidade daí decorrente, que influi necessariamente no exame e decisão da causa pois amputa dos autos um elemento probatório que nunca foi efectivamente analisado no julgamento da causa.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 1460/1461 dos autos, concluindo que parece que não será de admitir o recurso de revista.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -

4 – Apreciando.
4.1 Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto e admitido para este STA como recurso de revista excepcional de revista, havendo agora que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito preceito legal a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

No caso dos autos não se afiguram preenchidos os pressupostos da revista excepcional.
O recurso de revista excepcional não pode ter por objecto a correcção de erros materiais ou o suprimento de alegada nulidade, sendo que, na sequência da interposição do presente recurso, sobre uns e outra já se pronunciou o Tribunal recorrido pelo seu acórdão de 19 de Fevereiro de 2015 (de fls. 1406 a 1408 dos autos), indeferindo a rectificação dos apontados erros e a invocada nulidade.
Ademais, constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14).
E não se descortina o que para além disso pretende o recorrente, pois nem evidencia com clareza a questão sobre a qual solicita a presente revista, nem procura demonstrar a verificação in casu dos respectivos pressupostos legais, cabendo ao recorrente o ónus de tal demonstração porquanto não é notório que em causa esteja questão que se revista de importância jurídica ou social fundamental ou que a admissibilidade do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Não será, pois, admitida a revista.

Após trânsito, vão os autos para distribuição do recurso por oposição de acórdãos já admitido pelo TCA-Sul (cfr. despacho de fls. 1455 dos autos).

- Decisão -
5 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se julgar não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11 de Maio de 2016. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - Casimiro Gonçalves.