Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:093/14.3BEAVR
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25347
Nº do Documento:SA220191217093/14
Data de Entrada:03/18/2019
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., SGPS, SA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF de Aveiro) datada de 28 de Novembro de 2018, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……….., SGPS, SA, contra o despacho da Directora de Serviços de IRC, de 24 de Julho de 2012, que lhe indeferiu o pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC, relativa ao exercício do ano de 2008. Ao julgar procedente a impugnação o TAF de Aveiro anulou a liquidação impugnada, condenou a AT em custas.

Alegou a AT, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, SGPS, S.A. relativamente à autoliquidação de IRC do exercício de 2008, pretendendo a recorrente Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.
1. Objecto do recurso
II) A questão decidenda a submeter ao Tribunal ad quem consiste em saber se o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento de direito ao ter considerado que, in casu, incumbia à AT o ónus da prova da impossibilidade de realização de uma avaliação por via directa.
2. O ónus da prova
III) Considerou o Tribunal recorrido que, competindo à AT o ónus de prova da impossibilidade de quantificação por via directa, a partir do momento em que esta se limitou a aplicar tal metodologia sem dar cumprimento ao encargo probatório que sobre si impendia, a impugnação teria de proceder.
IV) Ora, a liquidação resultou da entrega, pela própria impugnante, da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, de acordo com as orientações genéricas da AT constantes da Circular 7/2004, na parte refente aos encargos financeiros.
V) No entanto, as orientações genéricas emanadas pela AT não são dotadas de eficácia externa, não vinculando os contribuintes nas suas relações jurídico-tributárias.
VI) No que concerne à questão do ónus da prova, importa referir que estamos perante uma liquidação da iniciativa do contribuinte e não da AT, atendendo a que a autoliquidação é a liquidação de um tributo que não é realizada por aquela, mas pelo sujeito passivo, ainda que seguindo as orientações vertidas numa determinada circular, à qual não deve, porém, qualquer tipo de obediência.
VII) Resultando a liquidação da entrega da declaração de rendimentos por parte do contribuinte, a consequente liquidação assenta, directa e imediatamente, não num qualquer valor apurado pela AT, mas sim nos elementos constantes em tal declaração.
VIII) Nestes termos, não pode recair sobre a AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos de um acto tributário que assentou em factos da iniciativa do contribuinte, tendo o douto Tribunal a quo, ao perfilhar entendimento diverso, incorrido em erro de julgamento, violando o disposto no n.º 3 do artigo 74.º e o n.º 1 do artigo 75.º, ambos da LGT, bem como o preceituado no n.º 1 do artigo 16.º, na alínea a) do artigo 89.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, todos do Código do IRC.
3. O direito a juros indemnizatórios
IX) Considerou o Tribunal a quo que a impugnante teria direito a juros indemnizatórios “contados e pagos em conformidade com o disposto no artigo 61.º do CPPT”.
X) No entanto, para que se proceda à liquidação e pagamento dos aludidos juros é necessário que se encontre identificado o montante indevidamente pago de imposto, bem como o momento em que o mesmo foi pago.
XI) Nestes termos, violou o douto Tribunal o disposto nos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. A impugnante procedeu à entrega, via Internet, da declaração de rendimentos - modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2008.
2. Na declaração modelo 22 identificada no ponto 1, no quadro 07, a Impugnante procedeu à autoliquidação no valor de 100.423,75 €, respeitante a encargos financeiros.
3. O valor dos encargos financeiros a que se alude na alínea anterior corresponde ao estipulado nas orientações genéricas publicadas pela Administração Tributária, mediante a Circular n.º 7/2004, de 30 de março.
4. Em 30.05.2011, a Impugnante deu entrada no Serviço de Finanças da Feira 2 reclamação graciosa da liquidação impugnada, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 3 e ss. do processo administrativo apenso aos autos.
5. Em 03.12.2012 foi emitida a informação n.º 27-AT8/2012, a fls. 13/18 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por reproduzido.
6. O Sr. Diretor da Unidade de Grandes Contribuintes emitiu projeto de despacho de indeferimento datado de 11.12.2012.
7. Através dos ofícios n.ºs 2658 e 2659, datados de 12.12.2012, foi a Impugnante, pessoalmente e na pessoa da sua mandatária, notificada para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de decisão referido no ponto anterior.
8. A Impugnante não exerceu o direito de audição.
9. Em 28.12.2012 foi elaborada a informação n.º 27-AT8/2012.
10. Por despacho datado de 08.01.2013, o Sr. Diretor da Unidade de Grandes Contribuintes indeferiu a reclamação graciosa.
11. Em 19.03.2013, a Impugnante remeteu via fax ao Serviço de Finanças da Feira 2 recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 48/56 do processo administrativo apenso aos autos.
12. Em 31.07.2013, a Direção do IRC emitiu a informação n.º 1470/13, no sentido de ser negado provimento ao recurso hierárquico.
13. Sobre a informação mencionada no ponto anterior foi exarado despacho pela Sra. Diretora de Serviços, com o seguinte teor: “Indefiro o recurso com os fundamentos invocados.”.
14. A Impugnante não foi notificada para o exercício do direito de audição.
15. A Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico através do ofício n.º 2678.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
A recorrente pretende que se sindique a sentença relativamente às seguintes questões:
-ónus da prova;
-juros indemnizatórios.

A questão do ónus da prova.
Alega a recorrente que, no que concerne à questão do ónus da prova, importa referir que estamos perante uma liquidação da iniciativa do contribuinte e não da AT, atendendo a que a autoliquidação é a liquidação de um tributo que não é realizada por aquela, mas pelo sujeito passivo, ainda que seguindo as orientações vertidas numa determinada circular, à qual não deve, porém, qualquer tipo de obediência. Resultando a liquidação da entrega da declaração de rendimentos por parte do contribuinte, a consequente liquidação assenta, directa e imediatamente, não num qualquer valor apurado pela AT, mas sim nos elementos constantes em tal declaração. Nestes termos, não pode recair sobre a AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos de um acto tributário que assentou em factos da iniciativa do contribuinte, tendo o douto Tribunal a quo, ao perfilhar entendimento diverso, incorrido em erro de julgamento, violando o disposto no n.° 3 do artigo 74.° e o n.° 1 do artigo 75°, ambos da LGT, bem como o preceituado no n.° 1 do artigo 16.°, na alínea a) do artigo 89.° e na alínea a) do n.° 1 do artigo 90.°, todos do Código do IRC.

Esta questão já foi abordada e suficientemente escalpelizada em diversos acórdãos deste Supremo Tribunal, sendo certo que no acórdão de uniformização de jurisprudência citado na sentença recorrida –recurso n.º 0406/18.9BALSB de 26.09.2018- já se concluiu que, Em conclusão, é à AT que compete o ónus da prova para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, não permitindo o n.º 3 do art. 74.º da LGT que se faça recair esse ónus sobre o contribuinte.
Não havendo razão agora para se alterar tal entendimento, nem se descortinando mais ou melhores argumentos que devam levar a conclusão diferente, mantém-se o que já ali foi decidido.
Improcede, também esta questão.

A questão da condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.
Alega a recorrente, de forma bastante lacónica, que o Tribunal a quo considerou que a impugnante teria direito a juros indemnizatórios “contados e pagos em conformidade com o disposto no artigo 61.º do CPPT”, no entanto, para que se proceda à liquidação e pagamento dos aludidos juros é necessário que se encontre identificado o montante indevidamente pago de imposto, bem como o momento em que o mesmo foi pago, o que não resulta dos autos.

O direito ao recebimento dos juros indemnizatórios, em caso de pagamento do imposto, por parte dos contribuintes quando obtenham ganho de causa encontra-se expressamente previsto nos artigos 43º, 100º, 102º, n.º 2, todos da LGT e 61º do CPPT.
Tratando-se de sentença judicial condenatória no pagamento de tais juros incumbe à administração fiscal executar as operações materiais necessárias para o efeito, de acordo com as regras legais anteriormente referidas bem como, sendo caso disso, de acordo com a interpretação que este Supremo Tribunal tem feito de tais regras.
Não se vislumbra, assim, quaisquer dificuldades na execução de tal segmento condenatório, nem a recorrente as explica claramente.
Assim, improcede, também, esta questão.

Termos em que acordam os juízes do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.
D.n.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Aníbal Ferraz – Suzana Tavares da Silva (vencida conforme declaração em anexo).

Declaração de voto

Vencida por considerar que as normas da Circular nº 7/2004, de 30 de Março, não enfermam de inconstitucionalidade.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2019

Suzana Tavares da Silva